Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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30/05/2022 (Nº 79) APRENDIZAGEM CONECTADA A NATUREZA: RELATO DE EXPERIÊNCIA
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APRENDIZAGEM CONECTADA A NATUREZA: RELATO DE EXPERIÊNCIA



Arlindo Alberton1

Introdução

A criança é movida por sua curiosidade, é através dela que se torna autora de sua aprendizagem, sob a ótica do professor norteado pela cultura da infância é possível compreender os alunos, as suas múltiplas capacidades de interpretar o mundo que vive, observando e discutindo com os colegas. O papel do professor é mediar esse processo e de modo que a criança se expresse com as mais diversas linguagens para avançar na sua aprendizagem. A criança traz consigo conceitos cotidianos e através de problemáticas que surgem durante as atividades que geram a vontade de investigar mais e mais e buscar novas informações para solucionar ou concretizar suas hipóteses.

Deste modo o objetivo deste relato de experiência é assinalar como realizamos o um estudo sobre os fenômenos naturais, de maneira interdisciplinar, oportunizando às crianças caracterizá-los de forma natural e construindo seus próprios conceitos científicos. Nesta perspectiva a natureza é pensada como parte da humanidade e não algo a ser explorada por esta.

O Colégio Maria Imaculada investe na abordagem educativa de Reggio Emilia -Itália, referência mundial em Educação Infantil, em suas teorias e práticas impulsionando o desenvolvimento intelectual da criança. Sob essa perspectiva epistemológica é preciso entender o interesse das crianças para proporcionar um ambiente adequado a experimentos e exploração. Essa pedagogia inclui a preparação de um ambiente seguro e estimulante, em muitas literaturas, ele aparece como um terceiro professor.

As crianças, como entendidas em Reggio, são protagonistas ativas e competentes que buscam a realização através do diálogo e da interação com outros, na vida coletiva das salas de aulas, da comunidade e da cultura, com os professores servindo como guias (EDWARDS, FORMAN E GANDINI, 1999, p.160).

Cabe ao professor colocar-se como um observador e ouvinte para proporcionar momentos para que as crianças possam fazer descobertas. Este profissional também auxilia no desenvolvimento do currículo, e documenta as atividades realizadas, mas não intervém para não induzir um entendimento. Para tanto, o professor precisa estar envolvido com a exploração da criança para que possa captar sua ideia e lançá-la de volta. Nas palavras de Edwards, Forman e Gandini (1999, p. 161),

O papel do professor centraliza-se na provocação de oportunidades de descobertas, através de uma espécie de facilitação alerta e inspirada e de estimulação do diálogo, de ação conjunta e da co-construção do conhecimento pela criança.

Neste sentido, a Educação Infantil II, que contempla a faixa etária de 4-5 anos, realiza o Projeto “Fenômenos Naturais”. O contexto da natureza possibilita à criança explorar, compreender, vivenciar inúmeras experiências para construir seu conhecimento.

Em vista desse contato por meio de observações, pesquisas, leituras, entre outras, é possível desenvolver com as crianças o respeito, cuidado e o apreço pela natureza gerando o sentimento de pertença e de sua importância como agente de preservação da mesma.

A partir desse envolvimento, as crianças têm a oportunidade de compreender e valorizar os seres vivos que, em conjunto com o ser humano, habitam a natureza. Nesse sentido, desenvolvem pequenas ações de cuidado e preservação do meio em que vivem construindo novas aprendizagens.

Oliveira (1997), ao explicar o pensamento de VygotsKy sobre a aprendizagem, aponta que: Aprendizado ou aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores, etc. a partir de seu contato com a realidade, o meio ambiente, a outras pessoas. É um processo que se diferencia dos fatores inatos (a capacidade de digestão) e dos processos de maturação do organismo.

[...]. Em Vygotsky, justamente por sua ênfase nos processos sócio-históricos, a ideia de aprendizado inclui interdependência dos indivíduos envolvidos no processo. O termo que ele utiliza [...] significa algo como processo de ensino- aprendizagem, incluindo sempre aquele que aprende, aquele que ensina e a relação entre as pessoas (p. 57).

O desenvolvimento do projeto Fenômenos Naturais possibilitou o contato com a natureza, a realidade e as pessoas como uma maneira de aprender novos conceitos vivenciando os fenômenos naturais. O projeto iniciou através de uma roda na qual as crianças falavam sobre o tempo, o céu, se iria chover ou não. A professora mediava o diálogo com questionamentos, como por exemplo: como chove? Por que chove? Deste modo as hipóteses começaram a surgir e foram apontadas pelas crianças, como por exemplo: “As nuvens se batem e vem o trovão e o raio, daí chove”. As hipóteses foram registradas através do desenho e da escrita.

Neste processo de interação as crianças começaram a refletir e intrigarem-

se com as próprias falas, registrando momentos e análises, tais como: “as nuvens se juntam todas e tem que ficar em casa se não se molha ganha trovoada”. Sobre ficarem em casa em dias de chuva, surgiu um novo questionamento: como nos protegemos da chuva? As crianças foram comunicando a maneira de nos protegermos da chuva: com a nossa casa, carro, guarda-chuva, bota de borracha, capa de chuva.

A argumentação continuou então: o que tem em nossa casa que nos protege mais da chuva? A resposta imediata foi o teto. Foi através desses relatos de ideias que os conceitos cotidianos começaram a ganhar novas formas, pois a construção e aprendizagem do conceito é um processo no qual a linguagem é fundamental, de acordo com Vygotsky (1993). Pois, é a comunicação entre os sujeitos, a linguagem que reduz e populariza as experiências, ordenando-as em categorias conceituais, sendo compartilhadas pelos sujeitos usuários da linguagem, confirmando que as palavras mediam a relação do homem com o mundo. Dentro dessas experiências, classificar ou caracterizar é relevante e indispensável.

Posteriormente o Projeto levou os alunos a observarem o teto da cantina e do ginásio da escola. Com uma mangueira simulamos a chuva e pudemos descobrir que em nosso telhado existe a calha para ajudar a não molhar a casa, assim ficamos ainda mais protegidos. Os alunos ilustraram e redigiram suas ideias de como nos protegemos da chuva. Retornamos a pergunta: por que chove? As crianças observaram imagens do ciclo da chuva através do sprinter, projetor multimídia e imagens impressas.

Neste caso, houve uma interação dinâmica entre estes dois conceitos no qual um necessita do outro, isto é, o conceito científico não é compreendido de maneira pronta em sua forma já acabada, mas sim por um processo que une o conhecimento prévio com novas informações provocando um novo conceito (SFORNI, 2004).

Nessa situação entra o papel do professor de mediar, que Segundo Meyer (2007):

Mediar significa, portanto possibilitar e potencializar a construção do conhecimento do conhecimento pelo mediado. Significa estar consciente de que não se transmite conhecimento. É estar intencionalmente entre o objeto de conhecimento e o aluno de forma a modificar, alterar, organizar, enfatizar, transformar os estímulos provenientes desse objeto a fim de que o mediado construa sua própria aprendizagem, que o mediado aprenda por si só (p. 72).

Mediando o processo, a professora propõe às crianças uma experiência: em sacos plásticos enchendo de água com corante e colocando pendurados em fita na cerca do parque da escola, local com muito sol, para que observássemos as gotículas de água evaporando para formarem nuvens. No dia seguinte fomos verificar se tinha alguma mudança em nossos saquinhos plásticos e as crianças puderam perceber que algumas gotinhas tinham subido e se separados do restante de água. Em seguida, com uma bacia, a professora jogou água sobre uma calçada formando uma poça na qual as crianças pisavam e formavam suas pegadas. Orientados pelos questionamentos da professora para que analisassem o resultado de suas pegadas e, entusiasmados, viram a água evaporar, elaborando assim o conceito sobre o processo do ciclo da chuva.

O conceito partiu da perspectiva da natureza como “princípio ativo que anima e movimenta os seres, força espontânea capaz de gerar e de cuidar de todos os seres por ela criados e movidos, substância (matéria e forma) dos seres” (CHAUÍ, 2001 p. 203). Partindo deste princípio, consideramos que as crianças tinham que sentir a natureza. Tendo em vista isso, em roda abordamos os sons da chuva, com cada criança sonorizando a chuva e criando a sua onomatopeia para representar a sonoridade. Também levaram para casa a tarefa de observar a chuva no poste de luz em frente à sua casa, para ver suas características e intensidade, oportunizando aos pais o acompanhamento de parte de nosso projeto na aprendizagem de seus filhos. Porém, para apreciar a natureza precisávamos experimentar a sensação e aguçar os sentidos de tudo que fomos construindo. Neste processo, os pais das crianças, orientados pela professora, encaminharam capas de chuva, botas de borracha e guarda-chuva para que pudéssemos sentir a chuva, fato concretizado com grande entusiasmo e alegria. A aprendizagem torna-se significativa no sentido mais amplo de sua expressão.

Até este momento as crianças tinham entendido por que chovia e tinham sentido a chuva,

mas para valorizá-la como parte da natureza, precisavam entender o porquê ela é importante e como cuidar da natureza para que a chuva não se transformasse em algo negativo. Mas, a sua importância já era algo que fazia parte deles, pois sabiam sua relevância para os seres vivos verbalizaram com facilidade.

No processo de análise, a professora apresentou-lhes então fotos voltadas a enchentes, alagamentos, lixos na natureza para que pudessem explorar. Eles perceberam que o mau que a chuva pode causar é consequência das ações do ser humano e que cabia a eles colaborar com a natureza e divulgar seus novos conhecimentos com seus familiares para que também pudessem cooperar nos ambientes que estão inseridos, agindo como cidadãos preservadores.



Considerações finais

O conhecimento tem um papel fundamental na vida do homem, sendo fruto da ação humana desde o início da sua existência no mundo, sua relação com os outros e com a natureza. Parafraseando Marx (1880), o conhecimento é algo intrínseco ao homem que é um ser histórico, que se constrói através de suas relações com o mundo natural e social. Todo esse trabalho de construção, de transformação da natureza, sendo esse um processo privilegiado nas relações homem com o mundo, toda essa construção pode-se chamar conhecimento.

Assim se explica essa abordagem, como o homem/sujeito produz conhecimento em sua relação com os outros e com a natureza, esse mesmo conhecimento, colabora na formação desses sujeitos e sua vida em sociedade. É aí que a sociedade se valeu da escola.

Acreditamos ser possível a existência de uma escola tão defendida por Gramsci no início do século XX, construída e também defendida por Paulo Freire, no mesmo século, que defendia uma educação para a autonomia, cujo conhecimento adquirido pelos sujeitos forme-os cidadãos plenos, como Freire (1993) mesmo coloca o papel da educação na formação:

Como processo de conhecimento, formação política, manifestação ética, procura da boniteza...é prática indispensável dos seres humanos (dos homens e das mulheres) e deles específica na História como movimento, como luta. A História como possibilidade não prescinde da controvérsia, dos conflitos que, em si mesmos, já engendrariam a necessidade da educação (p. 14).

Em geral reconhecer que a cidadania mais efetiva, hoje em dia é aquela que sabe pensar (DEMO, 2005), mesmo porque o conhecimento proporciona a evolução, o progresso da sociedade. O que buscamos com as crianças além de conhecimento e criticidade é a harmonia necessária que não destrói, que não exagera, que não insulta, que não pretende dominar o mundo natural, mas sim conhecê-lo na aceitação e no respeito para que o bem-estar humano se dê no bem-estar da natureza em que se vive (MATURANA2002,p.34).



Referências

CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo, Ática, 2001.

DEMO, P. Pesquisa: Princípio científicoe educativo. São Paulo: Cortez, 2005.

EDWARDS, C. GANDINI, L. FORMAN, G. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999.

FREIRE, P. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1993.

MATURANA,H. Emoçõese linguagem na educação e na política. 3.Ed. Belo Horizonte: UFMG,2002.

MEIER, M; GARCIA, S. Mediação da aprendizagem: Contribuições de Feuerstein e de Vygotsky. Curitiba: Grafiven, 2007.

OLIVEIRA, M K. Vygotsky –Aprendizado e desenvolvimento. Um processo sócio-histórico. 4. Ed. São Paulo: Scipione, 2004.

SFORNI, M. S. de F. Aprendizagem conceitual e organização do ensino: contribuições da Teoria da Atividade. Araraquara: JM Editora, 2004.

VYGOTSKY, L S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.



1 Mestre em Educação, professor do Colégio Maria Imaculada e do quadro efetivo do Estado de Santa Catarina, SC.

Ilustrações: Silvana Santos