Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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31/05/2013 (Nº 44) DESAFIOS EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA EXPERIÊNCIA COM A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NITERÓI, RJ
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DESAFIOS EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA EXPERIÊNCIA COM A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NITERÓI, RJ

 

Cecília Gonçalves Barbosa

Mestre em Ciência Ambiental, UFF; Professora da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e da Secretaria Municipal de Educação de Itaboraí

ceciliagbarbosa@hotmail.com

 

Moemy Gomes de Moraes

Doutora em Botânica, USP; Professora da Universidade Federal de Goiás

moemy@icb.ufg.br

 

Resumo

 

A Educação Ambiental (EA) é vista como uma das ferramentas para contribuir com a construção de um novo modelo de sociedade, contudo, sua inserção na educação formal é limitada e não está de acordo com as diretrizes dos documentos oficiais. O objetivo desse trabalho é analisar a contribuição de um curso para a formação continuada de professores do ensino fundamental e a instrumentalização para ações de EA em suas práticas pedagógicas. Durante o curso os professores demonstraram carência em conceitos determinantes como: meio ambiente, EA, interdisciplinaridade e transversalidade. As atividades realizadas no trabalho estimularam a reflexão sobre a EA e a produção sob diferentes perspectivas. Os aspectos evidenciados que necessitam de maior atenção na construção de estratégias que contribuam para a melhoria na qualidade da EA são: fortalecimento e amadurecimento dos conceitos e práticas; necessidade de reflexão sobre a atividade docente; e a contextualização do processo educacional com a situação histórico-social dos educandos.

 

Palavras-chave: educação ambiental; formação continuada de professores; interdisciplinaridade

 

 

Introdução

A chamada crise ambiental aponta para a necessidade urgente de repensar e olhar com maior criticidade os alicerces da sociedade. A atividade humana que estimula o padrão de consumo exagerado e desigual, e os valores individualistas, atrelados à lógica de mercado aumentaram as desigualdades e injustiças sociais, a crise do sistema de trabalho confluindo para a crise ecológica (Sachs, 1994; Boff, 2000).

Dessa maneira, existe a necessidade do desenvolvimento de uma visão integradora e contextualizada dos processos de formação da sociedade. Para isso a CARTA DA TERRA (2000) propõe que se considere a pobreza, a degradação ambiental, a injustiça social, os conflitos étnicos, a paz, a democracia e a crise espiritual como problemas interdependentes, tendo ainda, como necessidade básica repensar as relações com todas as formas de vida do planeta. Entre os desafios encontra-se a superação da concepção de natureza que a separa dos aspectos sociais e culturais nas discussões relativas à proteção e conservação ambiental e desvincula as evidências de que os problemas existentes decorrem de formas específicas de organização da vida social (Loureiro, 2005).

Vários movimentos sociais se organizaram para a reflexão e discussão da temática ambiental no intuito de construir alternativas que freassem a crise na sociedade moderna. Nos últimos 40 anos ocorreram vários eventos voltados para a discussão destes problemas. Discutiu-se a necessidade de ações educacionais e foi construído o alicerce para a formulação de uma educação para o meio ambiente, comprometida com o desenvolvimento da construção de uma nova ordem socialmente justa e ambientalmente segura.

A educação e, especificamente a Educação Ambiental (EA), se apresenta como ferramenta para orientar as reflexões sobre o consumismo, a função da tecnologia no mundo moderno, o crescimento econômico ilimitado, a distribuição desigual da riqueza e dos recursos naturais e a urbanização num contexto histórico (Guimarães, 2003). Sendo assim, é fundamental para contribuir com a construção de um projeto societário alternativo através de uma prática educativa crítica, cidadã e popular que objetive outro modelo de sociedade construído coletivamente.

No Brasil, a EA foi institucionalizada e definida por lei como componente essencial e permanente da educação nacional devendo estar presente de forma articulada em todos os níveis de ensino formal e não formal. A EA tem como fator inerente a busca da transformação da lógica global através da práxis, reflexão e ação política, nas contradições existentes na realidade e deve ser inserida de maneira interdisciplinar e transversal no ensino formal (BRASIL, 1999; ProNEA, 2005). Contudo existem muitos equívocos na aplicação de uma educação que seja ambiental, alguns por erros conceituais e outros devido à própria construção histórica das metodologias. Mesmo com uma gama de documentos ressaltando os aspectos sócio-políticos e históricos da construção da EA, existe uma imprecisão atrelada à concepção de meio ambiente, geralmente, remetida apenas aos ambientes naturais. Outro erro recorrente é a visão da EA comportamental, cujo papel é difundir conhecimentos sobre meio ambiente, na intenção de mudar hábitos e comportamentos considerados predatórios e torná-los compatíveis com a preservação dos recursos naturais.

Todas as recomendações e concepções envolvidas na aplicação da EA direcionam para uma ação pedagógica participativa e atuação integral e integrada a partir da prática social contínua e planejada (Guimarães, 2003). Dessa forma, a escola como espaço da educação formal obrigatória precisa se colocar como local de interações sociais e políticas que possibilitem o aporte de ferramentas de entendimento do mundo, de seus fenômenos sociais e naturais. Nesse sentido, precisa encarar seus atores como sujeitos inseridos na complexidade social, vinculados, assim, ao modo de produção, à vida cotidiana particular e coletiva e ao Estado. Como sujeitos capazes de transformação social através do exercício da autonomia e da participação social e política tendo em vista suas especificidades no trabalho pedagógico dialógico e comunicativo (Loureiro, 2005).

No entanto, a educação formal brasileira tem passado por um processo de reformas que reafirmam o vínculo entre educação e interesses do mercado, produzindo discursos que condicionam as políticas educacionais aos interesses econômicos (Dias & Lopes, 2003). Sendo assim, permanece a ideia que a educação deve servir ao mundo produtivo e formar para a inserção social eficiente nesse mundo, sem o questionamento de seu projeto construtivo (Lopes, 2002). Esse modelo de educação ainda desconsidera sua relação com o processo de formação cultural mais amplo, capaz de conceber o mundo como possível de ser transformado em direção a relações sociais menos excludentes (Lopes, 2002).

É necessária a retomada do papel da escola em fornecer à população educação de qualidade, relacionada à formação do sujeito pensante e crítico da realidade. Nesse sentido, pode conferir aos educandos a possibilidade de entender, questionar e refletir sobre a essência dos fenômenos naturais e sociais observados, e adquirir consciência da importância de seu papel atuante nesta sociedade de acordo com suas escolhas e convicções (Guimarães, 2003).

Para melhorar a qualidade da educação é necessária a superação do modelo tradicional, caracterizado pela metodologia teórico-informativa, na qual o professor é o transmissor do conhecimento e o aluno o receptor, vazio, passivo e carente destas verdades absolutas e inquestionáveis. Este modelo reforça valores fragmentários e individualistas e não contextualiza as diferentes realidades e visões de mundo. Esta educação chamada de “bancária” e conservadora por Paulo Freire (1992) é contraditória com o papel que a escola deveria exercer de propiciar o acesso ao conhecimento socialmente acumulado pela humanidade, objetivando a instrumentalização do indivíduo e da coletividade para a reflexão crítica e ação criativa, capaz de atuar no processo de transformação da realidade, tanto na participação cidadã política como na elaboração de novos conhecimentos.

Torna-se evidente que a busca pela EA faz parte da luta por uma nova educação, que considere as aspirações dos grupos sociais, a preservação dos meios naturais, a qualidade de vida das comunidades, a ação política e a busca pela manutenção da diversidade (Cascino, 2007).

Considerando suas características, as recomendações dos documentos oficiais e sua importância, cabe questionar como a EA se apresenta nas instituições de ensino. Os professores têm grande dificuldade em incorporar práticas necessárias à aplicação da EA, como a correlação entre as disciplinas e o tema meio ambiente de forma continua e integrada, e necessitam desenvolver práticas diferentes a que estão acostumados (Monteiro, 2005). Atrelado a isso há uma concepção naturalizada e limitada de meio ambiente e a preocupação em cumprir conteúdos e horários em detrimento da realização e aprofundamento de discussões importantes ao desenvolvimento da EA e do educando.

Parte destes problemas está relacionada à falta de apoio econômico suficiente e sustentável, à existência de contradições e vazios no uso de conceitos e métodos e à insuficiente capacitação docente (PLACEA, 2005). Vários documentos indicam a necessidade de apoio à formação continuada em EA para educadores através do fortalecimento de aspectos metodológicos, conceituais e materiais, o fomento e divulgação de projetos e ações em EA corroboram a importância do aperfeiçoamento dos profissionais que já estão nos espaços escolares (BRASIL, 1999; PLACEA, 2005; ProNEA, 2005).

CASCINO (2007) relata que a maneira mais recorrente de contribuição para a formação continuada de professores ocorre através de cursos que visam a compreensão e a construção do perfil de ação, no âmbito da prática da EA, resgatando processos históricos, consolidando referências conceituais, centrando no pensamento interdisciplinar. No entanto, o autor aponta equívocos na realização destes cursos como: concepção de interdisciplinaridade como colagem de disciplinas e conteúdos “próximos”; desconsideração do tema Agir local e pensar global, ignorando necessidades das próprias comunidades e sua relação ambiental; e desconsideração do tempo necessário para o amadurecimento da nova maneira de perceber a realidade. Contudo, CASCINO (2007) argumenta que esses equívocos se encontram no caos e contradições da construção dessa nova realidade e, portanto que o terreno é fértil para a construção e verificação de formas, maneiras e metodologias que inovem e levem a opções e aperfeiçoamentos das práticas necessárias à aplicação da EA e consequente melhoria da qualidade da educação geral.

Entretanto, o processo de EA no Brasil ainda guarda questões metodológicas pouco sofisticadas, demonstrando seu estágio inicial e a necessidade do permanente diálogo no processo de transformação que tem como desafios a necessidade de resistir às forças contrárias, articular diferenças e preservar as especificidades (MEC/MMA, 1997; Cascino, 2007). O engajamento e as ações necessárias passam por reflexões e escolhas que devem ser encaradas e decididas pela sociedade, pois a educação não é um processo restrito ao ambiente escolar, e sim, permeado em toda relação humana.

Nesse contexto o objetivo desse trabalho é analisar a contribuição de um curso para a formação continuada de professores do ensino fundamental e a instrumentalização para ações de EA em suas práticas pedagógicas. Desse modo pretende ser um material de reflexão e subsídio para a formulação de outros cursos.

 

Metodologia

 

O estudo foi feito durante um curso de formação continuada para professores do ensino fundamental oferecido aos professores da Fundação Municipal de Educação de Niterói. O curso de 40 horas/aula foi elaborado no contexto de um projeto de extensão universitária e foram trabalhados aspectos da abordagem integrada, interdisciplinaridade, transversalidade e Educação Ambiental.  Dez professores do 1° e 2° ciclos se inscreveram voluntariamente e participaram dos encontros semanais, organizados em módulos.

As primeiras atividades realizadas buscavam uma discussão teórica acerca dos conceitos necessários a uma abordagem interdisciplinar e transversal da EA nas escolas. Para tal foi realizada a leitura e discussão de textos, leis e entrevistas.

Depois da discussão conceitual, nos módulos seguintes foram demonstradas propostas de atividades pedagógicas que utilizavam questões ambientais como eixos norteadores para o trabalho interdisciplinar. Os professores participantes faziam a análise crítica da atividade e em seguida, elaboravam seus próprios planejamentos de ação, que foram analisados nesse trabalho.

Foi proposto que os professores participantes planejassem uma produção em conjunto para a análise do planejamento da abordagem integrada. Foram definidos os critérios de avaliação dos trabalhos realizados no decorrer do curso, tais como: o comportamento dos professores mediante as atividades, as discussões dos textos e do vídeo, a integração de conteúdos nos planejamentos individuais e coletivos e a inserção da Educação Ambiental nas atividades.

 

Uma visão do grupo de professores – conceitos, concepções metodológicas e discurso

 

O grupo de professores que participou do curso foi heterogêneo. Os professores possuíam formação em áreas distintas e maioria deles possuía pós-graduação (70%) e já estavam no magistério há mais de 5 anos (80%).

Os professores demonstraram carência conceitual, principalmente no conceito de meio ambiente, visto pela concepção naturalista que incluía apenas a natureza como meio ambiente; pela concepção espacial, incluindo somente espaços físicos e ainda, uma visão que mesclava estas duas características, incluindo os organismos nos espaços físicos. Algumas destas respostas estão exemplificadas a seguir:

Professor X (concepção naturalista):

O meio ambiente constitui-se das plantas, dos animais, das águas, das pessoas, das montanhas...

Professor Y (concepção espacial):

Tudo que está a nossa volta. Casa, escola, trabalho, cidade, o país, a Terra, o universo.

Professor Z (concepções mescladas):

O meio ambiente constitui as relações entre plantas, animais e o meio em que vivem.

 

No entanto, algumas respostas eram pouco específicas como “Todo o planeta” e não foi possível saber se a intenção foi expressar algo mais do que uma visão espacial ou natural. Nenhuma definição abordou aspectos sociais e econômicos dentro da visão de meio ambiente. Isso está de acordo com a maioria de trabalhos sobre concepções de meio ambiente, que demonstram o predomínio da visão naturalista e espacial, seja entre docentes, estudantes e representantes de outros segmentos da sociedade (Guimaraes, 2003; Monteiro, 2005). É importante que a concepção dos professores reflita nossa relação com o meio ambiente, isso é essencial para que a intervenção educativa ocorra de modo mais apropriado (SAUVE, 2005).

Segundo o relato dos professores, a EA foi considerada, geralmente, sob um aspecto comportamentalista para frear comportamentos individuais considerados nocivos. Além de ser tratada de forma pontual dentro do planejamento pedagógico das escolas:

Professor X:

Geralmente desenvolvo projetos de EA em datas específicas como o Dia da Árvore, do Meio Ambiente, Folclore, Início da Primavera, ou, quando há (surge) algum assunto relacionado a desabamento de encostas, queimadas em matas por balões ou tempo seco, etc.

 

Sobre a importância da Educação Ambiental, todos os professores a consideraram essencial na vida escolar por questões como: sobrevivência da espécie humana; problemas como desmatamento, poluição, mudanças climáticas; diminuição da qualidade de vida e importância da preservação e equilíbrio da natureza. Nestas respostas foi possível perceber uma preocupação com a conscientização dos alunos para a preservação do meio ambiente, visando o bem estar do ser humano em questões principalmente ligadas a saúde, demonstrando uma relação de preocupação com aspectos da poluição, sem, no entanto, questionar os motivos desta. Ainda assim, as práticas relatadas muitas vezes estavam distantes das diretrizes sugeridas nos documentos oficiais. A maneira de inserir a EA nas escolas e tratar as questões ambientais, além de pontuais foram citadas como realizadas por disciplinas específicas tradicionalmente atreladas ao tema meio ambiente, sem o diálogo necessário com outras disciplinas escolares.

 

Todavia, o conceito de transversalidade foi visto com maior clareza pelo grupo de professores, conforme exemplificado a seguir:

Professor X:

Temas que perpassam por várias disciplinas, propiciando ao aluno um conhecimento mais coerente e próximo de sua realidade.

Professor Y:

Temas importantes que não devem ser trabalhados em momentos estanques e são relevantes e necessários para a formação como cidadão.

 

O entendimento e incorporação de conceitos e concepções não podem ser desvinculados da formação dos discursos. Os professores muitas vezes repetem discursos difundidos no senso comum e incorporam conceitos às suas práticas que são fortalecidos e/ou redefinidos por elas. Dessa forma, a difusão dos conceitos atrelada às formas históricas de suas definições é essencial para possibilitar ao professor a melhoria de seu entendimento das diversas temáticas que se apresentam em seu cotidiano, bem como a maior reflexão e ação na sua prática pedagógica.

Dessa forma, o curso contribuiu para que os professores relatassem, no discurso, mudanças sobre a concepção ambiental ao final das atividades desenvolvidas. As mudanças apontadas foram em relação à ampliação da visão de ambiente com a inclusão do homem e dos centros urbanos, bem como os aspectos econômicos e sociais envolvendo, principalmente, a relação do consumo com a cidadania.

Durante o desenvolvimento das atividades, o grupo demonstrou um acréscimo nas considerações sobre a importância da EA e da transversalização da temática ambiental. As falas dos professores relacionaram a EA à maior atribuição de sentido ao ensino relacionando à instrumentalização para possibilitar a reflexão e ação dos educandos no ambiente e a cidadania.

Professor X:

A EA traz possibilidade das diversas áreas tratarem as questões de preservação, degradação e a evolução do homem modificando o meio.

Professor Y:

É de suma importância na formação do cidadão consciente e atuante.

 

Apesar disso algumas falas continuaram no aspecto comportamentalista considerando que através da conscientização e da racionalidade ocorreria a modificação das ações individuais e que assim aconteceriam mudanças significativas.

Contudo, pela consideração comportamentalista e racional, ignora-se a importância da ação coletiva e política, a importância do envolvimento emocional e espiritual na criação do que Carvalho (2001) chama de pacto social para o desenvolvimento de uma sociedade ambientalmente equilibrada e socialmente justa. Mesmo que o desenvolvimento, incorporação ou ao menos incrementação desses conceitos e concepções pelo grupo de professores para além do senso comum ter sido de suma importância no trabalho de formação continuada é preciso avaliar o quanto a mudança no discurso influência a prática pedagógica.

 

As produções dos professores

 

Os planejamentos individuais dos professores feitos após cada atividade apresentada foram contrastantes. Alguns pareciam mostrar um maior domínio da abordagem integrada, no tratamento dos conteúdos e na questão ambiental e de outros temas transversais. Outros trabalhos demonstraram pouca integração e o desenvolvimento de apenas alguns conteúdos de forma fragmentada. A maioria das integrações da temática ambiental foi realizada com as disciplinas de português e ciências e, muitas vezes, nenhum outro tema transversal era tratado. Alguns professores não desenvolveram propostas de trabalhos, e sim, descreveram experiências já realizadas nas escolas.

No entanto, um dos materiais mais completos dessa produção, segundo a análise da equipe, foi o planejamento da simulação de criação de um “sacolão” pelos alunos, no qual eles pesquisariam os vegetais vendidos e suas origens, os preços, as relações de peso, a linguagem dos panfletos e propagandas, as relações de compra e venda, a necessidade de consumo, as perdas até chegar aos consumidores, entre outros aspectos. Entretanto, mesmo esse trabalho não se aprofundou em questões ambientais e em outros temas transversais.

Na produção final, em grupo, foi possível perceber uma elaboração maior das atividades propostas e o desenvolvimento de metodologias mais integrativas, demonstrando certa inspiração no que foi visto no curso. Todos os projetos planejados trataram questões ambientais envolvendo aspectos sociais e históricos e outros temas transversais. Em alguns foram tratados aspectos econômicos e do modo de produção; e em outros aspectos políticos mostrando a possibilidade de planejamentos mais adequados com as necessidades de interferência na sociedade atual e construção de um modelo mais sustentável em termos ambientais e sociais, como o seguinte exemplo:

 

Mini Horta Escolar

Projeto de construção de uma horta de condimentos na escola. Para isso os alunos deverão ser consultados e farão a pesquisa dos condimentos em materiais escritos, em casa e na cozinha da escola para a escolha dos condimentos a serem cultivados. Um material com informações sobre a origem dos condimentos escolhidos, caracterização dos povos que os utilizavam inicialmente, como chegaram ao Brasil, se não forem nativos, será preparado para ficar na horta. Os alunos participarão também do planejamento da horta, preparando o orçamento, discutindo a viabilidade, escolhendo os materiais como garrafas “PET” e caixas de leite e apresentarão o projeto para ser aprovado pela direção e pela cozinha, que utilizará os condimentos da horta e disponibilizará os restos de comida para os alunos prepararem uma área de compostagem.

 

O projeto proposto tem uma aplicabilidade interdisciplinar e dois componentes especiais que são o envolvimento da comunidade escolar e a ação na escola. É importante ressaltar que a proposição de hortas, já é uma prática adotada como ferramenta de ensino em várias escolas. O diferencial, neste projeto, é um forte engajamento dos alunos e da escola pela transferência aos alunos do poder de decisão e ação no ambiente, importantíssimas práticas para agir com responsabilidade e cidadania na sociedade.

Outro planejamento proposto demonstra maior integração de conteúdos e metodologias e prioriza o maior significado das atividades, bem como a participação dos alunos, denominado “O Manguezal”.  Os professores utilizaram o manguezal como exemplo para trabalhar o ecossistema, as plantas, os animais a dinâmica de relações neste ambiente, a ação do homem e suas consequências através de visitas e observações feitas no próprio ambiente que é próximo à escola, além da complementação de informações com utilização de leituras, pesquisas e discussão. Esse trabalho abordou além da biologia do mangue, leitura e interpretação de textos, as questões históricas dos pescadores, da poluição e aterragem dos mangues, as características geográficas e as rotas de migração dos animais. A questão ambiental natural e social foi bem desenvolvida problematizando o fato dos pescadores dependerem de uma área que é negligenciada pelo poder público. No entanto, o aspecto mais importante foi o fato dos alunos viverem na comunidade e serem os filhos destes pescadores, contribuindo para a reflexão da possibilidade de intervenção organizada para frear os processos de degradação social e natural da área.

Através do planejamento final foi possível observar uma modificação nas práticas, se comparados aos planos iniciais individuais e uma incorporação e desenvolvimento dos discursos e planejamentos com inserção das questões ambientais através de uma abordagem integrada nas disciplinas.  É importante ressaltar que a produção final dos professores além de ter sido realizada após todas as atividades demonstrativas foi realizada em grupo, portanto os professores trocaram experiências e considerações, o que enriqueceu as propostas e corrobora a necessidade do estímulo ao trabalho de planejamento coletivo nas escolas.

 

Avaliação do curso

 

Foi observada uma mudança na concepção de meio ambiente e uma atenção à reflexão pedagógica relatada pelos próprios professores. Entretanto, ainda que os professores considerem a temática ambiental mais fácil de ser tratada no cotidiano escolar, este foi apenas o início de um processo de amadurecimento longo, pois mesmo com a reflexão, os métodos e recursos para abordagem mudaram pouco, sendo principalmente constituídos de textos, pesquisas e filmes. Ainda assim, alguns recursos como discussão, observação do ambiente e principalmente prática/ação foram citados demonstrando os avanços neste quesito.

A demonstração prática das atividades foi uma metodologia interessante, justamente, por possibilitar a vivência e discussão de diferentes métodos nos processos de ensino e aprendizado. Demonstrar alternativas práticas associadas às teorias e recomendações oficiais é importante, pois estas são reclamadas por muitos professores que citam as teorias e recomendações sem nenhuma indicação de como possam ser realizadas. Ainda assim, não pretendíamos mostrar receitas a serem seguidas, mas exemplos para serem observados, criticados e melhorados, fornecendo, principalmente, subsídio para incrementar de forma criativa as práticas pedagógicas.

Foram percebidos alguns aspectos que necessitam de maiores esforços em ações futuras de formação continuada que objetivem contribuir para a inserção da EA nas escolas. Entre estes pontos frágeis, ainda estão, os conceitos de meio ambiente, interdisciplinaridade e transversalidade. Outro ponto que merece atenção é a análise das características da sociedade moderna, pois é essencial para a compreensão das raízes dos problemas ambientais em todas as suas vertentes. No entanto, é preciso ressaltar que a incorporação de discursos e práticas e do maior entendimento dos conceitos são avanços importantes para modificações que caminhem na direção das mudanças necessárias a inclusão efetiva da EA nos espaços escolares.

Os próprios profissionais da educação relataram a necessidade de espaços de trocas, saberes e opiniões, possibilitando a revisitação de conceitos e a discussão, planejamento e avaliação de novas abordagens, tendo como objetivos a prática educacional e a reflexão para o surgimento de metodologias que rompam de forma efetiva com o modelo fragmentado e compartimentalizado. Esse objetivo só pode ser atingido com a consciência de que os profissionais da educação, como ressaltou uma professora participante, não são os donos dos conhecimentos e verdades acabadas e sim estão num processo contínuo e histórico de construção e movimentação social.

Entretanto a incorporação da EA nas escolas e o desenvolvimento de práticas integradoras e interdisciplinares requerem modificações profundas em sujeitos históricos o que logicamente não será alcançado instantaneamente, embora os projetos finais tenham revelado transformações importantes. Dessa forma, é importante ressaltar os pontos de equívocos da metodologia aplicada para a contribuição do desenvolvimento de outras cada vez mais efetivas. Os principais foram: a falta de tempo para realizar discussões e processos que visassem amadurecimento e incorporação racional e emocional de conceitos e entendimentos chaves para a EA; a necessidade de realização de algumas atividades de forma mais detalhada; a falta de uma avaliação realizada com os próprios professores sobre suas produções, na tentativa de juntos apontarmos os equívocos e as soluções. Os professores avaliavam nossos exemplos e discutiam as metodologias, mas não houve espaço para a avaliação dos seus produtos o que seria interessante e produtivo.

Ainda assim, a maioria dos professores afirmou que o curso ajudou a pensar o tratamento do tema meio ambiente interligado às disciplinas tradicionais, por mostrar opções de atividades, possibilitar a autorreflexão do trabalho desenvolvido, discutir o fazer individual e coletivo nas questões ambientais, integrar a inter e a transdisciplinaridade e demonstrar que pode ser fácil trabalhar questões ambientais no dia-a-dia.

 

Reflexões e perspectivas

 

Existem contradições entre os discursos e recomendações oficiais para o ensino da EA e a estrutura organizacional e funcionamento da educação escolar. Isto se deve à cultura escolar construída no diálogo com as formas de pensamento históricas da sociedade. Os docentes são agentes desta cultura e não podem ser considerados à parte dos esquemas de pensamento e ação na sociedade da qual eles fazem parte.

Considerando o contexto cultural de formulação das políticas públicas na sociedade que prioriza o econômico em detrimento do social temos, ainda, uma classe que sofre ao mesmo tempo desvalorização profissional, perda salarial e uma sobrecarga de trabalho entre desenvolvimento de projetos, planejamentos e trâmites burocráticos. Estes apontam para a culpabilização do professor pelos problemas na qualidade do ensino sem questionar quais condições estruturais de tempo e trabalho esses profissionais devem atender as expectativas da sociedade.

Como sujeitos inseridos nesse contexto social, a inserção da EA nas escolas é agravada pela concepção, ainda, naturalizada do meio ambiente, demonstrando que os problemas na divulgação, discussão e incorporação teórica e ideológica dos documentos formulados nos últimos anos. Além disso, os professores demonstram carência em outros conceitos importantes como a interdisciplinaridade e a transversalidade que geralmente recebe um papel secundário dentro da necessidade do cumprimento dos programas tradicionais, fornecidos por um currículo compartimentalizado. Entretanto, estas práticas são contraditórias aos objetivos da EA.

O desconhecimento de estratégias e a carência de conceitos, recursos e infraestrutura são fatores importantes gerando estas deficiências, bem com a falta de reflexão e planejamento das práticas docentes, na utilização de recursos de maneira limitada e tradicional e na falta de ousadia e criatividade para pensar novas formas de práticas pedagógicas.

Outro agravante é o fato de mesmo quando os docentes têm conceitos incorporados ou enxergam a necessidade da EA, existe uma deficiência grave no entendimento do contexto sócio-histórico em que estamos inseridos e sua importância na visualização da raiz dos problemas ambientais, bem como dos problemas da educação.

O ignorar total do modelo de desenvolvimento e produção atual nos discursos dos professores, e que está no senso comum, quando falam ou escrevem sobre a questão ambiental é um equívoco grave e recorrente. Assim como a desconsideração da ação política coletiva, da cidadania e do dever do Estado como aspectos necessários para mudanças efetivas. Dessa forma, as raízes dos problemas enfrentados pela sociedade não são atingidas e a escola se mantém alheia às reais necessidades da população a que serve. 

Dessa forma, é importante, questionar quais princípios pedagógicos estão guiando as atividades em Educação Ambiental. E ainda quais as variações nas intencionalidades socioeducativas, metodologias pedagógicas e compreensão acerca do que seja mudança ambiental necessária (Carvalho, 2001). Portanto, os trabalhos que criam maneiras de discutir estas questões com objetivos de incrementar as práticas de ensino, seja em relação à EA, seja no subsídio ao ensino integrado, são importantes. Não para uniformizar as práticas, mas para fornecer um arcabouço teórico adequado que possibilite o surgimento de práticas variadas guiadas pelos mesmos princípios e objetivos gerais.

Como foi demonstrado pelos participantes do curso, os professores reclamam essas atualizações, especializações ou formações continuadas por perceberem que lhes é necessário mais embasamento para o tratamento de determinadas recomendações oficiais.

Mesmo com os equívocos conceituais, deficiências de formação, dificuldades inerentes à ação educadora, os docentes tiveram a oportunidade de refletir suas ações. Eles puderam perceber que por mais que existam variados problemas, o planejamento e comprometimento coletivo para um trabalho integrado, a possibilidade de maior visualização das interligações disciplinares e da necessidade de repensar as práticas docentes baseadas nestas novas concepções, são ferramentas que possibilitam uma ação efetiva.

Dessa forma faz-se necessária a construção de oportunidades para a formação continuada, bem como o desenvolvimento de alternativas que possam contemplar aspectos essenciais à efetiva mudança na educação para que seja comprometida com o bem estar social. Estas ações permitem o amadurecimento dos profissionais e a maior probabilidade da revisão de costumes arraigados nas práticas docentes como: a fragmentação; infantilização de conteúdos e dos alunos; visão limitada dos processos de ensino/aprendizagem; falta de criatividade; e planejamento descontínuo e incoerente da organização dos conteúdos básicos.

Essas modificações são necessárias ao processo de efetivação da EA, bem como da educação ideal, que teria a EA como constituinte. Gonçalves (1990, p. 24) ressalta que: “o posicionamento correto frente à questão ambiental dependerá de sua sensibilidade e consequente interiorização de conceitos e valores os quais devem ser trabalhados de forma gradativa e contínua”.

Os cursos de formação continuada permitem avanços consideráveis em muitos aspectos, entretanto, ainda há muito a fazer, principalmente a avaliação de pontos que precisem ser fortalecidos e a correção dos equívocos como subsídio para outros trabalhos, de forma a contribuir com o desenvolvimento de metodologias que possam inovar e trazer resultados mais significativos.

Como indicativo da avaliação do curso relatado nesta pesquisa revela-se imperativa a necessidade do aprofundamento histórico-cultural da formação da sociedade moderna, bem como o debate intenso dos conceitos e teorias envolvidas nas questões ambientais. Estes são de grande importância no ambiente escolar de modo que a escola possa e deva contribuir para a construção de uma sociedade mais crítica, politizada e mais preparada para agir de maneira consciente e eficiente possibilitando o comprometimento dos homens com a melhoria da qualidade de vida para todos. Como afirma Cascino (2007), não existem fórmulas prontas sobre a melhor maneira de inserir a EA nas escolas e nem de preparar os professores. Nós estamos participando do processo de mudança e construção, é preciso propor, discutir e aperfeiçoar tentativas bem sucedidas. Deve-se ainda dar subsídio e ênfase à divulgação de práticas inovadoras e incentivar e fomentar a produção de conhecimento, políticas, metodologias e práticas de EA em todos os espaços de educação formal, informal e não formal, para todas as faixas etárias.

 

 

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Ilustrações: Silvana Santos