Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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04/09/2012 (Nº 41) IMPACTOS DA INTERVENÇÃO DO PROJETO “DOCES MATAS” EM COMUNIDADES DE MATA ATLÂNTICA: PERSPECTIVA DE UM ESTUDO DE PERCEPÇÃO AMBIENTAL
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Impactos da intervenção do projeto “Doces Matas” em comunidades de Mata Atlântica: perspectiva de um estudo de percepção ambiental.

 

Karla Fernanda Barbosa Barreto[1]

Prof. Dr. Stephen Francis Ferrari[2]

 

[1] Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente - Universidade Federal de Sergipe. Rua G, Residencial Porto Sul, Bairro Aruana, Aracaju-SE. karlabbarreto@hotmail.com

[2] Prof. Dr. Universidade Federal de Sergipe / UFS. ferrari@pesquisador.cnpq.br

 

RESUMO

 

A Mata Atlântica possui um dos maiores índices de diversidade biológica do planeta, entretanto, toda a área sofreu uma degradação antrópica significativa, e a floresta agora está reduzida a menos de 10% de sua cobertura original. A degradação destas matas, além de colocar em risco toda a sua biodiversidade, implica em uma redução crítica na disponibilidade de água para as populações humanas locais, e conseqüências deletérias para suas atividades de subsistência, saúde e qualidade de vida. O presente estudo baseou-se numa análise sistemática da percepção ambiental dos participantes de um projeto sócio-ambiental – Projeto Doces Matas – em três comunidades rurais do leste de Sergipe, onde se observou que os entrevistados não possuem muitas informações sobre meio ambiente, no entanto, são capazes de perceber a dependência que apresentam em relação à natureza. Após as atividades de educação ambiental, verificou-se um aumento da sensibilidade dos participantes em relação ao meio ambiente. Além disso, muitos sujeitos foram capazes de responder questões específicas, que não responderam corretamente antes das atividades. Isso demonstra a necessidade de um sistemático processo de educação ambiental que deve envolver toda a comunidade.

 

Palavras-chave: percepção ambiental, Mata Atlântica, degradação ambiental.

 

1-    INTRODUÇÃO

 

A Mata Atlântica possui um dos maiores índices de diversidade biológica do planeta, abrangendo um conjunto variado de formações florestais e ecossistemas associados, localizados ao longo da costa brasileira, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, além de parte dos Estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás. No entanto, desde o descobrimento do Brasil, quando representava 15% do território nacional, tem sofrido um processo de degradação antrópica significativo, sendo reduzida drasticamente (SCHÄFFER & PROCHNOW, 2002).

 

Considerando o processo de desmatamento da Mata Atlântica, o Estado de Sergipe não foge à regra. De acordo com Ribeiro & Siqueira (2001), 40% do território de Sergipe era, originalmente, de Mata Atlântica, e esta área já foi reduzida em cerca de 99,5%.

 

Em muitos municípios de Sergipe, percebe-se que existe muito pouco respeito à legislação federal que rege a preservação da Mata Atlântica. É óbvio que algumas pessoas mais elucidadas sabem exatamente o porquê de conservar a Mata Atlântica, no entanto, a maioria da população tem pouca idéia do valor da mata, e menos ainda dos motivos de se ter que preservá-la.

A existência de tais leis parece não “amedrontar” a população, o processo de fiscalização é ineficaz e muito raramente multas são atribuídas. Leis são necessárias, porém, é preciso fazer campanhas de esclarecimento concomitantes, utilizando a mídia, as escolas, comitês de moradores, entre outros, para que a população saiba o porquê de ter que preservar, sensibilizando a mesma, mostrando que precisamos dessas áreas para que o meio ambiente funcione de forma estável e que no futuro, não seja necessário “pagar caro” pelas conseqüências de nossas ações atuais.

 

Considerando que cada comunidade tem características singulares, o estudo da percepção ambiental local, torna-se um aliado na preservação do meio ambiente, pois, seus resultados podem auxiliar na construção de projetos que levem em consideração os anseios específicos da comunidade. De acordo com Poltroniéri (1996, p. 237): “É do ponto de vista da percepção, da forma como o homem percebe e interage com o meio ambiente, em função de influências históricas e socioculturais, que se pode avaliar as necessidades, interesses e anseios da população, e fornecer aos órgãos dirigentes orientações mais adequadas...”.

 

O presente trabalho teve como objetivo avaliar os impactos da intervenção do Projeto Doces Matas em relação à percepção dos moradores de três comunidades localizadas nas proximidades de remanescentes da mata atlântica sergipana, no extremo oriental do Estado. Esta avaliação subsidiará o desenvolvimento de abordagens de conscientização ambiental apropriadas à realidade local, visando à implantação de infra-estrutura semelhante ao longo de toda a Zona da Mata Sergipana, como componente integral de estratégias de conservação. De acordo com Dias (2003, 43 p.) "sem conhecer os objetivos, problemas, prioridades e valores de uma dada comunidade, torna-se praticamente impossível planejar sem cometer gafes.”

 

 

2- METODOLOGIA

 

2.1- DESENVOLVIMENTO DA METODOLOGIA

 

Este estudo foi baseado na comparação entre as respostas dadas pelos entrevistados antes e depois das ações realizadas durante o projeto Doces Matas a fim de orientar ações de sensibilização que promovam a proteção e recuperação de recursos ambientais, em especial a Mata Atlântica, levando em consideração o desenvolvimento sustentável.

 

2.1.1- Área de estudo

 

Desde março de 2006, a Companhia do Vale do São Francisco (CODEVASF), junto ao Instituto Xingó, desenvolve o projeto de Recuperação de Matas Ciliares e Áreas Degradadas no Baixo São Francisco Sergipano através de Ações Integradas a Apicultura (o “Doces Matas”), convênio nº 4.93.05.0011-00 (PEREIRA, 2005), que está sendo desenvolvido em sub-bacias no Semi-Árido e na Zona da Mata Sergipana.

 

Metas do projeto Doces Matas:

 

(i)           apoiar na produção de no mínimo 100.000 mudas florestais através de parceria em viveiros da CHESF e CODEVASF;

(ii)         inserir 80 famílias do baixo São Francisco no processo integrado de recuperação florestal e produção apícola;

(iii)        monitorar e assistir as famílias no processo de recuperação florestal e produção apícola.

 

Os sítios de estudo foram selecionados a partir da área de atuação do Projeto Doces Matas.            Como o objetivo desta dissertação está vinculado à Mata Atlântica, o Semi-Árido não foi incluído, e apenas municípios da Zona da Mata foram escolhidos, são eles: Japaratuba e Pirambu.

 

2.1.2- Levantamento Preliminar

 

No mês de agosto de 2006, foram realizadas as visitas às comunidades em que o Projeto Doces Matas iria atuar. Das comunidades visitadas, foram selecionadas 03: povoado Badajós, Assentamento Caraíbas e Assentamento São Sebastião, tal escolha foi feita principalmente pela existência de pequenos fragmentos de Mata Atlântica, além da manifestação de maior interesse por parte dos moradores. Os indivíduos que participaram desta pesquisa foram aqueles selecionados para participarem do Projeto Doces Matas.

 

 

2.2- PRIMEIRA ETAPA DE ENTREVISTAS

 

Lima (2003) mostra que, através da técnica de entrevistas estruturadas, é possível obter informações confiáveis sobre os fatores que influenciam as interações, processos e fenômenos relativos às pessoas em seu cotidiano, caracterizadas pela coleta de respostas verbais diretamente dos participantes. No presente estudo, o roteiro das entrevistas foi baseado em uma mistura complementar de questões abertas e fechadas. As perguntas fechadas têm um roteiro específico de possíveis respostas, enquanto as perguntas abertas dão ao entrevistado a oportunidade de formular sua própria resposta (DITT et al., 2005).

 

As entrevistas foram realizadas durante todo o mês de janeiro de 2007. Tendo um total de 32 entrevistados daqueles envolvidos no projeto Doces Matas e que fizeram o curso de apicultura.

 

2.3- ATIVIDADES DE SENSIBILIZAÇÃO

 

Após a primeira etapa de entrevistas, foram acompanhadas as atividades de sensibilização ambiental realizadas pelos técnicos do projeto Doces Matas, o objetivo foi comparar a percepção dos entrevistados antes e depois das seguintes atividades: palestras sobre Meio Ambiente; plantios e o seminário com os envolvidos no projeto Doces Matas.

 

2.4- DESENHOS

 

De acordo com Niemeyer (1994) os mapas e desenhos produzidos pelos sujeitos de um estudo mostram sua percepção do ambiente em um dado momento. Ou seja, em sua essência, os mapas mentais expõem imagens reais observadas pelas pessoas, no entanto, para esse trabalho, foi feita uma adaptação. Ao invés dos entrevistados desenharem imagens pré-existentes, eles foram orientados a criar uma nova situação a partir de uma imagem real. O objetivo dessa atividade foi verificar se havia coerência entre os desenhos feitos pelos entrevistados e suas respostas às perguntas, ou se eles estavam respondendo apenas aquilo que “queríamos ouvir”.

 

Para a realização dos desenhos, os entrevistados receberam uma folha de papel ofício em branco e uma imagem de um remanescente de Mata Atlântica, em seguida, foi dito a eles que aquela área era deles e de lá eles deveriam retirar a renda da família, que desenhassem na folha em branco o que fariam com aquela área. A avaliação destes desenhos baseou-se na presença ou não de mata na margem do rio e em outras áreas.

 

2.5- SEGUNDA ETAPA DE ENTREVISTAS

 

A segunda etapa de entrevista aconteceu durante o mês de novembro de 2007 e teve como objetivo averiguar se após as atividades realizadas com as comunidades houve alguma modificação na percepção ambiental dos sujeitos, ou se ao menos, alguns conceitos desconhecidos, até então, foram assimilados. O roteiro de perguntas foi baseado no primeiro, foram conservadas algumas perguntas e inseridas novas. Foram realizadas vinte e nove entrevistas nesta etapa, pois três pessoas saíram do projeto.

 

2.6- ANÁLISE DOS DADOS

 

Todas as entrevistas obtidas foram repassadas para uma planilha do programa Microsoft Office Excel 2003. Após a leitura de todas as entrevistas, pôde-se elaborar categorias para o enquadramento das respostas de algumas questões (LIMA, 2003). Este processo pode ser resumido como: análise geral das respostas; conversão das respostas dadas às questões em temas de interesse e o agrupamento das respostas de acordo com semelhança de idéias apresentadas. Cada grupo de respostas com conteúdo semelhante constituiu uma categoria de respostas.

 

 

3- RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

O presente trabalho buscou observar a percepção ambiental que os envolvidos no Projeto Doces Matas possuem, após as atividades de sensibilização, houve mudança nas respostas dos mesmos. A partir dos resultados obtidos, foi possível fazer uma avaliação sistemática da percepção das comunidades sobre o ambiente em que vivem, e das potencialidades para a conscientização e mudança de atitudes em relação à conservação da Natureza.

 

 

 

 

 

 

 

3.1- PRIMEIRA ETAPA DE ENTREVISTAS

 

3.1.1 – Caracterização dos sujeitos

 

Objetivando identificar os grupos que estão participando das atividades do Projeto Doces Matas, esta etapa propõe estabelecer as características sócio-econômicas dos entrevistados: idade, sexo, escolaridade, profissão e renda.

 

A figura 1 mostra informações sobre os entrevistados. Quanto à idade, 11 dos 32 entrevistados são jovens, segundo Camarano et al. (2004) são considerados jovens os indivíduos entre 15 a 24 anos de idade. Quanto à escolaridade, dos 32 entrevistados, oito concluíram o ensino médio, destes, apenas um possui idade acima dos 30 anos.


 

Figura 1 - Idade, sexo e escolaridade dos entrevistados nas 03 comunidades do presente estudo.

 

Os entrevistados, em sua maioria, não concluíram o ensino médio e alguns sequer iniciaram os estudos, o grupo de Badajós possui o maior número de indivíduos que cursaram o ensino médio, o que pode ser justificado por ter um número maior de jovens em relação ao de adultos. Há décadas passadas, os jovens não possuíam as mesmas oportunidades de estudo que os jovens de hoje apresentam, o que justifica a relação que há entre idade e escolaridade, isto é, os grupos que apresentam indivíduos com uma faixa etária maior, são aqueles que possuem menor grau de escolaridade.

 

3.1.2- Conhecimento sobre meio ambiente

 

Apesar de seu maior nível de escolaridade, a grande maioria dos entrevistados de Badajós sequer ouviu falar em Mata Atlântica (Figura 2), contrastando com as demais comunidades, principalmente em São Sebastião (Alagamar), onde todos os entrevistados responderam positivamente à pergunta 10. Entretanto, nenhum deles soube informar se havia fragmentos de Mata Atlântica próximos à comunidade.

 

Pontes (2001) explicita que, pelo fato das pessoas não serem informadas a respeito da importância de um determinado remanescente florestal, elas não entendem o porquê de serem criadas proibições em relação ao uso dessas áreas. Ou seja, se essas comunidades não sabem que próximo a elas existem áreas com grande potencial biológico e os motivos pelos quais devem preservá-las, as mesmas sempre irão questionar a existência de tais proibições.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 2 - Freqüência relativa de entrevistados que responderam positivamente à pergunta 10 (Já ouviu falar em Mata Atlântica?).

 

Dentre os motivos citados, pelos entrevistados, pelos quais as matas devem ser preservadas. A preservação da água foi o tema mais citado, principalmente em Badajós e Caraíbas. Já em São Sebastião, a preocupação maior foi com a preservação da Natureza. Em algumas respostas, percebe-se que a natureza possui um significado pessoal para alguns entrevistados, “Porque a mata faz parte da natureza. Porque a natureza faz parte da nossa vida e sem ela não conseguimos ir adiante” (entrevistado 30). De acordo com Tuan (1983), o espaço se transforma em lugar à medida que o conhecemos e lhe atribuímos valores.

 

Segundo os entrevistados, as comunidades não têm recebido visitas de quaisquer instituições para falarem sobre preservação ambiental. Verifica-se que em São Sebastião e Caraíbas, muitos dos entrevistados responderam que às vezes o IBAMA aparece no assentamento, no entanto ao justificarem, disseram que tais visitas são de fiscalização, de acordo com entrevistado 17: “O IBAMA teve aqui pra falar sobre uma denuncia de desmatamento.”

 

Pelo que foi visto, os entrevistados não possuem muito conhecimento sobre as questões ambientais, o que pode ser relacionado ao pouco grau de escolaridade e ao fato de que instituições governamentais ou não governamentais, não têm ido a estas comunidades para falarem sobre meio ambiente, ou seja, as duas formas prováveis dos entrevistados aprenderem conceitos ambientais e inclusive a importância da preservação, não fazem parte da realidade da maioria dos entrevistados.

 

3.1.3- Conhecimento a respeito da legislação ambiental

 

Nas 03 comunidades (Figura 3), os entrevistados demonstraram possuir pouco conhecimento sobre legislação ambiental. De fato, legislação ambiental não é um assunto obrigatório nas salas de aula, no entanto, alguém deve ser o responsável por esclarecer as comunidades sobre a exigência de se preservar certas áreas, esta é uma função das instituições governamentais, entretanto, pelo visto nas entrevistas, há uma carência neste sentido.

 

 

 

 

 

      Figura 3 - Conhecimento da legislação ambiental de entrevistados nas três comunidades.

 

3.1.4- Relação homem/natureza

 

Proporcionalmente, os entrevistados de Badajós são os que menos freqüentam a mata. Todavia, no contexto geral, os entrevistados apresentam contato direto com a mata, em muitos casos para caçar ou pescar, o que não deixa de ser uma relação direta, no entanto há aqueles que mostram afetividade: “Sim: quem me fortalece é a mata” (entrevistado 17).

 

Quanto à retirada de lenha, em Caraíbas e São Sebastião, praticamente todos os entrevistados disseram cortar a lenha que utiliza, já em Badajós existem aqueles que compram. A maioria recolhe a lenha seca ou queimada que encontram na mata, ou seja, a maioria disse que não corta lenha verde, apenas recolhe o que está na mata: “Que já ta queimada ou seca do sol” (entrevistado 9).

 

De acordo com as respostas dos entrevistados, pôde-se verificar que em São Sebastião e Caraíbas existe uma relação estreita entre os entrevistados e a Natureza, devido ao histórico das comunidades, ambos assentamentos recentes, com seu menor poder aquisitivo, as pessoas precisam ir a mata para caçar e coletar alimentos. No caso de Badajós, que apresenta um maior poder aquisitivo, os residentes têm menor contato com a mata, inclusive o quesito diversão também parece ser influenciado pela situação financeira, pois Badajós é a comunidade que menos utiliza a mata para esse fim.

 

Percebe-se, pelo discurso dos entrevistados, que aquelas comunidades que possuem uma relação direta com a mata, ou seja, Caraíbas e São Sebastião, demonstraram, usando os termos de Tuan (1980) possuir certo valor afetivo pela mesma: “Quem me fortalece é a natureza” (Entrevistado 17); “Pra admirar os animais, as plantas, tomar banho de rio” (Entrevistado 28). No entanto, no contexto geral, a visão mata-homem é predominantemente de exploração, as comunidades em questão utilizam a mata principalmente como provedora de recursos (GONÇALVES, 1989). 

 

3.1.5 – Percepção da comunidade

 

Quando questionados sobre o que pensavam a respeito do IBAMA as respostas foram variadas, mais da metade dos entrevistados de cada comunidade respondeu que ele é bom porque preserva as matas. No entanto, alguns entrevistados de todas as comunidades questionaram a atuação desta instituição, alegando que ela só fiscaliza os pobres, mas que é necessária.

 

Frente à pergunta 24 (Por que quase não há mata?), 08 entrevistados de Badajós não souberam responder. Em Caraíbas, dos 11 entrevistados, 04 não responderam. Em São Sebastião, por outro lado, apenas 01 não respondeu. Na maioria das justificativas os entrevistados responsabilizam “o Homem” pela destruição das matas, apenas o entrevistado 29 também se responsabilizou por tal problema: “Porque nós acabamos com tudo”.

 

As 03 comunidades variam consideravelmente em sua aparente disposição para participarem de projetos de preservação ambiental sem contrapartida imediata. Caraíbas, segundo os entrevistados, seria o grupo mais receptivo (72,7%), em São Sebastião e Badajós a maioria disse que a comunidade não participaria sem ganhar nada. No entanto, o que ocorreu foi justamente o contrário, em Caraíbas, durante os plantios, nenhum assentado que não estivesse inserido no Projeto Doces Matas, participou dos plantios, já em Badajós e São Sebastião, respectivamente, vários jovens e crianças, que não estavam inseridos no Projeto, participaram dos plantios, no entanto, os adultos não colaboraram.

 

 

3.2- SEGUNDA ETAPA DE ENTREVISTAS

 

3.2.1- Conhecimento sobre meio ambiente

 

No caso da pergunta 02 da segunda etapa (Porque você plantou tantas árvores?), a maioria das respostas, nas 03 comunidades, estavam relacionadas com a proteção e preservação dos rios. Em São Sebastião e Caraíbas, algumas pessoas relacionaram a preservação das matas à apicultura, alegando que as abelhas precisam de flores para produzir mel. Estas repostas estão claramente relacionadas com as palestras dadas pelos técnicos, considerando que o projeto em que estavam inseridos tinha como objetivo a preservação das matas ciliares a fim de revitalizar o Rio São Francisco e a apicultura como contrapartida, ou seja, houve influência das atividades de sensibilização nas respostas dos entrevistados.

 

Em relação a conceitos assimilados, nas duas etapas os entrevistados foram questionados sobre a definição de mata ciliar. Apesar das diferenças originais entre as comunidades, em todas elas, houve um aumento de respostas corretas de aproximadamente a metade dos entrevistados. Houve uma melhoria também nas respostas à pergunta de número 04 (Por que devemos preservar as matas?), com todas as comunidades chegando ao patamar dos 100% (Figura 3).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 3 - Frequência relativa dos entrevistados nas 03 comunidades que citaram algum motivo pela preservação das matas, antes e depois das atividades de sensibilização.

 

Em relação aos conceitos sobre meio ambiente, pode-se notar que a influência das palestras e reuniões no aprendizado das pessoas, também, mostrou-se válida, pois após as atividades de sensibilização, a maioria dos entrevistados soube responder perguntas, que não foram respondidas na primeira etapa de entrevistas.

 

3.2.2- Conhecimento a respeito da legislação ambiental

 

Na pergunta 05 (Por que existem leis que protegem a Mata Atlântica?), não houve sequer um entrevistado que dissesse não saber responder ou contestasse a existência das leis, ou seja, todos as consideram necessárias. A maioria dos entrevistados respondeu que é importante, pois caso não existissem tais leis, todas as matas seriam destruídas.

 

3.2.3- Percepção da comunidade em relação ao meio ambiente

 

Quanto à pergunta 06 (Qual o papel do governo em relação à preservação das matas?), a resposta mais citada foi a fiscalização, a segunda, fornecer recursos (emprego ou ajuda financeira) para que as pessoas não precisem desmatar. Em terceiro lugar, realizar palestras com as comunidades, para sensibilizá-las. Segundo a maioria dos entrevistados, o papel principal do governo, em relação à preservação do meio ambiente, é de fiscalizar e proporcionar recursos para que as comunidades não precisem desmatar.

 

Quanto à pergunta 07 (O que deve ser feito para que as pessoas preservem as matas?), as respostas estavam muito parecidas com as da questão 06, embora com ênfase diferente. Neste caso, a resposta mais citada estava relacionada com a sensibilização das pessoas, através de palestras, campanhas e outras atividades, mostrando que os entrevistados acham válidas as palestras do Projeto Doces Matas; em segundo lugar, os entrevistados acreditam que deve ter mais fiscalização e leis de preservação e a terceira mais citada seria proporcionar recursos para que não haja necessidade de destruir as matas.

 

Pelo que foi visto, os próprios entrevistados estão cientes de que o processo de educação é necessário para a sensibilização das pessoas frente às questões ambientais. Conforme Mizukami (1986) deve-se criar condições para que se desenvolva uma atitude de reflexão crítica, comprometida com a ação.

 

Em relação à pergunta de número 08, o ser humano, em geral, foi visto como o principal responsável pelos desmatamentos, mudando apenas a justificativa. Alguns entrevistados disseram que é por uma questão de sobrevivência, outros apenas disseram que o homem é quem sai destruindo tudo. De acordo com Bolfe (2004), o processo de degradação da natureza pode ser explicado pelo fato do homem ter se distanciado da mesma, como se não fizesse parte dela, “como se o que faz ao meio, não implicasse intimamente em sua vida, na própria natureza, e nas relações entre os próprios homens.”

 

Na pergunta 09 (Aqui na comunidade, o que você vê de errado em relação ao meio ambiente?), aplicada nas duas etapas, houve um aumento na identificação de problemas em São Sebastião e Badajós, enquanto Caraíbas permaneceu no nível máximo. Também houve um aumento em todas as comunidades em relação à proporção de entrevistados que acreditavam na possibilidade da mata deixar de existir (pergunta 10).

 

Verificou-se que as respostas da segunda etapa estavam mais baseadas na preservação do ambiente como um todo e não apenas na sobrevivência dos seres humanos. No entanto, ainda é nítida a separação do ser humano dos outros seres vivos, como se o homem não fosse integrante da natureza.

 

3.3- DESENHOS

 

Foi feita uma análise simples dos desenhos, observando o que foi conservado da figura inicial (mata na margem do rio e em outras áreas) e se a fonte de renda escolhida pelos participantes era ecologicamente sustentável. Foi registrada considerável variação entre comunidades quanto à abordagem em relação à conservação da mata. Enquanto todos os desenhos realizados no Assentamento São Sebastião conservaram a máxima possível área de mata (Figura 4), por exemplo, metade dos desenhos do Assentamento Caraíbas deixou de conservar qualquer área de mata. Em Badajós 63,6% dos desenhos tinham alguma área preservada, sendo que a mata ciliar foi a mais lembrada (36,4%).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 4 - Área que cada entrevistado conservou em seus desenhos.

 

Em Badajós e Caraíbas, uma proporção considerável dos desenhos (27,3% e 50,0%, respectivamente) não mostrou de onde seria retirada a fonte de renda. Em São Sebastião, por outro lado, 87,7% desenharam apiários, pastos e plantio de culturas diversas. Em Badajós, 01 pessoa citou o plantio de cana, enquanto a maior categoria (45,4%) foi de criar animais e plantar culturas diversas. Nesta comunidade, apenas duas pessoas trabalhariam com apicultura. Em Caraíbas, predominaram desenhos de apiários, pastos e plantio de culturas.

 

Resumindo-se as duas etapas de entrevistas, pode-se dizer que os entrevistados dos Assentamentos Caraíbas e São Sebastião foram aqueles que demonstraram maior conhecimento a respeito de meio ambiente e legislação ambiental. Quanto à relação homem-natureza, os moradores do povoado Badajós têm menor contato com a mata, devido a sua menor dependência dos recursos retirados diretamente da mata, sofrendo menos estímulos diretos (TUAN, 1980). No caso da percepção da comunidade, apesar das diferenças encontradas, os 03 grupos mostraram-se preocupados com as questões ambientais, inclusive participando das atividades de sensibilização, no entanto, verificou-se no discurso dos entrevistados que para que eles possam preservar é necessário que alguma fonte externa proporcione fontes de renda ecologicamente sustentáveis.

 

3.4- AVALIAÇÃO DA ATUAÇÃO DO PROJETO DOCES MATAS

 

O projeto Doces Matas foi uma tentativa de conciliar a preservação das matas a uma atividade ecologicamente sustentável, através dos plantios de mudas, das atividades de educação ambiental e da apicultura. Por tratar-se de ser um projeto pioneiro no Estado de Sergipe, apresentou pontos positivos, como também negativos.

 

a) Pontos positivos:

● Ter proporcionado uma fonte de renda potencialmente sustentável, para aqueles que resolveram participar. A apicultura foi a alternativa encontrada pelos idealizadores do projeto, no entanto, outras fontes ecologicamente sustentáveis poderiam ser sugeridas e discutidas com as comunidades. O fato de ter oferecido uma fonte de renda, ao em vez de pagar aos participantes por realizarem os plantios, possibilita a continuidade das ações mesmo após término do projeto.

● As palestras contribuíram com o conhecimento dos participantes em relação às questões ambientais, mostrando que realmente é necessário o envolvimento das comunidades em ações de preservação.

● O contanto direto com as comunidades, normalmente uma vez ou duas vezes no mês, fez com que os técnicos criassem um vínculo com tais comunidades, gerando confiança entre as duas partes, o que contribuiu com o bom andamento das atividades.

 

b) Pontos negativos:

● As atividades de sensibilização estavam muito restritas aos participantes do projeto, sendo que este público tratava-se de uma minoria.

● Pelo grande envolvimento dos técnicos com as comunidades, algumas vezes eles pecaram por excessos, tentando ajudar de qualquer forma, muitas vezes comprando com o próprio dinheiro material para as comunidades, esquecendo-se de que há uma metodologia a ser seguida e que, por mais que estejam bem intencionados, algumas vezes devem dizer não, pois tais comunidades estão acostumadas com a cultura assistencialista.

● Os critérios de seleção dos participantes do projeto não foram adequados, de acordo com Pereira (2005) os indivíduos escolhidos deveriam ter uma renda inferior a um salário mínimo, morar próximo às áreas que pudessem se recuperadas e se propor a trabalhar com a apicultura. A princípio muitas pessoas mostraram-se interessados em trabalhar com apicultura, no entanto no decorrer do processo muitos desistiram.

 

Independente das falhas, a importância do projeto Doces Matas é inquestionável, pois serviu como ponto de partida para a realização de novos projetos relacionados à preservação das matas no Estado de Sergipe. Além disso, tais falhas podem ser vistas como uma forma de aprendizado, para que não sejam repetidas em novos projetos.

 

 

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A análise da percepção das comunidades proporcionou a possibilidade de verificar a realidade de cada comunidade, as relações que possuem com o meio em que vivem e os anseios de cada uma. A partir de então foi possível traçar um perfil das comunidades estudadas e prováveis formas de trabalhar com as mesmas, além de proporcionar base para novos estudos envolvendo comunidades rurais.

 

Em termos objetivos podemos dizer que:

 

1. As comunidades em questão são formadas por pessoas com pouco poder aquisitivo, que muitas vezes precisam degradar o meio ambiente para poderem sobreviver.

2. A maioria dos entrevistados, antes das palestras realizadas pelos técnicos do Projeto Doces Matas, não possuía informações a respeito dos conceitos sobre Mata Atlântica, Mata Ciliar e legislação ambiental.

3. Apesar do desconhecimento conceitual, todos os entrevistados foram capazes de perceber a dependência que apresentam em relação à água e à Natureza.

4. A relação das comunidades com a mata nativa variou de acordo com o uso que os mesmos fazem deste ecossistema. Nos assentamentos São Sebastião e Caraíbas, onde os entrevistados exploram diretamente os recursos oferecidos pelas matas, há uma relação afetiva do homem com a mata, já em Badajós, onde os entrevistados não costumam ir tanto à mata para retirar seus recursos, esta relação afetiva não foi verificada na maioria das respostas.

5. Houve mudanças em relação à percepção dos entrevistados, após as atividades de sensibilização (palestras e plantios) realizadas pelos técnicos do Projeto Doces Matas.

6. Todos os entrevistados mostraram-se interessados em contribuir com a preservação do meio ambiente.

7. Os resultados indicaram que as atividades de sensibilização realizadas pelos técnicos do Projeto Doces Matas estavam muito restritas, e devem ser mais abranjentes, ou seja, envolver toda a comunidade: escolas, associações, políticos, líderes religiosos e civis.

 

Pelo que foi visto, percebe-se a necessidade de criar alternativas de renda ecologicamente sustentáveis, com manejo adequado da vegetação, criação sustentável de animais e outras atividades que não sejam tão degradantes, ou seja, proporcionando trabalho na própria comunidade, evitando que as comunidades migrem para outras regiões e aumentem a densidade demográfica nas grandes cidades.

 

5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BOLFE, A.P.F. Educação na Floresta: uma construção participativa de sistemas agroflorestais sucessionais em Japaratuba, Sergipe. Universidade Federal de Sergipe. 2004. 5-129 p. Dissertação de Mestrado.

 

CAMARANO, A. A. et al.. Caminhos para a vida adulta: as multiplas trajetórias dos jovens brasileiro. Ultima décad. 2004, vol.12, no.21, p.11-50. Disponível em < http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-22362004000200002&lng=es&nrm=iso > Acesso em 01 dez. 2007.

 

DIAS, G. F. Educação Ambiental: Princípios e práticas. São Paulo, SP: Gaia, 2003. 43-63 p.

 

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Ilustrações: Silvana Santos