Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Práticas de Educação Ambiental
04/06/2012 (Nº 40) Conhecendo o entorno da escola em diferentes contextos: Mariana, Minas Gerais-Brasil e Díli, Timor-Leste
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Conhecendo o entorno da escola em diferentes contextos: Mariana, Minas Gerais-Brasil e Díli, Timor-Leste

Valdir Lamim-Guedes1,2

¹Biólogo e Mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professor-Visitante na Universidade Nacional de Timor-Leste, Díli, Timor-Leste.

²E-mail: dirguedes@yahoo.com.br

 

Resumo

Buscando uma maior contextualização da educação ambiental, pode-se realizar atividades no entorno da escola. Neste texto, são apresentados três exemplos que podem ser utilizados em atividades educativas na vizinhança da escola. Os corpos d’água de Díli, capital do Timor-Leste, são utilizados para o cultivo da hortaliça kangkung e também recebem lançamentos de esgoto, situação socioambiental que pode ser alvo de debates com os alunos. Em Mariana, Minas Gerais, Brasil, foram realizados eventos para divulgar questões relacionadas aos recursos hídricos (“Cortejo do Ribeirão do Carmo”) e patrimônio natural e histórico (desenvolvidas no “Sítio Histórico e Paisagístico do Morro de Santana”) que envolveram alunos, professores e a comunidade local.

Palavras-chaves: atividades extra-escolar; recursos hídricos; patrimônio natural; patrimônio histórico.

 

Introdução

“Educação ambiental é mudança de comportamento. Exige a combinação de elementos científicos e teóricos com experimentação, práticas e conhecimentos externos à escola” (MINC, 2005, p. 74). É importante ressaltar a complementariedade entre atividades realizadas na escola e fora dela. Apesar de sua inquestionável importância, as atividades de educação ambiental extraescolares não devem ser apresentadas de forma fragmentada, mas precisam fazer parte de um processo educativo (TOLEDO e PELICIONI, 2005).

Atividades educativas extraescolares são muito importantes para que a educação ambiental se mostre mais interessante e contextualizada. Isto é relevante por diversificar as atividades educacionais, visto que “um dos grandes problemas presentes na educação contemporânea é a falta de motivação e de envolvimento dos alunos nos processo de aprendizagem” (SENICIATO e CAVASSAN, 2003).

Conhecer o entorno da escola é muito importante. Com isto, os alunos poderão conhecer melhor a realidade do local onde vivem. Estas visitas geralmente não dependem de transporte e podem ser realizadas no período de tempo de uma ou duas aulas, facilitando a realização deste tipo de atividade.

Durante a realização da visita, deve-se articular os assuntos tratados com os trabalhados em sala de aula, atendendo às recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) (BRASIL, 1997). Isto, por sinal, pode fazer a diferença no aproveitamento dos alunos, uma vez que eles passarão a enxergar utilidade nas informações e assuntos apresentados durante as aulas. Ou seja, a informação passa a ser contextualizada.

A Revista Nova Escola prepara vários planos de aula que focam o meio ambiente e questões correlatas. O plano de aula “Caminhada pelo entorno da escola”, voltado para a disciplina de Geografia do Ensino Fundamental 1 com a temática paisagem local, é um exemplo de atividade que pode ser realizada no entorno da escola (REVISTA NOVA ESCOLA, 2012a). No site desta Revista ainda há mais alguns: “A paisagem local: o quarteirão da escola” (OLIVA, 2012), “Cuidando de nosso entorno” (LELLIS, 2012) e “Natureza e sociedade na pré-escola” (REVISTA NOVA ESCOLA, 2012b).

Outro exemplo é a prática “Ir à feira, a sustentabilidade nas pequenas coisas”, que pode ser realizada próxima a escola, sem a necessidade de viajar, caso exista uma feira no bairro (LAMIM-GUEDES e OLIVEIRA-VILELA, 2011).

Se há um corpo d’água próximo à escola, ele poderá ser visitado quando o professor for tratar sobre recursos hídricos e a poluição destes. Dependendo da situação, a explanação sobre o assunto poderá ser realizada in situ. Este tipo de iniciativa deve ser concebida para cada localidade individualmente, para que a abordagem seja contextualizada. A seguir, são apresentados dois exemplos de atividades sobre recursos hídricos em diferentes países: No Brasil (Mariana, Minas Gerais) e no Timor-Leste (na capital, Díli). Além destas duas, será apresentada uma experiência da realização de caminhadas no entorno da escola focando a vegetação, relevo e patrimônio histórico.

 

Corpos d’água de Díli, Timor-Leste

A hortaliça kangkung (Ipomoea aquatica Forsskal, Convolvulaceae) (Figura 1), originária da China, é tradicionalmente cultivada em charcos de vários países, em canais de drenagem de esgoto pela presença de matéria orgânica. Em Díli, capital do Timor-Leste, há vários corpos d’água que são utilizados para o cultivo desta planta, porém também são utilizados para o lançamento de esgoto sem tratamento.

Kangkung é uma espécie invasora em vários locais do mundo, sendo que em alguns locais ela é proibida de ser cultivada, como nos EUA (LANGELAND e BURKS, 2008). O consumo desta hortaliça, quando cultivada no esgoto, proporciona o risco de contaminação por microrganismos patogênicos e ovos de vermes intestinais, derivados de excrementos humanos e de animais, colocando em risco a saúde das pessoas e a qualidade ambiental (FREITAS, 2011). Por outro lado, esta hortaliça é rica em proteínas e outros nutrientes (KIM DONG, THU e PRESTON, 2008), sendo de significativa importância na base alimentar dos timorenses em geral e fonte de renda para as famílias (FREITAS, 2011). Além disto, ela pode ser utilizada para a redução da poluição por nutrientes em águas eutróficas (HU et al., 2008) e dessalinização (ZHOU, WANG e YANG, 2011).

Figura 1: maço de Kangkung (Ipomoea aquática) para venda em uma feira de Baucau, Timor-Leste. Foto: V. Lamim-Guedes.

 

O kangkung é uma planta que deve ser cultivada e utilizada de forma adequada, para evitar problemas com a perda de espécies de macrófitas nativas e com a contaminação com ovos de vermes. Por outro lado, o seu potencial nutricional e de purificação da água são características interessantes para a sua utilização em áreas urbanas, como é o caso dos plantios desta espécie em Díli.

A urbanização em países de baixa renda é acompanhada de altos níveis de pobreza, desemprego e insegurança alimentar. As pessoas pobres urbanas gastam a maior parte de sua renda para alimentar-se. No entanto, muitas vezes seus filhos apresentam níveis de desnutrição tão altos quanto os das áreas rurais. Para sobreviver, milhões de favelados cultivam seus próprios alimentos em cada pedaço de terra disponível: em seus quintais, ao longo dos rios, estradas e ferrovias e sob as linhas de transmissão de energia (FAO, 2012).

Um professor, tendo um corpo d’água próximo à escola com estas condições, pode levar os alunos para ver os corpos d’água, discutir sobre as condições destes (se estão eutrofizados ou não), a possibilidade do cultivo de kangkung, destacando os prós e contras do cultivo e consumo desta espécie, como exposto anteriormente.

Durante o debate, podem ser propostas formas de minimizar os pontos negativos e maximizar os pontos positivos. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) (2012), uma opção promissora para as cidades de países em desenvolvimento é a criação de tanques de estabilização pouco profundos, que utilizam algas e bactérias para eliminar patógenos e reter os nutrientes. Se as águas residuais de fontes domésticas forem tratadas adequadamente para reutilização agrícola, podem fornecer a maior parte dos nutrientes necessários para cultivar árvores frutíferas, hortaliças e plantas ornamentais (MELONIO, 2012). Neste sentido, pode-se guiar um desenvolvimento urbano objetivando cidades mais verdes, que assegure segurança alimentar, trabalho e renda decente, um meio ambiente limpo e boa governança para todos os cidadãos.

 

Cortejo do Ribeirão do Carmo, Mariana-Minas Gerais

No caso de eventos como oficinas ou minicursos, que não são desenvolvidos por um professor com seus alunos, as atividades realizadas no entorno da escola podem ser interessantes, sobretudo quando há uma convergência entre os assuntos tratados nestes eventos e os trabalhados de sala de aula. Em 2009, durante o Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana, evento organizado pela Universidade Federal de Ouro Preto e as prefeituras das duas cidades onde ele ocorre, foi realizado o “Cortejo do Ribeirão do Carmo”. Neste evento, foi apresentada a problemática que este corpo d’água sofre (poluição, falta de matas ciliares e ocupação das margens). Em uma perspectiva histórica, era comentada a mineração na região, o que é complicado de explicar sem qualquer material didático ou apresentação de slides de apoio. Neste momento, foi possível observar a mulher da figura abaixo retirando ouro do rio usando uma bateia. Esta situação foi muito mais significativa aos participantes do evento, que puderam observar como se extrai o ouro e as condições dos trabalhadores.

Figura 2: Mulher retirando ouro do Ribeirão do Carmo, Mariana-MG. Foto: V. Lamim-Guedes.

 

Figura 3: conversa sobre a extração do ouro durante evento realizado às margens do Ribeirão do Carmo, Mariana-MG. Foto: Equipe curadoria de Patrimônio Natural, Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana 2009.

 

Destinou-se bastante tempo do cortejo discutindo como a extração de ouro pode afetar o meio ambiente, e ainda mais, com a falta de mata ciliar e o lançamento de esgotos, foi possível traçar um panorama dos principais problemas ambientais do Ribeirão do Carmo.

No livro Água e mudanças climáticas: tecnologias sociais e ação comunitária (SILVA, et al., 2012), são apresentadas várias tecnologias sociais focando recursos hídricos que podem ser discutidos com os alunos, visando a reflexão sobre formas de minimizar os problemas socioambientais envolvendo corpos d’água.

 

Caminhadas no Sítio Histórico e Paisagístico do Morro de Santana, Mariana, Minas Gerais-Brasil

Durante as edições do Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana de 2008, 2009 e 2010, foram organizadas caminhadas visando divulgar o Morro de Santana, assim como o bairro Gogô (mais detalhes LAMIM-GUEDES, BRITO e PEREIRA, 2012) (Figura 4). Elas foram feitas através de uma trilha que atravessa o Morro da Santana e tiveram caráter contemplativo-informativo. Foram realizadas várias paradas sucessivas, com intervenções, a fim de demonstrar vários aspectos locais, por exemplo, características geológicas, ambientais, sobre as ruínas e a história do local.

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Figura 4: Atividade educativa realizada no Morro de Santana em julho de 2009. Foto: V. Lamim-Guedes.

 

Os moradores do Gogô e de outros bairros de Mariana mostraram-se interessados pelas explicações sobre o Morro de Santana, já que muitos destes apresentam reduzida escolaridade e desconhecem o que eram as ruínas observadas e que estas são da época do Ciclo do Ouro. Além de divulgar sobre o sítio, também se abordou a necessidade de se conservar o ambiente e o patrimônio natural e de como isto poderia ser importante para a comunidade, gerando renda através do turismo, e para a manutenção da história na memória das pessoas.

 

Considerações finais

A realização de atividades fora da escola é muito importante para a contextualização das informações tratadas em sala de aula. A realização destas atividades deve ser realizada de forma planejada, para ser uma iniciativa em consonância com os conteúdos das disciplinas. Neste sentido, é interessante que esta atividade extraescolar seja precedida por uma preparação, como uma aula, apresentação de slides ou dinâmica. Isto é importante para que o olhar dos alunos seja direcionado, a fim de se alcançar os objetivos das atividades. Caso contrário, as novidades e pontos curiosos podem se sobrepor aos aspectos que são interessantes para a atividade programada.

Um processo avaliativo que englobe o antes, durante e o depois da atividade extraescolar também é importante. Isto tornar-se relevante quando passa a se considerar que o que será avaliado é o processo de aprendizagem, a evolução do domínio dos assuntos por cada aluno e o empenho de cada um.

 

Referencias bibliográficas

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos Parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Brasília, 1997. 126 p.

FAO (ORGANIZÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA). Criar Cidades Mais Verdes. Roma: FAO, 2012. 15 p.

FREITAS, R. S. Educação Ambiental em Timor-Leste: desafios e possibilidades. In: SANTOS, M. A. Experiências de professores brasileiros em Timor-Leste: cooperação internacional e educação timorense. Florianópolis: Ed. da UDESC, 2011. p. 300-321.

HU, M. H.; AO, Y. S.; YANG, X. E.; LI, T. Q. Treating eutrophic water for nutrient reduction using an aquatic macrophyte (Ipomoea aquatica Forsskal) in a deep flow technique system. Agricultural Water Management, 95, 2008. 607-615.

KIM DONG, N. T.; THU, N. V.; PRESTON, T. R. Effect of dietary protein supply on the reproductive performance of crossbred rabbits. Livestock Research for Rural Development, 20 (9), 2008.

LAMIM-GUEDES, V.; BRITO, J.; PEREIRA, D. M. Educação e apropriação local: o caso do Sitio Paisagístico e Histórico do Morro de Santana. Educação Ambiental em Ação, 39, 2012.

LAMIM-GUEDES, V.; OLIVEIRA-VILELA, A. Ir à feira, a sustentabilidade nas pequenas coisas. Educação Ambiental em Ação, 37, 2011.

LANGELAND, K. A.; BURKS, K. C. Identification and Biology of Nonnative Plants in Florida’s Natural Areas. 2. ed., 2008. 170 p.

LELLIS, K. C. L. Cuidando de nosso entorno. Revista Nova Escola, 2012. Disponível em: . Acesso em: maio 2012.

MELONIO, N. Senegal: horta urbana pode substituir perda de áreas rurais. O Eco, 2012. Disponível em: . Acesso em: maio 2012.

MINC, C. Ecologia e Cidadania. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2005. 152 p.

OLIVA, J. T. A paisagem local: o quarteirão da escola. Revista Nova Escola, 2012. Disponível em: . Acesso em: maio 2012.

REVISTA NOVA ESCOLA. Caminhada pelo entorno da escola, 2012a. Disponível em: . Acesso em: maio 2012.

REVISTA NOVA ESCOLA. Natureza e sociedade na pré-escola, 2012b. Disponível em: . Acesso em: maio 2012.

SENICIATO, T.; CAVASSAN, O. Para Além da Razão: reflexões sobre o papel das emoções e das aulas de campo em ambientes naturais no ensino de ciências e em educação ambiental. In: TALAMONI, J. L. B.; SAMPAIO, A. C. Educação Ambiental: da prática pedagógica à cidadania. São Paulo: Escrituras Editora, 2003. p. 41-57.

SILVA, M. N.; GONTIJO, A. B.; LAMIM-GUEDES, V.; SANTOS, M. E. G.. Água e mudanças climáticas: tecnologias sociais e ação comunitária. Belo Horizonte: CEDEFES / Fundação banco do Brasil, 2012. 120 p.

TOLEDO, R. F.; PELICIONI, M. C. F. Educação ambiental em Unidades de Conservação. In: PHILIPPI JR., A.; PELICIONI, M. C. F. Educação Ambiental e sustentabilidade. Barueri: Manole, 2005. p. p.749-769.

ZHOU, X.; WANG, G.; YANG, F. Characteristics of growth, nutrient uptake, purification effect of Ipomoea aquatica, Lolium multiflorum, and Sorghum sudanense grown under different nitrogen levels. Desalination, 273(2-3), 2011. 366–374.

 

Ilustrações: Silvana Santos