Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Folclore
05/09/2006 (Nº 18) A PRIMEIRA TERRA
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Cantinho do folclore

 

 

A PRIMEIRA TERRA

 

I

 

Ñamandu, pai verdadeiro primeiro, já conhece sua futura moradia terrena: do divino saber das coisas, saber que dobra as coisas, ele faz com que da ponta de se bastão-insígnia a terra se vá desdobrando.

 

A palmeira azul, ele a faz surgir no futuro centro da terra; uma outra ainda, na morada de Karai; uma palmeira azul na morada de Tupã; no lugar natal dos ventos bons, ele faz surgir uma palmeira azul.

 

No lugar natal do tempo originário, ele faz surgir uma palmeira azul.

 

É no número de dedos de uma mão que ele faz surgir as palmeiras azuis: nas palmeiras azuis retém o leiro da terra.

 

 

II

 

Sete é o número do firmamento; o firmamento repousa sobre sete colunas, as colunas são bastões-insígnias.

 

O firmamento que transborda os ventos, nosso pai o empurra para seu lugar.

 

Sobre três colunas, ele o firmou inicialmente, mas o firmamento ainda se move: também ele o apóia sobre quatro bastões-insígnias.

 

Ele encontra então seu lugar e pára de mover-se.

 

 

 

 

III

 

1. A primeira a sujar o leito da terra foi a serpente originária; agora só existe sua imagem sobre nossa terra.

A verdadeira serpente mora no limite do firmamento de nossa terra.

 

2. Aquele que inicialmente cantou sobre o leito da terra de nosso pai verdadeiro, aquele que foi o primeiro a fazer ouvir sua lamentação foi "yrypa", a cigarra, a pequena cigarra vermelha.

No limite do firmamento de nosso pai mora a cigarra originária: agora só subsiste sua imagem sobre o leito da terra.

 

3. "Yamai", o girino, é o senhor das águas, aquele que faz as águas.

Aquele que existe sobre nossa terra não é mais o verdadeiro: no limite do firmamento de nosso pai mora o verdadeiro.

Agora só subsiste sua imagem sobre nossa terra.

 

4. Quando nosso pai fez a terra, por todos os lados estendia-se a floresta: savanas não existiam de modo algum.

É porque com vistas a abrir o espaço das savanas, ele enviou "tuku" de grito agudo, o gafanhoto verde.

E em todos os lugares onde ele plantava seu dardo, desabrochavam os espaços de relva: então somente se estenderam as savanas.

E "tuku" celebrava-as com seu grito agudo.

No limite do firmamento de nosso pai mora o verdadeiro "tuku": agira só subsiste sua imagem.

 

5. Quando as savanas se deixaram ver, o primeiro a deixar ouvir seu canto, o primeiro a mostrar seu contentamento foi "inambu", a perdiz vermelha.

Ela, que foi a primeira a fazer ouvir seu canto sobre as savanas, mora agora no limite do firmamento de nosso pai: a que vive sobre o leito da terra é somente sua imagem.

 

6. O primeiro a ferir o leito da terra de nosso pai foi o tatu.

Ele não é o tatu verdadeiro, o que agora mora na nossa terra:

ele é só a imagem.

 

7. Senhora das trevas: a coruja.

 

8. E, quanto ao nosso pai, o Sol, ele é o senhor da aurora.

 

 

 

IV

 

1. Nosso pai primeiro está em vias de aprofundar-se em sua morada celeste. Tal foi então sua Palavra:

"Só você, Karai, pai verdadeiro, quanto às chamas sempre renascentes, aquelas que jamais nada atingirá, aquelas que fazem com que eu me levante, quanto a elas, você fará com que seu filho seja guardião, Karai Grande Coração.

Assim, faça que ele tenha nome: Karai, senhor das chamas. Diga-lhe.

Ele será o guardião das chamas destinadas a crescer.

Faça que a cada novo tempo elevem-se um pouco as chamas sempre renascentes: a fim de que estejam sempre à escuta de seu murmúrio aqueles que quisemos adornar, aquelas que quisemos adornar."

 

2. Prosseguindo, a Jakaira, pai verdadeiro:

"Veja! Quanto a você, será guardião da bruma onde nascem as Belas Palavras.

E disso, que conheci por mim mesmo, faça com que seu filho seja guardião, Jakaira Grande Coração.

Faça com que ele tenha nome: Senhor da bruma das Belas Palavras.

Diga-o".

 

3. Prosseguindo, a Tupã, pai verdadeiro, assim falou:

"Quanto a você, será o guardião do Grande Mar, das ramagens do Grande Mar em sua totalidade.

Erguendo-se, farei que para você o firmamento seja fresco.

Em conseqüência, graças aos seus inúmeros filhos, Tupã Grande Coração, essa coisa fonte de frescor, você a enviará e tornará a enviar sobre o leito da terra, em favor de nossos filhos, os bem-adornados, em favor de nossas filhas, as bem adornadas."

 

 

 

 

V

 

1. Sobre o leito da terra, em favor daqueles cuja cabeça está adornada, em favor daquelas cuja cabeça está adornada,

Ñamandu, pai verdadeiro primeiro, está prestes a fazer terreno o belo-saber.

A Jakaira, pai verdadeiro, ele dirige-se assim:

"Faça inicialmente com que a bruma coroe a cabeça de meus filhos, a cabeça de minhas filhas.

Faça com que a cada retorno do novo tempo teu filho Jakaira Grande Coração espalhe a bruma sobre o leito da terra.

Graças a isso somente, haverá para nossos filhos, haverá para nossas filhas o bem-viver."

 

2. Prosseguindo:

"E você também, Karai, pai verdadeiro, fará com que belas chamas habitem nossos filhos favorecidos, nossas filhas favorecidas."

 

3. "É porque você, meu filho Tupã, pai verdadeiro, quanto a essa coisa que eu quis fonte de frescor, você fará com que ela habite o coração do coração dos meus filhos.

Assim somente os inúmeros destinados a se levantarem sobre o leito da terra, desejariam mesmo distanciar-se daquilo que reúne, permanecerão naquilo que reúne.

Graças somente ao que é fonte de frescor, as normas futuras daquilo que reúne não permitirão que haja calor excessivo para nossos futuros filhos favorecidos, para nossas futuras filhas favorecidas."

 

 

 

VI

 

Ñamandu, pai verdadeiro primeiro, deu seu nome aos pais verdadeiros de seus futuros filhos, aos pais verdadeiros da Palavra destinada a habitar seus filhos.

A cada um deles em sua morada, disse então:

"Essas coisas são feitas. Agora que lhes dei nomes, vocês, cada um em sua futura morada, quanto às normas futuras dos terrenos adornados, quanto às normas futuras das terrenas adornadas, as normas, vocês as sabem."

 

 

 

 

Glossário:

 

Ventos bons = norte

Ventos originários = sul

yrypa", a cigarra vermelha

girino (yamai

"tuku", um gafanhoto verde

tekoá (suas aldeias).

"inambu", a perdiz vermelha,

Primeira Terra (Yvy Tenonde)

Karai = Deus solar, representado na chama, no calor e no renascimento divino. Sua esposa é Kerechú; 

Jakaira= Deus da bruma originária, do tempo e da primavera. Será através da fumaça dos cachimbos que os pajés e os profetas terão acesso à bruma originária e poderão ouvir os deuses. 

Tupã= Deus das águas e todas suas ramificações. É Tupã que apaga a chama de Karai e oferece frescor a terra, evitando que os homens se consumissem com um calor excessivo, pois eles não são deuses.

 

Fonte: http://www.rosanevolpatto.trd.br/primeiraterra.html   /   http://www.rosanevolpatto.trd.br/, acesso: 26/agosto/2006.

 

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Ilustrações: Silvana Santos