Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Arte e Ambiente
05/09/2006 (Nº 18) NO ANONIMATO URBANO SOBREVIVEMOS
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=430 
  
Claudia Brandao

NO ANONIMATO URBANO SOBREVIVEMOS.

Cláudia Mariza Mattos Brandão[i]

 

 

            O vai-e-vem das grandes cidades, o movimento contínuo e frenético que determina o compasso de nossas ações cotidianas, não deixa muito espaço para a observação, para o envolvimento com o outro

            Imersos nos problemas pessoais, muitas vezes não nos apercebemos das figuras anônimas que compõem o cenário urbano. Como extras, preenchendo espaços num espetáculo do qual não fazem parte, esses atores são ignorados (figura 1). Eles se deslocam quase que imperceptíveis, como incômodas presenças, a nos lembrarem a condição extrema de marginalização e degradação que o homem pode atingir, seja por doença, carência ou por absoluta inadequação ao sistema produtivo

 

 

 

Figura 1: Cláudia Brandão

             Fotografia, 2004.

 

            Toda cidade tem seusloucos”, mendigos, pedintes ocasionais, figuras que nas cidades pequenas muitas vezes são consideradas folclóricas, porém imersos no universo das grandes cidades simplesmente desaparecem... até que a mídia os resgate e os coloque em nossos lares.

            Assim aconteceu com Estamira (figura 2), uma senhora sexagenária que trabalha mais de 20 anos no Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, e que, apesar dos surtos esquizofrênicos, é a líder da pequena comunidade de idosos que habitam o lixão.

 

 

             

Figura 2:

Fonte: http://www.itsalltrue.com.br/2005/fotos/ec_estamira.jpg
           

            Nas mãos do diretor Marcos Prado, a história dessa mulher de classe média que reconstruiu sua vida como catadora de lixo, surpreende e comove. Estamira é resultado de dois anos de acompanhamento do cotidiano dessa personagem, e expõe a dimensão dramática de seu distúrbio psiquiátrico. Porém, mais do tudo, o diretor conseguiu traçar um painel contundente sobre a desigualdade social e a crueldade da realidade dos lixões. Demonstrando carinho e, acima de tudo, muito respeito pela protagonista do filme, Prado e sua equipe adotam uma estrutura visual reveladora do universo de quem vive em condições sub-humanas, sendo responsáveis pelo registro poético - que persistirá! – de uma existência de sofrimento e marginalização.

            Em sua esquizofrenia Estamira revela-se uma filósofa, uma mulher forte, transitando entre os limites da loucura e da genialidade. Uma figura incômoda que nos conduz à reflexão.

            Estamira assim como José Datrino, o “poeta Gentileza” (figura 3), são personagens resgatados da multidão anônima que nos cerca, e que têm muito a revelar sobre as condições extremas da convivência humana.

 


 

Figura 3:

Fonte: www.artigo.blogger.com.br

 

            Gentileza, paulista de nascimento, após o trágico incêndio do Circo Americano, acontecido em Niterói, em 1961, alegava ter recebido “um chamado divino”. A partir de então, ele dedicou sua vida a consolar as pessoas, perdoando-as e ensinado-as a perdoar umas às outras.

            O poeta, que chamava a todos de Gentileza, vestia-se como um apóstolo e costumava “pregar” nas barcas Rio-Niterói. Ele assumiu como moradia o local do sinistro, transformado numa grande horta, que garantia sua sobrevivência. A partir dos anos 80, começou a pintar suas mensagens nos pilares do Viaduto do Caju, utilizando um tipo de letra peculiar e na altura exata para quem passa de ônibus pelo local.

 

 

  

Figura 4

Fonte: www.tecgraf.puc-rio.br/~scuri/fotos_pt.html

 

            Hoje seus painéis estão tombados pelo patrimônio da cidade, e permanecem como o apelo supremo de quem se dedicou a disseminar gentileza, num mundo tão pouco gentil. Morto nos anos 90, com quase 80 anos, assim como Estamira, o poeta será sempre lembrado através dos versos de Marisa Monte:

 

(...)

Nós que passamos apressados

Pelas ruas da cidade

Merecemos ler as letras

E as palavras de Gentileza

Por isso eu pergunto

A vocês no mundo

Se é mais inteligente

O livro ou a sabedoria

O mundo é uma escola

A vida é o circo

Amor palavra que liberta

dizia o profeta

 

            Esses são alguns dos personagens que continuarão presentes em nossas vidas, imortalizados pela escrita poética dos artistas, como incômodas presenças a nos lembrarem que a loucura revela-se muitas vezes como uma condição de extrema sabedoria.


Sites consultados:

www.atlantistendamix.com.br

www.artigo.blogger.com.br

www.cinemaemcena.com.br/crit_editor_filme.asp?cod=4687

www.cliquemusic.com.br

www.dicionariompb.com.br

fotolog.terra.com.br/isadella:155

www.itsalltrue.com.br/2005/fotos/ec_estamira.jpg

www.markoandrade.com.br

www.tecgraf.puc-rio.br/~scuri/fotos_pt.html

www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/sesc/images/estamira2.jpg

 

Cd Marisa Monte, Memórias, crônicas e declarações de a


 

[i] Coordenadora do PhotoGraphein – Núcleo de Pesquisa em Fotografia e Educação, grupo de pesquisa FURG/CNPq.

Ilustrações: Silvana Santos