Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Artigos
07/12/2014 (Nº 50) A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL: REFLEXÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS PERTINENTES
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1891 
  

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL: REFLEXÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS PERTINENTES

 

Jeniffer de Souza Faria

Vicente Paulo dos Santos Pinto

 

[1] Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Endereço: Rua Helio Fellet, 350/304G, Bairro Retiro, Juiz de Fora/MG, CEP 36072-360. email: jeniffersouza@ig.com.br

[1] Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Associado II do Departamento de Geociências, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Geografia e Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Endereço: Rua Dr. Ormindo Maia 480, Bairro Bosque do Imperador, Juiz de Fora/MG CEP 36037-640. email: vicente.pinto@ufjf.edu.br.

 

Resumo

 

O presente artigo tem por objetivo apresentar e defender uma possibilidade de articulação de perspectivas teórica e metodológica sobre a Educação Ambiental implementadas em programas nos licenciamentos ambientais para que as ações educativas estejam de acordo com as orientações legais e as demandas populares dos atingidos - direta ou indiretamente por qualquer empreendimento. Em que pese às limitações, ao apresentar a perspectiva teórica crítica atrelada a propostas metodológicas participativas, procuramos reforçar que estas se colocam como mais adequadas, eficaz e significativa em relação a demandas socioambientais contemporâneas e aos propósitos da educação no processo de gestão ambiental.

 

Palavras-chave: Educação Ambiental. Licenciamento Ambiental. Programas. Perspectivas teóricas e metodológicas.

 


Iniciando a conversa...

 

A prática contemporânea da Educação Ambiental (EA) possui ações transversais e interdisciplinares que se colocam de forma flexível – formal e não formal[1] - atravessando os desafios do cotidiano, convidando-nos a expandir, incluir, estabelecer diálogos, estimular a capacidade de ver potencialidades educativas em uma infinidade de contextos. Este artigo, portanto, aborda um desses contextos, onde a Educação Ambiental se faz pertinente e obrigatória, o licenciamento ambiental.[2]

Ao considerar que os projetos/programas de educação ambiental (PEA) no âmbito do licenciamento ambiental correspondem a um contexto de aprendizagem, e que propiciam processos educativos permanentes, o presente artigo pretende apresentar uma reflexão sobre as perspectivas teórico-metodológica que guiam as ações educativas nesse contexto.

Partimos da premissa de que uma prática educativa ambiental participativa e crítica pode contribuir de forma significativa para a emancipação do sujeito e para a transformação social. Tais expectativas são previstas pela Instrução Normativa 02/2012 (BRASIL, 2012a) do IBAMA em um PEA no licenciamento, e discutidas por Guimarães (2004), Quintas (2004, 2009a, 2009b) e Loureiro (2009).

Portanto, salienta-se a importância social e educativa imbricada nos processos desenvolvidos pelos PEAs em comunidades vulneráveis como uma possibilidade de instruir, valorizar os saberes e fazeres locais, dar visibilidade, incentivar formas de organização e autonomia dos sujeitos, desfragmentar territórios e ações individuais em prol de um ambiente que é comum.

A nosso ver, este trabalho possibilita refletir como as práticas educativas (não formais) numa perspectiva crítica, bem como as metodologias participativas na implementação de um PEA, podem contribuir para o (re)aprender e o (re)conhecer de grupos sociais impactados por empreendimentos econômicos. O licenciamento como parte da gestão ambiental pública deve impulsionar novos valores, sonhos e comportamentos de uma comunidade, uma vez que tais práticas nascem, a partir da sua necessidade e de seus problemas reais, em diálogo com o cotidiano, na tentativa de propiciar, ou pelo menos ampliar, uma leitura crítica do mundo. (FREIRE, 1996).

Para compor este artigo começamos com uma breve exposição sobre o que é licenciamento, bem como apontar as especificidades da Educação Ambiental nesse âmbito. Em seguida apresentamos e problematizamos três principais abordagens teóricas de Educação Ambiental e uma perspectiva metodológica para os licenciamentos. E, finalmente, elencamos algumas considerações pertinentes.

 

Desvelando o contexto da Educação Ambiental: conversando sobre licenciamento ambiental

 

 

Começamos pela definição do que é licenciamento ambiental.  De acordo com Bursztyn (2013) se constitui por um processo institucionalizado, atributo exclusivo da aparelhagem estatal, que busca garantir certos padrões de desenvolvimento humano, social, de proteção e preservação ambiental.

Ao olharmos criticamente para esta breve definição, o autor chama a atenção para o fato de que o licenciamento ambiental se coloca como um instrumento coercivo, de comando e controle, da política ambiental brasileira com maior reconhecimento e poder na gestão ambiental, que obriga empreendedores públicos e privados a submeterem os seus projetos a um processo administrativo de análise e avaliação dos impactos ambientais a eles relacionados.[3]

Bursztyn (2013) destaca que há uma gama de ações, planos, programas, projetos e instrumentos para que um empreendimento seja instaurado. Dentre eles há a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA)[4], uma ferramenta preventiva que pode identificar e estimar a magnitude dos impactos nos diferentes meios, analisar as vantagens e desvantagens da implementação do empreendimento e servir como orientação para medidas de mitigação de impactos. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA), a partir da Resolução Conama 001/86 (BRASIL, 1986), também passou a ser uma exigência legal para a implementação ou ampliação de empreendimentos com grande potencial de degradação ambiental. Em seguida, o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) o qual se configura um documento de síntese em relação ao anterior, mas que, com linguagem acessível, reflete as conclusões do estudo. A legislação voltada para este processo prevê ainda a participação das populações atingidas, por meio de audiências públicas de caráter consultivo, as quais devem ser levadas em consideração.

Dentre todos esses aspectos legais Bursztyn (2013) chama a atenção para o fato de que as competências direcionadas ao licenciamento ambiental sofreram muitas mudanças ao longo dos anos, dentre elas, com a Resolução Conama 237, de 1997 (BRASIL, 1997), a responsabilidade pelas atividades de coordenação e regulamentação passam a ser deliberadas pelos âmbitos federal, estadual e municipal.

Em linhas gerais, a adoção do sistema de licenciamento ambiental é vista como “um avanço nas regulamentações públicas e significa um importante fator de condicionamento das decisões governamentais e privadas aos desígnios das normas ambientais.” (BURSZTYN, 2013, p.508). Além disso, após a aprovação da Lei Complementar 140/2011 (BRASIL, 2011), percebe-se uma forte tendência para a municipalização do licenciamento e outras ações inerentes à gestão ambiental. (idem).

Em relação à proposta de Educação Ambiental a ser implementada no licenciamento, prática que efetivamente interessa nesse trabalho, Loureiro (2009) coloca que ela é uma condicionante das licenças, cujas etapas são definidas ao longo de suas obtenções, atingindo seu ponto máximo na Licença de Operação, forçando o empreendedor a executar um PEA que garanta a atuação de grupos sociais vulneráveis, enquanto o empreendimento estiver operando.

 Diante disso, ressalta-se que cabe ao órgão ambiental gestor definir as diretrizes, o conteúdo e a metodologia do trabalho, bem como a aprovação do projeto elaborado pelo empreendedor que deve atender às exigências do órgão ambiental, antes de serem executadas. Tais definições, de acordo com Oliveira (2003, p. 107) “passa pela discussão do como fazer, pelo entendimento e pelo estudo das relações entre pesquisa/ação e a organização dos grupos sociais, como estratégia para construírem soluções mais adequadas as suas necessidades relacionadas às questões ambientais.”

Nesse sentido, a proposta de educação na gestão ambiental envolve medidas que direcionam as atividades dos Programas em dois tipos: compensação ambiental (quando há dano direto ocasionado pela atividade licenciada) e mitigação (quando da identificação de impactos difusos que precisam ser prevenidos ou reduzidos, enquanto houver atividade licenciada). Ambas, devem tentar superar uma perspectiva instrumental, procurando compreender as contradições sociais dos grupos afetados.

Logo, a EA sugerida no processo de gestão ambiental do IBAMA, por exemplo, – órgão gestor no âmbito federal – tem como um de seus pressupostos, inspirado na pedagogia freiriana, a clara delimitação dos denominados grupos prioritários do processo educativo. Estes podem ser entendidos como aqueles que estão em condição de expropriação e oprimidos, sendo identificáveis pelo grau de vulnerabilidade de um grupo social, com base em três variáveis: dependência de recursos naturais para a reprodução das condições básicas de vida, nível de acesso a direitos sociais e capacidade de organização e intervenção nas decisões políticas.

A Educação Ambiental no processo de licenciamento possui compromissos com as partes envolvidas e, portanto, algumas especificidades no decorrer de sua execução, por isso, destacamos no item a seguir que a implementação de um Programa de Educação Ambiental (PEA) abarca ações educativas (formal e não formal) de acordo com uma ou mais corrente filosófica. Além disso, no contexto do licenciamento, apontamos como referência mais recente a Instrução Normativa (IN) nº02/2012 (BRASIL, 2012a), a qual estabelece algumas diretrizes para “orientar e regular a elaboração, implementação, monitoramento e avaliação de um PEA”, além de sugerir as perspectivas metodológicas participativas para o planejamento e execução das ações.

 

 

Um pouco sobre perspectivas teóricas e metodológicas de Educação Ambiental no âmbito do licenciamento ambiental

 

 

Diante do importante fato de a EA ter se deflagrado em um contexto de crise[5], nas décadas finais do século XX (anos 60/90), - entendida aqui como uma crise do capital, também chamada por Guimarães (2004) de crise civilizatória[6] - as ações em prol dessa temática, historicamente, foram respaldadas em diferentes vertentes, como, por exemplo, a perspectiva conservadora, que apesar de ter imperado até o início dos anos 90, de acordo com Layrargues e Lima (2011), ela possuía um potencial limitado, pois não considerava as “dinâmicas sociais e políticas e seus respectivos conflitos de interesses e poder” (idem p. 8). Foi então que, a partir da insatisfação com os rumos que a EA vinha tomando e, também, com a tomada de consciência sobre o seu papel frente a crise pelos educadores ambientais, surgiram outras correntes na tentativa de enfrentar os problemas. Dessa forma, há um desvio que institui uma “derivação da vertente conservadora, á medida que é sua adaptação ao novo contexto social, econômico e tecnológico” (idem, p. 10-11), e outra que rompe.

A nova roupagem da vertente conservadora institui-se na vertente pragmática. Esta se limita a práticas educativas conteudistas, ahistóricas, apolíticas, instrumentais e normativas, “reduzindo os humanos à condição de causadores e vítimas da crise ambiental, desconsiderando qualquer recorte social” (LAYRARGUES; LIMA, 2011, p.7)

 Noutras palavras, essa perspectiva percebe o meio ambiente destituído de componentes humanos, como uma mera coleção de recursos naturais em processo de esgotamento, aludindo-se, então, ao combate ao desperdício e à revisão do paradigma do lixo que passa a ser concebido como resíduo, ou seja, que pode ser reinserido no metabolismo industrial. Nesse sentido, essa vertente representa uma forma romântica de ajustamento ao contexto neoliberal que “apela ao bom-senso dos indivíduos para que sacrifiquem um pouco do seu padrão de conforto e convoca a responsabilidade das empresas para que renunciem a uma fração de seus benefícios em nome da governabilidade geral.” (LAYRARGUES; LIMA, 2011, p.10). Assim, o principal foco da vertente pragmática pauta-se no uso racional ou sustentável dos recursos naturais.

Contra essa concepção, estrutura-se a outra tendência, alternativa, denominada crítica, a qual rompe com os pressupostos apresentados anteriormente pelas duas vertentes. Sobretudo antes de avançarmos, vale ressaltar e reiterar, de acordo com Layrargues e Lima (2011), que as tendências pragmática e crítica foram obrigadas

 

a se atualizar e refinar premida pelas transformações e desafios do mundo contemporâneo tais como o processo de globalização multidimencional, a revolução tecnológica, a falência do socialismo real, a redução do papel regulador do Estado e o avanço de ideologias e políticas pragmáticas identificadas com a lógica do mercado e com a filosofia do neoliberalismo. (LAYRARGUES; LIMA, 2011, p. 12)

 

No entanto, Guimarães (2004) diz que essa adaptação, no que tange à concepção de Educação Ambiental Crítica, não significa a ressignificação de algo anterior ou aperfeiçoamento metodológico, mas sim a contraposição de algo já existente, como forma de superação ou solução para problemas ambientais que se colocam diante da grave crise socioambiental.

Portanto, a Educação Ambiental Crítica vem contrapor-se à concepção conservadora e pragmática, tentando superar a “visão social de mundo” (LÖWY, 1994, apud GUIMARÃES, 2004, p. 26) desintegrada, fragmentada, reduzida, individualista, comportamentalista, simplista, unilateral, ou seja, que desconsidera a diversidade existente na relação entre homem e natureza e a complexidade do cotidiano.

Nesse contexto, a perspectiva Crítica, a partir de um novo referencial teórico embasado principalmente nas premissas de Paulo Freire, passa a subsidiar uma leitura problematizadora e contextualizada do real, “mais complexa e instrumentalizada para uma intervenção que contribua no processo de transformação da realidade socioambiental” (GUIMARÃES, 2004, p.27). Eis a essência dessa linha, negada pelas demais. Desvelar os embates (conflitos e problemas ambientais) presentes nas relações de poder para que, numa compreensão complexa do real, instrumentalize os atores sociais para intervir na realidade, permitindo ir além e, a partir da reflexão, construir uma nova compreensão de mundo.

Para isso, a vertente crítica apoia-se “na revisão crítica dos fundamentos que proporcionam a dominação do ser humano e dos mecanismos de acumulação do Capital, buscando o enfrentamento político das desigualdades e da injustiça socioambiental” (LAYRARGUES; LIMA, 2011, p.11). Dessa forma, procura contextualizar e politizar o debate ambiental, incorporando questões culturais, individuais, identitárias e subjetivas que emergem com as transformações das sociedades contemporâneas, a ressignificação da noção de política, a politização da vida cotidiana e da esfera privada, expressas nos novos movimentos sociais e na gênese do próprio ambientalismo.

Seus objetivos, portanto, são: “promover ambientes educativos de mobilização destes processos de intervenção sobre a realidade e seus problemas socioambientais, para que seja possível, nestes ambientes, superar as armadilhas paradigmáticas e propiciar um processo educativo” (GUIMARÃES, 2004, p. 30).

Com isso, é possível perceber que esta concepção luta por uma nova forma de organização da sociedade, no sentido de ela se relacionar com o meio numa perspectiva crítica, emancipatória, transformadora, popular, frente à necessidade de conceber os problemas ambientais associados aos conflitos sociais. Afinal, de acordo com Layrargues e Lima (2011, p. 8) “as causas constituintes dos problemas ambientais [têm] origem nas relações sociais, nos modelos de sociedade e de desenvolvimento prevalecentes.”

Estes pressupostos corroboram a percepção de Educação Ambiental, descrita em um documento legalmente reconhecido, ainda que não haja a pretensão de instituí-la como uma verdade, esgotando suas possibilidades de definição em uma única, propomos, sim, estabelecer apenas um ângulo, através do qual possamos observar uma determinada realidade, e, a partir daí, tentar mostrar o que este ângulo permite ver, apreender e compreender o que é Educação Ambiental dentro dessa perspectiva.

Assim,

entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. (BRASIL, 1999)

 

A partir dessas considerações, se torna imprescindível ter clareza sobre o que entende-se e defende-se nesse artigo em termos de Educação Ambiental, por isso, ao tomar conhecimento que existem outras tendências teóricas torna-se possível, num primeiro plano, desmistificar o conceito de Educação Ambiental por trás de determinadas ações, práticas pedagógicas e sociais, estratégias de marketing e, até mesmo de visão de mundo. Além disso, é útil e necessário para (re)pensarmos e/ou nos posicionarmos de outra maneira, frente ao que nos é posto em diferentes práticas, contextos, a fim de corroborarmos a essência plural da Educação Ambiental.

Em suma, dentro do exposto até aqui sobre as implicações ao longo da instalação de um empreendimento, público ou privado, por meio das licenças interessa-nos ter claro alguns pontos: a) compreender que um PEA no licenciamento apresenta-se como uma medida mitigadora ou compensatória, em cumprimento às condicionantes das licenças ambientais emitidas pelo órgão gestor; b) este Programa deve se voltar para grupos sociais da área de influência da atividade em processo de licenciamento; c) todo o processo imbricado em um PEA normatizado pelo IBAMA está pautado no uso de metodologias participativas, como uma forma de promover o envolvimento da população atingida na definição, formulação, implementação, monitoramento e avaliação dos projetos, articulado com políticas públicas e instrumentos de gestão em implementação na área de influencia do empreendimento. (BRASIL, 2012b).

Sobre o segundo aspecto, cabe ressaltar que o IBAMA define que o PEA deverá ser elaborado com base nos resultados de um diagnóstico socioambiental participativo, o qual visa, dentre outros aspectos, identificar os grupos sociais em situação de maior vulnerabilidade[7] socioambiental, sem prejudicar outros potencialmente impactados. A partir de um diagnóstico, a Educação Ambiental, então, passa a ter como finalidade auxiliar na conscientização, munir os sujeitos de conhecimento para agir de forma autônoma, ou seja, para além da sensibilização ou da acumulação de conhecimentos atuar no processo emancipatório. (LOUREIRO, 2009).

Dessa forma, podemos inferir que a Educação Ambiental nesse contexto “atua fundamentalmente na gestão dos conflitos, de uso e distributivos ocasionados por um empreendimento” (LOUREIRO, s/a, p.9), visando mitigar os efeitos dos processos econômicos licenciados e assegurar direitos, por meio de ações complexas que envolvem identificação de impactos[8], garantindo um processo institucionalizado justo e circunscrito às competências do instrumento público de gestão ambiental. (idem)

Estes pressupostos estão pautados numa nova perspectiva de Educação Ambiental, a qual possui “forte impacto nas políticas públicas e nas relações de poder entre os grupos sociais que se situam em territórios definidos por processos produtivos licenciados,” exigindo projetos “para além da realização de ações pontuais e de processos educativos que não abordam os sentidos do empreendimento, foco motivador da ação”. (LOUREIRO, s/a, p. 9).

Assim, entendemos que a Educação ambiental no licenciamento possui especificidades, as quais precisam ser esclarecidas, uma vez que existem diferentes formas legítimas de pensar e fazê-la. (CARVALHO, 2006, apud LOUREIRO, 2009).[9]

Tais especificidades pautam-se numa ação educativa não formal[10], que possui como principal objetivo fomentar, de forma crítica, a participação dos sujeitos impactados por meio da “organização de espaços e momentos de trocas de saberes, produção de conhecimento, habilidades e atitudes que gerem autonomia dos agentes sociais [em prol da transformação das] condições socioambientais de seus territórios.” (LOUREIRO, s/a, p. 8).

De acordo com Loureiro (2009, p.10), a dimensão não formal da educação refere-se fundamentalmente às ações educativas que perpassam pelos

 

movimentos sociais, sindicatos, empresas, entre outras, podendo chegar ás escolas, articulando escola-comunidade. [...] Pode também, por força da dinâmica dos projetos e programas, favorecer e fomentar discussões com secretarias de educação visando adequações curriculares, como desdobramento de algo que se inicia na órbita do licenciamento. (LOUREIRO, 2009, p. 10)

 

Ao permitir que a Educação Ambiental no licenciamento atue no processo de ensino e aprendizagem, não necessariamente no âmbito escolar, se tem por objetivo ir além de adequações curriculares, mas, sim, propiciar a “problematização e tomada de consciência de dada realidade pelo conhecimento e intervenção prática, na construção de valores e condutas, na reflexão critica do que fazemos [...], e na criação de técnicas que propiciam transformação da natureza.” (LOUREIRO, 2009, p. 11).

Logo, compreendemos que o foco central da EA no licenciamento é o de impactar a realidade, provocar mudanças, instigar a participação e organização, abordando, de forma crítica, os sentidos do empreendimento – foco central da ação e da exigência legal e de existência das condicionantes ambientais – e construir no diálogo e no movimento dos acontecimentos a coerência teórica e prática que possibilite a materialização de uma política pública e de seus instrumentos. Nessa perspectiva, a concepção e execução de uma Educação Ambiental no licenciamento ambiental tende a articular organicamente as ações, garantir a apropriação dos estudos técnicos em espaços pelos agentes envolvidos e transformar os espaços públicos em espaços de aprendizagem e de decisão democrática. 

Diante dessas premissas, acreditamos que a vertente crítica da Educação Ambiental, coloca-se como uma possibilidade potente para refletirmos a consolidação de uma nova lógica desenvolvimentista, “tratado a partir de uma abordagem transdisciplinar e complexa, englobando aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos, éticos, entre outros, além da participação social e política de todos os atores envolvidos.” (ANTUNES; CONTI, 2012, p. 75)

Esta concepção de Educação Ambiental dialoga com os conceitos e práticas de Educação Popular que preconiza processos educativos participativos e significativos junto aos atores sociais, conforme podemos constatar no Programa Nacional de Educação Ambiental – ProNEA, ao conceber a visão de pesquisa ação participante como uma possível metodologia que propicia “encontro de saberes e tratamento diferenciado das informações recolhidas.” (VIEZZER, 2005, p.284).

Além disso, o Art. 3º da IN 02/2012 instrui a participação dos grupos sociais desde a definição dos projetos socioambientais de mitigação e/ou compensação, considerando as especificidades locais e os impactos gerados pela atividade em licenciamento. Logo, a utilização desse tipo de metodologia em PEA permite que as ações sejam definidas em conjunto com os indivíduos e a coletividade atingida, em prol da percepção sobre a complexidade da relação sociedade-natureza, bem como de se comprometerem em agir preventivamente dos riscos e danos socioambientais causado pelas intervenções no ambiente físico natural e construído. (RIBEIRO, 2012, p. 05)

De acordo com Brandão (2005) há diferentes alternativas metodológicas participativas na investigação social, preferencialmente, atuando junto a grupos ou comunidades populares a partir de realidade concreta da vida cotidiana, historicamente contextualizados, com o objetivo de valorizar, criar novos e compartilhar saberes, promovendo a autonomia dos sujeitos (por meio da ação e reflexão) na gestão do conhecimento em direção à transformação social. Ao utilizar metodologias participativas compreende-se que temos

 

a possibilidade de transformação de saberes, de sensibilidades e de motivações populares em nome da transformação da sociedade desigual, excludente e regida por princípios e valores do mercado de bens e de capitais, em nome da humanização da vida social, que os conhecimentos de uma pesquisa participante devem ser produzidos, lidos e interligados como uma forma alternativa emancipatória de saber popular. (BRANDÃO, 2005, p.263)

 

Conforme podemos observar, tais pressupostos corroboram o papel da Educação Ambiental nos Programas como condicionante do licenciamento, pois, por meio dela, é possível “organizar os espaços e os momentos de troca saberes, [propiciar] produção de conhecimentos, [descobrir e instigar] habilidades e atitudes que geram a autonomia dos sujeitos participantes em suas capacidades de escolher e atuar, transformando as condições socioambientais de seus territórios.” (LOUREIRO, 2009, apud RIBEIRO, 2012, p. 6).

Nesse sentido, concebemos as metodologias participativas como cruciais para superar as ações em Educação Ambiental, geralmente, fragmentadas, corroborando o seu principal objetivo, valorizar o diálogo e motivar a participação das pessoas populares, para que possam transformar “os cenários de suas próprias vidas e destinos e, não apenas, para resolverem alguns problemas locais restritos e isolados.” (BRANDÃO, 2005, p. 264).

Apesar das inúmeras contribuições positivas, não só para a Educação Ambiental, essa modalidade de metodologia traz consigo alguns desafios, dentre eles, o que Brandão (1998 apud TOZONI-REIS 2005) aponta, como a garantia da participação democrática dos sujeitos envolvidos, a ênfase na dimensão política da metodologia e a articulação constante entre teoria e prática. Para vencer tais desafios, Tozoni-Reis (2005, p.274) coloca que é preciso investir na formação de um grupo comunitário, de forma que eles se tornem parceiros ativos numa investigação, identificando, compreendendo, criando e propondo, junto conosco, soluções mais adequadas ao enfrentamento coletivo dos problemas ambientais significativos para uma determinada comunidade.

À guisa de um encaminhamento conclusivo deste estudo teórico-metodológico vale ressaltar o que Viezzer (2005) levanta como principio fundamental que orienta as concepções metodológicas aplicadas à Educação Ambiental. Em linhas gerais, é preciso levar os sujeitos direta e indiretamente envolvidos, além das lideranças e instituições, a pensar e atuar local e globalmente, rever paradigmas, métodos, técnicas, dinâmicas tradicionais de educação, participação, relações sociais, pesquisa e de ação socioambiental.

 

Algumas considerações pertinentes

 

O presente trabalho procurou expor de forma sucinta uma reflexão a cerca das perspectivas teóricas e metodológicas que guiam a Educação Ambiental implementadas em Programas no licenciamento ambiental, como uma forma de atender as medidas mitigadoras e compensatórias mais adequadas às necessidades socioambientais dos sujeitos diretamente ou indiretamente atingidos.

Frente ao exposto defendemos a perspectiva crítica de EA articulada a metodologias participativas como mais adequada na execução de PEAs, visto que promovem ambientes educativos coletivos de percepção, mobilização e intervenção sobre a realidade e os problemas socioambientais reais dos grupos sociais atingidos, bem como de se comprometerem em agir preventivamente dos riscos e danos causado pelas intervenções dos empreendimentos no ambiente físico natural e construído.

 

 

Referências

 

ANTUNES, Diogo de C. CONTI, Bruna R. Dilemas de uma nova Agenda de Desenvolvimento: um olhar sobre a Política Ambiental Brasileira. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Paraná, n 25, p. 73-86, jan/jun. 2012.

                          

BRANDÃO, Carlos R. Pesquisa Participante. In: In: Encontros e Caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, 2005. p. 257-266

 

BRASIL. Instrução Normativa 02/2012. IBAMA, 2012a.

 

BRASIL. Lei 9.795. Brasília, abr. 1999.

 

BRASIL. Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp140.htm> Acesso em 2 jan. 2013.

 

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, Conselho Nacional de Meio Ambiente, CONAMA. Resolução CONAMA nº 001, de 23 de janeiro de 1986.  In: Resoluções, 1986. DOU 17/2/86. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/ res0186.html> Acesso em: 12 jan 2013.

 

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, Conselho Nacional de Meio Ambiente, CONAMA. Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997.  In: Resoluções, 1997. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res97/ res23797.html> Acesso em 05 jan 2013.

 

BRASIL. Resolução CNE/CP 2/2012 Diretrizes curriculares nacionais para a EA. Diário Oficial da União, Brasília, 18 de jun. de 2012 – Seção 1 – p.70, 2012b.

 

BURSZTYN, Marcel. BURSZTYN, Maria Augusta. Fundamentos de Política e Gestão Ambiental: caminhos para a sustentabilidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2013.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

 

GUIMARÃES, Mauro. Educação Ambiental Crítica. In: Identidades da Educação Ambiental Brasileira. Philippe Pomier Layrargues (coord.). Brasília: MMA, 2004. Disponível em: <http://nuredam.kinghost.net/files/documentos_mec/Identidadesda Educacao AmbientalBrasileira.pdf#page=27> Acesso em 26 set. 2012.

 

KATZMAN, Rubén. Notas sobre la medición de la vulnerabilidad social. México: CEPAL, 2000.

 

LAYRARGUES, Philippe P. LIMA, Gustavo F. da C. Mapeando as macro-tendências político-pedagógicas da Educação Ambiental contemporânea no Brasil. In: VI Encontro Pesquisa e Educação Ambiental – EPEA. Ribeirão Preto: EPEA, set. 2011.

 

LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e Pedagogos para quê? 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.

 

LOUREIRO, Carlos Frederico B. Educação Ambiental no licenciamento ambiental: cenário atual, caracterização, pressupostos e especificidades. s/a

 

______. Educação Ambiental no licenciamento: aspectos legais e teóricos-metodológicos. In: Loureiro, C. F. B. (org.) Educação ambiental no contexto de medidas mitigadoras e compensatórias: o caso do licenciamento. Salvador: IMA, 2009. Disponível em: <http://www.iat.educacao.ba.gov.br/sites/default/files/Educacao ambiental%20no%20licenciamento.pdf> Acesso em: 10 mai. 2012.

 

OLIVEIRA, Elísio M. de. Cidadania e Educação Ambiental: uma proposta de Educação no processo de Gestão Ambiental. Brasília: IBAMA, 2003.

 

QUINTAS, José S. Educação no processo de Gestão Ambiental: uma proposta de educação ambiental transformadora e emancipatória. In: Identidades da Educação Ambiental brasileira. Ministério do Meio Ambiente. Diretoria de Educação Ambiental; Philippe Layrargues (Coord.). Brasília: MMA, 2004.

 

______. Educação Ambiental de gestão ambiental pública: a construção do ato pedagógico. In: Repensar a Educação Ambiental: um olhar crítico. Carlos Frederico B. Loureiro; Philippe Layrargues; Ronaldo Souza de Castro (Orgs.). São Paulo: Cortez, 2009a.

 

______. OS dez anos da Política Nacional de Educação Ambiental e de sua implementação na esfera da gestão ambiental federal. Anais Seminário “10 anos da Política Nacional de Educação Ambiental: Avanços e necessidades em busca da edificação de uma sociedade sustentável”. Brasília, 2009b.

 

RIBEIRO, Roseli. Ibama: regras para programa de educação ambiental. 1 abr. 2012.

 

TOZONI-REIS, Marília F. de C. Pesquisa Ação. In: Encontros e Caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, 2005. 267-276

 

VIEZZER, Moema L. Pesquisa-ação participante (PAP). In: Encontros e Caminhos: formação de educadoras(res) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, 2005. p. 277-294

 



[1] Libâneo (2005) faz referências às tais práticas educativas, designando o seguinte conceito para educação não-formal: estaseria realizada em instituições educativas fora dos marcos institucionais, mas com certo grau de sistematização e estruturação. (p.31).

[2] O presente artigo trata de um recorte da pesquisa desenvolvida no âmbito do Mestrado em Educação na UFJF, com enfoque qualitativo de análise dos processos educativos instituídos ao longo da implementação de um Programa de Educação Ambiental visando a construção de uma matriz metodológica de indicadores de acompanhamento e avaliação no licenciamento ambiental. (FARIA, Jeniffer de S. Programa de Educação Ambiental no Licenciamento: retrato de um processo de construção metodológica. Dissertação (Mestrado em Educação) Juiz de Fora: UFJF, 2014, 147p.)

[3] Dentre as condicionantes para que o sistema de licenciamento seja concluído existem algumas etapas, instituídas por meio de três licenças - LP – Licença Prévia, LI – Licença de Instalação, e a LO – Licença de operação - as quais são concedidas ao longo do processo de empreendimento. Ver mais em Bursztyn, 2013, p. 506.

[4] Neste instrumento, em algumas fases, está prevista a participação dos sujeitos impactados. (BURSZTYN, 2013)

[5] Para alguns autores, a constatação dessa crise foi apenas no âmbito ambiental, frente ao modelo desenvolvimentista insustentável adotado que se apropria de forma ilimitada dos recursos naturais, passando a provocar problemas ambientais.

[6] A concepção de crise civilizatória articula-se à concepção de crise socioambiental citada por Guimarães (2004), à medida que defende a necessidade de compreender que as questões ambientais (capacidade de se relacionar do/no/com o mundo) e sociais (capacidade de relacionar-se com o outro) estão entrelaçadas no interior da crise.

[7] Conceituar “vulnerabilidade social” não é tarefa fácil, haja vista tratar-se de um processo extremamente dinâmico, que engloba diferentes grupos sociais inseridos em contextos variados. O real significado do termo é tratado sobre perspectivas diversas que, embora apresentem certas divergências, convergem para um mesmo foco: a relação entre ativos-vulnerabilidade-oportunidades. Em outras palavras, pode-se dizer que a vulnerabilidade caracteriza-se como um processo dinâmico e instável, condicionado à capacidade de indivíduos ou grupos sociais enfrentarem situações que ofereçam risco ao seu bem-estar social ou até mesmo de buscarem mecanismos para ascenderem social e economicamente. (KATZMAN, 2000)

[8] Além de identificar os efeitos de uma atividade licenciada, é preciso levantar quais são os mais afetados por tal atividade, estabelecendo hierarquia de prioridades de temas/problemas, regiões, grupos, projetos.

[9] Para melhor compreender tais especificidades, Loureiro (s/a) aponta alguns pressupostos do que não é educação no licenciamento, como, por exemplo, a promoção de cursos de capacitação pontuais e de curta duração, atividades educativas sem articulação com as demandas locais, ausência de uma concepção pedagógica, falta de conhecimento prévio [diagnóstico] da dinâmica sociocultural e ambiental do território, dos conflitos, problemas e formas de organização existentes, falta de compromisso com os grupos ambientalmente vulneráveis, etc.

[10]A dimensão formal, [...] que se refere fundamentalmente à dimensão curricular e não apenas ao ato de se realizar atividades na escola [...], é de competência das instâncias de ensino” (LOUREIRO, 2009, s/p).

 

Ilustrações: Silvana Santos