Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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15/12/2021 (Nº 77) EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO PROJETO TAMAR-REGÊNCIA: PEDAGOGIA DE PROJETOS E SUAS POSSIBILIDADES
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO PROJETO TAMAR-REGÊNCIA: PEDAGOGIA DE PROJETOS E SUAS POSSIBILIDADES



Environmental Education in the Tamar-Regência Project: Project Pedagogy and its possibilities



Carlos Alberto Nascimento Filho1, Carlos Alberto Sangalia2



1 Doutor em educação em ciências e saúde – PPGECS/NUTES/UFRJ. carloanfilho@gmail.com

2 Educador Ambiental Fundação Projeto Tamar. sangalia@tamar.org.br



RESUMO: O objetivo deste estudo é verificar as possibilidades de articulação entre educação ambiental crítica, pedagogia de projetos, interdisciplinaridade e educação em espaços não formais. Diante disso, efetuamos um levantamento das visitas à base do Projeto Tamar, no distrito de Regência, atingido pela pluma de lama decorrente do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana, Minas Gerais, em 5 de novembro de 2015. Além disso, entrevistamos e aplicamos um questionário a cinco professores que acompanhavam os estudantes nas visitas técnicas.

Palavras-chave: Pedagogia de Projetos, Projeto Tamar, Degradação Socioambiental, Interdisciplinaridade, Divulgação da Ciência.



ABSTRACT: The objective of this study is to verify the possibilities of articulation between critical environmental education, project pedagogy, interdisciplinarity and education in non-formal spaces. Therefore, we carried out a survey of visits to the Tamar Project base, in the district of Regência, hit by the plume of mud resulting from the collapse of the Samarco mining dam, in Mariana, Minas Gerais, on November 5, 2015. In addition, we interviewed and we applied a questionnaire to five teachers who accompanied students on technical visits.

Keywords: Project Pedagogy, Tamar Project, Socio-environmental Degradation, Interdisciplinarity, Dissemination of Science.



INTRODUÇÃO

O distrito de Regência, também conhecido como Regência Augusta, é uma pequena e tradicional vila de pescadores, situada na margem sul da foz do Rio Doce, Linhares/ES, com população aproximada de mil habitantes. Situada a 120 km da capital, Vitória e a 56 km da sede do município de Linhares. O acesso se dá pela rodovia ES-010, partindo de Vitória e pela rodovia ES 440, que liga a BR 101 à comunidade.

Essa “Vila Mágica”, de ar bucólico, com ruas de chão batido, ainda guarda um rico patrimônio ambiental e sociocultural. O Rio Doce e o histórico Rio Preto; inúmeras lagoas, praia nativa (berço das tartarugas marinhas), com destaque para a Dermochelys Coriacia. Um dos melhores points de surfe do Brasil. Matas de Cabruca tendo as plantações de cacau como sub-bosque; a cúpula do antigo farol; o Museu Histórico de Regência que guarda a história sociocultural e ambiental da região e do Caboclo Bernanrdo; o congo - raiz da cultura popular do Espírito Santo - a cultura da pesca, entre outros; importantes atributos para o turismo e a prática pedagógica de forma transversal.

Na Vila de Regência Augusta, está instalada uma das três primeiras bases do Projeto Tamar de pesquisa e proteção das tartarugas marinhas no Brasil, iniciando os trabalhos na Base de Comboios em 1980. A área onde está instalada a Reserva Biológica de Comboios, Unidade de Conservação Federal criada em 1984, com o objetivo de proteção das tartarugas marinhas e do ecossistema de restinga. A área, com praia semi-deserta tem acesso controlado, permitido em dois pontos e na sede da Unidade onde estão instalados os tanques de pesquisa e observação das tartarugas com o objetivos pedagógico e turístico. O local é fequentado por moradores, turistas, grupos e escolas.

Em 1986, o Projeto Tamar instalou no centro da Vila, o Centro Ecológico de Regência, pertencente ao Governo Federal, ligado atualmente ao Centro Tamar/ICMBio com o objetivo de estar mais próximo da comunidade, possibilitando promover um intenso trabalho de educação socioambiental e de desenvolvimento comunitário. Funciona como um centro de recepção e referência turística, espaço de sensibilização e educação socioambiental e de integração da comunidade onde são realizadas palestras, cursos, reuniões, sessões de vídeos, entre outras ações socioeducativas e culturais.

A atual estrutura do Centro Ecológico de Regência conta com sala, uma exposição permanente sobre as tartarugas marinhas, seu habitat, sua biologia, as ameaças, vidraria com natimortos e um exemplar da tartaruga gigante taxdermisada, auditório, biblioteca comunitária registrada no Sistema Nacional de Bibliotecas e na área externa, um esqueleto completo de baleia jubarte, área livre de recreação e convívio, um aquário com peixes nativos e a “Trilha do Porto Histórico” que faz a conexão do espaço ao porto às margens do Rio Doce. Anualmente o espaço recebe, em média, 18 mil visitantes e 20 escolas.

Fundação Pro Tamar vem desenvolvendo, juntamente com o Centro Tamar e outros parceiros, um itenso trabalho de sensibilização e educação socioambiental com a comunidade, turistas, escolas, universidades e faculdades, objeto de investigação e pesquisas.

Desse modo, o objetivo deste estudo é verificar as possibilidades de articulação entre educação ambiental crítica, pedagogia de projetos, interdisciplinaridade e educação em espaços não formais, a partir das práticas pedagógicas decorrentes da visitas ao Projeto Tamar. A seguir, apresenta-se a contextualização e demais conceitos que constituem os referenciais teóricos desta investigação, metodologia, resultados e considerações finais.

CONTEXTUALIZAÇÃO

O Território da Foz do Rio Doce faz parte de uma área maior que é a Planície Costeira do Rio Doce, uma região formada por sedimentos depositados pelo rio há aproximadamente 100 mil anos, em uma área triangular que vai da sede do município de Linhares até Regência e da Barra do Riacho, em Aracruz até Conceição da Barra. Essa região é decretada pelo Governo Federal como área de grande sensibilidade e de relevância ambiental, coberta por importantes fragmentos da Mata Atlântica, está nas áreas de planejamento territorial: Costa do Descobrimento, Corredor Prioritário da Mata Atlântica “Socongo”, o Mosaico das Unidades de Conservação (que inclui a Rebio de Comboios, a Floresta Nacional de Goytacazes, a Reserva Biológica de Sooretama e RPPNs) e o Corredor Marinho.

Possui grande relevância para a conservação das tartarugas marinhas, sendo uma das mais importantes áreas de desovas da tartaruga Cabeçuda (Careta caretta) e Gigante (tartaruga de couro-Dermochelys coriacia). Para mitigar os impactos das ameaças a estes animais marinhos, a Fundação Pro Tamar mantém bases na comunidade de Regência/Comboios, Povoação e Pontal do Ipiranga, no município de Linhares, onde desenvolve o trabalho de pesquisa e conservação, geração de trabalho e renda, além de educação socioambiental, principalmente com as instituições de educação básica e superior.

Por outro lado, o Território vem sofrendo cada vez mais uma grande pressão antrópica por instalação de novos empreendimentos e especulação imobiliária e sofrendo cada vez mais impactos. Considera-se ainda, a importância da pesca artesanal na região.

Em cinco de novembro de 2015, a comunidade sofreu os impactos do maior crime ambiental da história da mineração no Brasil, provocado pelo rompimento da Barragem Fundão, pertencente à mineradora Samarco (empresa do grupo empresarial formado pelas empresas Vale e a anglo-australiana BHP Billiton), no município de Mariana, Minas Gerais, contaminando com rejeitos da mineração de ferroto, toda a calha do Rio Doce, além de lagoas e rios tributários, percorrendo cerca de 850 km até chegar ao mar, no distrito de Regência, em 21 de novembro, causando danos ambientais de enormes, tais como: aceleração do processo de assoreamento do leito do rio; a contaminação de toda a cadeia alimentar da fauna aquática e o fitoplâncto; a contaminação da água superficial e do lençol freático; mudança do perfil da praia; impactos da cadeia produtiva do turismo e da pesca, impactos a agricultura, a saúde e irreversíveis impactos sociais.

Os atributos socioambientais e culturais que a região sempre ofereceu, principalmente os ligados a conservação das tartarugas marinhas, um grande “laboratório” de estudo e para o desenvolvimento de projetos de pesquisa e pedagógicos voltados a educação socioambiental. Esse crime e seus impactos, agregou conteúdos aos atributos já existentes, para uma educação socioambiental contextualizadora, problematizadora, crítica e transformadora, de forma transdisciplinar.

Nas visitas das escolas ao Tamar em Regência, antes eram explorados como temática pedagógica, as tartarugas, o ecossistema marinho e costeiro, as ameaças e formas de desenvolvimento, o trabalho do Projeto Tamar e os aspetos socioambientais e culturais da região. Após a tragédia no Rio Doce, as visitas escolares que inclui principalmente visita à base do Tamar na Rebio de Comboios, ao Museu Histórico, ao Centro Ecológico e a trilhas de acesso ao Rio Doce, incorporaram novos temas. Impactos ambientais, degradação ambiental dos corpos hídricos, impactos da mineração, ameaças, contaminação do ecossistema local, impactos sociais, entre outros ligados.

Ao pensarmos o ensino de ciências, saúde, meio ambiente e suas correlações problematizadoras, falamos em integração do currículo, de interdisciplinaridade, onde a proposta é educar para compreender, e a interpretação, como consequência na mudança de comportamento, será a manifestação explícita dessa compreensão. Em geral, poucos estudantes conseguem vislumbrar um elo entre os conteúdos ou o trabalho das diferentes disciplinas. Além disso, uma parcela dos estudantes não transfere, espontaneamente, para outras disciplinas àquilo que aprendem em disciplina diversa, nem utilizam esse conhecimento para enfrentar situações reais. A implementação da Pedagogia de Projetos motiva necessidades de aprendizagens e nesse processo os estudantes irão se deparar com os conteúdos das diversas disciplinas.

Girotto (2005) afirma que o ensino por projetos, pode contribuir para superar o processo de ensinar e aprender fragmentado, disciplinar, fora de contexto e unilateral e diretivo, que se constata em algumas escolas. Essa autora aponta que a expressão Pedagogia de Projetos fundamenta-se na corrente teórica da qual o espanhol Fernando Hernández, um dos principais defensores, tem como fundamento básico que, ao participar de um projeto, o aluno está envolvido em uma experiência educativa em que o processo de construção de conhecimento está integrado ao seu cotidiano, ou seja, ele mesmo é o construtor do conhecimento, enquanto sujeito cultural, histórico.

Com relação à utilização de espaços não formais no processo de educação, utilizamos o aporte teórico de Maria da Glória Gohn, que vem pesquisando o assunto desde a década de 80. A esse respeito, a autora ainda coloca que o caminho institucional aos processos educativos em espaços não formais foi aberto em 1996 pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), quando define educação como aquela que abrange [...] processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (LDBEN, art.1º, 1996 apud GOHN, 2011, p. 11).

De acordo com Jacobucci (2008), espaço não formal é o local diverso do ambiente escolar e não pertencente ao estabelecimento reconhecido de ensino. Marandino (2005) afirma que a pesquisa em educação em geral, especialmente em educação em ciências, tem proposto formas e modelos teóricos alternativos, visando uma maior interação no processo de ensino e aprendizagem.

Degradação ambiental, nos termos da Lei 6.938 de agosto de 1981, é a alteração adversa das características do meio ambiente (BRASIL, 1981). Assim, degradação ambiental é um impacto ambiental destrutivo, nocivo ao meio. Grande parte dos danos ambientais que ocorrem na superfície terrestre está situada nas bacias hidrográficas. Portanto, é necessário ter conhecimento da formação, constituição e dinâmica, para que as obras de recuperação não sejam apenas temporárias e sem grande eficácia.

Farias (2002) desenvolveu uma síntese dos principais impactos ambientais, de algumas substâncias minerais no Brasil, ressaltando àqueles que resultam em impactos ambientais mais importantes. Dentre os casos, as substâncias encontradas em Minas Gerais, com seus principais problemas foram: Ferro (problemas com antigas barragens de contenção e poluição de águas superficiais); Ouro (produz rejeitos ricos em arsênio e aumento de turbidez), e Calcário (problemas em áreas de cavernas com impactos no patrimônio espeleológico).

Educação Ambiental Crítica

Para falar de justiça ambiental, é imprescindível que falemos de injustiça ambiental, onde a maioria das populações afetadas pelos rejeitos que o desenvolvimento econômico produz não se beneficia dessa produção. O que se percebe, são populações sendo deslocadas e agredidas de todas as formas no seu meio, para dar lugar a grandes empreendimentos e projetos, sobretudo os liderados por empresas multinacionais. De acordo com Conseza et al (2014), reconhecemos que falar em injustiças ambientais implica em um sentido mais crítico, compreender e desvelar assimetrias de poder e esquemas de opressão social que perpetuam desigualdades socioambientais onde, para a maioria das populações pobres, é muito comum sobrarem os rejeitos.

Outro aspecto a ser abordado são os desastres ambientais provocados pela ação humana que apontam a tragédia com os rejeitos de minério de ferro, contendo altíssimos níveis de metais pesados, entre outros produtos tóxicos, que atingiu diretamente toda a bacia hidrográfica do Rio Doce e a sua foz, no oceano Atlântico, já no Estado do Espírito Santo, como o maior acidente ambiental da história, com barragens de rejeitos e, conforme Azevedo, 2016, podendo ser o maior desastre ambiental já ocorrido no Brasil.

Para Loureiro (2004, p. 81-82), são características do processo de educação ambiental transformadora o cotidiano, coletivo e permanente, pautado em três eixos explicativos:

  • Educação transformadora busca redefinir o modo como nos relacionamos conosco, com as demais espécies e com o planeta. Por isso é vista como um processo de politização e publicização da problemática ambiental por meio do qual o indivíduo, em grupos sociais, se transforma e à realidade. Aqui não cabe nenhuma forma de dissociação entre teoria e prática; subjetividade e objetividade; simbólico e material; ciência e cultura popular; natural e cultural; sociedade e ambiente.

  • Em termos de procedimentos metodológicos, a Educação Ambiental Transformadora tem na participação e no exercício da cidadania princípios para a definição democrática de quais são as relações adequadas ou vistas como sustentáveis à vida planetária em cada contexto histórico.

  • Educar para transformar significa romper com as práticas sociais contrárias ao bem-estar público, à equidade e à solidariedade, estando articulada necessariamente às mudanças éticas que se fazem pertinentes.

Para o autor, essas características são elementares para que os estudos ambientais sejam articulados e subjetivados de forma holística. Esse entendimento não fragmentado do ambiente, propicia um entendimento mais adequado que poderá promover engajamento e participação mais ativa por parte da população.

Divulgação da Ciência

No mundo cada vez mais dependente do conhecimento científico-tecnológico, a educação científica do século XXI tem se destacado por ações de popularização da ciência cada vez mais consolidadas. A formação da cultura científica reunirá as condições necessárias para que a sociedade, de maneira geral, consiga compreender e ter acesso à ciência e tenha condições de decidir assuntos que afetam sua vida. A socialização do conhecimento, a popularização da ciência e o desenvolvimento da cidadania farão com que os indivíduos tenham noção real do ambiente e do contexto histórico em que estão inseridos.

Debates em divulgação científica

Quando analisado à luz da antropologia, o termo cultura pode ser compreendido não só da perspectiva da construção histórica, mas, de um modo abrangente, que abarca uma vastidão de valores e expressões que dificultam chegar a uma compreensão definitiva, específica e restrita à interpretação de somente um grupo social num dado momento histórico. Alguns pontos que consideram fundamentais para que se obtenha a compreensão pública do conceito de ciência, quais sejam: clareza e acessibilidade da divulgação, a qual deverá respeitar o público receptor e a adequar-se aos processos democráticos; consideração da comunicação para se compreenderem valores e atitudes dos envolvidos; instituição do conhecimento como uma prática comum no compartilhamento entre diversos grupos, os quais deverão trabalhar de modo a favorecer a divulgação científica e facilitar o acesso do público à ciência, em geral.

Nessa mesma linha de debates, no que diz respeito à relação entre divulgação científica e cultura científica, Vogt (2011) conceitua cultura científica, elencando os processos de produção, difusão, ensino e divulgação do conhecimento científico como condição para seu desenvolvimento. O processo de cultura científica é dinâmico e pode ser representado em forma de espiral que acompanha o desenvolvimento da ciência. A espiral, a que fizemos referência anteriormente, é dividida por Vogt (2011) em quatro quadrantes, nos quais estão distribuídos os atores, os destinadores e destinatários da ciência. Partindo do primeiro quadrante, está a dinâmica da produção e difusão da ciência; no segundo, o ensino de ciência e a formação científica; no terceiro, se encontra o ensino para a ciência e, no quarto, completando o ciclo, a divulgação científica. Segundo o autor, podem também ser demonstrados nessa espiral alguns eventos científicos em ordem cronológica.

Moreira e Massarani (2002) atestam que a divulgação da ciência vem de longa data, mais ou menos possuem dois séculos de história. Apesar de sua fragilidade ao longo do tempo, apresentou, desde então, fases distintas, com finalidades e características peculiares que refletiam o contexto e os interesses de cada momento histórico.

Ações de divulgação e popularização da ciência são produzidas com grande frequência, dando ênfase à consolidação da cultura científica, incluindo o conhecimento das condições históricas, sociais e culturais em que ocorreu sua construção e sua associação à tecnologia. A conexão entre conhecimento, especialmente o conhecimento científico, e as relações de poder, na atuação política, irá propor as diretrizes para o ensino formal de ciências.

Partindo desses pressupostos, e considerando que o local do estudo é conhecido por receber instituições, pesquisadores e estudantes da educação básica, com sugestão de roteiros e propostas pedagógicas que integram educação ambiental e sociocultural. Desse modo, o objetivo da pesquisa é verificar e analisar se houve alteração no número de visitas de escolas de educação básica após o crime ambiental, bem como verificar se nos projetos desenvolvidos pelas escolas visitantes há Divulgação da Ciência ou Educação Ambiental Crítica nos projetos.

METODOLOGIA

Na elaboração da pesquisa, de abordagem descritiva qualitativa, Inicialmente quantificamos as visitas no período seis meses anteriores e nos seis meses subsequentes ao crime ambiental, para verificar se houve alteração na frequência da visitas. O período posterior foi computado a partir de março de 2016, considerando o término das férias escolares. Verificamos também o quantitativo de visitação em 2017, 2019 e 2019.

Selecionamos 08 escolas da educação básica que fizeram a visita e desenvolveram ou estão desenvolvendo atividades ou projetos sobre ensino de ciências, educação ambiental e saúde utilizando, de alguma forma, as visitas à base do Projeto Tamar de Regência/ES, após concordância dos professores em participar do estudo.

Solicitamos aos professores que respondessem a um questionário com questões abertas e fechadas. Na construção do questionário, formulamos questões que poderiam nos dar subsídios para a caracterização do tipo de abordagem em educação ambiental as escolas estão adotando, conforme abaixo:

1 – Atividades pedagógicas por meio de projetos estão inseridas no PPP da escola?

2 - Os temas dos projetos desenvolvidos (caso existam) demonstram caráter interdisciplinar?

3 - Os estudantes participam da seleção dos projetos contam com a participação dos estudantes?

4 - Os temas escolhidos estão contextualizados com a realidade econômica e sociocultural da comunidade escolar?

5 - O tempo dispensado à organização da visita técnica ao Projeto Tamar é considerado suficiente?

6 - A visita técnica está relacionada a algum projeto de educação ambiental?

7 - A visita técnica está relacionada, de alguma forma, ao crime ambiental de novembro de 2015?

8 - Como você avalia o espaço visitado do ponto de vista pedagógico?

9 - Como você avalia a interação e motivação dos estudantes na preparação e durante a visita?

10 – É possível “aferir” a aprendizagem dos estudantes em decorrência da visita técnica?

11 - Com relação a projetos, como você avalia à eficácia destes para a aprendizagem?

12 - Caso a escola esteja desenvolvendo algum projeto na área de educação ambiental, fale sobre ele indicando as turmas envolvidas.

Utilizamos a proposta de Bardin (2009) para análise do conteúdo das questões abertas, onde elencamos algumas categorias adequadas ao objetivo da pesquisa, são elas: “ensino de ciências”, “degradação ambiental” e “educação ambiental” e “motivação”. Nas questões de um a sete, quantificaremos as respostas sim e não. Nas questões de oito a onze, quantificamos as repostas ruim, razoável, bom e excelente.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Após análise dos dados fornecidos pelo Projeto Tamar, verificamos que no período anterior ao crime ambiental, 24 escolas da educação básica visitaram o Projeto Tamar. No período posterior, 26 escolas efetuaram a visita. Diante desses números, é possível inferir que não houve, no momento pós-crime ambiental alteração expressiva do número de escolas visitando o Tamar.

Nos anos seguintes, verificou-se um aumento no quantitativo de escolas que visitaram o Projeto Tamar, em 2017, quando as vistas chegaram a 36 escolas e 1605 estudantes e professores. Em 2018, foram 17 escolas 740 estudantes e professores e em 2019, foram 19 escolas e 868 estudantes e professores.

Obtivemos repostas a 12 questionários, onde os resultados mostraram que em todas as 08 escolas, a utilização da pedagogia de projetos está presente no PPP da escola. No que se refere à interdisciplinaridade, ela está presente nos projetos, conforme respostas ao questionário. Sobre a participação dos estudantes na escolha dos temas, bem como os temas são contextualizados, todas as respostas indicam que os estudantes participam efetivamente. Na questão cinco, com relação ao tempo dispensado à organização da visita técnica, obtivemos oito repostas alegando que o tempo não é adequado, ou seja, para a maioria dos professores os projetos necessitam de mais tempo para serem implementados.

Apenas cinco respostas indicaram que a visita fazia parte de algum projeto de educação ambiental. As respostas à questão sete, foram unânimes ao afirmar que a visita tinha relação com o crime ambiental de novembro de 2015. Na questão oito, quanto ao potencial pedagógico do Projeto Tamar, cinco respostas foram excelentes e sete consideraram o espaço bom. Na questão nove, sobre interação e motivação dos estudantes, todos os professores entrevistados ressaltam a importância desse tipo de atividade na aprendizagem, como também responderam que a pedagogia de projeto auxilia o processo.

Da análise do conteúdo das respostas das cinco escolas que estão desenvolvendo projetos de educação ambiental, a frequência com que as categorias de análises são citadas nas repostas, são:

Categorias

Nº de citações

Ensino de ciências

06

Degradação ambiental

16

Educação ambiental

14

Motivação

09



Nas narrativas dos professores, foi possível verificar nas respostas uma frequência alta das categorias degradação e educação ambiental que nos permite inferir que tais citações ocorrem em função dos reflexos do crime ambiental na Vila de Regência.

CONCLUSÃO

Não houve alterações significativas na quantidade de visitas ao Projeto Tamar, exceto no ano de 2017. As respostas objetivas ao questionário apontam para a utilização de projetos escolares, e que estes possibilitam uma aprendizagem contextualizada e integradora, além de proporcionar motivação extra às atividades, bem como engajamento dos estudantes na resolução dos problemas que surgem no desenvolvimento do projeto. Os professores afirmam, em suas narrativas, que a aprendizagem é potencializada na construção coletiva do projeto na medida em que é necessária a busca por informações em áreas distintas, momento em que a interdisciplinaridade emerge. Também que em alguns casos, o tempo disponibilizado à organização não é adequado, sobrecarregando os professores, fato que pode em alguns casos, interferir de maneira negativa no projeto. Além disso, a maioria considera o espaço e a proposta pedagógica entre bom e excelente, fato que pode justificar em parte, o grande número de escolas que visitam o Tamar anualmente. Nas respostas às questões abertas, foi possível verificar que as quatro categorias de análise que elencamos estão presentes nas narrativas dos professores, entretanto não é possível concluir, a partir da análise do conteúdo, que há indícios da educação ambiental, na vertente crítica ou divulgação da ciência.



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Ilustrações: Silvana Santos