Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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15/12/2021 (Nº 77) OS DIREITOS HUMANOS EM SALA DE AULA ATRAVÉS DOS OLHOS DA LEGISLAÇÃO
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OS DIREITOS HUMANOS EM SALA DE AULA ATRAVÉS DOS OLHOS DA LEGISLAÇÃO

Felipe Rizzo Martins Tessinari¹

¹Mestrando em Ciência, Tecnologia e Educação, Faculdade Vale do Cricaré. E-mail: felipetessinari@hotmail.com



Resumo: O presente artigo busca analisar como a educação em Direitos Humanos é estruturada no Estado de Espírito Santo através de um estudo sobre a legislação vigente presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBE) e na Resolução CEE nº 3.777/2014. Também buscamos destacar como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) relacionam a educação em Direitos Humanos com a importância da preservação e da conscientização ambiental.

Palavras Chave: Direitos Humanos, LDBE, Educação, Legislação.



Abstract: This article seeks to analyze how education in Human Rights is structured in the State of Espírito Santo through a study of the current legislation present in the Law of Guidelines and Bases of Education (LDBE) and in Resolution CEE nº 3.777/2014. We also seek to highlight how the Common National Curriculum Base (BNCC) and the National Human Rights Education Program (PNEDH) relate Human Rights education with the importance of environmental preservation and awareness.



Keywords: Human Rights, LDBE, Education, Legislation.



Desde a segunda metade do Século XX, a ONU, em conjunto com os Estados Nacionais, vêm assinando uma série de acordos com o objetivo de promover os Direitos Humanos e as liberdades individuais, estando de acordo com o artigo 1º e o artigo 55 da Carta da ONU. Através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, procurou-se articular os direitos civis e políticos aos direitos econômicos, sociais e culturais, estabelecendo sua universalidade, indivisibilidade e interdependência, abrangendo aos direitos econômicos, os direitos sociais e culturais como: educação, saúde, oportunidades de trabalho, moradia, transporte, previdência social, participação na vida cultural da comunidade, das artes e manifestações artísticas. Alterou-se, desse modo, a relação estabelecida entre indivíduo e Estado. De uma ideia de não interferência nos direitos individuais, ou seja, de uma postura negativa do Estado, passou-se a exigir deste uma ação positiva e ativa na garantia dos direitos sociais. (BRASIL, 2008 p. 5-6).

Nesse contexto, o Brasil registrou em 1977 sua entrada no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Porém, apenas em 1985, com a redemocratização e, em 1988, com a assinatura da nova Constituição, o Brasil passou a tomar, de fato, medidas mais sistemáticas em relação aos Direitos Humanos por meio de políticas públicas. Um dos marcos dessa mudança foi em 1985, quando o presidente José Sarney se comprometeu, diante da XL Sessão Ordinária da Assembleia Geral da ONU, a aderir aos pactos internacionais da ONU sobre direitos civis e políticos, sobre direitos econômicos, sociais e culturais, e à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Com essas adesões, em 1992, após a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, o país implantou as primeiras medidas para aceitar suas obrigações, não apenas em relação aos seus cidadãos, mas perante a totalidade da sociedade internacional (GOFFREDO JR, 2000).

Foi apenas com a nova Constituição do Brasil de 1988 que os cidadãos brasileiros tiveram a garantia do respeito aos direitos e liberdades dignos de todos seres humanos, porém, foi apenas na segunda metade da década de 1990 que o governo brasileiro e a sociedade civil começaram a se organizar para adotar uma série de medidas e ações para difundir os Direitos Humanos na prática. Entre esses documentos, merecem destaque os Programas Nacionais de Direitos Humanos I, II e III (1996, 2002, 2010 respectivamente) e o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH, 2006). Foi nesse contexto que, em 2010, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), incentivou e apoiou as Secretarias de Educação dos Estados e do Distrito Federal na elaboração de Planos de Ação de Educação em Direitos Humanos para a Educação Básica. Essa ação teve como objetivo possibilitar à rede pública de ensino a inserção de uma perspectiva de educação centrada no respeito aos Direitos Humanos de modo a favorecer a formação da cidadania ativa (SILVA; TAVARES, 2003, p.51). 

A educação em Direitos Humanos no Brasil, conforme o PNEDH é compreendido como “[...] um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direito articulando as dimensões de apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre Direitos Humanos; a afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos Direitos Humanos; a formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente nos níveis cognitivos, sociais, éticos e políticos; o desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva; o fortalecimento de práticas individuais e sociais geradoras de ações e instrumentos a favor da promoção, da proteção e da defesa dos Direitos Humanos, assim como da reparação de suas violações” (BRASIL, 2009, p. 25).

Para isso, o PNEDH (PNEDH, 2006, p. 23), define que a educação em Direitos Humanos deve ser promovida em três dimensões:



a) conhecimentos e habilidades: compreender os Direitos Humanos e os mecanismos existentes para sua proteção, assim como incentivar o exercício de habilidades na vida cotidiana;

b) valores, atitudes e comportamentos: desenvolver valores e fortalecer atitudes e comportamentos que respeitem os Direitos Humanos;

c) ações: desencadear atividades para a promoção, defesa e reparação das violações aos Direitos Humanos.

Considera-se, segundo essa definição, a educação em Direitos Humanos como uma educação permanente e global, que não trabalha apenas com a dimensão da razão e da aprendizagem cognitiva, mas envolve também aspectos afetivos e valorativos que precisam ser sentidos, vivenciados. É preciso experimentar os direitos à liberdade, à igualdade, à justiça e à dignidade, para compreender o que significam e, principalmente, para que se consiga difundi-los (MOEHLECKE, 2008, p. 10).

Para isso o PNEDH (2006, p. 32) coloca como princípios norteadores da educação em Direitos Humanos na educação básica, a escola sendo um espaço privilegiado para a construção e consolidação da cultura de Direitos Humanos, com uma orientação voltada para a educação em Direitos Humanos, assegurando o seu caráter transversal e a relação de diálogo entre os diversos atores sociais. Ainda segundo o PNEDH, a educação deve ter a função de desenvolver uma cultura de Direitos Humanos em todos os espaços sociais; estruturando-se na diversidade cultural e ambiental, garantindo a cidadania, o acesso ao ensino, permanência e conclusão, a equidade (étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre outras) e a qualidade da educação.

A implementação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos visa, sobretudo, difundir a cultura de Direitos Humanos no país. Essa ação prevê a disseminação de valores solidários, cooperativos e de justiça social. Isso porque o processo de democratização requer o fortalecimento da sociedade civil, a fim de que seja capaz de identificar anseios e demandas, transformando-as em conquistas que somente serão efetivadas, de fato, na medida em que forem incorporadas pelo Estado brasileiro como políticas públicas universais (Brasil, PNEDH, p. 26). Considera-se, por fim, que a defesa, a proteção e a promoção da educação em Direitos Humanos, como práticas a serem difundidas pelas várias esferas da sociedade, exigem que as escolas e demais instituições públicas assumam um compromisso permanente com o fortalecimento de uma cultura de Direitos Humanos no país, consolidando o Estado Democrático de Direito e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira (BRASIL, 2008).

No Brasil, a legislação que regulamenta todo o ensino público e privado, da educação infantil até o ensino superior é a Lei 9.394/96, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases para a Educação (LDBE). A LDBE reafirma o direito à educação, garantido pela Constituição Federal (Artigo 205) e o Artigo 26 da Declaração dos Direitos Humanos de 1948. No Espírito Santo, a norma que rege a Educação no Sistema de Ensino do Estado do Espírito Santo é a Resolução nº 3.777/2014, que ratifica no seu Artigo 70, Livro I, a observação da LDBE como norma vigente nas escolas públicas e particulares do Espírito Santo.

Nem a LDBE, nem a Resolução nº 3.777 citam diretamente em seu texto a obrigatoriedade do ensino de Direitos Humanos em sala de aula no Ensino Fundamental, porém, o Inciso 9º, do Artigo 26, da LDBE preconiza que “Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança, o adolescente e a mulher serão incluídos, como temas transversais, nos currículos de que trata o caput deste artigo, observadas as diretrizes da legislação correspondente e a produção e distribuição de material didático adequado a cada nível de ensino. (Redação dada pela Lei nº 14.164, de 2021)” (BRASIL, 1996).

Assim, o PNEDH (2007, p. 31-32) reforça em seu texto o Artigo 26 da LDBE e esclarece o que deve ser tratado no tema transversal de Direitos Humanos dispondo que:

Assim, a educação em direitos humanos deve abarcar questões concernentes aos campos da educação formal, à escola, aos procedimentos pedagógicos, às agendas e instrumentos que possibilitem uma ação pedagógica conscientizadora e libertadora, voltada para o respeito e valorização da diversidade, aos conceitos de sustentabilidade e de formação da cidadania ativa.

Outro documento, o Plano Nacional Curricular (BRASIL, 1998, p. 21) propõe que uma educação voltada para a cidadania, como estabelecido pelo Artigo 32, Parágrafo IV da LDBE, deve orientar os princípios de “dignidade da pessoa humana”. Significa respeito aos Direitos Humanos, repúdio à discriminação de qualquer tipo, acesso a condições de vida digna, respeito mútuo nas relações interpessoais, públicas e privadas; a “igualdade de direitos”, isto é, refere-se à necessidade de garantir a todos a mesma dignidade e possibilidade de exercício de cidadania. Já na Base Nacional Comum Curricular defende em seu texto a importância de se estudar os Direitos Humanos no Ensino Fundamental, principalmente, dentro das disciplinas de Ciências Humanas, no sentido de auxiliar os alunos em sua formação ética, ajudando os alunos a construírem um sentido de responsabilidade para valorizar: os Direitos Humanos; o respeito ao ambiente e à própria coletividade; o fortalecimento de valores sociais, tais como a solidariedade, a participação e o protagonismo voltados para o bem comum; e, sobretudo, a preocupação com as desigualdades sociais. Nesse sentido, a BNCC coloca como uma de suas Competências Específicas de Ciências Humanas para o Ensino Fundamental:

Construir argumentos, com base nos conhecimentos das Ciências Humanas, para negociar e defender ideias e opiniões que respeitem e promovam os direitos humanos e a consciência socioambiental, exercitando a responsabilidade e o protagonismo voltados para o bem comum e a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva (Competência 6) (BRASIL, BNCC, 2017, p. 355).

Mesmo estando presente na legislação e nos componentes curriculares não foi possível identificar uma diretriz central de como os Direitos Humanos devem ser trabalhados em sala de aula. Podemos ver, no entanto, que há uma liberdade das equipes pedagógicas para trabalhar este tópico de acordo com as suas próprias concepções e necessidades, como pode ser visto no Artigo 192 da Resolução nº 3.777, parágrafo único:

Os componentes curriculares relacionados para o ensino fundamental podem ser organizados em forma de áreas de conhecimentos, de disciplinas ou de eixos temáticos e deverão preservar a especificidade dos diferentes campos de conhecimento, por meio dos quais serão construídas as habilidades e competências indispensáveis ao exercício da cidadania e ao desenvolvimento integral do educando. Parágrafo único. As instituições de ensino podem apresentar uma organização curricular diferenciada, com características próprias, mediante projeto especial, desde que aprovado ou autorizado pelo CEE, em condições específicas, plenamente justificadas (ESPÍRITO SANTO, 2014).

A história dos Direitos Humanos no Brasil pode ser vista como obra de todos aqueles que, por meio de insurreições, rebeliões e revoltas, lutaram contra uma estrutura de dominação que vigorou no país durante séculos e ainda persiste em muitos aspectos, principalmente relacionada às desigualdades sociais. Por isso mesmo, a ideia de Direitos Humanos no Brasil permanece sendo vista, às vezes, pelos próprios meios de comunicação, como subversiva e transgressora. Isso porque nas últimas décadas as classes populares e os movimentos sociais têm utilizado intensamente os Direitos Humanos como instrumento de transformação da ordem dominante, o que explica a ação enérgica de determinados grupos conservadores, no sentido de tentar associar a causa dos Direitos Humanos à mera defesa das pessoas que cometeram um delito.

A sociedade brasileira carrega uma marca autoritária. Já foi uma sociedade escravocrata, além de ter uma larga tradição de relações políticas paternalistas e clientelistas, com longos períodos de governos não democráticos. Até hoje é uma sociedade marcada por relações sociais hierarquizadas e por privilégios que reproduzem um altíssimo nível de desigualdade, injustiça e exclusão social. A maioria da população brasileira não tem acesso a condições de vida digna, encontra-se excluída da plena participação nas decisões que determinam os rumos da vida social (suas regras, seus benefícios e suas prioridades). Nesse sentido, pode-se falar de uma ausência de cidadania no Brasil.

Dentro dessa perspectiva de Direitos Humanos como sinônimo de Cidadania, a Educação em Direitos Humanos ganha destaque, pois discutir a cidadania no Brasil significa apontar a necessidade de transformar as relações sociais e ambientais nas dimensões econômica, política e cultural, para garantir a todos a efetivação do direito de ser cidadão. Tanto a BNCC, quanto o PNEDH incentivam que a educação em Direitos Humanos não deve ser algo realizado de maneira relativizada, mas sim, de maneira interdisciplinar e que leve em consideração o contexto histórico, social, econômico e tecnológico da sociedade. Desta forma, tendo em vista que no Brasil o consumo é um fator importante na percepção de cidadania e bem-estar, é necessário também trabalharmos com conceitos de sustentabilidade e consumo responsável, para que possamos ter acesso a um meio ambiente sadio, saudável e equilibrado como um direito inerente ao Ser Humano.



BIBLIOGRAFIA

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 ESPIRÍTO SANTO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO.CURRÍCULO BÁSICO ESCOLA ESTADUAL:Ensino fundamental: anos finais: área de Ciências Humanas. Vitória, 2009. 

 GOFFREDO JR., Gustavo Sénéchal de. Tradição, Normas e a Política Externa Brasileira para os Direitos Humanos, Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Instituto de Relações Internacionais – PUC-Rio. 2000. pp. 107-113. 

MOEHLECKE, Sabrina. Proposta pedagógica. In: Brasil. Salto para o futuro: Direitos Humanos e educação. Rio de Janeiro: TV Escola, 2008. Disponível em: <https://cdnbi.tvescola.org.br/contents/document/publicationsSeries/120738Dirhuman_edu.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2018. 

SILVA, Aida Maria Monteiro; TAVARES, Celma. Educação em Direitos Humanos no Brasil: contexto, processo de desenvolvimento, conquistas e limites. Educação, Porto Alegre, v. 36, n. 1, p.50-58, jan. 2003. 

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Ilustrações: Silvana Santos