Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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QUESTIONAMENTOS SOBRE O BEM ESTAR ANIMAL
ÉDISON CARDOSO TEIXEIRA1 MARION MATSDORF TEIXEIRA2
1- Estudante de Biologia e pesquisador nas áreas de Ornitologia, Ecologia e Educação Ambiental 2- Estudante e pesquisadora de História e Educação
O modo como o ser humano interage e se relaciona com outras espécies é, atualmente, um dos temas mais polêmicos e debatidos em diversos meios. O surgimento de inúmeras ONGs e pensadores discutindo esta questão é um exemplo claro deste crescente interesse em repensar a atitude e postura humana frente aos animais. Casos de abandono e maus tratos com animais domésticos e de “uso” no desenvolvimento de trabalhos diversos, o abuso no tratar os animais de criação para consumo e mesmo a utilização de organismos vivos em estudos e no desenvolver de pesquisas científicas e comerciais são fortes indicativos do estado atual da relação homem – animal. Esta relação homem-animal teve, no decorrer da história, fatores que influenciaram para o atual status de desfavorecimento extremo dos animais. Além disto, sucessivas interpretações errôneas de textos bíblicos, promovidas pelas igrejas cristãs, fortaleceram de forma, equivocada, a idéia de superioridade e domínio dos homens sobre os animais. Exemplos difundidos destas más interpretações são as colocações de tempos anteriores em que, segundo a Bíblia, em Gênesis, 1: 30: “Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a, dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra”. Em outro momento: Gênesis, 9: 2 “... terão medo e pavor de vós todo animal da terra, toda ave do céu, tudo o que se move sobre a terra e todos os peixes do mar; nas vossas mãos são entregues”. Essas idéias de domínio e de total liberdade de exploração dos animais por parte dos homens foram aceitas por vários pesquisadores, devido a forte influência da Igreja sobre a ciência e sobre a própria formação filosófica de muitos pensadores em períodos como o da Idade Média. Porém, segundo a historiadora TEIXEIRA (TEIXEIRA, M.M., 2012): “Não é possível compreender um texto por analisar apenas uma frase, bem como não se pode analisar um fato isolado sem levar em conta o contexto. Sendo assim, referente as informações apresentadas, temos de levar tais fatos em conta. Analisando a primeira citação da Bíblia em Gen. 1:30, temos ali o momento em que Deus uniu o homem e a mulher, abençoou-lhes e pôs o restante da criação terrestre sob sua sujeição. Inserido neste contexto, temos que perceber que a espécie humana foi dotada de características que a difere das demais espécies, tais como autodomínio, noções de moralidade, amor, livre arbítrio entre outras. Desta forma teriam o direito e a responsabilidade de sujeitar, ou cuidar das demais. Tal sujeição não deveria ser cruel, pois o mesmo termo é usado na Bíblia em Efésios 5:22, onde diz que as esposas devem ser “sujeitas a seus maridos”; mas em Efésios 5:28 diz que os maridos devem “amar suas esposas como a seus próprios corpos”, significando, portanto, que a sujeição denota amor, cuidado e não maus tratos. Devemos lembrar também que quando tal responsabilidade foi conferida aos homens, estes não haviam pecado e poderiam desempenhá-la com perfeição. Já a segunda citação bíblica é de Gen. 9:2 que corresponde a declaração feita por Deus a Noé após o dilúvio e sua saída da arca. Neste momento Deus libera o homem para comer carne, visto que até então eles só haviam recebido a vegetação como alimento, como diz Gen. 1:29 “E Deus prosseguiu, dizendo: “Eis que vos tenho dado toda a vegetação que dá semente, que há na superfície de toda a terra, e toda árvore em que há fruto de árvore que dá semente. Sirva-vos de alimento”. Neste período o primeiro casal humano já havia deliberadamente escolhido viver alienado de Deus e assim decidiam por si mesmo o que era certo e errado. Como diz a Bíblia, “Deus viu que a maldade do homem era abundante na terra e que toda inclinação dos pensamentos do seu coração era só má, todo o tempo.”- Gen. 6:5. Sendo assim Deus colocou nos animais “medo e terror” em relação aos homens, pois se não fosse assim os homens levariam à extinção grande parte das espécies de animais a sua volta. Isso é observável visto que nenhuma espécie fica naturalmente a vontade na presença de humanos, a não ser aquelas que são domesticadas. Em nenhum texto bíblico defende-se a ideia de que o homem tem direito de maltratar os animais, muito pelo contrário, em Provérbios 12:10 lemos: “O justo importa-se com a alma do seu animal doméstico”. E ainda Eclesiastes 3:18-20 diz: “que o [verdadeiro] Deus vai selecioná-los, para que vejam que eles mesmos são animais. 19 Pois há um evento conseqüente com respeito aos filhos da humanidade e um evento conseqüente com respeito ao animal, e há para eles o mesmo evento conseqüente. Como morre um, assim morre o outro; e todos eles têm apenas um só espírito, de modo que não há nenhuma superioridade do homem sobre o animal, pois tudo é vaidade. 20 Todos vão para um só lugar. Todos eles vieram a ser do pó e todos eles retornam ao pó”. Notamos, assim, que a Bíblia não incentiva o homem a sentir-se superior aos animais.”
Atualmente, felizmente, temos indícios de que os erros interpretativos anteriores e suas afirmações são fortemente contestadas. Porém é comum, no meio científico, a difusão, mesmo que ultrapassada, do modo de pensar e interpretar a vida. Muitos ainda questionam os animais enquanto “seres vivos senscientes”. Trata-se de um absurdo já que, por outro lado, a mesma ciência já prova através de inúmeros experimentos que os animais, em geral, possuem a capacidade de sentir emoções e dor e mesmo diferentes graus de inteligência. Neste sentido, a filosofia oriental já apontava a muito tempo em defesa da sensciência dos seres vivos como um todo. Em um momento em que os valores da vida estão sendo repensados e entendidos em sua totalidade, rever nossa relação para com os demais seres vivos é uma necessidade. Isto deve ser buscado tanto no dia a dia de nosso conviver em família, como no campo científico onde se desenvolvem as novas tendências tecnológicas. Temos a responsabilidade de cuidar de nossos seres domésticos para conosco e para com a sociedade. Desde decisões corriqueiras como a castração, que de fato é um ato de amor á vida sim, pois com este passo impedimos a proliferação desenfreada de animais abandonados e domésticos, até opções comerciais que busquem alertam as grandes corporações da consciência do consumidor frente a questão dos animais, são de suma importância para a mudança deste paradigma. Desta forma evitamos a ampliação dos casos de abandonos e de animais nas ruas. O desenvolvimento de técnicas informatizadas é sim uma saída real para a vivissecção de inúmeros seres vivos nos laboratórios e universidades. É com base neste contexto que precisamos buscar na educação e na política social a mudança do atual quadro da relação homem-animal. Sabemos que não será simples, pois envolve uma mudança muito grande de paradigmas e valores pré existentes, enraizados nos grandes grupos humanos. Além disso, envolve também uma idéia criada e implantada no ensino passado, por onde perpassaram nossos atuais professores e grande maioria de pensadores atuais. Estes devem se desvincular destes conceitos errôneos passados e buscar conhecer a realidade já comprovada pela ciência atual. Já não podemos admitir no ensino de nossas crianças e jovens a implementação de idéias que visam entender os animais apenas como objetos de uso humano, bem como vê-los como máquinas sem sentimentos e entendimento. A necessidade de mudança esta aí, em nossa frente, e depende de nossa luta e força alterar esta história triste de desvalorização da vida e de sua expressão.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Edição da Família. 50 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2005.
CREMA, R. Pedagogia iniciática. Uma escola de liderança. Petrópolis: Editora Vozes, 2009.
TEIXEIRA, É-C. A vida como
“descartável”. Revista Educação Ambiental em Ação 32 (junho-agosto/2010). Disponível em:
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