Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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O que fazer para melhorar o meio ambiente
10/09/2018 (Nº 43) BARRAGENS E SEUS IMPACTOS: O QUE MEU CONSUMO TEM A VER COM ISSO?
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FLORESTA ESTACIONAL SEMIDECIDUAL

O QUE FAZER PARA MELHORAR O MEIO AMBIENTE

Leonardo Francisco Stahnke – Biólogo

leosinos@gmail.com

 

 

 

BARRAGENS E SEUS IMPACTOS: O QUE MEU CONSUMO TEM A VER COM ISSO?

Leonardo Francisco Stahnke – Biólogo

 

 

Em pleno Ano Internacional da Água, muitas pessoas no mundo todo sofrem com sua escassez ou falta de qualidade. A água é um elemento fundamental à vida e toda a vida no planeta se originou a partir dela. Apesar disso, o valor que damos a água é irrisório, sendo denotado pelos usos ainda incompatíveis que damos a ela. Enquanto alguns a utilizam para beber e cozinhar, outros veem neste precioso líquido uma forma de transporte para suas excretas orgânicas. Juntamente com este esgoto, lançamos resíduos agrícolas e industriais, que contribuirão muito para sua deprecação.

No Brasil, a Resolução do CONAMA nº 357/05 classifica a qualidade das águas doces em cinco categorias: Classe Especial, Classe 1, Classe 2, Classe 3 e Classe 4. A primeira refere-se aquelas cujo nível de potabilidade dispensa qualquer tipo de tratamento, sendo característica de olhos d’água e nascentes. As demais classes já exigem algum tipo de tratamento e requerem limitações de uso. Conforme o nível das classes aumenta, o grau de potabilidade das águas que representam diminui, ao ponto de tratarmos como Classe 4 aquela água que só pode ser utilizada para a navegação, harmonia paisagística e outros usos menos exigentes. Com base nisso, você já deve estar se perguntando: – E em que categoria está o arroio ou rio que passa próximo à minha casa? Pois bem, já não é de admirar que o mesmo já não seja mais potável, entretanto lamento muito em lhes falar de que este mesmo curso d’água está lhe servindo ao consumo...

Já há alguns anos o conceito de água potável deixou de ser somente aquela água sem cor, cheiro ou gosto. Além disso, nela não pode haver organismos patógenos que possam comprometer nossa saúde. Entretanto novamente os questiono: – Quantas vezes você abriu a torneira e percebeu a cor esbranquiçada da água devido ao excessivo acréscimo de Cloro? Ou avermelhada, devido à ferrugem de suas adutoras e da própria terra que se infiltra por canalizações antigas e furadas? – Quantas vezes não sentiu o cheiro do barro, do Cloro? Quantas vezes não sentiu o gosto de terra? Exposto isso, sinto em lhes informar de que não é mais água potável o que muitos tem pago e consumido em várias regiões... Há sim, um líquido que mata a sede, mas que vem carregado de metais pesados e outros componentes geradores de câncer e outras doenças mortais. Elementos que nos matam cronicamente e são decorrentes do descaso que temos com a falta de saneamento básico, ou sua reduzida capacidade, em várias partes do Brasil.

Alia-se a esta questão as dragagens irregulares e a destruição das matas ciliares, ambos fatores que causam erosão e o assoreamento de rios e arroios, ocasionando ciclos irregulares de chuvas regionais – por certas vezes marcados por estiagem e enchentes. Essa falta de água potável instiga todo o ser vivo a procurar novas fontes de abastecimento. Não diferente disso, ocorre com o ser humano, o qual vê na criação de barragens “a salvação da lavoura”, ou seja, um modo fácil e insustentável de obter novamente água, sem resolver os problemas antigos que causaram o seu desaparecimento. Para isso, paga-se (e muito), entretanto não só os custos econômicos devem ser observados, mas também aqueles socioambientais, incutidos nessas grandes obras.

Para se construir uma barragem, após estudos prévios de viabilidade e projeto, o empreendedor necessita financiar um Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Este documento é uma síntese interdisciplinar que avalia as características físicas, bióticas e socioeconômicas da região onde se pretende desenvolver a obra. De posse deste complexo documento, o empreendedor o encaminha para análise do órgão ambiental competente, que o analisa e dá seu parecer (quase sempre positivo à sua instalação, por vezes solicitando complementações). O aval positivo é conhecido como Licença Prévia (LP), o que autoriza o empreendedor a preparar-se para sua posterior instalação, mediante cumprimento das exigências preconizadas nesta licença – o qual damos o nome de Plano Básico Ambiental (PBA). Este Plano visa prevenir, reduzir e/ou compensar os impactos negativos do empreendimento e potencializar os impactos positivos. Sendo atendidos, o empreendimento recebe a Licença de Instalação (LI) o que lhe permite iniciar as obras no local desde que cumpridas às exigências propostas no PBA.

Por meio de relatórios mensais ou trimestrais, todos os programas, planos e projetos previstos no PBA vão sendo descritos e enviados aos órgãos competentes, os quais emitirão (em caso positivo), a Licença de Operação (LO). Este documento permite que o empreendimento funcione, seguindo normas gerais que ainda devem ser monitoradas e descritas periodicamente ao órgão licenciador, sob a forma de relatórios, os quais devem fiscalizar. Contudo, como vocês imaginam que sejam essas fiscalizações em seu Estado? Muitas instituições públicas estão sucateadas e sem recursos para fazer pesquisas socioambientais equivalentes, o que faz com que apenas as informações escritas tenham valor. Com isso, temos episódios como o da Usina de Barra Grande (entre RS e SC) o qual “não viram” centenas de araucárias e xaxins ameaçados de extinção, sendo estes todos afogados.

As etapas para a construção de barragens aqui no Brasil, tanto para consumo como para energia, são semelhantes, ocorrendo a inicial desapropriação ou indenização dos proprietários afetados, bem como de seus lindeiros. Estes são, geralmente, proprietários rurais, os quais mantinham uma boa relação com seu ambiente local, de forma a conservá-lo assim como suas fontes de água. Estes geralmente ocupam a parte mais alta dos vales, permitindo que uma grande gama de espécies da flora e fauna vivam nas encostas mais íngremes e próximas aos rios.

Em uma etapa seguinte, a área de alague da barragem é demarcada por topógrafos e a supressão de toda a vegetação é realizada por equipes de corte. Este fator é imprescindível à redução de emissões atmosféricas resultantes da decomposição da vegetação submersa, o qual deve ser acompanhado de biólogos que capturam e realocam a fauna local ali existente. Essa realocação, entretanto, tende a não ter o sucesso esperado, uma vez que mesmo após décadas de sua realização, desconhece-se ainda o futuro dos animais realocados, bem como das comunidades faunísticas que receberam este aporte animal em seus territórios. Além disso, muitas espécies fogem para fora da área de captura dos profissionais, sendo soterradas por maquinários, atropeladas em estradas vicinais ou mesmo mortas por caçadores.

Com a construção da barragem propriamente dita, muitos operários têm suas cargas de trabalho ampliadas, atuando em períodos noturnos e diurnos. Geralmente nesta fase o aporte de trabalhadores de outros estados também ocorre, o que ocasiona uma instabilidade às comunidades locais, geralmente pacatas. Roubos, aumento na natalidade local e no consumo de álcool e drogas são alguns indicadores bem característicos deste choque cultural, o qual são agravados pelas modificações que ocorrem no curso do rio, com a inserção de maquinário pesado para escavações, detonações e construções gerais.

Finalizada a obra, e de posse da LO, o rio deixa de correr e passa a tornar-se um grande lago de águas paradas. Essa modificação ambiental prejudica a vida aquática, sobretudo dos peixes de águas rasas, correntes e migratórios – que desaparecem do local. Névoas, decorrentes da evaporação do grande lago, também são efeitos comuns na região próxima aos reservatórios, assim como supervalorização dos imóveis locais e indenizações posteriores – os quais darão lugar a infraestruturas de apoio à barragem, como adutoras, redes de distribuição de energia, etc.

Expostos todos estes aspectos é que deixo aqui uma reflexão final: estamos utilizando de forma responsável nossa energia e nossa água? Estes impactos socioambientais estão sendo computados quando você utiliza lâmpadas incandescentes ou toma longos banho de chuveiro? Pense nas famílias que perdem suas terras a valores irrisórios e na fauna e flora nativas, cada vez mais ameaçadas. Utilize mais a sua cidadania ambiental questionando as barragens em audiências públicas e discutindo essas questões com outras pessoas. É inadmissível que destruímos nossos ricos ecossistemas, coloquemos nossa ameaçada biodiversidade sob extinção e modificamos a vida de antigos proprietários rurais e trabalhadores civis em troca de mais energia para desperdiçarmos ou mais água para poluirmos. Cada um fazendo a sua parte, podemos ter um mundo mais sustentável...

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IMAGENS

 

 

 

 

 

 

ETAPAS COMUNS DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL POR BARRAGENS: (1) Ambiente preservado; (2) Ambiente conservado por pequenos proprietários rurais; (3) Remoção da vegetação e afugentamento dos animais; (4) Alagamento da área projetada e mortandade dos peixes de águas lóticas; (5) Desapropriação ou indenização de propriedades lindeiras; (6) Construção de infraestruturas de apoio ao funcionamento da barragem (adutoras, redes de transmissão de energia, etc).

 

Ilustrações: Silvana Santos