Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Práticas de Educação Ambiental
07/12/2014 (Nº 50) DIAGNÓSTICO PARTICIPATIVO: USO DA METODOLOGIA BIOMAPA PARA O BAIRRO DO GONZAGA DE SANTOS/SP
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DIAGNÓSTICO PARTICIPATIVO: USO DA METODOLOGIA BIOMAPA PARA O BAIRRO DO GONZAGA DE SANTOS/SP

 

Rafael de Araujo Arosa Monteiro

Gestor Ambiental pela Universidade de São Paulo – USP

Educador Ambiental do Projeto Biopesca

E-mail: rafael.araujo.monteiro@gmail.com

Valdir Lamim-Guedes

Biólogo e Mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Ouro Preto

Professor na ONG Educadores sem Fronteiras e no Centro Universitário Senac

E-mail: dirguedes@yahooo.com.br

 

RESUMO: Este texto trata da realização de uma metodologia participativa, intitulada Biomapa, desenvolvida com o objetivo de identificar os principais problemas presentes no bairro do Gonzaga, Santos/SP, por meio das percepções de moradores da cidade. Participaram do processo vinte pessoas e os principais problemas apontados foram divididos em seis categorias: Mobilidade Urbana; Meio Ambiente; Meio Ambiente e Infraestrutura; Exclusão Social; Segurança; e Especulação Imobiliária. A realização do Biomapa permitiu aos participantes identificar os principais problemas do bairro, bem como visualizar a relação existente entre alguns destes, gerando ao final do processo um diagnóstico parcial da realidade vivida.

Palavras-chave: Educação Ambiental; Diagnóstico Participativo; Biomapa.

 

INTRODUÇÃO

A Educação Ambiental (EA) surge em meio ao contexto de crise em que se encontra o modelo de desenvolvimento atual, onde predomina uma visão mecanicista e fragmentada da natureza, entendida como estoque de recursos infindáveis para consumo do homem (CARNEIRO, 2006).

Os princípios e objetivos da EA foram elaborados para buscar uma sociedade pautada num novo paradigma, baseado nos conceitos de interdisciplinaridade e de complexidade. Dentre os princípios encontram-se: o senso crítico e de responsabilidade, a autonomia, a emancipação, a interdisciplinaridade, o respeito à diversidade, o caráter contínuo do processo de educação e a participação (SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL, 1975; CONFERÊNCIA INTERGOVERNAMENTAL SOBRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL, 1977; FÓRUM GLOBAL DAS ONGs, 1992).

O caminho a ser percorrido pelos atores engajados com a EA é longo e árduo, uma vez que a educação promovida pelas sociedades atuais tem como objetivo formar especialistas, por meio da fragmentação do conhecimento (MORIN, 2003). Esse modelo educacional se constitui num entrave para o processo de participação, pois a integração entre as diferentes áreas do conhecimento acontece de maneira incipiente ou não acontece.

A participação permite que as decisões sejam tomadas a partir de um consenso estabelecido em grupo, o que fortalece a democracia e estimula o sentimento de pertença, além de permitir que cada cidadão exercite seu senso crítico e se sinta responsável pela ordem social que vive (TORO e WERNECK, 1996).

Sendo assim, o presente trabalho buscou desenvolver uma metodologia com a proposta de criar um momento de participação cidadã, por meio da elaboração de um diagnóstico local, chamado Biomapa.

METODOLOGIA

A localidade escolhida para este trabalho foi o bairro do Gonzaga, localizado no munício de Santos/SP, delimitado por quatro avenidas: Av. Bernardino de Campos (canal 2), Av. Gen. Francisco Glicério, Av. Dr. Washington Luiz (canal 3) e a Av. da praia, tendo dois nomes no trecho do bairro – Presidente Wilson e Vicente de Carvalho.

O nome do bairro se deve a Antônio Luiz Gonzaga que morava numa chácara situada na atual Rua Marcílio Dias, em 1890. Com a liberação do acesso a esse local, muito próximo à praia, por meio de bondes, Gonzaga construiu um botequim para atender os turistas que chegavam para tomar banho de mar e conhecer a praia. Assim nasceu o bairro do Gonzaga de Santos (DIAS, 2005).

Com o passar dos anos o comércio se desenvolveu e o Gonzaga se tornou um importante centro de compras, vendas e prestação de serviços (MONDIN, 1982). Atualmente, apresenta diversas opções de lazer, como cinemas, shoppings, livrarias, restaurantes e bares. Entretanto, possui alguns problemas que permanecem sem solução.

Dessa forma, para identificar as percepções das pessoas, residentes ou não do bairro do Gonzaga, sobre os principais problemas locais e proporcionar um momento de participação, utilizou-se a metodologia participativa Biomapa.

O Biomapa consiste numa ferramenta de diagnóstico de uma realidade a partir da visão das pessoas que o elaboram. O intuito é promover a percepção do espaço e das diversas atividades inseridas no mesmo, de forma que os participantes possam discutir e refletir seus pontos de vista, elencando ao final do processo as potencialidades e vulnerabilidades de uma determinada realidade (INSTITUTO ECOAR, 2008).

Esse mapeamento participativo pode ser feito mediante o uso de cartolinas, flip chart, quadros negros ou brancos e folhas, onde os participantes devem desenhar o mapa elaborando-o de acordo com suas percepções do espaço trabalhado. Ademais, podem-se utilizar bases cartográficas, fotografias aéreas e croquis com o intuito de que sejam interpretados pelos participantes (DRUMOND, GIOVANETTI E GUIMARÃES, 2009; WEINSTEIN et. al. 2005).

Vinte pessoas foram convidadas para participar do processo. Porém, devido à dificuldade de reunir todas num único local e numa única data, optou-se por dividir os participantes em três grupos distintos: o grupo “Família”, o grupo “Amigos” e o grupo “Colegas de Trabalho”.

Foram organizadas três reuniões em datas e locais diferentes de acordo com a disponibilidade de cada grupo. Ademais, é importante ressaltar que os três grupos trabalharam sobre o mesmo Biomapa, ou seja, foi utilizado um único Biomapa ao longo do processo.

As reuniões foram iniciadas com a explicação da metodologia e dos objetivos pretendidos.

Os participantes foram dispostos em volta do mapa do bairro, confeccionado manualmente pelo facilitador em cartolina branca a partir de um mapa pré-existente na internet, disponível no site .

Para dar início às discussões foi proposta então a seguinte pergunta: Quais suas reclamações sobre o bairro do Gonzaga?

O grupo “Família”, composto por seis pessoas, foi o primeiro a discutir suas percepções acerca da problemática proposta. O grupo “Colegas de Trabalho”, composto por nove pessoas, foi o segundo a participar e recebeu o Biomapa com as considerações do grupo anterior, realizando da mesma maneira a atividade proposta.

Já o grupo “Amigos”, composto por cinco pessoas, realizou sua troca de saberes através do aplicativo para celulares smartphone WhatsApp (aplicativo que permite a troca de mensagens pelo celular), pois os integrantes desse grupo atualmente residem em outras cidades estando em Santos apenas nos finais de semana, portanto, não tiveram acesso ao Biomapa.

RESULTADOS e DISCUSSÃO

                             

As considerações feitas pelos participantes nas reuniões foram distribuídas em seis categorias para fins de organização e estão representados na Tabela 1. São elas: Mobilidade Urbana; Meio Ambiente; Meio Ambiente e Infraestrutura; Exclusão Social; Segurança; e Especulação Imobiliária.

Tabela 1 – Resultados

CATEGORIAS

CONSIDERAÇÕES

Mobilidade Urbana

Em decorrência do aumento na quantidade de moradores e frota de veículos, o trânsito está cada vez mais intenso, principalmente no horário de pico;

Não há vagas para estacionar na rua, sobrando apenas a opção de parar o carro no estacionamento;

Há muitos pontos de zona azul – locais onde se deve comprar um bilhete para estacionar o carro na rua durante período pré-determinado;

Falta de sincronização dos semáforos;

Os ônibus demoram muito a passar nos pontos;

O preço da passagem de ônibus é o mesmo cobrado em São Paulo (capital), no entanto, as distâncias percorridas em Santos por esse valor são irrisórias quando comparadas com as de São Paulo;

Má qualidade das calçadas, apresentando diversos buracos;

Meio Ambiente

A quantidade existente de prédios em toda a extensão da orla da praia funciona como uma verdadeira barreira artificial para o vento que não consegue penetrar para o interior do bairro, o que gera verdadeiras ilhas de calor durante o verão;

A quantidade de resíduos gerados durante a temporada de férias é um problema sério, principalmente na areia da praia;

A poluição visual na Av. Floriano Peixoto é intensa por conta da quantidade de placas de lojas;

Falta áreas verdes. Só há árvores nas principais avenidas;

Meio Ambiente e Infraestrutura

Em dias de chuva forte, várias ruas do bairro ficam alagadas devido ao lixo que entope as bocas de lobo (ou bueiros) e pelas tubulações antigas que não possuem nível de vazão adequado, fato que contribui para intensificar o trânsito já mencionado;

Exclusão Social

Muitos moradores de rua podem ser encontrados no bairro, principalmente na praia onde é possível vê-los tomar banho nos chuveiros públicos;

Segurança

Ausência de policiamento em vias secundárias;

Expansão Imobiliária

Estão sendo construídos muitos prédios residências no bairro com mais de quinze andares;

 

É possível notar que a categoria “Mobilidade Urbana” foi a que apresentou o maior número de considerações, sete no total. Dentre elas, o problema do trânsito foi o mais recorrente entre os participantes, de modo que todos citaram essa questão.

Em segundo lugar está a categoria “Meio Ambiente”, com quatro considerações, tendo como o problema mais citado a questão dos resíduos gerados durante a temporada de férias, principalmente na areia da praia.

As outras quatro categorias apresentaram apenas uma consideração cada, o que não significa menor importância em relação às outras duas, mas sim que os participantes não identificaram mais pontos a tratar.

Além disso, foi possível verificar que em alguns casos os participantes conseguiram relacionar os problemas existentes. Por exemplo, a constatação de que o descarte inadequado de resíduos e a pouca vazão das tubulações de água provocam, em dias de chuva forte, o alagamento das ruas, que por sua vez, intensifica o trânsito de veículos.

Sendo assim, a oportunidade de participação gerada através do Biomapa permitiu aos participantes não apenas a identificação dos problemas, mas também a percepção da relação entre eles.

Como produto final do processo de diálogo e participação foi gerado o Biomapa representado na Figura 1.

Description: C:\Users\Desktop\Downloads\IMG_4077 (2).JPG

Figura 1 – Biomapa do bairro do Gonzaga.

 

A importância de se trabalhar a percepção para o autoconhecimento e conhecimento de um grupo é de extrema importância para entender a interação homem-ambiente. O Biomapa permite que os participantes coloquem suas impressões na folha, de modo a gerar um mapa-base portador da percepção que o grupo possui sobre determinada localidade (ZAMPIERON, FAGIONATO e RUFFINO, 2002). Assim, o Biomapa pode ser usado em processos de educação ambiental como diagnóstico inicial participativo.

Além disso, as percepções são expostas graças ao caráter participativo do processo, no qual permite a organização das necessidades do grupo, por meio da elaboração do diagnóstico da realidade vivida com o propósito de melhorar as condições de vida e contribuir para que os cidadãos saiam do fatalismo e tornem-se agentes de transformação da ordem social (INSTITUTO ECOAR, 2008; TORO e WERNECK, 1996).

A participação se constitui em princípio e objetivo da EA instituídos pela Política Nacional de Educação Ambiental – Lei 9795/99, presentes no artigo 4° inciso I e artigo 5° inciso IV, respectivamente (BRASIL, 1999).

No entanto, muitos desconhecem esse direito ou não sabem como exercê-lo. Logo, é importante ter em mente que o processo para a transformação da ordem social se inicia com o despertar do desejo de mudança para que em seguida esse desejo seja transformado em ação (TORO e WERNECK, 1996). Ou seja, é necessário estimular os diversos meios de participação social para que se crie a oportunidade do despertar e, assim, a busca por uma sociedade sustentável.

CONCLUSÃO

A produção do Biomapa apresentou uma diversidade de visões bastante interessante, criando um diagnóstico parcial da realidade vivida no bairro do Gonzaga e permitindo o exercício da participação.

Foi possível notar que não houve discordância entre os participantes quanto aos problemas expostos. Além disso, em alguns casos eles conseguiram visualizar as relações existentes entre alguns dos problemas apontados.

A principal dificuldade encontrada para a execução da metodologia foi a de conciliar os horários de todos os participantes para reuni-los, ou seja, realizar apenas uma reunião. Por outro lado, o fato de se ter trabalhado com grupos separados não trouxe prejuízos para o processo, já que o exercício da participação ocorreu.

Sendo assim, reforça-se aqui a importância e a urgência de se buscar o despertar individual através de processos participativos que permitam ao indivíduo exercer sua cidadania sob uma perspectiva crítica e emancipatória. Salientando, para isso, a necessidade de se apropriar da realidade local entendida como o espaço onde todas as interações sociais, culturais, econômicas e ambientais ocorrem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, n. 79, 28 abr. 1999. Disponível em: . Acesso em: 5 abr. 2014.

CARNEIRO, S. M. M. Fundamentos epistemo-metodológicos da educação ambiental. Educar rev., Curitiba, n. 27, p. 17-35, jun. 2006. Disponível em: . Acesso em: 3 abr. 2014.

CONFERÊNCIA INTERGOVERNAMENTAL SOBRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Declaração de Tbilisi. Tbilisi: 1977. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2014.

DIAS, E. P. G. Santos de Ontem. Santos: Cromosete, 2005.

DRUMOND, M. A.; GIOVANETTI, L.; GUIMARÃES, A. Técnicas e Ferramentas Participativas para a Gestão de Unidades. Brasília: MMA, 2009. Disponível em: http://www.programaarpa.gov.br/wp-content/uploads/2012/10/caderno4ArpaTecnicasParticipativas.pdf Acesso em: 03 dez. 2014.

FÓRUM INTERNACIONAL DAS ONGs. Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. Rio de Janeiro: 1992. Disponível em: . Acesso em: 25 mar. 2014.

INSTITUTO ECOAR PARA A CIDADANIA. Manual de metodologias participativas para o desenvolvimento comunitário. São Paulo: ECOAR, 2008.

MONDIN, L. Gonzaga é o espaço da magia. 1982. Disponível em: <http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0100b07.htm> Acesso em: 2 mai. 2014.

MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma – reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Carta de Belgrado. Belgrado: 1975. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2014.

TORO, B; WERNECK, N. Mobilização social: um modo de construir a democracia e a participação. Brasil: Unicef, 1996.

WEINSTEIN, A. L.; CAVALLARI, C. D.; CINTRA, E.; INGLESI, E.; COELHO, G. A.; JUNIOR, O. V. Diagnóstico Comunitário Participativo: manual de ferramentas. Reino Unido: DIFD, 2005. Disponível em: http://www.portalsida.org/repos/MANUA%20Portuguese2.pdf Acesso em: 03 dez. 2014.

ZAMPIERON, S. L. M.; FAGIONATO, S.; RUFFINO, P. H. P. Ambiente, Representação Social e Percepção. In: SCHIEL, D.; MASCARENHAS, S.; VALEIRAS, N.; SANTOS, S. A. M. (Org.). O Estudo de Bacias Hidrográficas: uma estratégia para educação ambiental. São Carlos: RiMa, 2002.

 

Ilustrações: Silvana Santos