Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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05/09/2006 (Nº 18) Reflexões sobre Educação Ambiental como instrumento de transformação comunitária
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Reflexões sobre Educação Ambiental como instrumento de transformação comunitária: pré diagnóstico da situação socioambiental da favela da Vila Brandina, Campinas-SP.

 

COSTA-PINTO, A. B.; QUERINO, M. R .& VIEIRA, A. L. F. R.

 

Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto – Mestre em Ciência Ambiental pelo PROCAM/USP, tendo desenvolvido dissertação na área de Educação Ambiental intitulada “Em busca da potência de ação: Educação Ambiental e Participação na agricultura caiçara no interior da Área de Proteção Ambiental de Ilha Comprida, SP” (processo FAPESP no. 00/06371-0), pesquisadora do componente Educação Ambiental do projeto “Recuperação ambiental, participação e poder público: uma experiência em Campinas” (processo FAPESP no. 01/02952-1) e Profa. do curso de Tecnologia em Gestão Ambiental da Universidade São Marcos/Paulínia. Endereço para correspondência: Rua Osvaldo Antunes Vasconcelos, 155. Bairro: Cidade Universitária. Distrito de Barão Geraldo, Campinas/SP. CEP 13084-200. Tel. (19) 3289.3764 / 9191.6214 E-mail: alegubcp@hotmail.com e alessandra.costapinto@smarcos.br

 

Marcos Roberto Querino – Bolsista FAPESP de Treinamento Técnico níveis I e III (processos 05/53073-9 e 06/50713-0, respectivamente) pelo projeto “Recuperação ambiental, participação e poder público: uma experiência em Campinas” (processo FAPESP no. 01/02952-1) e Tecnólogo em Gestão Ambiental pela Universidade São Marcos/Paulínia. Endereço para correspondência: Rua Antonio Basseto nº 568 Paulinia/SP. CEP 13140-000. Tel. (19) 3833-3842 / 91823217 E-mail: mrquerino@yahoo.com.br

 

Ana Lúcia Floriano Rosa Vieira – estagiária do componente Educação Ambiental do projeto “Recuperação ambiental, participação e poder público: uma experiência em Campinas” (processo FAPESP no. 01/02952-1) e estudante do curso de Tecnologia em Gestão Ambiental da Universidade São Marcos/Paulínia. Endereço para correspondência: Rua Avelino Diz, 137 - Jd.Flamboyant. Tel. (019) 3252.4763 / 8138.4655. CEP:13091-120. Campinas/SP E-mail: nalu_vieira@yahoo.com.br

 

 

Resumo

 

A experiência aqui relatada faz parte dos resultados obtidos pelo componente Educação Ambiental do projeto “Recuperação Ambiental, Participação e Poder Público: uma Experiência em Campinas” (FAPESP no 01/02952-1). Para a realização do pré-diagnóstico da situação socioambiental da favela da Vila Brandina em Campinas-SP, foram utilizadas metodologias qualitativas de pesquisa que possuem como eixo central a participação popular e vislumbram a ampliação da consciência por parte da comunidade a respeito da sua própria realidade, objetivando assim possibilitar o incremento da potência de ação dos sujeitos. Busca-se compartilhar algumas considerações a respeito da realização atividades educativas que visem a potencialização dos indivíduos e, da comunidade como um todo, para realizar ações que venham a contribuir com a melhoria a qualidade de vida da população e com a conservação ambiental.

 

Introdução

 

A experiência aqui relatada faz parte dos resultados obtidos pelo projeto “Recuperação Ambiental, Participação e Poder Público: uma Experiência em Campinas” (FAPESP no 01/02952-1)[i], que será referenciado ao longo do texto com projeto Anhumas-fapesp.

As atividades educativas desenvolvidas pelo componente de Educação Ambiental do referido projeto envolveram quatro comunidades residentes no interior da bacia hidrográfica do ribeirão das Anhumas em seu alto, médio e baixo cursos, no município de Campinas-SP, buscando sempre promover uma reflexão dos moradores locais a respeito da situação socioambiental na qual estão inseridos, com o intuito de fortalecer as iniciativas comunitárias que procuram possibilitar tanto a melhoria da qualidade de vida da população, como a conservação ambiental.

O estudo supracitado procurou entender a relação entre os moradores e o meio natural e, a partir disto, desenvolver um trabalho de educação ambiental. De acordo com Sorrentino (1998:193) o objetivo maior da Educação Ambiental é o de “contribuir para a conservação da biodiversidade, para a auto-realização individual e comunitária e para a auto-gestão política e econômica, através de processos educativos que promovam a melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida”. Em assim sendo, a educação ambiental é um processo de educação política que possibilita a aquisição de conhecimentos e habilidades, bem como a formação de valores e atitudes que se transformam necessariamente em práticas de cidadania. Estas práticas podem garantir a construção e manutenção de uma sociedade sustentável, em que os recursos naturais são utilizados de forma coerente com o objetivo de se preservá-los para as presentes e futuras gerações.

Tendo isto posto, coloca-se que processos educativos de fomento à organização comunitária que visam solucionar problemas locais e, desta forma, objetivam também contribuir com a melhoria da qualidade de vida da população e com a conservação do meio ambiente, devem buscar caminhos para promover/fortalecer processos participativos buscando o desenvolvimento de ações coletivas que almejam o bem estar de todos. Pois, entende-se que “garantir formalmente direitos é algo muito importante, mas isto não basta para que na prática (...) [a] consolidação [da participação] aconteça, havendo portanto a necessidade da implementação de processos educacionais que busquem a consolidação do aprendizado da participação, ou para usar as palavras de Maria Victoria Benevides [1994], de uma educação política” (Costa Pinto, 2003:1).

Segundo Bárcena (2000:14), “não são os conhecimentos, as informações e nem as verdades transmitidas através de discursos ou leis que dão sentido à vida, o sentido se tece de outra maneira, a partir de relações imediatas, a partir de cada ser, a partir dos sucessivos contextos nos quais se vive. O sentido de trabalhar por um meio ambiente sadio constrói-se num fazer diário, numa relação pessoal e grupal, e por isso, a tomada de consciência ambiental cidadã só pode traduzir-se em ação efetiva quando segue acompanhada de uma população organizada e preparada para conhecer, entender, exigir seus direitos e exercer suas responsabilidades”.

De acordo com Dayrell (1996:142 apud Costa-Pinto & Sorrentino, 2002a) um processo educativo “ocorre nos mais diferentes espaços e situações sociais, num complexo de experiências, relações e atividades, cujos limites estão fixados pela estrutura material e simbólica da sociedade, em um determinado momento histórico (...)”.

Este artigo se restringirá a relatar as atividades de um pré-diagnótico da situação socioambiental da favela da Vila Brandina, no alto curso do ribeirão das Anhumas.

Este pré-diagnóstico foi realizado com o uso de elementos da etnografia. Devido ao pouco tempo disponível não foi realizado um mergulho etnográfico de grande profundidade, mas lançou-se sobre a comunidade um olhar etnográfico, um “olhar atentamente distraído’’ (Avanzi et al 2001; Costa-Pinto, 2003), buscando captar elementos que permitissem compreender um pouco melhor os problemas enfrentados pelos moradores”.

 

Metodologia Utilizada na Pesquisa

 

Cabe ressaltar que entendemos ser mais coerente com a proposta deste trabalho a escolha, dentre as metodologias qualitativas de pesquisa, daquelas que possuem como eixo central a participação popular e vislumbram a ampliação da consciência por parte da comunidade a respeito da sua própria realidade.

Borda (1990) apresenta a Pesquisa Participante como sendo uma pesquisa que busca auxiliar grupos populares na resolução de problemas enfrentados procurando sempre contribuir com a ampliação da consciência das bases sociais a respeito de sua realidade, bem como valorizar o conhecimento popular, tendo na reflexão das ações realizadas um importante instrumento.

Viezzer & Ovalles (1995:52) descrevem a Pesquisa Ambiental Participante (PAP) como sendo capaz de “gerar na comunidade afetada, um processo de autodiaginostico ou autoconhecimento, afim de que seus membros não só fiquem conscientes do problema, mas que conheçam as causas responsáveis e procurem soluções’’. Assim o uso de elementos etnográficos para a realização de ações educativas está em consonância com a proposta deste trabalho de pesquisa.

O “olhar atentamente distraído’’ lançado está em sintonia com Geertz (1989:20) para quem realizar pesquisa etnográfica significa enfrentar "uma multiplicidade de estruturas conceituais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas uma às outras, que são simplesmente estranhas, irregulares e inexplícitas e que (...) [quem a pratica] tem de alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar. (...) É como tentar ler no sentido de construir uma leitura de um manuscrito estranho e desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escritos não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado".

Para utilizar o olhar etnográfico proposto fez-se uso da observação participante. A utilização desta técnica requer alguns cuidados, enunciados por Lüdke & André (1986:30): ‘’(...) o observador coleta dados buscando sempre manter uma perspectiva de totalidade, sem se desviar demasiado de seu foco de interesse. Para isto, é particularmente útil que ele oriente a sua observação em torno de alguns aspectos, de modo que ele nem termine com um amontoado de informações irrelevantes nem deixe de obter certos dados que vão possibilitar uma análise mais completa do problema’’ e as anotações de campo devem conter uma parte descritiva e outra reflexiva.

As atividades realizadas foram: pesquisa de campo, ou seja, visitas a área de estudo na Vila Brandina; conversas informais com diferentes moradores e integrantes de associações que desenvolvem trabalhos no local; articulação e realização de dois “Encontros para troca de experiências entre comunidades residentes na bacia hidrográfica do ribeirão das Anhumas”; participação na reunião pública de mapeamento de riscos ambientais do alto curso do Anhumas, promovida pelo componente de Riscos Ambientais do projeto supracitado, além da participação na devolução de tais informações à comunidade.

 

Apresentação do estudo de caso

 

O ribeirão das Anhumas tem uma extensão de 21.120 metros sendo que destes apenas 236 metros, ou 1,12%, de suas margens são protegidas com matas ciliares (Prefeitura Municipal de Campinas, 1996). O Anhumas nasce no e percorre uma grande área do município de Campinas. Uma parte de seu trajeto ocorre na área urbana, sendo canalizado em alguns locais, e recebendo cerca de 40% do esgoto doméstico da cidade in natura, cruza uma importante rodovia, a SP-340, percorre uma área rural em busca do Rio Atibaia, onde deságua já no município de Paulínia.

O município de Campinas está administrativamente dividido em sete macrozonas, de acordo com seu Plano Diretor. A Vila Brandina está inserida na macrozona 4 – área de ocupação consolidada, caracterizada por uma vizinhança de contrastes de renda extremos. No entorno da Favela da Vila Brandina localizam-se os bairros Vila Brandina, Palmeiras, Jardim Palmeiras-Hípica, bem como a Sociedade Hípica de Campinas, o Colégio Integral, o Instituto Biológico, o Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim, o LARA (Laboratório de Regional de Apoio Animal vinculado a Secretaria de Defesa Agropecuária) e a Secretaria do Meio Ambiente.

A aproximação com os moradores da favela da Vila Brandina e com a ONG Plantando Paz na Terra se deu através das atividades desenvolvidas na primeira e segunda fases do projeto Anhumas-fapesp (Torres et al, 2003 e 2005). Através da parceria firmada com a referida ONG, foi possível contatar moradores e lideranças do local, com o objetivo de fazer um pré-diagnostico da situação socioambiental da localidade, além de conhecer tanto os trabalhos que estavam sendo realizados dentro da favela, como quais eram os desejos dos moradores para o futuro da área em questão.

A Plantando Paz na Terra (www.plantandopaznaterra.org.br) é uma, das várias ONGs que atuam na favela da Vila Brandina. Foi fundada no ano de 2001, após sua coordenadora retornar de uma viajem ao sul da Índia em que conheceu Auroville, uma cidade ecologicamente correta, como parte de uma pesquisa que vinha realizando sobre novas formas de vida coletiva. A experiência concreta desta cidade forneceu-lhe subsídios e estímulo para a implantação de um programa socioambiental em Campinas, cidade em que reside. O lema da ONG foi expresso por sua coordenadora através de um poema que escreveu em 2002 e está afixado na sede da mesma: “Plantando Paz na Terra espelha o som de uma água que quer brotar junto como a nossa memória do essencial”.

Ao retornar da Índia a coordenadora da ONG conheceu a área do Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim em que se encontra assentada a favela da Vila Brandina. Nesta área vislumbrou a realização de um projeto de recuperação da mesma, que posteriormente foi denominado “Corredores Ecológicos do Mato Dentro”. A implantação de tal projeto torna a cidade de Campinas co-irmã de Auroville, para usar as palavras da coordenadora.

Vale dizer que nesta localidade se fazem presentes várias nascentes do córrego Mato Dentro, um importante formador do ribeirão das Anhumas e que a mata ciliar tanto das nascentes, como do próprio córrego estão muito degradadas, sendo praticamente inexistentes.

A área do Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim se encontra atualmente dividida em duas partes, que são separadas por uma via expressa que liga a cidade de Campinas ao distrito de Sousas. A favela da Vila Brandina se encontra dentro da área do Parque do lado oposto da pista em que se localiza a sede do mesmo.

Este projeto dos Corredores Ecológicos prentede fazer a ligação das duas áreas do Parque, na sub-bacia do córrego Mato Dentro, para o trânsito de animais silvestres e recompor a mata ciliar, tanto do córrego, como das nascentes, de acordo com a coordenadora da ONG. Para viabilizar sua implantação a Plantando Paz na Terra vem desenvolvendo atividades, junto a um pequeno grupo de moradores da favela que buscam melhorar as condições de vida no local, através da revitalização de algumas áreas.

Intenta-se operar esta revitalização através do reflorestamento ciliar da área, criação de praças e implantação de um espaço de educação permanente. Tal espaço compreende a construção de um complexo, com estrutura para oferecer cursos, palestras, oficinas etc., que visem contribuir com à formação social, ambiental e econômica dos moradores, bem como expor trabalhos por eles realizados. Também tem como objetivo constituir-se como um espaço de lazer para todos e ainda oferecer a seus visitantes, informações sobre a localidade e seus residentes.

A idéia da ONG é que os moradores que vivenciam no seu dia a dia a degradação deste espaço público em decorrência de sua utilização inadequada - tanto por parte da prefeitura, que o utilizou por vários anos como depósito de lixo, como por parte dos próprios moradores que o utilizavam para criação e abate de animais - acabem sensibilizados com a destruição das nascentes e do ambiente de um modo geral. E, a partir disso, façam uma apropriação diferenciada da área, passando a zelar, a tomar conta da mesma, criando um espaço de convívio, do qual todos possam usufruir, na forma de lazer e/ou mesmo através das diferentes atividades oferecidas pela entidade para a comunidade. Trabalhando em regime de mutirões alguns moradores, a ONG e seus amigos vêm construindo quiosques e uma horta comunitária cuidada por mulheres da residentes na favela.

No princípio, esta idéia teve boa receptividade por parte da diretoria do Parque Ecológico e dos moradores da favela, mas com o decorrer dos trabalhos, instalou-se grande conflito de interesses políticos e divergências de idéias, entre moradores, ONGs e parte da diretora do Parque Ecológico. Sendo uma das divergências referentes aos limites físicos do Parque, havendo discordâncias a respeito de se a área próxima a favela, onde estão as nascentes, alguns poucos remanescentes de mata ciliar e a sede da ONG integram ou não a área do mesmo.

Cabe colocar que o Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim é alvo de disputa política entre o Estado de São Paulo e o Município de Campinas, tendo inclusive duas direções: uma estadual e outra municipal. O que coloca na dependência de um acordo entre as duas direções a realização de quais quer ações dentro da área, ou no entorno do mesmo.

Uma outra ONG, de nome Recicla Lar, cujo o presidente não mora na favela, mas em seu entorno, tem como objetivo a substituição dos barracos de madeira por outros de alvenaria. A realização destas ações vem provocando desentendimentos entre a ONG e a Associação de Moradores da Vila Brandina (AMoViBra).

O cerne deste conflito parece residir nos princípios balizadores da urbanização da favela, uma vez que membros da AMoViBra declaram que a discordância se dá em função da localização das construções de alvenaria que a Recicla Lar vêm promovendo. Membros da Associação de Moradores alegam que a AMoViBra procura realizar este mesmo trabalho, porém realizando o deslocamento de moradores instalados nas áreas de risco para outras partes da favela, de acordo com as instruções da Prefeitura Municipal de Campinas e da COHAB, diferentemente do que afirmam que referida ONG vem fazendo. Faz-se importante aqui colocar que não foi possível contatar nenhum membro da ONG Recicla Lar pessoalmente para ouvir sua versão sobre estes fatos.

Pelo que pudemos apurar durante o pré-diagnóstico realizado, além dos conflitos acima descritos, uma preocupação de parte dos moradores é a revitalização da área constituída pelas nascentes, através do replantio da mata ciliar que depende da regularização da documentação junto ao DPRN, órgão em que o pedido para realizar tal atividade já foi protocolado.

Dentre as várias dificuldades que a comunidade vem enfrentando, de acordo com depoimentos de moradores locais e um membro da ONG Plantando Paz na Terra, podemos destacar:

a) várias ruas não possuem coleta de lixo, pois o caminhão da prefeitura não passa devido à largura da mesma e com isso muitos moradores jogam seu lixo em um terreno particular desocupado, um possível criadouro de baratas, ratos e uma série de outros animais transmissores de doenças;

b) casas foram construídas em cima de várias nascentes, com isso ainda hoje brota água no quintal das mesmas, tornando as paredes das construções úmidas e com mofo, podendo causar doenças respiratórias;

c) próximo à horta comunitária há uma galeria de água pluvial construída pela Prefeitura de Campinas drenando água da rua para dentro da área de nascentes;

d) o posto de gasolina existente nas imediações despeja clandestinamente seus efluentes nessa tubulação.

e) o Deus nos acuda, para usar as palavras dos residentes locais, nos períodos chuvosos, pois a presença desta drenagem pluvial, o assoreamento do córrego Mato Dentro e a ausência de mata ciliar no mesmo propiciam a formação de enxurradas e enchentes que arrastam para dentro das casas água com todo tipo de sujeira, além de ratos e baratas;

f) duas nascentes foram canalizadas diretamente para tubulação de esgoto;

g) não há creches no local, pois a única que havia será fechada, pois está em um uma área do Estado de forma irregular;

h) falta de apoio para ONG Plantando Paz na Terra, na realização da recomposição de mata ciliar na favela da Vila Brandina.

 

Considerações finais

 

As atividades desenvolvidas junto a comunidade da favela da Vila Brandina foram realizadas, como dito anteriormente, através da utilização de metodologias qualitativas de pesquisa que possuem como foco a participação popular, por ser este um trabalho de Educação Ambiental que almeja o incremento da potência de ação dos sujeitos, sejam eles individuais ou coletivos.

“Parte-se do pressuposto de que Educação Ambiental está imbuída de um conteúdo político e de que a ação educativa situa-se numa ampla e complexa relação de conflitos histórica, social e culturalmente condicionados. Estas idéias estão em sintonia com autores como Gadotti (2000) e Santos (1996) que compreendem que o processo educativo que se propõe a transformar a realidade é conflitivo, pois estará necessariamente lidando com a ruptura com algo” (Avanzi et al, 2001).

Embora o contato com a comunidade tenha sido breve e limitado a realização de um pré-diagnóstico da situação socioambiental da localidade em questão, pode ser considerado um trabalho educativo de curtíssimo prazo, pois em todos os contatos possuía-se como objetivo tanto levantar informações que permitissem compreender a situação socioambiental local, bem como provocar uma reflexão dos interlocutores a respeito da mesma.

Em assim sendo, seguem abaixo algumas considerações a respeito das possibilidades vislumbradas para futuros trabalhos de educação ambiental que intentem fortalecer a organização comunitária e auxiliar na costura de parcerias para a realização e consolidação de transformações, tendo em vista a necessidade da continuidade, ao longo do tempo, de um processo educativo que propicie um aumento da participação popular nas tomadas de decisão.

O pré-diagnóstico realizado revela uma série de conflitos existentes tanto no interior da comunidade, como entre agentes externos e a comunidade e entre agentes externos que desejam realizar ações para melhoria no local entre si. Tais conflitos apresentam-se como divergências de idéias, atitudes e propostas de ações, muito embora, aparentemente, o objetivo de todos seja o mesmo: propiciar melhorias na localidade, sejam elas referentes a qualidade de vida dos moradores e/ou a conservação/aumento da biodiversidade local.

Nas situações acima descritas percebe-se que os agentes externos chegam com uma proposta pronta, impondo à comunidade, de cima para baixo, quais são e como devem ser feitas as melhorias locais, tendo a comunidade como objeto de intervenção e não como uma parceira para construir a proposta de mudança. Pesquisas realizadas por Orlandi (1996) e Nonato & Avanzi (2001), apontam a existência deste tipo de prática no campo da Educação Ambiental que se baseiam em proposições teóricas ecologistas e práticas coercitivas, verticais e normativas “tomando o discurso ecologista como doutrina a ser defendida, e conseqüentemente, aceita, sem a mediação dos indispensáveis processos de apropriação e interiorização da mesma” (Gutiérrez & Prado, 1999: 50).

Este tipo de escolha pedagógica para o desenvolvimento de processos educativos impossibilitam a construção do que Demo (1995) chama de “qualidade política”, que representa a arte da comunidade ou grupo de se autogerir, a capacidade de inventar seu espaço próprio, forjando sua autodefinição, sua autodeterminação. Como um ponto importante para tal construção destaca-se a identidade cultural comunitária, reconhecida como "a razão histórica e concreta da coesão de grupo". Para o autor é neste ponto que reside "o baú da onde se retira a fé em suas potencialidades" (Demo, 1995: 18).

Estando em consonância com Costa-Pinto et al. (2001:4) entende-se que as ações de Educação Ambiental devem “problematizar a relação entre conservação ambiental e bem estar social, partindo do desenvolvimento de capacidades e competências locais para o enfrentamento dos problemas”, sendo este um caminho para incrementar a potência de ação dos grupos e indivíduos.

O conceito de “potência de ação” foi extraído do pensamento do filósofo holandês, do século XVII, Baruch de Espinosa e se relaciona com a nossa capacidade de agir no mundo e transformá-lo na direção em que desejamos. Para Espinosa o que nos move é a busca pela liberdade e pela felicidade, o que está indissociavelmente ligado à nossa capacidade de expressar e realizar os nossos desejos (Costa-Pinto, 2003). “A filosofia espinosana considera que para ser feliz é necessário seguir o caminho da razão, compreendida não como a negação dos afetos, mas como um produto deles” (Santos & Costa-Pinto, 2005:297), pois com afirma Chauí (1995) “pensamos e agimos não contra os afetos, mas graças a eles”.

De acordo com Santos & Costa-Pinto (2005:298) ”existem duas dimensões da potência de ação: uma individual (que visa o auto-conhecimento, a percepção de si) e outra coletiva (assente na composição dos sujeitos, que exige o conhecimento das regras que regem a sociedade política e aponta para a necessidade de abertura para o aprendizado a partir do conhecimento e da prática do outro). Mas como afirma Sawaia (2001) ’potência de ação é da ordem do encontro, pois remete ao outro incondicionalmente’ (...). Percebe-se, assim, que a associação dos humanos em grupos – cooperativas, associações, sindicatos etc., potencializa o seu direito natural de existir, já que se unem para suplantar o medo, o ódio e todas as coisas e sentimentos que possam trazer sofrimento e reduzi-los ao estado de servidão (...)”.

Outro ponto relevante a ser destacado refere-se ao fato de as iniciativas da sociedade civil, internas ou externas a comunidade, não considerarem o poder público como um parceiro importante na realização e manutenção das mudanças desejadas, desconsiderando assim a função social do Estado.

Uma vez que estar potente para agir significa estar capaz de promover ações coletivas tendo consciência do que se deseja realizar e responsabilidade sobre ações empreendidas, ou seja, ter clareza de quais são as conseqüências positivas e negativas de nossas ações (Costa-Pinto, 2003), a tecitura de diferentes parcerias é algo essencial. Não podendo, portanto, o poder público ser descartado.

A partir do que foi colocado anteriormente, entende-se que para realizar ações educativas que visem a potencialização dos indivíduos e, da comunidade como um todo, para realizar ações que venham a contribuir com a melhoria a qualidade de vida da população e com a conservação ambiental são indispensáveis:

a) ter a comunidade como parceira tanto na elaboração e execução das transformações desejadas, como na avaliação das ações empreendidas e não como uma cumpridora de tarefas estabelecidas por outrem, pois é desta forma que se dará a construção da consciência crítica dos indivíduos e, consequentemente, da comunidade como um todo a respeito de sua própria realidade. Sendo, a construção desta consciência crítica a garantia da manutenção e frutificação de tais transformações;

b) realizar a mediação dos conflitos identificados, para que assim se faça possível costurar parcerias entre os agentes internos e externos à comunidade, que atuam na localidade em questão, para fortalecer as ações já iniciadas;

c) incluir o poder público nas parcerias construídas, pois assim possibilitamos uma aproximação do mesmo com a população, o que, por sua vez, propicia a oportunidade da mesma não só trabalhar em parceria com o Estado, como também que esta população cobre que este último cumpra adequadamente sua função social.

 

Referências bibliográficas

 

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[i] O projeto “Recuperação ambiental, participação e poder público: uma experiência em Campinas” foi financiado pela linha de políticas públicas da FAPESP (processo no. 01/02952-1) e desenvolvido em uma parceria entre o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Prefeitura Municipal de Campinas (PMC), Universidade de Brasília (UnB) e Instituto Florestal (IF), na bacia hidrográfica do ribeirão das Anhumas, sob coordenação da Profa. Dra. Roseli B. Torres do IAC. O referido projeto realizou um diagnóstico das principais características socioambientais da bacia hidrográfica do ribeirão das Anhumas e procurou trazer recomendações de políticas publicas que visem contribuir com a melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida da população residente na área em questão (Torres et al., 2003, 2005 e 2006).

Ilustrações: Silvana Santos