Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Artigos
20/03/2004 (Nº 8) A FUNDAMENTAL EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A SUSTENTABILIDADE
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=210 
  
Nova pagina 1

A FUNDAMENTAL EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A SUSTENTABILIDADE

Maria Lúcia de Sousa Silva


Entrar em salas de aula ou grupos de trabalho, fazer parte do vocabulário dos docentes procurando conhecer a realidade, brasileiros, goianos, grupos sociais diferenciados, para que possa promover mudanças de hábitos, atitudes, contribuindo assim para um despertar de consciência dentro do processo de transformação social.

Há um reconhecimento de que a Educação Ambiental (EA) é necessária para se alcançar o ideal das sociedades sustentáveis. Isso se verifica através da formulação recente de políticas, difusão do tema em diferentes movimentos sociais e propostas de incorporação do estudo do ambiente associado à Ciência, Tecnologia e Sociedade no âmbito escolar. Nesse sentid o a avaliação da preparação dos professores com competência para atuarem como agentes de mudança tem sido considerada prioritária (UNESCO-UNEP, 1988; TILBURY, 1992; FIEN & RAWLING, 1996). Há também um amplo entendimento de que essa formação é bastante complexa face ao conhecimento, atitudes e habilidades exigidos para se alcançar a variedade de   objetivos e metas da EA. 

No projeto pedagógico da escola o ensino deve afirmar sua intenção educativa, consciente de que se dirige para o fazer educação no sentido de vivenciar e pesquisar para conhecer como o ser humano aprende a respeitar as necessidades do grupo social, do seu local, e desafiando os aprendizes a compreender a dinâmica das causas e efeitos. Por isso nos PCNs a "crise ambiental" é tratada como "crise civilizatória", desde a conferência de Estocolmo em 1972, até a RIO+10 é denunciado a forma com que certos grupos estão despreocupados com a vida humana, é preciso desenvolver os saberes científicos da lógica desenvolvimentista, para o emprego da interdisciplinaridade PROF. FÁBIO CASCINO.

A história da Humanidade pode ser contada pela evolução tecnológica, mas também pela devastação causada por ela ao meio ambiente. Sempre achamos que a natureza existe apenas para o nosso usufruto. Ao longo dos séculos devastamos, queimamos, extinguimos, derretemos, perfuramos, assoreamos, poluímos e contaminamos a Terra, afetando plantas e animais, e a qualidade da água e do ar. A natureza cansou de ser maltratada e dá o troco.
Enfrentamos hoje problemas ambientais mundiais e locais. Chuvas torrenciais deixam milhares de desabrigados na Índia; o deserto do Saara aumenta de tamanho a cada ano; as nevascas nos Estados Unidos e na Europa isolam cidades inteiras. No Brasil, enfr entamos uma crise energética sem precedentes. E, no mundo todo, a ameaça de falta de água potável tem colocado governos em alerta.

Para mudar esse jogo cabe aos governos em todo o mundo adotar uma série de medidas, como, por exemplo, uma nova política de exploração racional dos recursos naturais buscando o desenvolvimento sustentável. Mas, e os cidadãos comuns, que vivem sua vida e pagam seus impostos? Esses personagens, geralmente, se sentem distantes disso tudo. Não percebem como eles poderiam ter alguma responsabilidade sobre os desastres ambientais, e, quando pensam no assunto, se perguntam: o que eu tenho a ver com isso? Tudo, respondem os educadores ambientais. Cada ação cotidiana nossa interfere no meio ambiente em que vivemos. 

A idéia errada de que Educação Ambiental é tema apenas para as aulas de Ciências;

As limitações decorrentes dos aspectos infra-estruturais, tais como falta de recursos didáticos específicos, tempo para preparação coletiva de novas propostas metodológicas e grande número de alunos por sala;

A supervalorização da transmissão de informações;

As políticas contrárias a um trabalho orientado para mudança de valores e atitudes diante da realidade. 

Nesse contexto, a temática ambiental emerge como uma possibilidade de comprometer professores e alunos em situações de Ensino-Aprendizagem, nas quais a problematizarão tem sido facilmente atingida por envolver questões vitais. Estes aspectos impõem e torna um desafio a busca de alternativas formativas para os profissionais que atuam nesta área.  A EA deve estar inserida num projeto educacional que tenha como metas as transformações das relações entre Ciência-Sociedade-Tecnologia-Ambiente em direção à sustentabilidade.

Para garantir a inserção da temática ambiental, há necessidade de reflexão sobre conceitos e pressupostos ambientais e educacionais que norteiam as políticas e práticas de EA, dentro de um espaço curricular próprio face à situação atual;

A utilização de metodologias investigativas é uma das formas de envolver tanto cognitiva quanto afetivamente os aprendizes na exploração de problemas relevantes da comunidade;

Trabalho em grupo, promovendo a cooperação, é mais eficiente do que o individual para resistir às pressões que normalmente se exercem no trabalho inovador em Educação;

Faz-se necessária a formação de equipes interdisciplinares para construção de saberes originais, numa abordagem sistemática.

O primeiro mo mento refere-se à estratégia de análise da evolução histórica da EA e das mudanças educacionais. Para proceder ao estudo sobre esse histórico utilizaram-se procedimentos didáticos conjugados, que tenham por objetivo tornar mais inteligível o estudo, de modo a possibilitar a percepção mais ampla do momento histórico, inter-relacionando as proposições em EA e os acontecimentos e pensamentos no âmbito sócio-político-cultural, bem como vivenciar estratégias alternativas de  ensino.

O segundo momento diz respeito à abordagem dos conceitos básicos da EA: meio ambiente, educação ambiental, desenvolvimento sustentável e interdisciplinaridade.

Na primeira aula distribuiu-se um questionário em que, entre outras informações, se pede  aos alunos para que tentem  expressar as suas idéias sobre os conceitos referidos. A opção por esse instrumento é garantir o registro permanente, para a avaliação das mudanças conceptuais, e ainda que permita  a derivação de categorias e a elaboração de quadros sinópticos das concepções, de maneira a evidenciá-las no início das discussões, fornecendo posteriormente as interpretações científicas correntes na literatura.

·        Pretende-se, dessa forma, promover o confronto de idéias para a produção de sínteses pessoais mais elaboradas e significativas.

·         A explicitação de concepções exclusivamente por meio da expressão escrita e a subseqüente estratégia de utilização de quadros sinópticos gerará a riqueza de diálogo que se pretende entre o conhecimento dos alunos e os conceitos veiculados na literatura.

·         O intervalo decorrido entre a aplicação do questionário e as discussões em aula, entre outros fatores, podem contribuir para o baixo envolvimento dos alunos nessa tarefa.

·        Uma alternativa a ser explorada seria a utilização de imagens para complementar e incrementar a expressão verbal, como na metodologia descrita por FREIRE (1982) e por REIGOTA (1999), que poderia propiciar o levantamento não só de aspectos cognitivos, mas também valorativos e afetivos, mais controversos e tão essenciais para a discussão de temas do meio ambiente e educação.

·         Assim sendo, permanece o desafio de empreender melhor o referido diálogo, que é talvez o desafio maior dos educadores preocupados com uma aprendizagem significativa nas suas práticas.

·        A elaboração e implementação de projetos de intervenção constituem o terceiro momento.

·        Para promover a vinculação dos conceitos aprendidos com a realidade do trabalho em EA, os alunos desenvolvem  projetos, parti ndo do diagnóstico de problemas ambientais comuns e que surgem  descritos na comunicação social, visando a que apresentem soluções eventuais para os mesmos.

Mudar culturas, pensamentos e atitudes não é uma tarefa fácil, a idéia desse "novo modelo" de Educação Ambiental não é coisa nova por aqui. Nos anos 60, Paulo Freire já colocava em prática um método educacional que partia da interação entre o aluno e seu meio, sua comunidade. De lá para cá, com o modelo de desenvolvimento adotado, nossa relação com a natureza piorou muito, embora a temática da Educação Ambiental tenha ganhado força no período (ver boxe). Mesmo assim, hoje vivemos um momento grave, que exige mudança em termos globais. Mudança que pode ser efetivada com a colaboração da educação, particularmente a ambiental.

"Já existe, em termos práticos, um conjunto muito rico e diversificado de ações na área da educação ambiental no país", afirma Carlos Frederico Loureiro, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do Ibase, há 17 anos "militando" nos movimentos ambientalistas brasileiros. Mas há um problema: "Essas ações são restritas, ligadas a mudanças de comportamento locais e à preservação de recursos naturais. Isso limita o aprendizado de EA. A sua filosofia, no sentido pedagógico, não aparece". Não que essas ações não tenham valor. Pelo contrário: é preciso estimulá-las e divulgá-las. "Mas é necessário que os avanços individuais levem a uma reflexão coletiva que promova a mudança na sociedade".

É o que também pensa a uruguaia Naná Medina, mestre em Educação, diretora nacional da Fundação Universitária Ibero-Americana e consultora na área de EA do Ministério do Meio Ambiente. Para ela, há uma preocupação tanto das escolas como da sociedade em geral em conhecer a educação ambiental: "O que ainda não se conseguiu fazer é sistematizar isso. Não há uma troca de informações mais institucionalizada para que os projetos se espa lhem, provoquem reação e mudança de paradigma".

Para mudar esse quadro, a consultora lembra que o governo federal já promoveu duas medidas para criar um ambiente favorável à efetiva institucionalização da EA: em 1997, o MEC lançou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que incluíram o meio ambiente como um dos temas transversais; e em abril de 1999 o Ministério do Meio Ambiente criou a Lei nº 9.795, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental.

Os Parâmetros visam, no que se refere ao meio ambiente, a desenvolver um senso crítico nos alunos através da análise dos problemas ambientais e da busca por soluções para esses problemas. Já a lei cria responsabilidades e obrigações para a promoção da EA em todos os setores da sociedade, fornecendo a base para as políticas públicas. "O desafio agora é a implementação efetiva da lei e dos PCN a partir das escolas e da sociedade". O Brasil é um dos primeiros países do mundo a elaborar uma política específica para a EA: "Mas é preciso investir pesado em recursos humanos e materiais". Nem a lei, segundo Naná Medina, dá conta disso.

Naná Medina, que há 20 anos veio para o Brasil pela ONU para implementar núcleos de educação ambiental em algumas universidades, cita como exemplo disso a criação dos PCN: "Na época em que eles foram distribuídos, nenhum professor foi capacitado para lidar com eles, então houve muita rejeição. E, mesmo que quisesse, não havia condições materiais para que o professor pudesse trabalhar. Ainda hoje, não se fala em PCN nas faculdades, e continuamos a formar professores despreparados para lidar com a temática ambiental".

Para tentar preencher essa lacuna, ela conta que o Ministério do Meio Ambiente iniciou, no segundo semestre de 2001, um curso de EA a distância para 15 mil professores e técnicos de várias partes do país. O curso, de quatro meses, tem como principal objetivo oferecer noções básicas de EA para que eles possam atuar na área.

Além dis so, o MEC lançou, em junho de 1999, um importante programa, cujo objetivo é ajudar o professor a trabalhar com os PCN em sala de aula: os Parâmetros em Ação, que estão presentes hoje em milhares de municípios em todo o país. Agora, a novidade são os Parâmetros em Ação para a Educação Ambiental (ver boxe).

Tanto Naná Medina quanto Frederico Loureiro acreditam que a Universidade tem um papel fundamental nesse processo. "Ela tem uma grande responsabilidade na formação de professores; em segundo lugar, é o espaço ideal para se criar uma rede de informação e discussão sobre os temas ambientais, além de ser o espaço democrático da produção acadêmica", afirma o professor.

Naná ressalta ainda que a falta de uma formação adequada gera, inclusive, projetos equivocados de EA. E dá um exemplo: "Uma escola motiva os alunos a catarem latas de alumínio para reciclagem. Isso é válido, claro, mas se não se analisa, primeiro, a questão do excesso de consumo, a mera coleta de latinhas não resolve a questão. Que opções podemos ter às latas para diminuir seu consumo? São os hábitos que precisam ser mudados. Quando um projeto de EA busca esse tipo de reflexão, está cumprindo o seu papel transformador da realidade".

O professor Carlos Frederico Loureiro lembra que os projetos bem-sucedidos "fazem o aluno pensar a educação ambiental, e fazem com que o professor repense sua ação pedagógica a partir dela. Também buscam a articulação entre a comunidade e a escola, entre o formal e o não-formal, ou seja, provocam, de algum modo, uma reflexão e as conseqüentes mudanças de valores e de atitudes".

Já a consultora Naná Medina destaca que, no âmbito da educação pública, o meio ambiente ainda não está presente em todas as escolas como prática de sala de aula. "Existem esforços iniciais de Secretarias de Educação, mas nada que valha ser destacado". No caso da educação não-formal, ela destaca os comitês de bacias hidrográficas, como o da Baía de Guanabara (RJ) e o do Rio Guaíba (RS). "Mas insisto: são iniciativas isoladas, que não promovem grandes transformações".

Esse isolamento é provocado, em grande parte, pela falta de integração e de informação. "É necessário realizarmos levantamentos e diagnósticos da educação ambiental no Brasil, para que possamos conhecer seu perfil e, enfim, obtermos uma base concreta para o estabelecimento de políticas públicas coerentes", defende o professor Layrargues.

Nos 20 anos que separam as conferências mundiais de Estocolmo e do Rio de Janeiro houve uma importante mudança na concepção de meio ambiente. Antes se pensava na relação homem/natureza; agora, o foco está no desenvolvimento econômico. Por isso, a educação ambiental não se limita a garantir a preservação de espécies e de recursos naturais, e destaca como prioridade as mudanças nas relações econômicas e culturais entre a sociedade e a natureza. Por isso, deve ser entendida como Educação Política, no sentido de que reivindica e prepa ra os cidadãos para lutar não só por um ambiente ecologicamente equilibrado, mas, sobretudo, por uma sociedade mais justa.

Naná Medina concorda e acredita que precisamos contextualizar as questões do mundo globalizado para formar um cidadão capaz de atuar nele. E tudo passa pela problemática ambiental. "A Educação Ambiental é um processo que propicia às pessoas uma compreensão crítica e global, esclarecendo valores e desenvolvendo atitudes que lhes permitam atuar na conservação e adequada utilização dos recursos naturais".

"O Brasil sabe que tem problemas ambientais, e a sociedade como um todo entende isso. A própria carência de recursos provoca a criatividade para superar as dificuldades. Precisamos aproveitar essa nossa vocação e aprender, através da educação, a exercer plenamente nossa cidadania", defende Frederico Loureiro.

"O Brasil não ficou restrito à EA confundida com o ensino de ecologia ou com a educação conservacionista", analisa Phillipe Layrargue s. Segundo ele, há sinais positivos de mudança, "não apenas com o surgimento de uma produção acadêmica com rigor científico, competência teórica e compromisso social, como também no sentido da convergência do enfrentamento pedagógico simultâneo dos problemas ambientais e sociais".

Para o especialista, a idéia da Educação Ambiental como instrumento de transformação social tem grandes chances de se consolidar logo. "O que é preciso acompanhar é em quanto tempo essa produção literária ganhará repercussão na sociedade como um todo, para que os projetos de educação ambiental efetivamente implementados possam cumprir sua função social". Que não demore!


BIBLIOGRAFIAS


FREIRE, P., (1982), "Educação como prática da liberdade". Paz e Terra, 150 p., Rio de Janeiro.
PENTEADO, H.D., (1997), "Meio Ambiente e formação de professores". Cortez Editora, 138 p., São Paulo.
REIGOTA, M., (1999), "Uma educação ambiental pós-moderna". Cortez Editora, 167 p., São Paulo.

UNESCO-UNEP, (1988), "International strategy for action in the field of environmental education and training for the 1990s". UNESCO, 388 p., Paris.

DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: Princípios e Práticas, 2º Edição, Editora Gaia,  São Paulo, 1993.

Ilustrações: Silvana Santos