Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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ASPECTOS ÉTICOS DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Sandra Lucia de Souza
Pinto Cribb Professora do Curso de
Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente - UNIPLI Doutora em Engenharia
de Produção – UFRRJ RESUMO Este
artigo tem como objetivo refletir sobre o Desenvolvimento Sustentável do ponto
de vista ético. A cultura de dominação da natureza, apoiada na ciência
sobrepôs-se ao convívio respeitoso com a natureza, base milenar de comunidades
indígenas e de muitos povos ocidentais. Econômica e politicamente, o ocidente
passou a conviver com a cultura predatória do capitalismo, que atingiu a
natureza e o homem, levando a ameaças constantes de catástrofes naturais e
sociais generalizadas em todo o mundo. Para superar estes desafios contemporâneos
é necessária uma visão apoiada nos valores éticos para vencer obstáculos e
buscar formas de conquistar uma vida mais humanizada (para a humanidade)
para o planeta e assim atingir a melhora da qualidade de vida em todas as
suas dimensões. Palavras-chave:
ética, desenvolvimento sustentável, meio ambiente. Aspectos
éticos do desenvolvimento sustentável
O mundo atravessa um
momento onde a chamada globalização emerge agressivamente em nível planetário,
acentuando a concentração de renda, a desigualdade, a exclusão social e o
aumento da degradação ambiental, sobretudo nos países periféricos. Na América
Latina, a exclusão social impõe novos desafios e a busca de novos modelos de
desenvolvimento apoiados no desenvolvimento sustentável, que conforme a CMMDA
(1988, p. 46), significa "aquele que atende às necessidades do presente
sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem as suas próprias
necessidades".
A idéia de um desenvolvimento sustentável necessita ser pensada em
termos de uma ética que se fundamente no princípio da sustentabilidade. Este
aspecto nos leva a algumas divagações, dentre as quais destacamos duas:
primeiro, negar a possibilidade de algo mal ser erradicado da sociedade, cujo
funcionamento se assenta sobre a base da disfunção, do acidente, do catastrófico,
do irracional. Porém esta sociedade é real e negá-la seria sacrificá-la em
nome da sociedade ideal e da perspectiva religiosa da salvação.
Segundo, relativizar as noções de bem e de mal, de oposição
substantiva entre certo e errado. Pensar em termos éticos, hoje, seria abrir mão
dos parâmetros tradicionais do pensamento em que se espera que tudo vá se
aperfeiçoar e evoluir para o ideal. A moralidade seria o próprio ato de
reversibilidade entre o bem e o mal, que não podem ser separados. Em síntese,
a sociedade não pode ser exorcizada, ela é o fruto real de um modelo, de um
sistema perverso que provoca a catástrofe e depois procura formas de administrá-la.
Diante disso, não se pode apenas conservar a natureza. “Não se pode
conservar as coisas. É preciso pô-las em jogo, encarar os riscos, sem mascarar
as formas do mal” (Baudrillard, 1990; Martins, 1992). “A esperança no futuro e a certeza de que fazemos nossa
história asseguram-nos que podemos mudar toda prática que não seja
dignificante para a humanidade. Por isso mesmo, cabe-nos, como tarefa, não
permitir que o trágico se apodere da vida dos homens históricos do presente
nem destrua seus sonhos de elevação da condição humano do futuro, razão
pela qual o heroísmo daqueles que se tem empenhado na luta por um
desenvolvimento sustentável que assegure, senão a melhoria da qualidade de
vida imediatamente no presente, mas a possibilidade de sobrevivência da
humanidade num futuro próximo, hoje ameaçado por práticas históricas. Esse
heroísmo, enfatizamos, merece não apenas nosso respeito e admiração, mas,
sobretudo, o nosso engajamento e compromisso definitivo com as idéias que abraçam
e defendem” (Moraes, 1999, p. 17).
Para tratar destas questões destacamos os seguintes aspectos: Em
primeiro lugar, a história da degradação ambiental no Brasil é a história
de 500 anos de dominação, exploração, desagregação e fragmentação. A
penetração do capitalismo no Brasil (e na América) se fez pela desestruturação
do universo indígena e a reorganização dos sistemas econômico e cultural dos
povos. Houve um enfraquecimento dos laços de solidariedade comunitária,
privatizou-se a terra e aumentou a desigualdade sócio-econômica, além da
imposição de um novo sistema ideológico: a religião cristã e novos valores.
A cultura da dominação da natureza, fundamentada na ciência moderna
sobrepôs-se a cultura de convívio respeitoso com a natureza, que era a base
milenar de comunidades indígenas e dos povos orientais. Econômica e
politicamente, o continente passou a conviver com a cultura predatória do
capitalismo, que atingiu a natureza e o homem, provocando um processo de
metamorfose e readaptação permanentes, tanto na criação de novos métodos de
acumulação como de novas ideologias, o que levou a ameaças constantes de catástrofes
sociais generalizadas para boa parte da humanidade.
O mesmo ocorre com as questões ambientais (destruição da natureza,
poluição, desperdício, consumismo, degradação do ser humano, fome e miséria)
que são concebidas, no plano do senso comum, colocadas como questões pontuais,
isoladas, retiradas da totalidade social que as engendra e da qual fazem parte.
É no conjunto do que é considerado os seus meios de superação (defesa e
preservação da natureza, medidas anti-poluidoas, divisão eqüitativa da
riqueza social, garantia aos direitos de saúde, moradia, cultura, educação e
bem estar social) que a ética do presente deve ser pensada (Franco, 1993). “Na América Latina, a ‘crise do desenvolvimentismo’
teve uma grave dimensão fiscal, e um forte estrangulamento externo imposto pelo
endividamento e elevação da taxa de juros norte-americana. Mas essa crise foi
e é também uma crise das utopias, que expressa desencanto e perda de confiança
no futuro, incidindo, de modo corrosivo, sobre os próprios paradigmas de um
desenvolvimento econômico que produziu fantásticos desperdícios, desigualdade
e exclusão social e degradação ambiental. Ficou evidente que as expectativas
utópicas precisavam ser refeitas. Nesse vazio de frustrações e desencantos,
um novo horizonte utópico pode ser aberto pela idéia de um ‘desenvolvimento
sustentável’. Isso pode ser sumariado na proposição de que a lógica do
desenvolvimento não pode ser identificada com uma mera modernidade técnica.
Ela necessita ser subordinada aos imperativos de uma modernidade ética, fundada
no princípio da ‘sustentabilidade’. À ética da sustentabilidade caberia a
tarefa de respostas aos desafios contemporâneos. Diferentemente dos regulativos
éticos antecedentes, não se trata mais de encontrar termos relacionais equânimes
para um ‘contrato social’ firmado entre as partes em condições de
reciprocidade e simetria. O cerne da questão é a tarefa de se fornecer um
enquadramento ético para relações de poder assimétricas e, no limite,
unilaterais e não recíprocas. Esse é notoriamente o caso da vulnerabilidade
de condições futuras de vida com respeito a decisões e intervenções
realizadas hoje. Outro aspecto decisivo é a necessidade de se considerar a
irreversibilidade de processos, ou seja, situações em que não nos é possível
tomar amanhã ações corretivas e efeitos indesejáveis de cursos de ação
desencadeados hoje. Modelos de ajustamento com base num aprendizado por
‘tentativa e erro’ sempre fracassam quando há erros que excluem novas
tentativas. Em suma: se buscarmos encontrar no princípio ‘sustentabilidade’
o fundamento de uma modernidade ética a ser firmada nas políticas de
desenvolvimento, teremos que fazer uma importante revisão de premissas, pois a
idéia usual de um ‘contrato’ inter pares como fundamento da ética fracassa
aqui. A sustentablidade demanda uma nova concepção: um ‘pacto’ entre
desiguais” (...). ( Bartholo, 1999, p. 31).
Destacamos a proteção da natureza e o bem-estar social como aspectos
que padecem de uma determinada ética, que valoriza o tipo de sociedade em que
vivemos. Neste sentido, buscamos o nosso foco de estudo, a APARU do Jequiá para
aqui enfocar estes dois aspectos no que diz respeito a visão social e ambiental
que procuramos neste trabalho abordar.
Refletir sobre o desenvolvimento sustentável, partindo do ponto de vista
ético, nos remete a questão da moral. Pensando de uma forma simplista, poderíamos
dizer que ética e moral formam o conjunto das regras de conduta consideradas
permitidas numa determinada sociedade. Entretanto quem torna válido certos
valores são os próprios homens, e este aspecto por si só possibilita afirmar
que o ser humano está na origem da moral. Idéia semelhante é expressa por
Franco: “(...) E é o homem, o ser humano que está na raiz da
moral. Não se trata de um metafísico homem em geral, de uma natureza humana em
geral, tão absoluta quanto vaga e ambígua, porque, não há uma natureza ,em
geral a-histórica. Como diz o pensador italiano Gramsci, “o homem é um
processo, precisamente, o processo de seus atos” (Gramci,1978, p. 47).
Partimos de uma concepção ontológica de realidade, na qual o ser humano é
sujeito e produto de seu agir sobre a natureza, para a produção de seus meios
de vida; o homem como o ser que se faz pelo seu agir e, ao modificar a natureza
e a si próprio, faz a própria história. Neste sentido, ”a raiz do homem é
o próprio homem”, e a natureza humana é sempre o reflexo das relações
sociais, das mediações sociais ou das condições de vida que se estabelecem
entre os seres humanos na produção da existência, inclusive a interioridade
do homem, a que se produz no nível da consciência, a sua subjetividade.
Gramsci sintetiza estas idéias
dizendo que a humanidade que se reflete em cada individualidade é composta de
diversos elementos: o indivíduo, a natureza e os outros homens, isto é, as
relações sociais que ele estabelece (Gramsci, 1981, p. 39). O homem, o indivíduo,
é a base da sociedade mas a sociedade não é a soma de seres humanos, é,
antes, o resultado de relações que se estabelecem no seu agir”. (Franco,
1993, p. 14).
A característica das etapas evolutivas mostra que o homem se destaca, em
certo sentido, da natureza, produzindo seus meios de subsistência, agindo sobre
a natureza, definindo finalidades para suas ações, criando instrumentos e técnicas,
estabelecendo formas de cooperação social. Estas ações transformadoras levam
ao aparecimento do trabalho, nasce o mundo da economia e, com sua complexificação,
nasce a divisão social e técnica do trabalho.
Ribeiro (1978, p. 48) também menciona que, o conceito de revolução
tecnológica foi empregado para indicar que a certas transformações
prodigiosas da ação humana sobre a natureza, correspondem alterações
qualitativas em todo o modo de ser das sociedades que nos obrigam a tratá-las
como categorias novas dentro da evolução sociocultural. "Dentro desta
concepção, supomos que ao desencadeamento de cada revolução tecnológica, ou
à propagação de seus efeitos sobre o contexto sócio-culturais distintos,
através dos processos civilizatórios, tende a corresponder a emergência de
novas formações sócio-culturais”.
Destacamos aqui dois aspectos: primeiro, a vida social é essencialmente
prática, produto das atividades dos homens que agem em condições determinadas
e, segundo, este agir de acordo com uma teleologia, com finalidades postas pelo
próprio homem, se expressa em uma noção problemática que é a introdução
da consciência ou da liberdade no mundo da necessidade.
Em outras palavras, toda atividade laboral aparece como resposta a
necessidades que levam o ser humano a agir, a criar, a inovar, a dar respostas
ou soluções aos problemas. “Essa gênese teleológica tem importantes conseqüências
para os processos sociais. À medida que se complexificam os conhecimentos, não
só em relação à natureza, mas das próprias relações sociais, os conflitos
envolvem, cada vez mais, a totalidade da vida social, indo desde os contrastes e
confrontos nas esferas privadas, no trabalho individual, até os grandes
problemas sociais enfrentados pela humanidade, inclusive em processos revolucionários.
A discrepância entre as posições teleológicas e os seus efeitos causais
aumenta com o crescimento das sociedades e com a intensificação da participação
social em tais sociedades. A desagregação e a fragmentação em todas as
esferas da participação social no sistema capitalista devem ser entendidas
como um dos efeitos dessa complexificação dos processos sociais.“ (Franco,
op.cit, p. 15)”.
A sociedade moderna vive impasses, tais como: abundância de bens
produzidos contrastando com a pobreza crescente de seus produtores, a revolução
científico-tecnológica da informatização que aperfeiçoa os processos
produtivos, reduz os custos, aumenta a produção e concorre para um brutal
desemprego estrutural e, conseqüentemente, para toda espécie de carências
materiais e culturais. Tais impasses são manifestações contundentes do que se
poderia considerar a versão pós-moderna da fábula do aprendiz de feiticeiro:
o homem desencadeando um processo positivo que se transforma em um pesadelo
incontrolável.
Uma maneira de compreender este aspecto seria adotar a noção do homem
como ser responsável, pois aos indivíduos de qualquer sociedade são atribuídos
valores e escolhas de comportamentos adequados à sociedade em que vivem, e
estes aspectos irão conformar a sua educação, a sua consciência moral.
Podemos então afirmar que a responsabilidade seria a consciência e a aceitação
das relações sociais que formam o ser humano.
Bartholo (1999, pp. 32,33) menciona que, “a ética destina-se à ordenação e regulação do poder
de agir. Resgata o pensamento de Hans Jonas (1979, p. 102) que propõe a
responsabilidade como princípio ético que inclui, em sua dimensão temporal
futura, o ainda-não-ser existente, como “um compromisso de preservação do
ser, uma responsabilidade pelo ser”, capaz de restringir a capacidade humana
de agir como um destruidor da auto-afirmação do ser expressa na perenização
da vida. Nossa proposta é que a formulação de Jonas pode servir de
fundamento para uma ética da sustentabilidade, concebendo o desenvolvimento
sustentável como a incorporação ao horizonte da intervenção transformadora
do ‘mundo da necessidade’ o compromisso com a perenização da vida. Isso requer um acervo de conhecimentos e de habilidades de ação
para a implementação de processos tecnicamente viáveis e eticamente desejáveis.
Tal acervo são as tecnologias da sustentabilidade, que podem ser caracterizadas
como ‘saberes e habilidades de perenização da vida’. As tecnologias da
sustentabilidade dizem respeito tanto a processos de produção e circulação
do produto, como a modos de organização social, padrões de ganho e
processamento de informações etc. (...). O ‘imperativo da sustentabilidade’ não nos deixa
esquecer que a economia está assentada sobre o fato primordial biológico de
que vivemos por metabolismo e somos ‘criaturas de necessidade’. Suprir
necessidades pertence à auto-afirmação da vida. A ‘necessidade’ é algo
que a existência orgânica quer incondicionalmente, para, metabolicamente
continuar sendo. O lema ‘vamos comer e beber hoje, pois amanhã estaremos
mortos’ pode ser significativo para mortais sem futuro. Mas, mortais com
futuro, que conhecem o encadeamento de nascimentos e mortes, o reconhecimento da
responsabilidade pela perenização da vida, fundada no fato elementar da
reprodução é tão constitutivo da economia como o é o interesse próprio,
fundado no metabolismo. A ética da sustentabilidade tem uma perspectiva
‘futurista’ e se apóia sobre uma ‘futurologia’ (i.e. uma projeção
científico-tecnologicamente informada de cenários aos quais as ações
presentes podem conduzir). A virada do século XIX foi pródiga em formulações
da futurologia dos cenários desejados, os utopismos diversos que tão fundo
marcaram os corações e mentes do século XX. Mas a futurologia da advertência
que embasa a modernidade ética da sustentabilidade nós ainda precisamos
aprender. Para Hans
Jonas ‘o homem nos é o único ser conhecido que pode ter responsabilidade. Na
medida em que ele a pode Ter, ele a tem. A capacidade de responsabilidade
significa já a colocação sob seu imperativo: o próprio poder leva consigo o
dever’. A capacidade de responsabilidade é uma capacidade ética que repousa
sobre ‘ a aptidão ontológica do homem de escolher entre alternativas de ação
com saber e vontade’. Hans Jonas também situa que toda ‘ampliação do
poder é também ampliação de seus efeitos no futuro’ (Jonas, 1992, p. 133).
O que impõe que todo efetivo exercício da responsabilidade exige prudência.
Isso significa apoiar nossos atos em avaliações criteriosas de seus impactos.
Esse conhecimento requer a formulação de modelos capazes de aumentar nossa
capacidade preditiva com recurso a simulações prospectivas. A discussão da moral
e suas raízes nos possibilita uma visão crítica da questão ambiental.
Primeiro, os problemas éticos, aparentemente questões simples, não comportam
nem uma aceitação passiva de regras de conduta, nem uma liberdade aleatória
para definir individualmente nossos fins e valores. Em segundo lugar, o problema
moral não pode ser evitado ou substituído pela questão científica ou técnica
da ciência, ou mesmo pela questão religiosa de uma ordem verdadeira da
natureza e das coisas, que permitiriam a conduta moral um fundamento estável e
externo ao homem.
Buscando outra vez a visão de Franco (1993), o problema da moral, na
vida dos homens é feito de contradições vividas, sempre renovadas a partir
das necessidades de nossa luta e do sentido da responsabilidade de cada indivíduo,
o que nos possibilita o estudo e aplicação de leis ou das tendências do
desenvolvimento social, e podemos delinear alguns prováveis futuros. A autora
cita Garaudy (1969, p. 5-6) para quem, nossa condição humana não “nos dispensa
da tomada de consciência da nossa responsabilidade como sujeitos agentes
criadores da nossa história e não como objetos de uma história segundo uma
concepção que nos reduziria a ser uma mera resultante ou a soma das condições
de nossa existência” . Franco segue seu raciocínio
mencionando que temos de buscar os caminhos para sair da imobilidade reativa
para uma atitude ativa na busca das mediações sociais que podem conduzir à
transformação.
Para encontrar os caminhos
que possam conduzir a saída deste impasse é necessário, segundo a visão de
Jonas, resgatada por Bartholo, “Imperativo que consigamos ‘1. maximizar o conhecimento
das conseqüências de nossos atos com vistas a como eles podem determinar e
ameaçar a sorte futura do homem, e 2. À luz desse conhecimento daquilo que
deve ou não deve ser, daquilo a ser permitido ou evitado: enfim, e de modo
positivo: um conhecimento do bem, do que o homem deve ser, para o que certamente
ajuda uma visão do que não deve ser, mas aparece, por primeira vez, como possível”
(Jonas, 1992; apud, Bartholo, 1999, p, 34). O primeiro desses
saberes é um saber objetivo-científico-técnico, fundado na explicitação de
vínculos causais configuradores de tendências. O segundo desses saberes é ético-valorativo.
Eles são a régua e compasso da formulação das “futurologias da advertência”,
e como tais, ferramentas da modernidade ética da sustentabilidade. “Um elemento de base dessa modernidade ética é, portanto,
o mandamento da informação máxima sobre as conseqüências dos diversos
cursos de ação. Isso implica um vasto campo de pesquisa a ser apoiado e
desenvolvido contribuindo decisivamente para confrontar o exercício dos poderes
correntes com a síntese de suas razoavelmente presumíveis conseqüências
futuras” (Ibid). As condições de vida
do planeta atingiram um nível tal de desagregação e fragmentação, inclusive
quanto às formas de sobrevivência, que os valores éticos no desenvolvimento
sustentável, tornam-se uma necessidade moral. Neste sentido podemos
destacar a importância da abordagem interdisciplinar no tratamento das questões
ambientais, da sustentabilidade, para compreender melhor a realidade que
queremos transformar. Entretanto, para atingir esta concepção há alguns obstáculos.
Em primeiro lugar, vivemos um processo de fragmentação da nossa vida, do nosso
cotidiano, com uma separação enorme entre o econômico e o simbólico. Em
segundo lugar essa fragmentação é parte do conhecimento produzido sobre a
realidade; à diversidade de objetos corresponde o saber fragmentado em diversas
ciências separadas. Morin (1999, 2000)
possui uma visão ainda mais ampliada. Ele afirma que o caminho para abordar
dimensões como o ambiente, a economia, a sociedade, enfim a vida deve ser a
transdisciplinadidade; dessa forma, amplia-se a diversidade de conhecimentos,
cria-se a possibilidade de comunicação entre as ciências. Além disto, não
separa o observador do observado ou o sujeito do objeto porque eles permanecem
interligados; um pode pertencer ou ser do outro. “Sabemos cada vez mais que as disciplinas se fecham e não
se comunicam umas com as outras. Os fenômenos são cada vez mais fragmentados,
e não se consegue conceber a sua unidade. É por isso que se diz cada vez mais:
‘façamos interdisciplinaridade’. Mas a interdisciplinaridade controla tanto
as disciplinas como a ONU controla nações. Cada disciplina pretende primeiro
fazer reconhecer sua soberania territorial e, à custa de algumas magras trocas,
as fronteiras confirmam-se em vez de se desmoronar. Portanto, é preciso ir além,
e aqui aparece o termo ‘transdisciplinaridade’. (...). Mas o importante é
que os princípios transdisciplinares fundamentais da ciência, a matematização,
a formalização são precisamente os que permitem desenvolver o enclausuramento
disciplinar. Em outras palavras, a unidade foi sempre hiperabstrata,
hiperformalizada, e só pode fazer comunicarem-se as diferentes dimensões do
real abolindo essas dimensões, isto é, unidimensionalizando o real”. (Morin,
1999, pp. 135-136). Pensando nos caminhos
para vencer os obstáculos mencionados anteriormente, podemos afirmar que,
primeiro, avançar nesta reflexão pressupõe antes de tudo buscar
possibilidades de conquistar uma vida humanizada para o homem e o planeta. Uma
das formas seria buscar um outro conceito de ciência, tentar compreender a
diversidade de práticas científicas e que estas se modificam ao longo do
tempo, conforme as diferentes determinações sociais. Morin (Ibid) também
prepondera que, precisamos de um paradigma que permita separar, opor,
distinguir, dividir os domínios científicos, mas também que possa fazê-los
se comunicarem sem levar a redução, a separação total, e, portanto a
simplificação, pois este paradigma sem dúvida é insuficiente e mutilante. “É preciso um paradigma de complexidade, que, ao mesmo
tempo, separe e associe, que conceba os níveis de emergência
da realidade sem os reduzir às unidades elementares e às leis gerais.
(...). Portanto, devemos ir do físico ao social e também ao antropológico,
porque todo conhecimento depende das condições, possibilidades e limites de
nosso entendimento, isto é, de nosso espírito-cérebro de homo
sapiens. É, portanto, necessário enraizar o conhecimento físico, e
igualmente biológico, numa cultura, numa sociedade, numa história, numa
humanidade. A partir daí, cria-se a possibilidade de comunicação entre as ciências,
e a ciência transdisciplinar é a que poderá desenvolver-se a partir dessas
comunicações, dado que o antropossocial remete ao biológico, que remete ao físico,
que remete ao antropossocial”. (Morin, 1999, pp. 138 –139). Segundo, ter a
compreensão de que o mundo sofre influência das sociedades que o compõem e,
sendo assim, as coisas ruins que nos fazem sofrer, não são naturais, são
provocadas, produto de relações perversas com a natureza, inclusive com a
natureza humana. Um terceiro aspecto
seria a superação de uma visão de realidade e tentar entendê-la como algo
diferente e múltiplo, com sua própria dinâmica. Só uma visão apoiada
nos valores éticos pode abrir caminhos para a melhora da qualidade de vida em
todas as suas dimensões; na promoção de estudos sobre as questões ambientais
com a participação dos grupos sociais envolvidos; inclusive na criação de
mecanismos de participação popular na gestão da educação, garantindo assim
uma educação mais eqüitativa. Além disto, os setores organizados da
sociedade civil devem procurar influir nos meios de comunicação para assegurar
uma nova visão de desenvolvimento, conferindo assim, a possibilidade de
repensarmos e modificarmos nossa relação com o ambiente e a nossa identidade.
Tal discussão reforça a idéia de que a sustentabilidade requer o exercício
da responsabilidade que, para Morin (Ibid, p. 117) “é noção humanística ética
que só tem sentido para o sujeito consciente” de que devem zelar pelas condições
de vida das gerações futuras. Além disto, nos remete a uma nova ciência, a
ciência transdisciplinar. Estas dimensões podem contribuir para que a
humanidade perceba a vida como o verdadeiro patrimônio universal. Afinal,
pensar em boas condições de vida para as próximas gerações pressupõe o
princípio da precaução ou da prudência. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS BARTHOLO, R.
S. JR. “A mais moderna das esfinges – notas sobre ética e
desenvolvimento”. Anais do Seminário
Desenvolvimento Sustentável e Poder Local. Fasa Editora/UNICAP/AUSJAL.
Recife. 1999. CMMAD
(Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento). Nosso
Futuro Comum. Editora Fundação
Getúlio Vargas. 1988. FRANCO, M.
C. “Educação ambiental: uma questão ética”. Cadernos
do Centro de Estudos Educação e Sociedade, nº 29. Campinas, São Paulo.
Papirus, 1993. MORAES,
A. O. “Filosofia do desenvolvimento sustentável segundo Stephan Schmidheiny”.
Anais do Seminário Desenvolvimento
Sustentável e Poder Local. Recife. Fasa Editora/UNICAP/AUSJAL. 1999. MORIN, E. Ciência com consciênciaRio de Janeiro. Bertrand Brasil. 1999. MORIN, E. Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar.
Rio de Janeiro. Editora Garamond. 2000. |