Mais de duas mil pessoas estão participando da II Conferência Nacional
do Meio Ambiente (CNMA), que começou no último sábado e termina nesta
terça-feira, dia 13 de dezembro, em Brasília. O evento reúne mais de
1,5 mil delegados representantes de organizações não-governamentais,
movimentos sociais, comunidade científica, empresários, sindicatos,
populações tradicionais, governos federal, estaduais e municipais de
todo o País. A II CNMA tem como tema central “política ambiental
integrada e uso sustentável dos recursos naturais” - a primeira CNMA
aconteceu em novembro de 2003. A Conferência aprova diretrizes que devem
ser consideradas na formulação e implementação da política nacional
do meio ambiente.
Temas polêmicos já conhecidos dos ambientalistas e que ocuparam o noticiário
em 2005, como a transposição do rio São Francisco, o controle sobre
produtos transgênicos e o Projeto de Lei (PL) 62/05, de gestão de
florestas públicas, devem acalorar os debates durante o evento. Também
pode ser votada uma recomendação para que a Conferência torne-se a instância
máxima de deliberação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama),
papel hoje ocupado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama),
colegiado com 108 integrantes, entre representantes do governo, de
organizações ambientalistas e entidades empresariais. A proposta é do Fórum
Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para Meio Ambiente e
Desenvolvimento (FBOMS) e conta com o apoio do Ministério do Meio
Ambiente (MMA).
Na abertura do evento, na tarde de sábado, a ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva, fez questão de comentar os assuntos que deverão provocar
controvérsias durante as discussões. Marina afirmou que a aprovação da
Lei de Biossegurança, neste ano, foi uma “derrota” não apenas do
MMA, mas também do País. Ela voltou a repetir que, no caso do projeto de
transposição do rio São Francisco, coube ao ministério que chefia
apenas fazer o licenciamento da obra, que está sendo contestado
judicialmente.
MMA lista as vitórias obtidas
A realização da II CNMA vinha sendo alvo de questionamentos porque
algumas das propostas feitas durante a primeira Conferência não foram
levadas em conta pelo governo. Em 2003, foram aprovadas recomendações
contrárias à transposição do São Francisco e à liberação dos
transgênicos, autorizada depois pela Lei de Biossegurança. Algumas
organizações ambientais chegaram a propor o boicote ao evento. Segundo o
MMA, mais de 70% das diretrizes encaminhadas à administração federal
pela I CNMA já estão sendo implementadas.
Marina Silva citou o Plano BR-163 Sustentável, o novo modelo do setor elétrico
e a queda nos índices de desmatamento como vitórias de sua pasta.
“Esses exemplos comprovam que é possível desenvolver uma política
ambiental integrada que seja adotada por todos os setores do governo”,
afirmou. A ministra disse que, antes do governo Lula, a questão do
desmatamento nem chegava perto do Palácio do Planalto e que, agora, como
reflexo dessa política integrada, o Plano de Ação para Prevenção e
Controle do Desmatamento na Amazônia está sendo coordenado pela Casa
Civil.
Coube ao vice-presidente da República e ministro da Defesa, José
Alencar, responder às críticas que vieram a público, na semana passada,
por ocasião do anúncio da queda nos índices de desmatamento de 31% para
o período de 2004-2005. Alguns políticos e ambientalistas avaliaram que,
mais do que resultado das ações do governo, o número seria fruto de
fatores temporários e circunstanciais, como a queda na área plantada de
soja. Alencar leu comunicado assinado pelo Presidente Lula, que repetia
que a queda nos índices de desmate deve-se a medidas “estruturantes”
aplicadas pelo governo e comparou o número à suposta melhoria de outros
indicadores promovida pelo atual governo, como o decréscimo na pobreza e
na desigualdade de renda.
Também na cerimônia de abertura do evento, Marina Silva assinou a
portaria ministerial que cria o conselho gestor da Reserva de Biosfera do
Pantanal. Foi assinado ainda o convênio entre a agência alemã KFW e o
governo brasileiro pelo qual serão aplicados R$ 40 milhões em dois
grandes corredores ecológicos no País: o primeiro partindo da cidade de
Manaus (AM) até a fronteira com a Colômbia e um segundo localizado entre
o Espírito Santo e o sul da Bahia.
Diversidade de atores marca evento
As polêmicas e a variedade de posições existentes na Conferência
refletem a tremenda diversidade dos segmentos que participam do evento. De
um mesmo Grupo de Trabalho (GT), principal espaço de discussão do
encontro, participam desde delegados quilombolas, ribeirinhos, indígenas
e agricultores familiares até técnicos da Confederação Nacional da Indústria
(CNI), defensores do agronegócio, pesquisadores e integrantes de ONGs. Além
de setores tradicionalmente identificados com o ambientalismo, grupos
menos conhecidos ou usualmente vinculados a outros tipos de reivindicações
também marcam presença na Conferência, como instituições que atuam
contra maus tratos a animais domésticos e defensores dos direitos de
portadores de necessidades especiais. O desafio da Conferência é
justamente tentar construir consensos mínimos a partir dos interesses dos
setores que dela participam.
"Pretendemos lutar pela garantia da repartição de benefícios para
as populações tradicionais, pelo uso de seus conhecimentos e recursos,
pela aprovação do PL de gestão de florestas e pela criação de um
modelo diferenciado para a gestão das bacias hidrográficas da Amazônia
que garantam a participação das comunidades ribeirinhas”, explica
Adilson Vieira, secretário-geral do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).
Ele discorda das críticas feitas à primeira Conferência e acredita que
o fórum é um espaço fundamental como instrumento de democracia
participativa. “Nunca pensei que todas as orientações aprovadas na
primeira Conferência seriam implementadas pelo governo".
"Estamos apostando em propostas para agilizar, modernizar e capacitar
o Sisnama”, afirma Patrícia Pozzon, delegada da CNI. Ela qualifica de
“moroso, cartorial e burocrático” o processo de licenciamento
ambiental e avalia que grande parte das decisões e normas aprovadas pelo
Conama não tem respaldo legal e técnico. A solução para o problema,
segunda Patricía, seria uma reforma dos órgãos e instâncias do
Sisnama, sobretudo do Conama. “Pretendemos apresentar [uma proposta]
para revisão do Conama, para que ele tenha uma composição mais paritária
e uma proposta para revisão do processo de licenciamento, para que ela
seja mais descentralizado, mais objetivo e mais fácil de ser cumprido”.
A representante da CNI adianta que a idéia é diminuir o número de
conselheiros do Conama e aumentar o número de representantes do setor
produtivo no Colegiado, além de permitir, em alguns casos, a dispensa de
algumas das licenças previstas pela legislação.
“Uma de nossas principais preocupações diz respeito à necessidade de
criação de políticas diferenciadas de meio ambiente para os territórios
indígenas e quilombolas, já que eles são comprovadamente responsáveis
pela proteção de grande parte de nossa biodiversidade”, informa a
advogada Fernanda Kaigang, representante dos povos indígenas na comissão
organizadora da Conferência e delegada do Distrito Federal. Ela avalia
que, hoje, existem apenas “tentativas” de implementar políticas
ambientais que levem em consideração as particularidades regionais e
culturais dos povos indígenas. Fernanda avaliza a crítica de que algumas
das propostas aprovadas na I CNMA não foram levadas em conta pelo
governo. Considera ainda que o governo precisa garantir maior presença
indígena na Conferência com apoio financeiro e logístico. Nbesta conferência
são 40 delegados representantes de povos indígenas e tradicionais.
Discussões no GTs
No domingo, primeiro dia oficial dos trabalhos, os delegados aprovaram o
regimento interno do evento e iniciaram os debates sobre alguns temas
específicos, como política nacional de resíduos sólidos, legislação
para pneus, plano nacional de recursos hìdricos, PL da gestão de
florestas públicas, desmatamento e semi-áridos. Também foram iniciadas
as discussões nos cinco GTs: Biodiversidade e Florestas; Recursos Hídricos;
Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos; Instrumentos de
Desenvolvimento Sustentável; de Fortalecimento do Sisnama e Controle
Social. Os GTs discutem e votam alterações ao texto-base da Conferência,
que deve ser finalizado hoje, 13/12. Ontem, 12/12, continuaram os debates
nos GTs.
A II CNMA foi precedida por 27 conferências regionais em todo o País,
que contaram com a participação de mais de 86 mil pessoas. O processo
que culminou com a realização da I CNMA mobilizou 65 mil pessoas. A eleição
de delegados para a Conferência respeita a proporcionalidade estabelecida
pelo regimento interno do evento e que prevê 50% de delegados de
movimentos sociais e ONGs, 30% do setor empresarial e 20% do governo.
http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2166
divulgado
no Jornal do Meio Ambiente:
http://www.jornaldomeioambiente.com.br/JMA-index_noticias.asp?id=8913
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