Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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14/03/2008 (Nº 23) ASPECTOS ÉTICOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
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Revista Educação ambiental em Ação 23

ASPECTOS ÉTICOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

 

Sandra Lucia de Souza Pinto Cribb

Professora do Curso de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente - UNIPLI

Doutora em Engenharia de Produção – UFRRJ

sandralucribb@yahoo.com.br

 

RESUMO

Este artigo tem como objetivo refletir sobre o Desenvolvimento Sustentável do ponto de vista ético. A cultura de dominação da natureza, apoiada na ciência sobrepôs-se ao convívio respeitoso com a natureza, base milenar de comunidades indígenas e de muitos povos ocidentais. Econômica e politicamente, o ocidente passou a conviver com a cultura predatória do capitalismo, que atingiu a natureza e o homem, levando a ameaças constantes de catástrofes naturais e sociais generalizadas em todo o mundo. Para superar estes desafios contemporâneos é necessária uma visão apoiada nos valores éticos para vencer obstáculos e buscar formas de conquistar uma vida mais humanizada (para a humanidade)  para o planeta e assim atingir a melhora da qualidade de vida em todas as suas dimensões.

 

Palavras-chave: ética, desenvolvimento sustentável, meio ambiente.

 

Aspectos éticos do desenvolvimento sustentável

            O mundo atravessa um momento onde a chamada globalização emerge agressivamente em nível planetário, acentuando a concentração de renda, a desigualdade, a exclusão social e o aumento da degradação ambiental, sobretudo nos países periféricos. Na América Latina, a exclusão social impõe novos desafios e a busca de novos modelos de desenvolvimento apoiados no desenvolvimento sustentável, que conforme a CMMDA (1988, p. 46), significa "aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem as suas próprias necessidades".

            A idéia de um desenvolvimento sustentável necessita ser pensada em termos de uma ética que se fundamente no princípio da sustentabilidade. Este aspecto nos leva a algumas divagações, dentre as quais destacamos duas: primeiro, negar a possibilidade de algo mal ser erradicado da sociedade, cujo funcionamento se assenta sobre a base da disfunção, do acidente, do catastrófico, do irracional. Porém esta sociedade é real e negá-la seria sacrificá-la em nome da sociedade ideal e da perspectiva religiosa da salvação.

            Segundo, relativizar as noções de bem e de mal, de oposição substantiva entre certo e errado. Pensar em termos éticos, hoje, seria abrir mão dos parâmetros tradicionais do pensamento em que se espera que tudo vá se aperfeiçoar e evoluir para o ideal. A moralidade seria o próprio ato de reversibilidade entre o bem e o mal, que não podem ser separados. Em síntese, a sociedade não pode ser exorcizada, ela é o fruto real de um modelo, de um sistema perverso que provoca a catástrofe e depois procura formas de administrá-la. Diante disso, não se pode apenas conservar a natureza. “Não se pode conservar as coisas. É preciso pô-las em jogo, encarar os riscos, sem mascarar as formas do mal” (Baudrillard, 1990; Martins, 1992).

“A esperança no futuro e a certeza de que fazemos nossa história asseguram-nos que podemos mudar toda prática que não seja dignificante para a humanidade. Por isso mesmo, cabe-nos, como tarefa, não permitir que o trágico se apodere da vida dos homens históricos do presente nem destrua seus sonhos de elevação da condição humano do futuro, razão pela qual o heroísmo daqueles que se tem empenhado na luta por um desenvolvimento sustentável que assegure, senão a melhoria da qualidade de vida imediatamente no presente, mas a possibilidade de sobrevivência da humanidade num futuro próximo, hoje ameaçado por práticas históricas. Esse heroísmo, enfatizamos, merece não apenas nosso respeito e admiração, mas, sobretudo, o nosso engajamento e compromisso definitivo com as idéias que abraçam e defendem” (Moraes, 1999, p. 17).

            Para tratar destas questões destacamos os seguintes aspectos: Em primeiro lugar, a história da degradação ambiental no Brasil é a história de 500 anos de dominação, exploração, desagregação e fragmentação. A penetração do capitalismo no Brasil (e na América) se fez pela desestruturação do universo indígena e a reorganização dos sistemas econômico e cultural dos povos. Houve um enfraquecimento dos laços de solidariedade comunitária, privatizou-se a terra e aumentou a desigualdade sócio-econômica, além da imposição de um novo sistema ideológico: a religião cristã e novos valores.

            A cultura da dominação da natureza, fundamentada na ciência moderna sobrepôs-se a cultura de convívio respeitoso com a natureza, que era a base milenar de comunidades indígenas e dos povos orientais. Econômica e politicamente, o continente passou a conviver com a cultura predatória do capitalismo, que atingiu a natureza e o homem, provocando um processo de metamorfose e readaptação permanentes, tanto na criação de novos métodos de acumulação como de novas ideologias, o que levou a ameaças constantes de catástrofes sociais generalizadas para boa parte da humanidade.

            O mesmo ocorre com as questões ambientais (destruição da natureza, poluição, desperdício, consumismo, degradação do ser humano, fome e miséria) que são concebidas, no plano do senso comum, colocadas como questões pontuais, isoladas, retiradas da totalidade social que as engendra e da qual fazem parte. É no conjunto do que é considerado os seus meios de superação (defesa e preservação da natureza, medidas anti-poluidoas, divisão eqüitativa da riqueza social, garantia aos direitos de saúde, moradia, cultura, educação e bem estar social) que a ética do presente deve ser pensada (Franco, 1993).

“Na América Latina, a ‘crise do desenvolvimentismo’ teve uma grave dimensão fiscal, e um forte estrangulamento externo imposto pelo endividamento e elevação da taxa de juros norte-americana. Mas essa crise foi e é também uma crise das utopias, que expressa desencanto e perda de confiança no futuro, incidindo, de modo corrosivo, sobre os próprios paradigmas de um desenvolvimento econômico que produziu fantásticos desperdícios, desigualdade e exclusão social e degradação ambiental. Ficou evidente que as expectativas utópicas precisavam ser refeitas. Nesse vazio de frustrações e desencantos, um novo horizonte utópico pode ser aberto pela idéia de um ‘desenvolvimento sustentável’. Isso pode ser sumariado na proposição de que a lógica do desenvolvimento não pode ser identificada com uma mera modernidade técnica. Ela necessita ser subordinada aos imperativos de uma modernidade ética, fundada no princípio da ‘sustentabilidade’. À ética da sustentabilidade caberia a tarefa de respostas aos desafios contemporâneos. Diferentemente dos regulativos éticos antecedentes, não se trata mais de encontrar termos relacionais equânimes para um ‘contrato social’ firmado entre as partes em condições de reciprocidade e simetria. O cerne da questão é a tarefa de se fornecer um enquadramento ético para relações de poder assimétricas e, no limite, unilaterais e não recíprocas. Esse é notoriamente o caso da vulnerabilidade de condições futuras de vida com respeito a decisões e intervenções realizadas hoje. Outro aspecto decisivo é a necessidade de se considerar a irreversibilidade de processos, ou seja, situações em que não nos é possível tomar amanhã ações corretivas e efeitos indesejáveis de cursos de ação desencadeados hoje. Modelos de ajustamento com base num aprendizado por ‘tentativa e erro’ sempre fracassam quando há erros que excluem novas tentativas. Em suma: se buscarmos encontrar no princípio ‘sustentabilidade’ o fundamento de uma modernidade ética a ser firmada nas políticas de desenvolvimento, teremos que fazer uma importante revisão de premissas, pois a idéia usual de um ‘contrato’ inter pares como fundamento da ética fracassa aqui. A sustentablidade demanda uma nova concepção: um ‘pacto’ entre desiguais” (...). ( Bartholo, 1999, p. 31).

            Destacamos a proteção da natureza e o bem-estar social como aspectos que padecem de uma determinada ética, que valoriza o tipo de sociedade em que vivemos. Neste sentido, buscamos o nosso foco de estudo, a APARU do Jequiá para aqui enfocar estes dois aspectos no que diz respeito a visão social e ambiental que procuramos neste trabalho abordar.

            Refletir sobre o desenvolvimento sustentável, partindo do ponto de vista ético, nos remete a questão da moral. Pensando de uma forma simplista, poderíamos dizer que ética e moral formam o conjunto das regras de conduta consideradas permitidas numa determinada sociedade. Entretanto quem torna válido certos valores são os próprios homens, e este aspecto por si só possibilita afirmar que o ser humano está na origem da moral. Idéia semelhante é expressa por Franco:

“(...) E é o homem, o ser humano que está na raiz da moral. Não se trata de um metafísico homem em geral, de uma natureza humana em geral, tão absoluta quanto vaga e ambígua, porque, não há uma natureza ,em geral a-histórica. Como diz o pensador italiano Gramsci, “o homem é um processo, precisamente, o processo de seus atos” (Gramci,1978, p. 47). Partimos de uma concepção ontológica de realidade, na qual o ser humano é sujeito e produto de seu agir sobre a natureza, para a produção de seus meios de vida; o homem como o ser que se faz pelo seu agir e, ao modificar a natureza e a si próprio, faz a própria história. Neste sentido, ”a raiz do homem é o próprio homem”, e a natureza humana é sempre o reflexo das relações sociais, das mediações sociais ou das condições de vida que se estabelecem entre os seres humanos na produção da existência, inclusive a interioridade do homem, a que se produz no nível da consciência, a sua subjetividade. Gramsci  sintetiza estas idéias dizendo que a humanidade que se reflete em cada individualidade é composta de diversos elementos: o indivíduo, a natureza e os outros homens, isto é, as relações sociais que ele estabelece (Gramsci, 1981, p. 39). O homem, o indivíduo, é a base da sociedade mas a sociedade não é a soma de seres humanos, é, antes, o resultado de relações que se estabelecem no seu agir”. (Franco, 1993, p. 14).

            A característica das etapas evolutivas mostra que o homem se destaca, em certo sentido, da natureza, produzindo seus meios de subsistência, agindo sobre a natureza, definindo finalidades para suas ações, criando instrumentos e técnicas, estabelecendo formas de cooperação social. Estas ações transformadoras levam ao aparecimento do trabalho, nasce o mundo da economia e, com sua complexificação, nasce a divisão social e técnica do trabalho.  

            Ribeiro (1978, p. 48) também menciona que, o conceito de revolução tecnológica foi empregado para indicar que a certas transformações prodigiosas da ação humana sobre a natureza, correspondem alterações qualitativas em todo o modo de ser das sociedades que nos obrigam a tratá-las como categorias novas dentro da evolução sociocultural. "Dentro desta concepção, supomos que ao desencadeamento de cada revolução tecnológica, ou à propagação de seus efeitos sobre o contexto sócio-culturais distintos, através dos processos civilizatórios, tende a corresponder a emergência de novas formações sócio-culturais”.

            Destacamos aqui dois aspectos: primeiro, a vida social é essencialmente prática, produto das atividades dos homens que agem em condições determinadas e, segundo, este agir de acordo com uma teleologia, com finalidades postas pelo próprio homem, se expressa em uma noção problemática que é a introdução da consciência ou da liberdade no mundo da necessidade.

            Em outras palavras, toda atividade laboral aparece como resposta a necessidades que levam o ser humano a agir, a criar, a inovar, a dar respostas ou soluções aos problemas.

“Essa gênese teleológica tem importantes conseqüências para os processos sociais. À medida que se complexificam os conhecimentos, não só em relação à natureza, mas das próprias relações sociais, os conflitos envolvem, cada vez mais, a totalidade da vida social, indo desde os contrastes e confrontos nas esferas privadas, no trabalho individual, até os grandes problemas sociais enfrentados pela humanidade, inclusive em processos revolucionários. A discrepância entre as posições teleológicas e os seus efeitos causais aumenta com o crescimento das sociedades e com a intensificação da participação social em tais sociedades. A desagregação e a fragmentação em todas as esferas da participação social no sistema capitalista devem ser entendidas como um dos efeitos dessa complexificação dos processos sociais.“ (Franco, op.cit, p. 15)”.

            A sociedade moderna vive impasses, tais como: abundância de bens produzidos contrastando com a pobreza crescente de seus produtores, a revolução científico-tecnológica da informatização que aperfeiçoa os processos produtivos, reduz os custos, aumenta a produção e concorre para um brutal desemprego estrutural e, conseqüentemente, para toda espécie de carências materiais e culturais. Tais impasses são manifestações contundentes do que se poderia considerar a versão pós-moderna da fábula do aprendiz de feiticeiro: o homem desencadeando um processo positivo que se transforma em um pesadelo incontrolável.

            Uma maneira de compreender este aspecto seria adotar a noção do homem como ser responsável, pois aos indivíduos de qualquer sociedade são atribuídos valores e escolhas de comportamentos adequados à sociedade em que vivem, e estes aspectos irão conformar a sua educação, a sua consciência moral. Podemos então afirmar que a responsabilidade seria a consciência e a aceitação das relações sociais que formam o ser humano.

            Bartholo (1999, pp. 32,33) menciona que,

“a ética destina-se à ordenação e regulação do poder de agir. Resgata o pensamento de Hans Jonas (1979, p. 102) que propõe a responsabilidade como princípio ético que inclui, em sua dimensão temporal futura, o ainda-não-ser existente, como “um compromisso de preservação do ser, uma responsabilidade pelo ser”, capaz de restringir a capacidade humana de agir como um destruidor da auto-afirmação do ser expressa na perenização da vida.

Nossa proposta é que a formulação de Jonas pode servir de fundamento para uma ética da sustentabilidade, concebendo o desenvolvimento sustentável como a incorporação ao horizonte da intervenção transformadora do ‘mundo da necessidade’ o compromisso com a perenização da vida.

Isso requer um acervo de conhecimentos e de habilidades de ação para a implementação de processos tecnicamente viáveis e eticamente desejáveis. Tal acervo são as tecnologias da sustentabilidade, que podem ser caracterizadas como ‘saberes e habilidades de perenização da vida’. As tecnologias da sustentabilidade dizem respeito tanto a processos de produção e circulação do produto, como a modos de organização social, padrões de ganho e processamento de informações etc. (...).

O ‘imperativo da sustentabilidade’ não nos deixa esquecer que a economia está assentada sobre o fato primordial biológico de que vivemos por metabolismo e somos ‘criaturas de necessidade’. Suprir necessidades pertence à auto-afirmação da vida. A ‘necessidade’ é algo que a existência orgânica quer incondicionalmente, para, metabolicamente continuar sendo. O lema ‘vamos comer e beber hoje, pois amanhã estaremos mortos’ pode ser significativo para mortais sem futuro. Mas, mortais com futuro, que conhecem o encadeamento de nascimentos e mortes, o reconhecimento da responsabilidade pela perenização da vida, fundada no fato elementar da reprodução é tão constitutivo da economia como o é o interesse próprio, fundado no metabolismo.

A ética da sustentabilidade tem uma perspectiva ‘futurista’ e se apóia sobre uma ‘futurologia’ (i.e. uma projeção científico-tecnologicamente informada de cenários aos quais as ações presentes podem conduzir). A virada do século XIX foi pródiga em formulações da futurologia dos cenários desejados, os utopismos diversos que tão fundo marcaram os corações e mentes do século XX. Mas a futurologia da advertência que embasa a modernidade ética da sustentabilidade nós ainda precisamos aprender.     Para Hans Jonas ‘o homem nos é o único ser conhecido que pode ter responsabilidade. Na medida em que ele a pode Ter, ele a tem. A capacidade de responsabilidade significa já a colocação sob seu imperativo: o próprio poder leva consigo o dever’. A capacidade de responsabilidade é uma capacidade ética que repousa sobre ‘ a aptidão ontológica do homem de escolher entre alternativas de ação com saber e vontade’. Hans Jonas também situa que toda ‘ampliação do poder é também ampliação de seus efeitos no futuro’ (Jonas, 1992, p. 133). O que impõe que todo efetivo exercício da responsabilidade exige prudência. Isso significa apoiar nossos atos em avaliações criteriosas de seus impactos. Esse conhecimento requer a formulação de modelos capazes de aumentar nossa capacidade preditiva com recurso a simulações prospectivas.

A discussão da moral e suas raízes nos possibilita uma visão crítica da questão ambiental. Primeiro, os problemas éticos, aparentemente questões simples, não comportam nem uma aceitação passiva de regras de conduta, nem uma liberdade aleatória para definir individualmente nossos fins e valores. Em segundo lugar, o problema moral não pode ser evitado ou substituído pela questão científica ou técnica da ciência, ou mesmo pela questão religiosa de uma ordem verdadeira da natureza e das coisas, que permitiriam a conduta moral um fundamento estável e externo ao homem.

            Buscando outra vez a visão de Franco (1993), o problema da moral, na vida dos homens é feito de contradições vividas, sempre renovadas a partir das necessidades de nossa luta e do sentido da responsabilidade de cada indivíduo, o que nos possibilita o estudo e aplicação de leis ou das tendências do desenvolvimento social, e podemos delinear alguns prováveis futuros. A autora cita Garaudy (1969, p. 5-6) para quem, nossa condição humana não

 “nos dispensa da tomada de consciência da nossa responsabilidade como sujeitos agentes criadores da nossa história e não como objetos de uma história segundo uma concepção que nos reduziria a ser uma mera resultante ou a soma das condições de nossa existência” .

Franco segue seu raciocínio mencionando que temos de buscar os caminhos para sair da imobilidade reativa para uma atitude ativa na busca das mediações sociais que podem conduzir à transformação.

             Para encontrar os caminhos que possam conduzir a saída deste impasse é necessário, segundo a visão de Jonas, resgatada por Bartholo,

“Imperativo que consigamos ‘1. maximizar o conhecimento das conseqüências de nossos atos com vistas a como eles podem determinar e ameaçar a sorte futura do homem, e 2. À luz desse conhecimento daquilo que deve ou não deve ser, daquilo a ser permitido ou evitado: enfim, e de modo positivo: um conhecimento do bem, do que o homem deve ser, para o que certamente ajuda uma visão do que não deve ser, mas aparece, por primeira vez, como possível” (Jonas, 1992; apud, Bartholo, 1999, p, 34).

O primeiro desses saberes é um saber objetivo-científico-técnico, fundado na explicitação de vínculos causais configuradores de tendências. O segundo desses saberes é ético-valorativo. Eles são a régua e compasso da formulação das “futurologias da advertência”, e como tais, ferramentas da modernidade ética da sustentabilidade.

“Um elemento de base dessa modernidade ética é, portanto, o mandamento da informação máxima sobre as conseqüências dos diversos cursos de ação. Isso implica um vasto campo de pesquisa a ser apoiado e desenvolvido contribuindo decisivamente para confrontar o exercício dos poderes correntes com a síntese de suas razoavelmente presumíveis conseqüências futuras” (Ibid).

As condições de vida do planeta atingiram um nível tal de desagregação e fragmentação, inclusive quanto às formas de sobrevivência, que os valores éticos no desenvolvimento sustentável, tornam-se uma necessidade moral.

Neste sentido podemos destacar a importância da abordagem interdisciplinar no tratamento das questões ambientais, da sustentabilidade, para compreender melhor a realidade que queremos transformar. Entretanto, para atingir esta concepção há alguns obstáculos. Em primeiro lugar, vivemos um processo de fragmentação da nossa vida, do nosso cotidiano, com uma separação enorme entre o econômico e o simbólico. Em segundo lugar essa fragmentação é parte do conhecimento produzido sobre a realidade; à diversidade de objetos corresponde o saber fragmentado em diversas ciências separadas.

Morin (1999, 2000) possui uma visão ainda mais ampliada. Ele afirma que o caminho para abordar dimensões como o ambiente, a economia, a sociedade, enfim a vida deve ser a transdisciplinadidade; dessa forma, amplia-se a diversidade de conhecimentos, cria-se a possibilidade de comunicação entre as ciências. Além disto, não separa o observador do observado ou o sujeito do objeto porque eles permanecem interligados; um pode pertencer ou ser do outro.

“Sabemos cada vez mais que as disciplinas se fecham e não se comunicam umas com as outras. Os fenômenos são cada vez mais fragmentados, e não se consegue conceber a sua unidade. É por isso que se diz cada vez mais: ‘façamos interdisciplinaridade’. Mas a interdisciplinaridade controla tanto as disciplinas como a ONU controla nações. Cada disciplina pretende primeiro fazer reconhecer sua soberania territorial e, à custa de algumas magras trocas, as fronteiras confirmam-se em vez de se desmoronar. Portanto, é preciso ir além, e aqui aparece o termo ‘transdisciplinaridade’. (...). Mas o importante é que os princípios transdisciplinares fundamentais da ciência, a matematização, a formalização são precisamente os que permitem desenvolver o enclausuramento disciplinar. Em outras palavras, a unidade foi sempre hiperabstrata, hiperformalizada, e só pode fazer comunicarem-se as diferentes dimensões do real abolindo essas dimensões, isto é, unidimensionalizando o real”. (Morin, 1999, pp. 135-136).

Pensando nos caminhos para vencer os obstáculos mencionados anteriormente, podemos afirmar que, primeiro, avançar nesta reflexão pressupõe antes de tudo buscar possibilidades de conquistar uma vida humanizada para o homem e o planeta. Uma das formas seria buscar um outro conceito de ciência, tentar compreender a diversidade de práticas científicas e que estas se modificam ao longo do tempo, conforme as diferentes determinações sociais. Morin (Ibid) também prepondera que, precisamos de um paradigma que permita separar, opor, distinguir, dividir os domínios científicos, mas também que possa fazê-los se comunicarem sem levar a redução, a separação total, e, portanto a simplificação, pois este paradigma sem dúvida é insuficiente e mutilante.

“É preciso um paradigma de complexidade, que, ao mesmo tempo, separe e associe, que conceba os níveis de emergência  da realidade sem os reduzir às unidades elementares e às leis gerais. (...). Portanto, devemos ir do físico ao social e também ao antropológico, porque todo conhecimento depende das condições, possibilidades e limites de nosso entendimento, isto é, de nosso espírito-cérebro de homo sapiens. É, portanto, necessário enraizar o conhecimento físico, e igualmente biológico, numa cultura, numa sociedade, numa história, numa humanidade. A partir daí, cria-se a possibilidade de comunicação entre as ciências, e a ciência transdisciplinar é a que poderá desenvolver-se a partir dessas comunicações, dado que o antropossocial remete ao biológico, que remete ao físico, que remete ao antropossocial”. (Morin, 1999, pp. 138 –139).

Segundo, ter a compreensão de que o mundo sofre influência das sociedades que o compõem e, sendo assim, as coisas ruins que nos fazem sofrer, não são naturais, são provocadas, produto de relações perversas com a natureza, inclusive com a natureza humana.

Um terceiro aspecto seria a superação de uma visão de realidade e tentar entendê-la como algo diferente e múltiplo, com sua própria dinâmica.

Só uma visão apoiada nos valores éticos pode abrir caminhos para a melhora da qualidade de vida em todas as suas dimensões; na promoção de estudos sobre as questões ambientais com a participação dos grupos sociais envolvidos; inclusive na criação de mecanismos de participação popular na gestão da educação, garantindo assim uma educação mais eqüitativa. Além disto, os setores organizados da sociedade civil devem procurar influir nos meios de comunicação para assegurar uma nova visão de desenvolvimento, conferindo assim, a possibilidade de repensarmos e modificarmos nossa relação com o ambiente e a nossa identidade. Tal discussão reforça a idéia de que a sustentabilidade requer o exercício da responsabilidade que, para Morin (Ibid, p. 117) “é noção humanística ética que só tem sentido para o sujeito consciente” de que devem zelar pelas condições de vida das gerações futuras. Além disto, nos remete a uma nova ciência, a ciência transdisciplinar. Estas dimensões podem contribuir para que a humanidade perceba a vida como o verdadeiro patrimônio universal. Afinal, pensar em boas condições de vida para as próximas gerações pressupõe o princípio da precaução ou da prudência.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS

 

 

BARTHOLO, R. S. JR. “A mais moderna das esfinges – notas sobre ética e desenvolvimento”. Anais do Seminário Desenvolvimento Sustentável e Poder Local. Fasa Editora/UNICAP/AUSJAL. Recife. 1999.

CMMAD (Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento). Nosso Futuro Comum. Editora Fundação Getúlio Vargas. 1988.

FRANCO, M. C. “Educação ambiental: uma questão ética”. Cadernos do Centro de Estudos Educação e Sociedade, nº 29. Campinas, São Paulo. Papirus, 1993.

MORAES, A. O. “Filosofia do desenvolvimento sustentável segundo Stephan Schmidheiny”. Anais do Seminário Desenvolvimento Sustentável e Poder Local. Recife. Fasa Editora/UNICAP/AUSJAL. 1999.

MORIN, E. Ciência com consciênciaRio de Janeiro. Bertrand Brasil. 1999.

MORIN, E. Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar. Rio de Janeiro. Editora Garamond. 2000.

 

 

 

Ilustrações: Silvana Santos