Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Artigos
04/09/2012 (Nº 41) PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS NO CERRADO: UM RELATO DE UMA EMPRESA PROCESSADORA DE FRUTOS NATIVOS DO CERRADO
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1288 
  

PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS NO CERRADO: UM RELATO DE UMA EMPRESA PROCESSADORA DE FRUTOS NATIVOS DO CERRADO

 

Profa.Dra. Cleci Grzebieluckas

Departamento de Ciências Contábeis – Campus de Tangará da Serra MT

Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT

E-mail: cleci@unemat.br

 

Profa.Dra Lucila Maria de Souza Campos

Programa de Pós Graduação em Engenharia de Produção – PPGEP

Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

E-mail: lucila.campos@terra.com.br

 

Resumo

Esta pesquisa é de natureza descritiva e tem como objetivo relatar as experiências de uma indústria processadora de frutos nativos do cerrado estabelecida em Goiânia – GO e as expectativas futuras com a atividade. A coleta dos dados foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas, e observação direta. As entrevistas foram realizadas com o fundador da empresa, o sócio gerente, o engenheiro de alimentos responsável pela produção e com três agricultores, fornecedores de frutos nativos para a empresa. Foram levantadas informações relacionadas ao tempo de atuação no mercado, à decisão de processar frutos do cerrado, as preocupações ambientais e quais projetos estão sendo implantados para a conservação e preservação do cerrado. Atualmente a indústria processa 120 tonelada de frutos e a  expectativas para os próximos cinco anos é de 250 toneladas por ano. Esta demanda por frutos motivou diversos agricultores da região a preservar o bioma bem como a plantar mudas de varias espécies típicas de cerrado.

Palavras chave: Cerrado, práticas sustentáveis, preservação

 

1. Introdução

O Cerrado brasileiro possui 11.268 espécies entre plantas, animais e aves. 40% das plantas  são endêmicas e grande parte delas são úteis para a produção de remédios e alimentos (MYERS et al., 2000). Além da biodiversidade, o Cerrado é uma grande caixa d’água que capta águas pluviais que abastecem os rios Amazonas, Tocantins, Paranaíba, São Francisco, Paraná e Paraguai e imensos Aquíferos, entre eles o Aquífero Guarani, maior cisterna natural de água doce do mundo (PROGRAMA CERRADO SUSTENTÁVEL, 2006).

Até a década de 1950 o Brasil Central, onde se estende grande parte do Cerrado, era uma região pouco povoada e esquecida. Poucos se aventuravam cultivar a terra onde as árvores tortuosas imprimiam à paisagem um aspecto agreste. As fazendas que existiam dedicavam-se basicamente à criação de gado que pastava nos campos abertos e se refugiava do calor e da seca na sombra de árvores de caule lenhoso e copa frondosa. Muitos visitantes da região, incluindo aqueles que por ela passavam em busca de minérios e de terras úmidas na Amazônia, duvidavam da possibilidade de se produzir alimentos (CEBRAC, 1999).

Porém, com o desenvolvimento de pesquisas e tecnologias, as regiões dos cerrados passaram a status de importantes polos de produção nacional. Em 2008 foi responsável por mais de 30% da produção nacional de cereais leguminosas e oleaginosas e abrigando 37% do rebanho nacional (IBGE, 2008). Aliada a essa produção vieram os desmatamentos, as queimadas, uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Assim, os cerrados foram modificados com voçorocas, assoreamento e envenenamento dos ecossistemas, restando apenas 21% de área em estado conservado (CI - BRASIL, 2008).

Além da pecuária e da produção de grãos, as fruteiras nativas ocupam lugar de destaque no ecossistema do cerrado. Seus frutos já são comercializados, e com grande aceitação na forma de sucos, licores, sorvetes, geleias etc. Existem mais de 58 espécies de frutas nativas do cerrado conhecidas e utilizadas pela população da região e de outros estados. O interesse por essas frutas tem atingido diversos segmentos da sociedade, entre os quais se destacam agricultores, industriais, donas-de-casa, comerciantes, instituições de pesquisa e assistência técnica, cooperativas, universidades, órgãos de saúde e de alimentação, entre outros (AVIDOS; FERREIRA, 2000).

Por isso, entender os problemas, as ameaças e as oportunidades de ganhos econômicos com programas de conservação e uso sustentável do Cerrado pode ser a diferença entre continuar a exploração desordenada ou torná-la região de grande importância ambiental, social e econômica.

2 Ameaças do cerrado e a outros biomas

O Cerrado brasileiro ocupa uma extensão de 2.038.008,4 Km2, representa 23,9% do território nacional e está espalhado em 12 estados brasileiros ocupando: a totalidade do Distrito Federal, 97% de Goiás, 91% de Tocantins, 65% do Maranhão, 6% de Mato Grosso do Sul, 57% de Minas Gerais, 39% de Mato Grosso, 37% do Piauí, 32% de São Paulo, 27% da Bahia, 2% do Paraná e 0,2% de Rondônia. Abriga uma população de mais de 24 milhões de pessoas (IBGE, 2007).

O Cerrado possui apenas 3% de sua extensão original protegida por parques e reservas federais e estaduais, a maioria com expansão inferior a 100.000 hectares (CI - BRASIL, 2008). Essa fragilidade de lei de proteção fez o Cerrado fazer parte dos “hotspots” mundiais de biodiversidade, em função de sua riqueza biótica, nível de endemismo e grau de ameaça (MYERS et al, 2000).

Myers et al (2000) descrevem que para qualificar como um hotspots, uma área  deve conter no mínimo 0,5% ou 1.5 mil das 300 mil espécies de plantas endêmicas do planeta e que tenham perdido mais de três quartos de sua vegetação original. O Cerrado possui 1,5% da totalidade global de plantas endêmicas (MYERS et al, 2000) , ou seja, 1% a mais do índice exigido para fazer parte de um hotspot. A base para essa análise utilizou dois critérios: espécies endêmicas e grau de ameaça. A principal fonte de dados para as plantas e vertebrados foram procedentes de mais de cem cientistas, com vasta experiência e preocupados com a questão que atingiu aproximadamente oitocentas referências na literatura profissional (MYERS et al, 2000).

Atualmente existem 34 hotspots mundiais (Tabela 1) destes, dois são brasileiros, a Mata Atlântica e o Cerrado.

Tabela 1 – Lista dos biomas que possuem alta biodiversidade e estão ameaçados de extinção

 

Hotspots

Extensão Original (Km 2)

Habitat remanescente (Km 2)

Porcentagem

Restante (%)

1. Chifre da África

1.659.363

82.968

5

2. Bacia do Mediterrâneo

2.085.292

98.009

5

3. Região da Indo- Birmânia

2.373.057

118.653

5

4.  Nova Caledônia

18.972

5.122

5

5. Sunda

1.501.063

100.571

7

6.  Filipinas

297.179

20.803

7

7. Brasil Mata Atlântica

1.233.875

99.944

8

8. Montanhas do Centro Sul da China

262.446

20.996

8

9. Ilhas do Caribe

229.549

22.955

10

10. Montanhas do Arco Oriental

291.250

29.125

10

11. Madagascar e Ilhas do Oceano Índico

600.641

60.046

10

12. Florestas de Afromontane

1.017.806

106.870

11

13. Florestas do Guiné/ África Ocidental

620.314

93.047

15

14. Região Irano-Anatólica

988.773

134.966

15

15. Wallacea (Indonésia)

338.494

50.774

15

16. Mesoamérica

1.130.019

226.004

20

17. Florestas de Pinho-Encino de Sierra Madre

461,265

92.253

20

18. Província Florística do Cabo

78.555

15.711

20

19. Montanhas da Ásia Central

863.362

172.672

20

20. Japão

373.490

74.698

20

21. Ilhas da Polinésia e Micronésia

47.239

10.015

21

22. Brasil Cerrado

2.031.990

432.814

22

23.  Nova Zelândia

270.197

50.443

22

24. Ghats Ocidentais/ Sri Lanka

189.611

43.611

23

25. Tumbes-Chocó-Madgalena

274.597

65.903

24

26. Andes Tropicais

1.542.644

385.661

25

27. Província Florística da Califórnia

293.804

73.451

25

28. Maputaland –Pondoland-Albany

274.136

67.163

25

29. Himalaia

741.706

185.427

25

30. Cáucaso

532.658

143.818

27

31. Karoo das Plantas Suculentas

102.691

29.780

29

32. Florestas Valdívias

397.142

119.143

30

33. Sudoeste da Austrália

356.717

107.015

30

34. Ilhas da Melanésia Oriental

99.384

29.815

30

Total

23.490.101

3.379.246

 

Fonte: CI Brasil (2008)

 

Observa-se (Tabela 1) que o Cerrado e a Mata Atlântica brasileira apresentam respectivamente apenas 22% e 8% do seu estado original. Constata-se também que nas regiões com maior extensão, o índice de habitat remanescente é menor, o que caracteriza que os recursos ambientais são vistos e tratados como infinitos.

Outra constatação é que, se a devastação da Amazônia continuar nos níveis atuais, em um curto espaço de tempo esse Bioma também entrará na lista dos Hotspots, uma vez que os dados de Detecção de Desmatamento em Tempo Real – DETER, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE apontaram em setembro de 2008 uma extensão de 587 km2 de área desmatada na Região Amazônica (Figura 1)

Figura 1- Distribuição do desmatamento da Amazônia em setembro de 2008

Fonte: INPE (2008)

           

O Brasil possui mais três biomas distribuídos em seu território, a Caatinga, o Pantanal, e os Pampas que também merecem especial atenção por estarem sofrendo alterações que ameaçam a biodiversidade.

 

2.1 Iniciativas para preservar o cerrado

O status de ameaça de muitas espécies e as transformações ocorridas nas paisagens do Cerrado provocou iniciativas de conservação por parte do governo, de organizações não governamentais (ONGs), pesquisadores e setor privado (PROGRAMA CERRADO SUSTENTÁVEL, 2006).

Um exemplo é a Rede Cerrado que desde 1996 vêm realizando encontros temáticos e/ou regionais, como forma de mobilizar a sociedade local para questões ligadas à conservação e uso sustentável do Cerrado, alertando  para os prejuízos ambientais e sociais gerados pelo rápido processo de ocupação agropecuária da região. Esta rede é norteada por uma Carta de Princípios e defende o cumprimento do Tratado dos Cerrados, documento assinado por várias instituições civis durante o Fórum Global, evento paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992 (REDE CERRADO, 2008).

Esta rede é composta por mais de 300 entidades identificadas com a causa socioambiental no Cerrado, representada por trabalhadores/as rurais, extrativistas, indígenas, quilombolas, raizeiros, quebradeiras de coco, pescadores, ONGs, entre outros que atuam na promoção do desenvolvimento sustentável e na conservação do Cerrado. Destina-se também a desenvolver ações em prol da defesa e promoção dos ecossistemas do Cerrado e de suas populações humanas (REDE CERRADO, 2008).

Em 2003, a Rede Cerrado encaminhou um documento conceitual ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) com recomendações para a adoção de medidas urgentes de conservação do Cerrado (KLINK; MACHADO, 2005). Em 2004 foi criado o programa de conservação denominado ‘Programa Cerrado Sustentável’ em torno do qual a sociedade brasileira possa efetivar sua participação no desenvolvimento sustentável do cerrado (PROGRAMA CERRADO SUSTENTÁVEL, 2006).

Existem outras ONGs que trabalham em defesa do bioma cerrado. A Conservação Internacional - CI-Brasil possui o projeto Águas do Cerrado situado na Estação Ecológica de Águas Emendadas no Distrito Federal. A The Nature Conservancy – TNC auxilia e dá suporte à implementação, monitoramento e avaliação de projetos que possam ajudar a proteger a biodiversidade do Cerrado. O Fundo Mundial para Vida Selvagem – WWF-Brasil em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do DF forma professores, alunos e mobiliza a comunidade do entorno da Unidade para conservar os recursos hídricos da região. A Fundação Pró-Natureza - FUNATURA possui o Projeto de Implementação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural - RPPN em dois Parques Nacionais do bioma Cerrado - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO) e Parque Nacional Grande Sertão Veredas (MG).

Há também a ONG PEQUI - Pesquisa e Conservação do Cerrado, fundada em 2000 cuja missão é promover a conservação do Cerrado, seja com resultados científicos, seja com ações políticas, envolvendo a causa ambientalista em suas diversas áreas: biologia, ecologia, geologia, direito, economia dentre outras. Seus projetos são financiados por fontes nacionais e internacionais e seus propósitos vão desde a constituição de parques urbanos com áreas conservadas de Cerrado, até a criação de novas Unidades de Conservação (PEQUI, 2006).

 

2.2 Ganhos com práticas sustentáveis do Cerrado

Diante dos crescentes problemas decorrentes da aceleração dos processos naturais, muitos são os que preconizam formas de utilização dos recursos naturais que permitem o equilíbrio econômico, social e ambiental do Cerrado. Alguns exemplos podem ser citados como, a Indústria Frutos do Brasil em Goiânia, a Cooperativa de Pequenos Produtores Rurais de Japonvar – MG, a Associação dos Produtores e Beneficiadores de Frutos do Cerrado - BENFRUC em Damianópolis - GO, Bacia do Xingu – MT e muitos outros que utilizam os recursos naturais do Cerrado como fonte de renda sustentável.

O Estado de Minas Gerais é composto por 57% de Cerrado e Japonvar- MG faz parte desse bioma (KLINK; MACHADO, 2005). Informações da Agência Sebrae de Notícias – ASN (2007) dão conta de que somente em 2006, mais de 900 pessoas obtiveram alguma renda entregando frutos nativos ou de fundo de quintal para a cooperativa de Japonvar- MG.  Esses frutos geraram uma receita aproximada de R$200 mil, 100 postos de trabalho diretos e mais 80 indiretos.

O município possui aproximadamente 8,2 mil habitantes e mais de 5 mil estão envolvidos com a coleta do pequi – fruto típico de cerrado. Na concepção de Antônio Carlos Pereira – técnico do Sebrae da região, a cultura do fruto é fundamental para a sobrevivência dessa população e preservação do Cerrado. Destaca-se que os produtores cooperados têm como clientes garantidos as entidades públicas de educação e assistência social que utilizam o pequi com arroz, macarrão ou carne e são pratos que entraram para o cardápio da instituição e agradaram em sabor e preço (ASN, 2007).

Outro produto de destaque na região é a Fava D'anta, árvore que é extraída a rutina, princípio ativo de medicamentos que gera em cada safra cerca de R$ 4 milhões para os municípios do norte do Estado de Minas Gerais. Além do pequi e da Fava D'anta, a cooperativa processa outras 15 variedades de frutas típicas da região, como coquinho azedo, cagaita, araticum, mangaba, buriti, manga, goiaba e laranja, em unidade de beneficiamento própria (ASN, 2007)

A BENFRUC é composta por 20 associados e foi criada em 2004 para promover a organização, a capacitação e a busca de soluções comuns para os catadores e produtores de pequi, o desenvolvimento sustentável da região e a valorização do preço dos produtos. Com apoio da Fundação Banco do Brasil a BENFRUC inaugurou sua Agroindústria de Processamento de Frutos do Cerrado que irá beneficiar além dos associados e familiares, cerca de 500 extrativistas que vendem seus produtos para a associação. A agroindústria beneficiará também frutos dos municípios de Mambaí e Sítio d’Abadia-GO (SEBRAE-GO,2008).

Uma pesquisa realizada na Bacia do Xingu, formada por 35 municípios no Estado de Mato Grosso, teve como objetivo verificar a viabilidade econômica de alguns produtos da agricultura familiar e comparar o potencial de geração de renda destes produtos com a rentabilidade atual dos produtos dominantes como soja e pecuária  (ECOCIENTE, 2006). Para esse estudo foram selecionados três produtos alternativos (Guaraná, Seringa e Pequi) e dois dominantes (Soja e Pecuária). A tabela 2 apresenta os resultados econômicos por hectare de cada produto.

Tabela 2: Rentabilidade por hectares dos produtos alternativos e dominantes

Produtos

Rentabilidade/hectare

Guaraná

R$736,00 a R$7.002,00

Pequi

R$4.050,00

Seringa

R$5.425,00

Soja

R$135,38

Pecuária

R$138,91

Fonte: Adaptado de Ecociente (2006)

Observa-se que com o manejo sustentado das culturas alternativas é possível criar novos produtos alimentares e industriais e atender a variadas demandas de consumo, obtendo ganhos econômicos sustentáveis.

 

3. Procedimentos metodológicos

Esta pesquisa é de natureza descritiva e tem como objetivo relatar as experiências de uma indústria processadora de frutos nativos do cerrado estabelecida em Goiânia – GO. A coleta dos dados foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas e observação direta. As entrevistas foram realizadas com o fundador da empresa, o sócio gerente, o engenheiro de alimentos responsável pela produção e com três agricultores, fornecedores de frutos nativos para a empresa. Foram levantadas informações relacionadas ao tempo de atuação no mercado à decisão de processar frutos do cerrado, as preocupações ambientais, quais projetos estão sendo implantados para a conservação e preservação do cerrado, bem como os procedimentos de produção, compras, vendas etc.

 

4. Resultados e discussões 

A Empresa iniciou suas atividades em 1996, quando na época o seu fundador era vendedor ambulante de picolés e sorvetes. Segundo ele, as pessoas, em tom de brincadeira, pediam se ele vendia picolé de pequi (fruto típico do cerrado e muito utilizado na culinária goiana) que até então não existia. Esses pedidos fizeram com que ele tomasse a iniciativa de industrializar picolés de pequi salgados, porém sem sucesso. A partir daí vieram várias tentativas, não apenas com o pequi, mas também com outros frutos. Assim, iniciou-se uma demanda por picolés e sorvetes derivados de frutos nativos do cerrado na região de Goiás, fazendo com que várias outras indústrias de picolés e sorvetes iniciassem a produção com esses frutos. Segundo o fundador, para provar os frutos, ele utilizava a filosofia do seu avô que dizia “todo o fruto que passarinho come os humanos também podem comer”.

As atividades de processamento dos frutos iniciaram-se nos fundos do quintal da casa do fundador. Atualmente possui uma rede familiar, com empresas independentes, que industrializam picolés e sorvetes atuando em Goiânia – GO, Uberlândia – MG e em Limeira – SP. Juntas essas empresas produzem 78 mil picolés e 3.500 kg de sorvete por dia. Esses produtos são comercializados por mais de 100 franqueados, distribuídas em Goiânia e interior de Goiás, Brasília, Mato Grosso do Sul, Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Tocantins. O presente estudo foi realizado somente na empresa de Goiânia onde se deu o inicio das atividades com esses frutos.

O quadro de funcionários da empresa é composto por 12 na produção, sendo dois engenheiros de alimentos, responsáveis pela qualidade do produto, mais 3 no departamento administrativo. Conta também com um departamento de marketing, responsável pela divulgação dos produtos principalmente em feiras e eventos.  Dispõe ainda de uma unidade despolpadora localizada em Abadia – GO, a cinquenta quilômetros de Goiânia, com capacidade de processamento e armazenamento de 120 toneladas de polpas por ano. 

Nesta unidade existem dois empregados fixos e os demais são temporários que realizam o descascamento dos frutos de forma manual. Em época de safra esta unidade emprega mais de 30 pessoas, na sua maioria mulheres. Já o despolpamento de alguns frutos é feito com uma máquina, porém, alguns são de forma manual, pois o mercado ainda não oferece equipamentos para esse fim. Após esses processos essa matéria prima é armazenada em câmaras frias e em seguida enviada para a empresa para serem processadas (Figura 2).

 

Fonte: Dados da pesquisa

Figura 2 - Frutas de cajá-manga descascadas e as polpas armazenadas na câmara fria

 O cajá-manga não é um fruto típico do cerrado, mas se adapta e produz muito bem na região. A empresa processa 44 variedades de frutos, sendo 18 típicos de região de cerrado e representam 60% da produção (Tabela 3).

 

Araça

Cajuzinho do cerrado

Mamacadela

Araticum

Curriola

Mangaba

Bacuri

Gabirobinha

Mutamba

Brejaúba

Guapeva

Murici

Buriti

Jatobá

Pequi

Cagaita

Lichia

Taperebá

Fonte: Dados da pesquisa

 

A capacidade produtiva da empresa é de 16 mil picolés e 1.300 litros de sorvete por dia (Figura 3)

Fonte: Dados da pesquisa

Figura 3 - Processo de industrialização dos picolés e sorvetes de cajá-manga

 

A coleta dos frutos é realizada pelo fundador da empresa, que em épocas de safra percorre diversas regiões produtoras e compra os frutos coletados pelos agricultores num total de 120 fornecedores. Segundo ele, estes fornecedores atendem apenas 50% da demanda, já que estes produtos já estão sendo exportados para outros países. Esses frutos geralmente são provenientes de fazendas ou áreas íngremes e encostas onde ainda não foram desmatadas. Nessas áreas são coletados 70% dos frutos e o restante permanece para reprodução.

 

4.1 Ações de melhorias ambientais na empresa em prol da sustentabilidade

A empresa possui diversas ações de preservação e melhorias ambientais. Construiu um reservatório de água da chuva com capacidade de armazenamento de 7 mil litros de água e é ligado diretamente para a rede fluvial da empresa. Possui um tanque de decantação que a cada três meses retira o bolo fecal e a água vai para a rede de esgoto sem os resíduos. Está dentro do projeto de economia de energia implantado pela distribuidora de energia de Goiás – Acelg, em que no período das 18 às 21 horas a energia das máquinas de produção é desligada automaticamente. Os palitos dos picolés são provenientes de reflorestamento e as embalagens do sorvete são biodegradáveis. Possui também o projeto cerrado vida, onde utiliza os resíduos dos frutos para recompor áreas degradadas.

Outros projetos também são desenvolvidos, tais como a doação de sementes para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, Agência Rural Goiás, Agência Municipal do Meio Ambiente de Goiânia e Clube da Semente para utilização em artesanato, pesquisas e viveiros particulares. Construiu um auditório com capacidade de 30 pessoas para ministrar palestras aos estudantes e pesquisadores em geral. Ainda possui uma área de 4 hectares com mais de 100 espécies de frutos plantados e que serve de pesquisa para os diversos órgãos ambientais, universidades e pessoas interessadas.

Também foi solicitado ao sócio proprietário informações sobre a quantidade de frutos do cerrado processadas há cinco anos, atualmente, e quais as expectativas futuras, para daqui a cinco anos. Há cinco anos a empresa processava em média 60 toneladas de frutos, atualmente 120 toneladas e as expectativas para daqui cinco anos é de 250 toneladas por ano. Quanto ao preço da matéria prima o mesmo destacou que a oferta é que determina o preço, porém, acredita que estes irão se elevar em média 40%.

Esta demanda por frutos nativos pela empresa despertou nos agricultores o interesse em preservar o cerrado. Em seus depoimentos os mesmos disseram que atualmente os frutos estão gerando maior renda do que a criação de gado, e que no passado, em épocas da seca estes realizavam queimadas ou cortes das árvores frutíferas para plantios de culturas, no entanto, atualmente fazem aterros para preservar as áreas que possuem variedades de espécies nativas. Observou-se que já existe um grande interesse em replantar mudas de frutos nativos para comercialização e os órgãos como Secretaria da Agricultura e Embrapa estão incentivando esta prática, o que representa um ponto positivo em defesa da preservação do cerrado.

 

5. Considerações finais

Em uma visão panorâmica pôde-se observar que a demanda por frutos típicos do cerrado é crescente, pois já existem varias indústrias de picolés e sorvetes utilizando esses frutos como matéria prima, e a produção extrativista não atende esta demanda devido a devastação para a produção de monoculturas e pecuária.

Também existem alguns agricultores que no passado ateavam fogo para preparar áreas de cultura agrícola destruindo estes frutos e atualmente estão construindo aterros a fim de proteger estas áreas produtivas, além de outros que já estão formando pomares com replantio destes frutos. 

Observou-se que os estudos que tratam da viabilidade econômica dos frutos nativos do cerrado são incipientes, demandando, portanto, estudos e análises mais abrangentes que incluam benefícios dos serviços ambientais tais como créditos de carbono, capacidade fármaco, ciclagem da água, bem como os custos ambientais da degradação ambiental e perda da biodiversidade gerada pela agricultura e pecuária tradicional. Sugere-se, portanto, que sejam construídos modelos que incluam estas variáveis a fim de verificar os reais ganhos obtidos com culturas mais sustentáveis, capazes de gerar renda e ao mesmo tempo preservar e conservar as espécies.

 

 

 

 

 

Referências

ASN, - Agência Sebrae de Notícias - DF. Cooperados de Minas lucram com coleta do pequi. . 2007.Disponível em: Acesso em: 08 de julho de 2008.

AVIDOS, Maria F. D; FERREIRA, Lucas T. Frutos dos cerrados: preservação gera muitos frutos. Ciência e Desenvolvimento, n.15 julho/agosto, 2000.

CEBRAC, - FUNDAÇÃO CENTRO BRASILEIRO DE REFERÊNCIA E APOIO CULTURAL. Oportunidades de geração de renda no Cerrado: texto para discussão. 1999.Disponível em: Acesso em: 18 de maio de 2008.

CI - BRASIL, Conservação Internacional Brasil. As Regiões biologicamente mais ricas e ameaçadas do planeta. 2008. Disponível em: . Acesso em: 25 de novembro de 2008.

ECOCIENTE, Planejamento e gestão socioambiental. Alternativa familiar na Bacia do Xingu no Mato Grosso: conhecendo e construindo alternativas sustentáveis. 2006. Disponível em: Acesso em: 13 de novembro de 2008.

FUNATURA. Fundação Pró-Natureza. Projeto RPPN. 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2008.

KLINK, Carlos A; MACHADO, Ricardo B. A conservação do Cerrado brasileiro. Megadiversidade, v.1, n.1, julho, 2005.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção agrícola municipal. 2008. Disponível em :

INPE-  Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Monitoramento da cobertura florestal da Amazônia brasileira por satélites. 2008 Disponível em: . Acesso em: 26 de novembro de 2008.

MYERS, Norman, et al. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature, v.403, p.853-858, 2000.

PEQUI. Pesquisa e Conservação do Cerrado. 2006. Disponível em: . Acesso em: 01 de dezembro de 2008.

PROGRAMA CERRADO SUSTENTÁVEL. Programa nacional de conservação e uso sustentável do Bioma Cerrado. 2006.Disponível em: Acesso em: 27 de maio de 2008.

REDE CERRADO. Carta de Princípios da Rede Cerrado . 2008.Disponível em: . Acesso em 22 de novembro de 2008.

SEBRAE - GO. Corredor da miséria transforma-se em matéria-prima para o desenvolvimento sustentável. 2008. Disponível em: . Acesso em 04 de dezembro de 2008.

TNC. The Nature Conservancy. Cerrado. 2008. Disponível em: . Acesso em: 5 dez. 2008.

WWF-BRASIL. Projeto Águas do Cerrado: em defesa do "berço das águas" do Brasil. 2006. Disponível em: . Acesso em: 1 dez. 2008.

 

 

Ilustrações: Silvana Santos