Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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07/12/2014 (Nº 50) CRIANÇA E INFÂNCIA EM ESPAÇOS URBANOS INUNDADOS: TRANSFORMAÇÕES ESPACIAIS CAUSADAS PELA CHEIA AMAZÔNICA EM PARINTINS/AM
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CRIANÇA E INFÂNCIA EM ESPAÇOS URBANOS INUNDADOS: TRANSFORMAÇÕES ESPACIAIS CAUSADAS PELA CHEIA AMAZÔNICA EM PARINTINS/AM.

 

Alyne Sol Andrew P. Fragata[1]

Amanda Simas Cunha1

Elen Cristina R. Maciel1

Franci Jander Beltrão1

Lindalva Sâmela J. Oliveira1

Olga Cunha Marinho1

Gracy Kelly Monteiro Dutra Teixeira[2]

 

RESUMO

O artigo analisa a construção da relação criança e infância em espaços urbanos afetados pela Cheia Amazônica, situação representada pelo município de Parintins, interior do Amazonas. Assim, se fez uma análise a fim de conhecer a realidade das crianças em meio às transformações do espaço acometidos pela Cheia. Para isso, realizou-se a investigação de campo, onde se pode observar e coletar os dados, sendo a mesma de natureza qualitativa, tendo como técnicas de pesquisa, entrevistas informais com as crianças no local e com uma mãe sobre os riscos na cheia. A fundamentação teórica estruturou-se em Del Priore (2002), Freire (1992), Corsaro (1997), Jobim e Souza (1994), entre outros, que contribuíram no entendimento da temática. Assim, os sujeitos da pesquisa puderam contribuir de forma espontânea, expressando seus anseios em torno da relação Infância e Cheia Amazônica, a qual é presença marcante no cotidiano de inúmeras pessoas todos os anos na Região Amazônica.

Palavras-chaves: Criança - Espaço Urbano - Cheia Amazônica.

 

ABSTRACT

The paper analyzes the construction of childhood and child relationship in urban areas affected by the full Amazon, situation represented by the city of Parintins, the interior of Amazonas. Thus, an analysis was made to ascertain the situation of children in the changes of space affected by Chem. For this, we performed a field investigation, where you can observe and collect data, with the same qualitative in nature, with the search techniques, informal interviews with the children on site with a parent about the risks in full. The theoretical framework was structured in Del Priore (2002), Freire (1992), Corsaro (1997), Jobim and Souza (1994), among others, contributed to the understanding of the subject. Thus, the subjects could contribute spontaneously expressing their anxieties around the relationship Childhood Full and Amazon, which is a strong presence in the daily lives of countless people every year in the Amazon region.

Key-words: Child - Urban Space - Full Amazon.

 

RESUMEN

El trabajo analiza la construcción de la relación de la niñez e infantil en las zonas urbanas afectadas por el pleno del Amazonas, situación representada por la ciudad de Parintins, el interior del Amazonas. Por lo tanto, se realizó un análisis para determinar la situación de los niños en los cambios de espacio afectadas por Chem. Para esto, se realizó una investigación de campo, donde se puede observar y recoger datos, con el mismo carácter cualitativo, con las técnicas de búsqueda, las entrevistas informales con los niños en el lugar con uno de los padres sobre los riesgos en su totalidad. El marco teórico se estructuró en Del Priore (2002), Freire (1992), Corsaro (1997), Jobim y Souza (1994), entre otros, han contribuido a la comprensión del tema. Por lo tanto, los sujetos podrían contribuir expresar espontáneamente sus ansiedades en torno a la relación de la niñez completa y Amazon, que es una fuerte presencia en la vida cotidiana de un sinnúmero de personas cada año en la región amazónica.

Palabras clave: Niño - Espacio Urbano - Amazon completa.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Todos os anos a Região Amazônica Brasileira inunda-se nas partes baixas com a cheia dos rios. As cidades incrustadas dentro da Floresta sofrem transformações em seus espaços. Ambientes, antes secos, tornam-se inundados, o que altera o cotidiano de inúmeras pessoas que habitam a região. Parintins, município do interior do Amazonas, distante de Manaus a 420 km, tem sua realidade urbana alterada. Os bairros periféricos são as regiões que transformam-se com a cheia amazônica.

Para discutir a relação Criança e Cheia Amazônica, na área urbana, o bairro escolhido foi de Santa Rita, com o intuito de observar as transformações sofridas na área urbana no entorno de ambientes fluviais. A pesquisa destacou as crianças moradoras deste bairro, e como estas se relacionam com o ambiente ao desenvolver suas brincadeiras e vivências do dia a dia, ou, evitando-o devido às condições ambientais do mesmo. Assim, a análise da problemática asseverou para uma visão mais crítica acerca da estrutura de ambientes fluviais, discorrendo sobre a percepção das crianças, o que elas entendiam sobre o lugar onde residem e como elas encaram essa realidade.

Diante disso, é de vital importância conhecer a criança em todos os seus aspectos, no desenvolvimento de sua construção social e de sua identidade como sujeito construtor de história, sendo a mesma produtora de sua cultura, através de suas vivências e relacionando-se com a meio onde esta inserida, desenvolvendo-se e construindo suas próprias concepções de mundo. Essa divagação torna-se essencial para o curso de Pedagogia, o qual alenta para condições sociais dignas a todos os sujeitos.

 

1.            A CRIANÇA: A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO NA IDADE MÉDIA E NOS DIAS ATUAIS.

 

Ao analisar os principais aspectos que fundamentam o Ser Criança, no que diz respeito a sua vivência no conjunto societário, pode-se observar a existência de fatores socioambientais, que contribuíram e contribuem, para que a mesma possa estar em plena atuação e desenvolvimento sociocultural. De fato, a criança, na Idade Média, não tinha papel definido e nem era percebido como sujeito. A criança era alcunhada como uma coisa, um objeto do acaso, um livro em branco que precisaria do outro, o adulto, para existir.

Sobre isso, Del Priore (2002) afirma que, na mentalidade coletiva, a infância era, então um tempo sem maior personalidade, um momento de transição e porque não dizer, uma esperança. Nesta perspectiva, observa-se o momento de transição do conceito de criança. Diante de reflexões sobre a constituição da identidade de ser criança e infância, houver mudanças que proporcionaram as rupturas sobre este estágio humano. Discussões nos espaços políticos e sociais, sendo auxiliadas pelas mudanças inerentes na formação dos indivíduos, desenvolveram ações, no sentido de constituir a criança como sujeitos produtores de sua própria história.

Com o passar do tempo, e o avanço da produção cultural, em face de valores étnicos e morais, este ser frágil começou a ganhar status no meio social, passando a fazer parte na construção de políticas públicas. Surge assim a perspectiva de Sujeito, que precisa de diferenciados cuidados, para poder crescer livre de abusos, os quais colocam em riscos sua conduta moral e intelectual.

Diante disso, o Brasil em 1990, após a promulgação da Constituição Federal em 1988, considerada a Constituição Cidadã, cria o “Estatuto da Criança e do Adolescente” (ECA), o qual prioriza o cuidado e sanções, que servem como punição para quem não obedecem as leis, que protegem as mesmas. Esta Lei Federal de nº 8.069 de 13 de julho de 1990, regulamentou o artigo 227 da Constituição, criando o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Observa-se isso no Art. 227 da Constituição Brasileira de 1988, o qual estabelece que é dever do Estado, da família e da sociedade garantir o direito de crianças e adolescentes à liberdade, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e à proteção do trabalho. Além disso, prevê a proteção contra qualquer forma de exploração, discriminação, violência e opressão.

As leis implantadas no decorrer da década de 1990, foram resultados de muitas lutas, pois as crianças viviam a mercê de maus-tratos, muitos eram os abandonados e excluídos do convívio social, acabando por se excluídos de direitos sociais. E neste aparato de vida, o encontro de ideais de indivíduos que se mobilizavam com o sofrimento das crianças, foram se concretizando, desenvolvendo alternativas que mudassem essa realidade e a corroborando à criança como pessoa com direitos a serem efetivados.

A criança, nos dias atuais, é percebida como membro fundamental em favor da economia social, encontrando-se envolta de direitos, deveres e desejos a serem supridos, principalmente pelas transformações tecnológicas em propagandas, jornais, outdoor e outros meios de comunicação, que objetivam a informação e a necessidade de consumo da sociedade. Jobim e Souza (1994) argumentam que a descoberta pelo mercado, “a criança vive o paradoxo de ser, ao mesmo tempo, consumidora e objeto de consumo. Sua face passa a ser rótulo até mesmo para produtos que não se destinam a ela” (p 38). Então, mais uma vez, a criança no seu espaço, é separada do mundo do adulto, pelas fortes influências das transformações globais. No entanto, a criança modifica sua visão de mundo através do contato com a família, com o ambiente social e cultural.

De fato, a criança observa as atitudes de outras pessoas, seja de círculos mais próximos ou não, procurando espelhar-se, com o intuito de desenvolver sua linguagem escrita, falada, relacionando com o meio natural. Essa interrelação adulto - criança, procura compreender e resolver as problemáticas que poderão surgir no contexto social, diante da criticidade construída com os outros.

Neste sentido, fazendo uma analogia sobre a criança, com relação à infância entre esses dois momentos, tanto na Idade Média e Contemporaneidade, é notório as mudanças que ocorreram no decorrer da construção histórica, em base dos sentimentos construídos e atribuídos à percepção de infância, por conseguinte, da criança no espaço cultural. A criança, através da identidade construída, é cidadã participante e visível em todas as esferas sociais, culturais e ambientais, tornando-se retrato do modelo social vigente e da forma como o sujeito se relaciona com seu entorno.

 

2.         RECONHECENDO AS CRIANÇAS E O ESPAÇO DA PESQUISA.

 

          A pesquisa teve como ponto de partida conhecer a realidade do bairro de Santa Rita em Parintins/AM, a partir da criança, concernente às transformações socioambientais sofridas no período da cheia amazônica. O norteamento do estudo parte do entendimento do espaço apropriado pela criança, como esta usa, se apropria e se identifica nesta socioespacialidade temporária.

A apreensão científica foi desenvolvida, por meio de observações informais e dialogadas, no primeiro semestre de 2014, no qual se explorou a realidade das crianças que ali vivem. Foram dias intensos de coletas de dados, com horários distintos em campo, procurando testemunhar as vivências infantis e o cotidiano das crianças, em busca de informações que pudessem engrandecer o incremento analisado.

Com natureza qualitativa, os sujeitos envolvidos foram duas crianças, 01 menina com 10 (dez) e 01 menino com 12 (doze) anos de idade, que moram no bairro de Santa Rita, os quais foram entrevistadas nas margens do ambiente fluvial, autorizados por suas mães. Os acadêmicos pesquisadores do quinto semestre do curso de Pedagogia do Centro de Estudos Superiores de Parintins, da Universidade do Estado do Amazonas, desenvolveram suas atividades de acordo com a realidade social estabelecida pela cheia, contribuindo para a efetividade do tripé universitário: “ensino – pesquisa - extensão”.

A pesquisa teve início, com visita ao Bairro, desenvolvendo a observação informal, como forma de coletar dados, promover a identificação e a comprovação das informações registradas. Conforme descreve Lakatos (1996. p, 76) “A observação também obriga o pesquisador a ter um contato mais direto com a realidade”. Assim, os acadêmicos puderam explorar os fatores existentes, no convívio direto com o espaço inundado e das crianças residentes.

Utilizou-se também o uso de entrevista aberta, possibilitando a exploração ao máximo do tema a ser discutido, no qual as crianças puderam ser ouvidas e indagadas sobre o tema, dessa forma, possibilitando o questionamento espontâneo, sem pressionar as respostas impetradas. A entrevista com questões abertas é utilizada, geralmente, na descrição de casos individuais, na compreensão de especificidades culturais para determinados grupos e para comparabilidade de diversos casos (MINAYO, 1993). Como também houve o registro de fotografias do ambiente, da estrutura do espaço, da população, das problemáticas encontradas e a presença das crianças no ambiente fluvial.

Por ser de cunho qualitativo, faz-se uma interpretação dos fenômenos subjetivos, das práticas sociais estabelecidas, para que pudesse compreender a realidade encontrada. De acordo com Coelho Filho (2013), a pesquisa qualitativa engloba um entendimento holístico do fenômeno investigado, sem generalizar os fatos, apontando para uma realidade singular, com intervenções específicas e inerentes à aquela população e à aquele contexto.

O procedimento a ser caracterizado foi o Estudo de Caso, pois, mesmo tendo o enfoque em outras pesquisas, acaba-se por se torna singular, tendo em suas vertentes teóricas, a construção do conhecimento cientifico. Nesta ótica, o estudo de caso revela a descoberta de novos significados, estende a experiência do leitor ou confirma o já conhecido (ANDRÉ, 2005).

Ao tratar sobre a subjetividade dos sujeitos, o contato com as crianças entre 10 (dez) e 13 (treze) anos de idade, que moram no bairro de Santa Rita, aconteceu em uma conversa informal. De forma espontânea, os sujeitos relataram sobre o meio ambiente em que vivem, principalmente, no período da cheia amazônica, a qual altera o cotidiano de suas vidas.

A pesquisa finaliza com a descrição dos resultados obtidos, apresentados através de mídias em sala de aula na disciplina Educação Ambiental do curso de Pedagogia, difundindo assim uma realidade que muitos vivem, todavia, poucos conhecem. Assim, prioriza-se o pensar das crianças sobre o entorno do ambiente fluvial em que habitam, diante do avanço dos rios sobre os espaços usados para lazer.

 

3.            AS VIVÊNCIAS DA CRIANÇA NO BAIRRO DE SANTA RITA: BRINCADEIRAS E RISCOS.

 

O bairro de Santa Rita está situado na cidade de Parintins-AM, pertencente à paróquia de Santa Rita, onde abarca em sua composição geográfica, a área de várzea. Anualmente, desde sua fundação sofre com enchentes, causadas pela força da natureza ou da ação antrópica, ocasionados pelo uso inapropriado do meio ambiente.

A pesquisa de campo contou com a participação de crianças que habitam o local, abarcando as ruas, que no primeiro semestre são afetados pela cheia amazônica. Diante das observações realizadas, pode-se compreender a composição populacional, a rotina do lugar e a situação ecológica do ambiente fluvial.

A cheia do rio altera o cotidiano do bairro. Situação visível na rotina dos moradores, o qual no momento anterior a esta intempérie, as ruas tem grande fluxo de pessoas, veículos e até mesmo de alguns animais domésticos, com o comércio funcionando normalmente. Durante este momento, o estado do ambiente urbano encontra-se bastante complicado para os habitantes.  As pessoas adaptam-se de forma flexível, mudando seus trajetos, suas casas e sua vida, para que esta possa permanecer próxima dos seus hábitos e costumes.

Constatou-se nas idas à região, características poluentes e desagradáveis nas ruas inundadas do bairro de Santa Rita. O acúmulo de lixo, nessa época de alagações, é visível nas ruas e no rio que passa pelo bairro. Pode-se perceber que os próprios moradores contribuem para com a poluição, jogando o lixo doméstico no ambiente. Mesmo, sendo conhecedores dos riscos que podem se agravar com essas condutas, propositalmente, praticadas, há o despejo frequente de resíduos no ambiente fluvial do entorno do bairro.

Vivendo num espaço com estas apreciações, as crianças, reestruturam suas atividades para estas restrições temporárias. Em diálogo informal com as crianças, notou-se que estas apresentam uma relação de apego e afetividade com o bairro, com o inerente desejo que se torne um ambiente que contenham estruturas adequadas para brincar e se desenvolverem socialmente. Bee descreve (1996) que a exploração que a criança faz do seu ambiente, conduz com o passar do tempo, a uma série de entendimentos ou teorias bastante distintas sobre como o mundo funciona, assim como das pessoas e da relação pessoa e ambiente.

No momento em que passam a observar o acúmulo de lixo doméstico no entorno das margens do rio, manifesta-se um entendimento prévio sobre esta realidade, que pode vir a ser naturalizada ou questionada. Uma educação voltada à valorização do ambiente, seja de qualquer espaço vivido, contribuirá para a sobrevivência dos seres vivos e dos recursos ambientais.

Estimular na criança o reconhecimento crítico de seu entorno, incute uma formação cidadã voltada à valorização da vida. É necessário que discussões sobre a problemática socioambiental façam parte dos conhecimentos da criança, à medida que, diretamente, é afetada pelas ações naturais ou pelos impactos ambientais promovidos ao longo do tempo.

 

4.            A CRIANÇA E O SENTIMENTO DE INFÂNCIA EM ESPAÇOS URBANOS INUNDADOS.

 

Desde o nascimento, a criança passa por diversas mudanças, tanto estéticas como qualitativas em sua vida, que lhe darão subsídios para que possa crescer e desenvolver-se naturalmente. O contato com outros sujeitos, seja de grupos primários ou não, a criança se constrói como sujeito social e ativo no meio. Bee (1996) argumenta que a criança busca ativamente compreender seu ambiente nesse processo, ela explora, manipula e examina os objetos e pessoas de seu mundo. Nesse sentido, a mesma passa a ter diversos posicionamentos, relacionando tudo que está ao seu redor, construindo ou não, práticas de cidadania, que influenciarão no presente e futuro de sua vida e dos outros.

4.1.       Criança urbana e cheia amazônica: riscos e possibilidades no brincar.

Aqui se apresenta as falas das crianças. Procurou-se perceber como a criança consegue adaptar os espaços diante da cheia dos rios.

 

Tabela 01

O que você acha sobre a cheia dos rios: legal ou ruim?

Menina (10 anos)

Menino (12 anos)

Ruim.

Ruim

Fonte: FRAGATA et all, 2014.

 

Por viverem próximas aos rios, às casas das crianças são inundadas. O sentimento ruim que a cheia traz é característico de quem sofre diretamente com as consequências de habitações nas orlas fluviais. A cheia torna-se algo ruim, porque o espaço de segurança e conforto é invadido pelas águas. Muitas famílias saem de seus lares, ou, constroem marombas[3] para continuarem habitando no local. Diante de tal acontecimento, o período da cheia amazônica torna-se algo a ser evitado, todavia, é recorrente todos os anos.

 

Tabela 02

Você acha que a água da cheia está poluída? Por que?

Menina (10 anos)

Menino (12 anos)

Sim, poluída de bactérias.

 

Sim. Dá coceira, da frieira, jacaré, cobra, mijacão, tem sangue- suga.

Fonte: FRAGATA et all, 2014.

 

A escola, como instituição divulgadora de conhecimentos científicos, precisa discutir, criticamente, essa relação água e poluição. A poluição dos rios tem um causador. Em que momento o sujeito se coloca como componente essencial desse processo?

Por isso, não há uma disciplina específica que apresente os temas ambientais, mas, todas as disciplinas podem apresentar dados, conteúdos e pesquisas que analisem a problemática ambiental. A disciplina História pode apresentar os acontecimentos que proporcionaram alterações no ambiente, a Geografia pode apontar para a relação pessoa - ambiente, assim como, a Matemática pode apresentar estatísticas sobre as alterações climáticas. Isso cabe ao interesse do professor.

A água é elemento vital na vida de qualquer ser vivo. O grande problema ambiental é a poluição hídrica, apesar de inúmeras alternativas para contornar isso, ainda se vê nas cidades, os ambientes fluviais altamente degradados. E alguns desses reflexos foram apresentados nas falas das crianças.

 

Tabela 03

Quem falou para você, que a água é poluída de bactérias?

Menina (10 anos)

Menino (12 anos)

Um dia, a mamãe e o papai falaram pra mim, não brincar nessa água, porque pega um monte de micose e disse também que tem muito banheiro que fica no fundo, quando a água esta cheia, aí vem... sai muitas bactérias de dentro do banheiro.

Dá coceira, da frieira.

Fonte: FRAGATA et all, 2014.       

 

A formação do indivíduo em seu meio ambiente é bastante influenciada pelos conceitos e condutas exploradas por seus familiares. Percebe-se nas respostas da Tabela 03, que as aprendizagens sobre si e o entorno partem do convívio social. Sobre isso, Corsário afirma que é um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e interesses, que as crianças produzem e compartilham na interação com seus pares (1997). Diante disso, as crianças constroem e reconstroem seus anseios mediante as informações que lhe é proporcionada no decorrer de sua construção como sujeito.

 

Tabela 04

O que você acha desta água?

Menina (10 anos)

A água é suja, cheia de garrafa, sacolas e muitas vezes, a gente mesmo acaba fazendo que isso aconteça, porque nós não temos o cuidado de pegar as garrafas e colocar no lixo, pra ir pra um lugar adequado e não poluir os rios.

Fonte: FRAGATA et all, 2014.

 

Nesta questão, somente a menina sentiu-se segura em responder. A criança observou que as alterações ambientais são proporcionadas pelo ser humano, discorrendo, de forma suscita, sobre os fatores que se fazem presente na poluição do ambiente fluvial. Freire (1992) ressalta que a Educação como prática da liberdade, é alimentada pelo processo de conscientização, um momento do desvelamento da realidade social, como se fosse uma espécie de motivador psicológico de sua transformação. Desta forma, as crianças estão subsidiadas por informações que a levem a uma tomada de posição, sendo que a partir da observação do ambiente fluvial em degradação, elas próprias podem através da reflexão educativa modificar as formas de convívio e de cuidado com o cuidado com o ambiente ao qual se inserem.

 

Tabela 05

Vocês acham legal, ter água na frente da casa de vocês?

Menina (10 anos)

Menino (12 anos)

Um pouquinho. Quando não tinha água, a gente achava divertido andar de bicicleta, não pisávamos na água, agora tem essa água, não brincamos direito.

Não é legal. Quando esta seca a terra, tem um campo ali, que dá pra gente jogar bola.

Fonte: FRAGATA et all, 2014.

 

Nas falas sobre a pergunta 05, os sujeitos demonstram que a água ao começar inundar a rua, era legal, dava para brincar normalmente ou até brincadeiras diferentes. No entanto, com o aumento da correnteza do rio sabem que é bastante difícil brincar na água, devido à locomoção restrita e aos perigos sofrem com os animais que vivem no rio. As crianças pesquisadas proferiram que não gostavam de ter água na rua, pois, as impossibilitavam de desenvolver as brincadeiras que mais gostavam nas horas vagas.

Bee (1996) afirma que o desenvolvimento de uma criança é o produto do social, e alguma interação entre o meio ambiente. Neste sentido, observou-se a vontade incessante do início da vazante, para que tudo voltasse ao normal, porque só assim poderiam viver livremente no seu espaço de aconchego.

Em contato com a mãe da menina de 10 anos, foi perguntado qual é a maior preocupação nessa época de cheia amazônica com as crianças. A genitora respondeu o seguinte: “A preocupação é com os animais, com cobras e jacarés, é muito arriscado deixar, elas brincarem perto do rio, e a poluição da água traz muitas doenças”. É notória a preocupação materna com as crianças num espaço urbano inundado, pelo fato de haver a presença de animais perigosos no local e pelos fungos ocasionados pela poluição.

O cuidado sobre o espaço apropriado pelas brincadeiras é recorrente nos familiares, principalmente, no que se refere à saúde infantil. É no período da cheia amazônica que as crianças sofrem com as doenças vetoriais, assim, multiplicando o atendimento hospitalar, que na maioria das vezes, não atende satisfatoriamente os doentes.

Habitar no entorno de espaços urbanos inundados propicia condições específicas para os moradores, e ainda mais, para as crianças, que é o público mais vulnerável a esta realidade. Brincar nas ruas transformadas em rios torna-se um dilema. Ficar dentro da casa inundada apresenta-se como um outro dilema no cotidiano de pais e crianças. Diante deste fenômeno natural, questiona-se: o que fazer?

Percebeu-se nas visitas ao bairro de Santa Rita, que brincar é vital para o Ser Criança. Seja o espaço inundado ou não, a criança precisa socializar-se de alguma forma, seja brincando em suas casas inundadas ou nas ruas alagadas. Conhecer esta realidade aflora a necessidade de discutir ainda mais a temática ambiental no cotidiano, seja na escola, na rua ou em casa. Pensar e abraçar a qualidade ambiental dos recursos ambientais é vital para a qualidade da vida.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A pesquisa corroborou para um outro pensar sobre a relação pessoa e ambiente, especialmente, quando há crianças envolvidas nesta retórica. Discutir os reflexos da cheia amazônica no cotidiano de crianças parintinenses, do bairro de Santa Rita, foi imprescindível para haver o entendimento do entrelaçamento das ações humanas nos rumos socioambientais.

Trazer para a academia esta abordagem, incute uma formação acadêmica mais humana, aonde o outro torna-se parte de cada um. Aponta-se diante dessa problemática, a importância de políticas públicas condizentes com a realidade do povo, sem serem paliativas, mas transformadoras.

As falas das crianças proporcionaram aos acadêmicos da disciplina Educação Ambiental, reflexões sobre as experiências vivenciadas naquele espaço urbano inundado, como também para uma nova tomada de posição por parte dos sujeitos pesquisadores, em relação ao meio ambiente e suas expectativas por uma conservação ambiental e qualidade de vida. Ao ir a loco, deparou-se com o uso indevido dos recursos ambientais e os impactos de quem mora no entorno de ambientes fluviais degradados, os quais são os que mais sofrem com essa realidade.

A ausência de um lugar onde a criança possa brincar livremente, sem o receio de animais ou doenças, no período da Cheia Amazônica é preocupante. Infelizmente, reconhece-se que os impactos ambientais acontecem pelo uso irracional dos seres humanos, quando somente visa o lucro e o capital, esquecendo-se de conservar o meio ambiente e as riquezas do planeta.

A Educação Ambiental não é uma disciplina específica, isolada e utópica. É inerente ao ser vivo. Conservar os recursos ambientais torna-se imprescindível para a vida. Quanto mais se reduz o ambiente, mais se reduz a vida.

 

REFERÊNCIAS

 

ANDRÉ, M. E. D. A. Estudo de Caso em pesquisa e avaliação educacional. Brasília: Liber Livro Editora, 2005.

ANDRÉ, Marly Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. 18. ed. Campinas, São Paulo. Papirus, 2012.

BEE, Helen. A criança em desenvolvimento; trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Medicas, 1996.

BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos: Ministério da Educação, Assessoria de Comunicação Social. Brasília: MEC, ACS, 2005.

COELHO FILHO, Mateus de Souza. Iniciação cientifica na formação de professores: contribuições epistemológicas/ Mateus de Souza Coelho Filho, Amarildo Menezes Gonzaga. 1. ed. Curitiba: Appris, 2013.

CORSARO, W. Sociology of childhood. California: Pine Forge Press, 1997.

DEL PRIORE, Mary (org). História das crianças no Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido/ notas: Ana Maria Araújo Freire. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

JOBIM; SOUZA, Solange Jobim. Infância, Conhecimento e Contemporaneidade. Campinas, 1994.

LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina de Andrade. Técnicas de pesquisa. 3.ed. São Paulo: Editora Atlas, 1996.

MINAYO, Maria Cecília de Souza (org). Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. 6.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1996.

 



[1] Acadêmicos do curso de Licenciatura em Pedagogia, do Centro de Estudos Superiores de Parintins, Universidade do Estado do Amazonas.

[2] Socióloga. Professora de Educação Ambiental do curso de Licenciatura em Pedagogia, do Centro de Estudos Superiores de Parintins, Universidade do Estado do Amazonas. Mestranda em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Universidade Federal do Amazonas. gracydutra@hotmail.com

[3] Assoalho de madeira colocado acima do piso original das casas.

Ilustrações: Silvana Santos