Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 45) COLETA DE RECICLÁVEIS E CIDADANIA: COOPERATIVAS DE CATADORES EM PARCERIA COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
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COLETA DE RECICLÁVEIS E CIDADANIA:

COOPERATIVAS DE CATADORES EM PARCERIA COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

 

Márcio Luiz Weyrich

 

 

Universidade Cidade de São Paulo

 

Email do autor: marcioweyrich@hotmail.com

 

 

RESUMO: A Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei 13.205, de 2010, introduziu inúmeras e importantes mudanças na forma de gerenciar os resíduos sólidos das atividades de empresas públicas e privadas, dentre elas a obrigatoriedade de a Administração Pública destinar seus resíduos recicláveis para o reaproveitamento, devendo priorizar a contratação de cooperativas e associações de catadores para a realização deste trabalho, mediante a dispensa de licitação, proporcionando práticas de inclusão social e de geração de renda. Este trabalho buscou identificar as principais dificuldades encontradas pelos gestores de contratos de parceria entre os órgãos da Administração Pública e as cooperativas ou associações de catadores e, a partir delas, propôs um check-list ou lista de verificação de critérios a serem observados no sentido da escolha da melhor candidata à habilitação. Dentre as dificuldades relatadas pelos participantes da pesquisa, que serviram para a elaboração do check-list, destacaram-se aquelas relacionadas à gestão, à segurança e aos sistemas produtivos, o que permitiu o desenvolvimento de uma proposta focada nestes elementos.

 

Palavras-chave: reciclagem; cooperativas de catadores; habilitação.

 

 

1  INTRODUÇÃO

 

            Um dos grandes problemas enfrentados pela atual sociedade de consumo é a geração de lixo sólido e sua correta destinação. Esta questão tem sido debatida por estudiosos e governos em todo o mundo e, no Brasil, culminou com a publicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída por meio da Lei 13.205/2010, que prevê, entre outras medidas, a responsabilidade compartilhada de todos os agentes do ciclo de vida dos produtos consumidos, desde o fabricante até o último consumidor, incluindo os órgãos do Poder Público. Para tanto, a Política fomenta a chamada logística reversa dos produtos, e determina que todo agente público deva acondicionar adequadamente seus resíduos sólidos gerados e disponibilizar aqueles recicláveis para a coleta seletiva, priorizando “a participação de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis” (BRASIL, 2010), podendo-se dispensar a licitação.

            Esta oportunidade oferecida aos catadores de material reciclável visa fomentar entre eles a organização do trabalho, substituindo as atividades de catação, itinerantes e desestruturadas, por atividades prestadas por cooperativas e associações, celebrando contratos com o Estado e, sobretudo, resgatando a cidadania.

            Entretanto, a dispensa da licitação na contratação das cooperativas ou associações que receberão os resíduos recicláveis limita, senão cerceia, o uso da prerrogativa da Administração Pública da escolha da melhor proposta, uma vez que o Decreto 7.404/2010, que regulamenta a matéria, não estipula critérios mínimos de habilitação a serem observados para a seleção destas organizações, cabendo ao órgão público contratante o juízo subjetivo para perfazer a escolha, muitas vezes traduzido em sua ineficácia, que só a posteriori se observa, quando evidenciam-se os problemas típicos de ineficiência na gestão, como atrasos na coleta por falta de veículos, desperdício e deterioração de material mal-acondicionado, ambientes insalubres de trabalho nas cooperativas ou associações etc.  É importante salientar que o próprio Poder Executivo havia publicado Decreto nº 5.940/2006 tentando minimizar as dificuldades na habilitação de cooperativas, definindo critérios a serem seguidos pelas habilitantes, sem, no entanto, lograr significativo êxito.

            Diante da oportunidade dada às cooperativas de catadores de resíduos sólidos recicláveis para contratar com o Estado, este projeto vislumbra a oportunidade de tecer considerações sobre potenciais exigências a serem estipuladas pela Administração Pública para a habilitação de cooperativas, critérios esses que servirão também como um corpo descritivo de melhorias a serem buscadas pelas organizações que pretendam obter a habilitação e atingir níveis de qualidade na prestação da coleta seletiva aos órgãos públicos.

            Com este desafio, o presente trabalho tem como objetivo principal identificar critérios de organização e métodos de trabalho para contribuir na habilitação de cooperativas de catadores de resíduos sólidos recicláveis produzidos pela Administração Pública, amparados por objetivos mais específicos como:

a) Levantar dados sobre legislação e literatura atual sobre meio ambiente e de destinação de resíduos sólidos na Administração Pública;

            b) Identificar quais são as dificuldades encontradas por cooperativas na execução dos objetos contratuais de mesma natureza;

            c) Propor a adoção de um check-list para orientar os órgãos públicos no sentido de classificar as cooperativas/associações interessadas em contratar com o Estado, visando determinar critérios mínimos de capacidade produtiva, visando também organizar rol prescritivo destinado às demais cooperativas que desejem se adequar à habilitação.

            Como proposta metodológica do trabalho, serão realizados estudos exploratórios por meio da pesquisa de campo, com utilização de questionário semiestruturado para coleta de dados com profissionais envolvidos diretamente na gestão de resíduos sólidos em uma instituição do Poder Público Federal, que mantém contrato de recolhimento de resíduos sólidos recicláveis com cooperativa de catadores, cuja celebração se deu sem a observância de critérios mínimos para a habilitação, bem como com os profissionais cooperados. Destes questionários espera-se absorver as principais dificuldades experimentadas pela Administração e pelos próprios cooperados/associados na execução dos objetos contratuais e, a partir delas, elaborar as orientações contidas nos objetivos deste estudo.

            Como complementação metodológica, será feita ainda uma pesquisa bibliográfica para embasamento teórico do texto, visando aprofundar os conceitos e permitir maior acolhimento das conclusões e sugestões apostas às conclusões finais.

ORGANIZAÇÃO DE COOPERATIVAS DE CATADORES PARA A COLETA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

            Antes de se iniciar a discussão sobre a reciclagem de resíduos sólidos e a importância do papel das cooperativas e das associações de catadores neste processo, faz-se mister distinguir os termos resíduos sólidos e lixo., pois têm conceituação e abrangência material distinta. Para Grimberg (2004), o lixo compõe o conjunto de restos de alimentos, embalagens descartadas, objetos inservíveis misturados, cujo destino é o aterro. Estes materiais, ao serem separados, passam à categoria de resíduos sólidos, com potencial econômico significativo: os materiais orgânicos podem gerar energia química pela decomposição; as embalagens descartadas podem servir de insumos para a geração de novos produtos e os objetos inservíveis podem ser reaproveitados, restando muito pouco para ser realmente descartado.

            Um importante processo na reutilização dos resíduos sólidos é a reciclagem, que pode ser definida como:

Um conjunto de procedimentos que possibilita a recuperação e a reintrodução no ciclo produtivo de resíduos das atividades humanas como matérias-primas e/ou insumos de processos industriais, visando à produção de novos bens, idênticos ou similares aqueles que se originaram aos referidos resíduos (ALVEZ, 2003, p. 22).

 

            Entretanto, neste contexto de discussão, o processo da reciclagem requer, como matéria-prima, os resíduos sólidos descartados pela sociedade, que devem ser coletados e separados antes do processamento, cabendo este papel ao profissional catador.

            Segundo os estudos de Bosi (2008), os catadores, apesar de explorados no processo de acumulação de capital, estão a ele integrados e são por ele requeridos, desempenhando importante papel no contexto mercadológico da rua, principalmente em face da atual busca pelo reaproveitamento e economia de matérias-primas.

Recentemente, o setor de reciclagem de resíduos sofreu três mudanças significativas em seu perfil, o que permitiu uma maior demanda pelos seus produtos e um consequente crescimento no número de catadores no Brasil: a consciência ecológica, a legislação ambiental e os incentivos e investimentos para que as empresas públicas e privadas praticassem a coleta seletiva de seus resíduos.

            A consciência ecológica, na visão de Bosi (2008, p. 120), determinou uma nova postura diante dos resíduos. O lixo passou a ser composto somente por coisas sem nenhum valor, excluindo-se dele, portanto, os dejetos recicláveis, como papel, plásticos, vidros, metais etc. O resultado desta nova postura vem sendo determinado por novos princípios e valores de racionalidade, em defesa do ambiente (CAVALHEIRO, 2008, p. 14). A segunda mudança foi o desenvolvimento de uma legislação ambiental, cada vez mais preocupada com os impactos do consumismo extremo e da necessidade de reverter seus efeitos, já sentidos em várias partes do mundo. A terceira mudança diz respeito aos investimentos em coleta seletiva nas empresas, que se generalizaram a partir da década de 90 (BOSI, 2008, p. 122).

            No Brasil, a legislação ambiental apareceu tímida e tardiamente na Constituição de 1988, com dispositivos dispersos e de abrangência genérica. Mesmo assim, o Direito Ambiental brasileiro constituiu-se de maneira mais rápida do que em outros países e o fato de não termos ainda um código ambiental não impediu a sistematização de suas regras jurídicas (MACHADO, 1996, p. 32), de modo que é possível delimitar o seguinte quadro cronológico da legislação ambiental brasileira, a partir de 1965 até a instituição da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010:

·      1965 - Lei n.º 4.771, de 15 de setembro, alterada pela lei n.º 7.803/89: instituiu o Código Florestal, que, entre outras disposições, definiu o que são as áreas de preservação permanente;

·      1967 - Decreto-lei n.º 221, de 28 de fevereiro: instituiu o Código de Pesca, que, entre outros dispositivos, estabelece proibições à pesca, regulamenta o lançamento de efluentes das redes de esgoto e os resíduos líquidos ou sólidos industriais às águas;

·      1980 - Lei n.º 6.803, de 02 de julho: cria a obrigatoriedade do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para determinadas atividades de potencial impactante ao meio ambiente;

·      1981 - Lei n.º 6.938, de 31 de agosto: dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. Estabeleceu seus objetivos e a constituição do Sistema Nacional do Meio Ambiente;

·      1988 - Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro: prevê um capítulo integralmente dedicado ao meio ambiente (capítulo VI, do título VIII, da Ordem Social), onde estabelece o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de uso comum do povo, cabendo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo;

·      1989 – Lei 7.797, de 10 de julho: cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente;

·      1992 - Declaração do Rio de Janeiro: surgiu da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento;

·      1997 - Lei n.º 9.433, de 08 de janeiro: institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, colocando a Bacia Hidrográfica como espaço geográfico de referência e a cobrança pelo uso de recursos hídricos como um dos instrumentos de sua política;

·      1998 - Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro (Lei de Crimes Ambientais): dispunha sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente;

·      2003 – Decreto Legislativo 333, de 24 de julho: aprova o Acordo-Quadro sobre o meio ambiente, no âmbito dos países do MERCOSUL;

·      2006 – Lei 11.284, de 2 de março (Lei de Gestão das Florestas Públicas): cria o Serviço Florestal Brasileiro;

·      2007 – Lei 11.516, de 28 de agosto: cria o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;

·      2009 – Lei 12.187, de 29 de dezembro: institui a Política Nacional sobre a Mudança do Clima;

·      2010 – Lei 13.205, de 2 de agosto: institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

            Entre as principais medidas determinadas pela Lei 13.205/2010 encontram-se o incentivo à formação de novas cooperativas ou associações de catadores, a maior participação de cooperados ou associados nos programas de coleta seletiva, a inclusão destes nos planos municipais de gestão dos resíduos sólidos recicláveis e reutilizáveis e a sua contração, com a possibilidade de dispensa de licitação, para efetivar tais serviços.

Pesquisas afirmam que hoje, no Brasil, são geradas quase 200 mil toneladas diárias de resíduos sólidos, considerando-se apenas a população urbana. Isto significa uma média anual de 1.160 quilos de resíduos por habitante das cidades. Destes totais, menos de 10% são coletados de maneira sistemática para reaproveitamento (ABRELPE, 2011).

            Mas a participação atual dos catadores tem significativa relevância no quadro total da reciclagem. Mais de um milhão destes profissionais catam materiais recicláveis no País (UNB, 2005), contribuindo para o incremento do índice de reciclagem brasileiro, dos 3%, conseguidos pelo próprio Poder Público, para 12% (SASSINE, 2010) no geral.     Entretanto, os catadores organizados em cooperativas representam ainda uma minoria. A grande parte deles trabalha de maneira individual e autônoma, dependendo também de intermediários para a venda dos materiais recicláveis (AKATU, 2011). Portanto, para atender às intenções da nova Lei, “a atual produção das cooperativas precisará ser triplicada e centrais para triagem dos resíduos deverão ser criadas na maioria dos cinco mil municípios brasileiros” (CEMPRE, 2011), o que requer capacidade de empreendimento e de articulação para o desenvolvimento de modelos mais eficientes de trabalho cooperado, por meio de parcerias entre os setores público e privado.

            Entre os desafios na organização de cooperativas para o trato dos resíduos sólidos recicláveis, Adeodato (2010) destaca a capacitação dos catadores cooperados para o desempenho de suas funções sob uma nova ótica, o que demanda a geração e disseminação de conhecimentos sobre os melhores métodos de separação e acondicionamento dos materiais e sobre práticas para aumentar a eficiência da produção, reduzir custos e garantir a viabilidade econômica. Diante deste cenário, é essencial que os catadores de resíduos sólidos organizem-se em cooperativas ou outras formas de associação para usufruírem dos benefícios e recursos oferecidos pela Política. Além desta organização, a manutenção e mesmo a melhoria contínua das capacidades e das competências envolvidas no processo produtivo das cooperativas hão de ser perseguidos, visando à continuidade do empreendimento e, sobretudo, à possibilidade de contratar com os órgãos da Administração Pública para a coleta seletiva dos resíduos por eles gerados.

            Entretanto, mesmo dispensada a licitação, as cooperativas devem estar atentas aos processos de habilitação geralmente envolvidos no certame com o Estado, que poderão definir critérios mínimos a serem cumpridos pelas interessadas em recolher seus resíduos, como a posse de infraestrutura para realizar a triagem e a classificação dos resíduos recicláveis descartados, bem como a disponibilidade de meios para receber os resíduos a elas destinados etc., o que demanda atenção a aspectos de organização estrutural, métodos de trabalho, gestão dos sistemas operacionais e outros fatores.

 

3 METODOLOGIA E ANÁLISE DOS DADOS

 

            Para o atingimento dos objetivos do presente trabalho, no sentido de identificar os principais problemas envolvidos nas parcerias entre um órgão da Administração Pública e cooperativas de catadores para a coleta e destinação dos resíduos sólidos, foi elaborado um questionário com perguntas abertas, aplicado a 32 funcionários de um órgão da Administração Pública, diretamente envolvidos na gestão ou na operacionalização dos contratos. No questionário foi solicitado ao respondente que externasse sua percepção quanto às reais dificuldades encontradas na prestação dos serviços das cooperativas ou associações. As perguntas versavam sobre os seguintes aspectos, que estimulavam os respondentes a discorrer sobre os problemas a eles relacionados: Gerais Físicos da cooperativa ou associação; Humanos; Segurança do Trabalho; e Sistema Produtivo.

Em relação ao primeiro item (Aspectos Gerais Físicos), foram relatadas as seguintes dificuldades, dentre outras coincidentes, conforme excerto retirado das próprias respostas ao questionário:

“Sempre tem no pátio do galpão a presença de animais domésticos e crianças, o que pode causar acidentes graves quando os caminhões entram para descarregar o material”;

“A cooperativa funciona em um antigo lava-jato. É um local úmido e impróprio para servir como depósito de papéis”;

“O piso é cheio de rachaduras e dificulta o trânsito dos carrinhos”;

“As telhas do galpão têm muitas rachaduras. Isto pode comprometer a qualidade do papel, pois se o fardo de papel estiver úmido ou sujo, seu valor comercial diminui;

“Lá sempre tem muito fluxo cruzado, gente se esbarrando uns nos outros. Deveria haver um controle maior do fluxo”;

“A iluminação é bem precária. Onde tem luminária, não tem lâmpada ou a lâmpada está queimada”.

 

No segundo item (Aspectos Humanos), evidenciaram-se os seguintes problemas:

“Não há um profissional de gerência em tempo integral na associação. O presidente é quem manda e não delega nada a ninguém”;

“As pessoas são incentivadas a entrar na cooperativa, mas demoram a internalizar as regras e depois não são mais motivadas”;

“A divisão da renda nem sempre é feita de modo justo, e nós, como contratantes, não podemos fazer nada”;

“Se o funcionário produz mais, não vai ganhar mais por isso. Alguns ficam desestimulados”.

 

            O item referente aos Aspectos de Segurança do Trabalho foi um dos mais preocupantes, revelando uma necessidade bastante significativa de intervenção:

“Os catadores fumam e bebem durante a manipulação do material”;

“A cooperativa não tem vigilante, nem de dia nem de noite”;

“Eles só compraram extintores depois da reportagem do incêndio em São Paulo, no depósito de material reciclável”;

“Não tem nenhuma placa de aviso nem de segurança”;

“Sempre tem muita criança brincando no galpão, no meio das pessoas que trabalham. O chefe deles deixa e se a gente falar eles reclamam”;

“Os associados que trabalham lá não usam máscaras para mexer no lixo. Alguns não usam nem luvas”.

 

O último item (Aspectos do Sistema Produtivo) também evidenciou a necessidade de intervenção, posto que foram identificados os seguintes problemas:

“Não há nenhum registro de quando os materiais entraram no galpão nem quando saíram. Não tem registro nem dos compradores, nada!”;

“Os fardos às vezes são bem acondicionados e amarrados, outras vezes não são”;

“Um único supervisor controla todo mundo, mas não está sempre em todo lugar. Por que eles não criam um supervisor para cada tipo de produto, por exemplo?”

“As máquinas lá são mais antigas e poucas pessoas sabem usar as máquinas”

“É tudo muito desorganizado. Hoje eles trabalham no caminhão, amanhã trabalham na usina, depois vão para os containers (sic)...”.

                       

De posse das inúmeras dificuldades apontadas pelas respostas, foi possível construir uma lista de pontos a serem verificados para determinar o nível de conformidade da cooperativa ou associação referente aos quatro aspectos investigados. A proposta é que o check-list decorrente possa servir de base para aferir a real capacidade da cooperativa ou associação de cumprir com a obrigação de recolher, separar, armazenar e dar o correto destino aos resíduos sólidos colocados à sua disposição pelo Poder Público. Evidentemente que tal check-list não tem o objetivo de limitar a participação das cooperativas ou associações menos adequadas a ele, pois isto iria ferir a intenção do legislador que visou beneficiar esta categoria de organização pela dispensa da licitação. Mas antes, e sobretudo, tem a intensão de identificar, entre todas as interessadas, aquela que mais atende aos interesses do fim social, com um mínimo de adequação à capacidade produtiva que garanta sua habilitação como parceira, servindo também como um indicador de melhorias a serem buscadas por aquelas que apresentarem menor enquadramento.

O check-list, apresentado a seguir, deverá servir de modelo básico e estruturante, cabendo a cada órgão público movimentar ou       modificar seus itens de acordo com a maior ou menor relevância percebida pela equipe responsável.

 

LISTA DE VERIFICAÇÃO PARA INSPEÇÃO IN LOCO

 

 

IDENTIFICAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO OU COOPERATIVA

Razão Social:

Nome Fantasia:

Alvará de funcionamento:

Inscrição estadual:

CNPJ:

e-mail

Endereço:

Bairro:

Cidade:

CEP:

Telefones:

Fax:

Ramos de Atividade:

Número de funcionários:

Número de turnos:

Responsável legal:

Formação acadêmica:

Avaliador do órgão fiscalizador:

Ponto:

Funcionário da empresa:

Data:

 

1. ÁREA EXTERNA

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Vias de acesso pavimentadas e adequadas ao trânsito de pessoas e equipamentos com rodas.

 

 

 

Presença de focos de insalubridade como objetos em desuso, água estagnada e outros.

 

 

 

Presença de animais no pátio e/ou vizinhança.

 

 

 

Presença de vetores de doenças.

 

 

 

Presença de espécies arbóreas.

 

 

 

 

2. ÁREA INTERNA

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Presença de focos de insalubridade como objetos em desuso e/ou estranhos ao serviço.

 

 

 

Presença de animais.

 

 

 

Presença de pragas e vetores.

 

 

 

Edificação exclusiva para os fins propostos.

 

 

 

Acesso adequado.

 

 

 

 

3. PISO

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Livre de rachaduras, trincas e outros defeitos.

 

 

 

Permite fácil higienização.

 

 

 

Piso sanitário.

 

 

 

Piso antiderrapante.

 

 

 

Piso acimentado.

 

 

 

Sistema de escoamento adequado/ralos.

 

 

 

 

4. COBERTURA

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Estrutura com boa qualidade de fixação e apoio.

 

 

 

Telhas livres de rachaduras, trincas e outros defeitos.

 

 

 

Escoamento correto das águas pluviais.

 

 

 

 

5. SISTEMA ELÉTRICO

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Luminárias em número adequado.

 

 

 

Luminárias com proteção.

 

 

 

Luminárias em condições adequadas de conservação.

 

 

 

Instalações elétricas embutidas.

 

 

 

Instalações elétricas exteriores revestidas de tubulações isolantes e fixadas adequadamente.

 

 

 

Interruptores em condições adequadas de funcionamento.

 

 

 

Tomadas identificadas com voltagem e amperagem.

 

 

 

 

6. VENTILAÇÃO E ILUMINAÇÃO

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Ventilação e circulação de ar adequadas ao conforto térmico.

 

 

 

Presença de gases e/ou fumaças.

 

 

 

Iluminação natural adequada.

 

 

 

Presença de reflexos ou sombras excessivas.

 

 

 

 

7. ESTRUTURAS AUXILIARES

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Presença de escadas em boas condições.

 

 

 

Presença de divisórias em boas condições.

 

 

 

Presença de corrimãos em boas condições.

 

 

 

 

8. INSTALAÇÕES SANITÁRIAS PARA FUNCIONÁRIOS

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Localizado no interior da área coberta.

 

 

 

Uso exclusivo para funcionários.

 

 

 

Independentes para cada sexo e identificados.

 

 

 

Presença de vasos sanitários, chuveiros, mictórios e lavatórios íntegros e em número adequado (conforme legislação específica).

 

 

 

Piso íntegro e em bom estado de conservação.

 

 

 

Piso em condições adequadas de higiene.

 

 

 

Paredes em bom estado de conservação e higiene.

 

 

 

Iluminação adequada.

 

 

 

Ventilação adequada.

 

 

 

Presença de papel higiênico, sabonete ou sabão, toalhas de papel ou outro sistema seguro de secagem das mãos.

 

 

 

Presença de lixeiras.

 

 

 

Coleta frequente do lixo.

 

 

 

Presença de avisos com procedimentos adequados de higienização.

 

 

 

Presença de vestiários e armários individuais.

 

 

 

Serviço de esgoto ou fossa séptica.

 

 

 

 

9. SISTEMA HIDRÁULICO E DE ESGOTAMENTO

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Sistema de abastecimento ligado à rede pública.

 

 

 

Sistema de captação própria adequado.

 

 

 

Reservatório de água acessível dotado de tampa e livre de vazamentos e infiltrações.

 

 

 

Presença de canos embutidos e sem vazamentos aparentes.

 

 

 

Presença de canos expostos, adequadamente fixados e sem vazamentos.

 

 

 

Existência de fossa sanitária.

 

 

 

Rede de esgoto conectada à rede pública.

 

 

 

Presença de caixa de gordura.

 

 

 

Condições de higiene da caixa de gordura.

 

 

 

 

10. HIGIENIZAÇÃO DAS INSTALAÇÕES

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Existência de uma rotina de higienização.

 

 

 

Produtos de higienização utilizados são regularizados pelo Ministério da Saúde.

 

 

 

Disponibilidade regular dos produtos de higienização.

 

 

 

Produtos de higienização utilizados adequadamente, conforme orientações do fabricante.

 

 

 

Identificação e armazenamento adequado dos produtos de higienização.

 

 

 

Disponibilidade de utensílios necessários à higienização, como escovas, rodos, vassouras, baldes, panos, mangueiras e outros.

 

 

 

Condições adequadas de higiene e armazenamento dos utensílios.

 

 

 

Processos de higienização adequados.

 

 

 

 

11. CONTROLE DE PRAGAS E VETORES

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Adoção de medidas preventivas no combate e controle de pragas e vetores.

 

 

 

Adoção de medidas corretivas no controe a pragas e vetores.

 

 

 

Comprovação de controle químico.

 

 

 

 

12. LAYOUT

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Adequado ao processo produtivo.

 

 

 

Ausência de fluxo cruzado.

 

 

 

Área de recepção de resíduos recicláveis.

 

 

 

Área separada para estocagem dos produtos finais.

 

 

 

 

13. EQUIPAMENTOS

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Equipamentos da linha de produção com desenho e número adequados ao ramo.

 

 

 

Disposição que permite fácil acesso e higienização.

 

 

 

Condições de higiene adequadas.

 

 

 

Condições de funcionamento adequadas.

 

 

 

Existência de registros que comprovem a manutenção dos equipamentos.

 

 

 

 

14. VEÍCULOS

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Possui  caminhões para a coleta dos resíduos.

 

 

 

Motoristas com habilitação para dirigir caminhões.

 

 

 

Existência de registros de controle de utilização dos veículos.

 

 

 

Existência de registros de controle de manutenção dos veículos.

 

 

 

 

15. FUNCIONÁRIOS

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Funcionários em número suficiente para a demanda de produção.

 

 

 

Uso de uniforme adequado à atividade exercida.

 

 

 

Uso do uniforme exclusivo em serviço.

 

 

 

Uniformes em bom estado de conservação e higiene.

 

 

 

Uso de toucas.

 

 

 

Uso de máscaras.

 

 

 

Uso de luvas.

 

 

 

Uso de calçados fechados.

 

 

 

Prático do tabagismo ao manipular resíduos.

 

 

 

 

16. SISTEMA DE SEGURANÇA

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Existência de supervisão de segurança.

 

 

 

Existência de cartazes de orientações sobre técnicas de segurança.

 

 

 

Existência de programas de capacitação em segurança.

 

 

 

Presença de extintores conforme a legislação.

 

 

 

Há profissional de vigilância noturna e diurna nas dependências.

 

 

 

Há um sistema de controle da presença de pessoas estranhas às dependências.

 

 

 

 

17. SISTEMA PRODUTIVO

ITEM

SIM

NÃO

N/A

Operações padronizadas e registradas de recepção da matéria-prima e controle de quantidades e qualidades.

 

 

 

Operações padronizadas e registradas de comercialização dos produtos finais.

 

 

 

Registros de fornecedores e clientes.

 

 

 

Registros de produtividade.

 

 

 

Produto final acondicionado em embalagem adequada e íntegra.

 

 

 

Produto final transportado ao destino em veículo próprio.

 

 

 

 

18. DISTRIBUIÇÃO DA RENDA

ITEM

SIM

NÃO

N/A

O trabalho e a renda adquirida com a venda dos resíduos são divididos iqualitariamente entre os associados ou cooperados.

 

 

 

Há aplicação de recursos no desenvolvimento social da entidade e dos associados ou cooperados.

 

 

 

Parte da renda adquirida com a venda dos resíduos é investida na própria entidade.

 

 

 

 

PARECER DO ÓRGÃO FISCALIZADOR

 

 

 

 

 

 

 

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            A Lei 13.205 de 2010 surgiu com a importante missão de orientar os geradores de resíduos sólidos recicláveis a dar-lhes o destino correto, no intuito de minimizar os impactos de suas atividades ao meio ambiente. Sua proposta principal é responsabilizar todos os agentes do ciclo de vida dos produtos pela sua gestão ambientalmente correta, maximizando-a e integrando empresas, consumidores e o Estado.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, corporificada pela Lei 13.205/2010, estabeleceu os fundamentos de uma nova cultura de consumo e de gestão de resíduos, denominada logística reversa, cuja aplicação, espera-se, trará uma diminuição de depósitos em aterros sanitários, além de gerar empregos e renda para os catadores de materiais recicláveis, por meio das parcerias entre cooperativas e associações destes profissionais com a Administração Pública.

Tendo em vista as dificuldades na gestão de contratos de parceria com cooperativas ou associações de catadores de resíduos sólidos, verificadas a partir do presente estudo, foi desenvolvido um check-list a ser usado para aferir a real capacidade destas organizações de atender ao interesse social de contratar com o Estado por meio da dispensa da licitação, que dispensa também todos os critérios impostos em uma licitação regular, mas não desvincula de seus contratos a obediência e adequação a certos critérios mínimos para a habilitação das interessadas.

Como resultado do estudo foi possível verificar que os contratos atuais de parceria de órgãos públicos com associações ou cooperativas de catadores de resíduos sólidos apresentam diversas dificuldades de operacionalização, que foram ignoradas, inicialmente, pelos contratantes, mas que merecem maior atenção em contratos futuros, no sentido de buscar-se sempre a melhoria contínua das relações entre sociedade e Estado. São elementos que, em contratações normais, sujeitas às regras da licitação, são regulados por legislação específica, mas cuja análise passa despercebida ou é menosprezada nas contratações sem licitação.

            Muitos aspectos na organização das cooperativas e associações devem ser levados em conta no momento de sua gênese, visando preparar estas organizações para eventuais controles que a Administração Pública possa vir a exercer sobre os contratos de parceria, ainda que ausente o intuito da desclassificação unilateral, com vistas à escolha da melhor candidata à habilitação, posto que várias poderão ser as interessadas na parceria, ao passo que a escolha poderá recair somente na mais preparada.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ABRELPE – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS. Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil - 2010. Disponível em http://www.abrelpe.org.br/noticias_detalhe.cfm?NoticiasID=905. Acesso em 15 de outubro de 2011.

 

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ALVEZ, R. O. Análise da viabilidade econômica da implantação de uma indústria de reciclagem de embalagens PET na região de Ouro Preto. Monografia de Graduação em Engenharia da Produção. Universidade Federal de Ouro Preto – MG, dez., 2003, 56 p.

 

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BRASIL. Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010. Regulamenta a Lei no 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, cria o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa, e dá outras providências.

 

BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências.

 

CAVALHEIRO, Jefferson de F. Consciência ambiental entre professores e alunos da Escola Estadual Básica Dr. Paula Devanier Lauda. Monografia de Especialização. Universidade Federal de Santa Maria – RS. Curso de Educ. Ambiental, 2008. Disponível em http://jararaca.ufsm.br/websites/unidadedeapoio/download/JefersonCava..pdf. Acesso em 04 de novembro de 2011.

 

CEMPRE, Compromisso Empresarial para Reciclagem. In Guia de Coleta Seletiva de Lixo. CEMPRE: São Paulo, 2011.

 

GRIMBERG, Elisabeth. A política nacional de resíduos sólidos: a responsabilidade das empresas e a inclusão social. Instituto Polis. Disponível em http://www.polis.org.br/artigo_interno.asp?codigo=35. Acesso em 10 de novembro de 2011.

 

MACHADO, Paulo Afonso L. Direito ambiental brasileiro, 7ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

 

SASSINE, Vinicius. Lei de resíduos sólidos pode excluir catadores de materiais recicláveis. Correio Braziliense, Brasília, 9 ago. 2010. Caderno Cidades, p. 7.

Ilustrações: Silvana Santos