Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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04/06/2011 (Nº 36) Investigação e conscientização dos moradores da zona urbana e rural do município Vitória de Santo Antão – PE sobre os morcegos e sua importância ecológica
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Revista Educação Ambiental em Ação 36

INVESTIGAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO DOS MORADORES DA ZONA URBANA E RURAL DO MUNICÍPIO VITÓRIA DE SANTO ANTÃO - PE SOBRE OS MORCEGOS E SUA IMPORTÂNCIA ECOLÓGICA

 

Maria Juliana Gomes Arandas¹; Igor Vinícius Pereira Cunha³; Janaina Kelli Gomes Arandas²; Laís Karla do Nascimento Andrade³; Francisco Carlos Amanajás de Aguiar Júnior³; Katharine Raquel Pereira dos Santos³

 

1. Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Dois Irmãos, CEP: 52171-900 – Recife, PE, Brasil.

 

2. Departamento de Zootecnia, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Dois Irmãos, CEP: 52171-900 – Recife, PE, Brasil.

 

3. Laboratório de Biotecnologia e Fármacos, Centro Acadêmico de Vitória, Universidade Federal de Pernambuco. Rua do Alto do Reservatório, s/n, Bela Vista, CEP 55608-680, Vitória de Santo Antão, PE, Brasil.

 

Corresponding author: julianaarandas@hotmail.com

 

Palavras-chave: Etnozoologia, mito, lenda, educação ambiental

 

RESUMO

Apesar da grande quantidade de informações disponíveis sobre os morcegos, ainda existem mitos e crendices populares envolvendo estes animais. Com o intuito de avaliar o conhecimento sobre os morcegos da população das áreas urbana e rural da cidade de Vitória de Santo Antão, foi aplicado 400 questionários com perguntas abertas, com duas ou múltiplas alternativas. Os resultados revelaram um índice elevado de respostas errôneas e distorcida acerca dessa fauna. Diante dessa necessidade de informações, foram realizadas palestras educativas com o objetivo de desmistificar as crendices sobre os morcegos, ressaltando o seu importante papel na natureza

 

ABSTRACT

Despite the large number of information available about bats, there are still myths and popular beliefs surrounding these animals. Aiming at verifying the knowledge about bats of the population of urban and rural areas of the city of Vitória de Santo Antão, 400 questionnaires with open questions, with two or multiple alternatives were applied. The results revealed a high rate of erroneous and distorted answers about this animal. Due to that need for information, educational lectures were given with the objective of demystifying  superstitions about bats, highlighting their important role in nature.

 

 

INTRODUÇÃO

     Os morcegos são os únicos mamíferos capazes de realizar vôo verdadeiro, razão de terem sido agrupados na Ordem Chiroptera, que significa mãos modificadas em asas (Fenton, 1992; Hill & Smith, 1988; Peracchi et al., 2006; Reis et  al., 2007).

     O convívio dos morcegos com a população humana tem aumentado consideravelmente devido à destruição do seu habitat pela fragmentação contínua dos biomas, em especial a Mata atlântica (Ranta et al., 1998). É muito comum a presença de diversas espécies de morcegos em ambientes urbanizados. As pessoas sabem da existência dos mesmos, como também, são acostumadas a vê-los nas cidades e nas áreas próximas do perímetro urbano. Apesar desse convívio, a importância ecológica dos morcegos em diversos aspectos do ecossistema, como a dispersão de sementes (Pijl, 1957), a polinização (Sazima & Sazima, 1975) e o controle de populações de insetos (Goodwin & Greenhall, 1961) é praticamente desconhecida pela comunidade. Em geral, acredita-se em mitos de que tais animais são vampiros, ratos velhos com asas, cegos, vermes, insetos e que só servem para transmitir doenças. Os quirópteros são animais selvagens e a exemplo dos demais mamíferos, estão susceptíveis a adquirir e transmitir certas doenças, sejam elas virais, bacterianas ou por meio de protozoários, fungos, etc. (Drummond, 2004).

     Acredita-se que as lendas e os mitos atribuídos aos morcegos estejam relacionados ao seu hábito noturno, ao repouso de “ponta-cabeça”, a pouca similaridade com os outros mamíferos e a hematofagia (Drummond, 2004; Andrigueto & Cunha, 2004).

     Para diminuir os riscos da ação predatória sobre os morcegos é preciso realizar um intenso trabalho de educação ambiental, onde é possível conhecer a importância ecológica e os reais perigos médico-sanitários relacionados a eles (Scavroni, et al., 2008).

     Partindo desse pressuposto, este trabalho verificou o conhecimento dos moradores da zona urbana e rural do Município de Vitória de Santo Antão  – PE com o intuito de conscientizar e corrigir, através da educação ambiental, os conceitos errôneos desta população acerca da ordem quiróptera. 

 

MATERIAL E MÉTODOS

A. Área de estudo

      O município de Vitória de Santo Antão, inserido na Zona da Mata Sul de Pernambuco, possui uma área municipal que ocupa 344,2 km2 e representa 0.35 % do Estado. A sede do município tem uma altitude aproximada de 156 metros e coordenadas geográficas de 08º 07’05”S e 35º17’29”W, distando 45,1 km da capital. Neste contexto, foram selecionados quatro bairros que representam cada uma das áreas consideradas no Município: (1) a zona urbana (Matriz, Livramento, Bela Vista e Lídia Queiroz e (2) a zona rural (Pirituba, Natuba, Cachoeirinha e Caiçara) para aplicação dos questionários.

B. Coleta de dados

      Foram aplicados 50 questionários em cada bairro, totalizando 400 indivíduos analisados. O questionário contava com perguntas com duas ou múltiplas alternativas. Quanto aos dados pessoais, foram registrados apenas a idade, a escolaridade e o bairro de residência.

C. Educação Ambiental

      Com base nos resultados dos questionários foi possível avaliar o nível de conhecimento, a deficiência de informação e a necessidade de conscientização da população. Dessa forma, o trabalho de conscientização foi realizado por meio da apresentação de palestras na Escola Municipal Jaime Vasconcelos Beltrão, no Colégio Nossa Senhora da Graça/Damas, na Escola Agrotécnica, na Universidade Federal de Pernambuco, no Centro Acadêmico de Vitória e na EXPO-UFPE 2010 que consiste em um evento destinado aos alunos do Ensino Médio. 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

      Dos questionários aplicados no município de Vitória de Santo Antão, apenas 19% dos entrevistados da zona rural e 27% da zona urbana sabiam que os morcegos possuem alguma importância ecológica, embora não saibam quais. É lastimável que a importância ecológica dos morcegos seja desconhecida, vez que são peças fundamentais para o equilíbrio do ecossistema, sendo válido ressaltar o importante papel das espécies de morcegos como polinizadores, dispersores de sementes e controladores de insetos (Esbérard et al., 1996; Reis et  al., 2007). Quanto ao conhecimento do que seria um morcego, 34% dos entrevistados da zona rural associaram morcegos aos mamíferos e 40% afirmaram que os morcegos são insetos. Enquanto na zona urbana, 39% fizeram esta associação com os mamíferos e 45% dos entrevistados afirmaram que os morcegos são ratos velhos. Esta associação de morcegos a “insetos” já é um fato conhecido, Costa-Neto & Carvalho (2004) destacam a criação de uma etnocategoria “inseto” usada pela população em geral para classificar os diversos artrópodes e também outros animais não relacionados com este grupo taxonômico. A associação de morcegos com “ratos velhos” aparentemente se deve ao fato de que eventualmente alguns morcegos podem ser avistados se locomovendo pelo substrato. Um fator relevante é que em diversas línguas, os morcegos são relacionados a ratos ou camundongos. Em francês recebem o nome de chauve-souris (rato careca), em espanhol são chamados de murcielagos (camundongos velhos), em alemão de fledermaus (rato voador). O próprio nome, morcego, é derivado do latim muris (rato) e coecus (cego) (Reis et. al., 2007).

Quanto às respostas acerca do hábito alimentar, 67% dos entrevistados na zona rural e 74% na zona urbana, indica de que os morcegos só têm o hábito da hematofagia. Este resultado ratifica o mito de que eles são vampiros. O medo do “vampirismo” é apontado com freqüência como justificativa para o preconceito e perseguição dos morcegos (Esbérard  et  al.,  1996).

Stocker transfere para o seu personagem Drácula características de quirópteras. A aversão e a crença popular de que todas as espécies de morcegos são hematófagas possivelmente ocorre devido a este personagem. Entretanto, das mais de 1113 espécies de morcegos, apenas três espécies são de hábito alimentar hematófago, os demais são nectarívoros, frugívoros, insetívoros, onívoros, piscívoros, carnívoros, etc (Andrigueto & Cunha, 2004; Reis et al., 2007; Simmons, 2005).

Dos entrevistados na zona rural, 94% sabiam que os morcegos transmitem doenças, embora somente 5% indicaram alguma. Em contrapartida, na zona urbana as porcentagens foram respectivamente, 83% e 16%. Este resultado confirma que os morcegos são geralmente lembrados como criaturas demoníacas, capazes de transmitir inúmeras doenças e que são quase sempre indesejáveis (Andrigueto & Cunha, 2004; Scavroni et al., 2008).

Um ponto positivo observado nas respostas foi que 97% dos entrevistados na zona rural e 93% na zona urbana revelaram que procurariam ajuda médica caso fossem mordidos por um morcego, mesmo considerando que 98% (zona rural) e 94% (zona urbana) dos entrevistados nunca tenham recebido qualquer informação de como proceder nos acidentes envolvendo morcegos. Este fato deve ser visto com cautela, uma vez que 79% dos entrevistados da zona rural e 68% na zona urbana já viram algum morcego de perto.

     Diante da constatação de diversos conceitos distorcidos sobre estes animais, foram feitos esclarecimentos e fornecidas orientações a este público através da apresentação de palestras utilizando exemplares de morcegos taxidermizados coletados na própria área e da distribuição de cartilhas educativas contendo informações sobre o papel ecológico, os hábitos alimentares, a importância médico-sanitária e a preservação dos morcegos.

      Tais palestras foram ministradas com o intuito de suprir as necessidades da população, assim como quebrar mitos e crendices sobre os morcegos e seus hábitos, mostrando-lhes a importância ecológica e suas funções dentro de seu habitat natural.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

      Os resultados indicaram que a população de Vitória de Santo Antão possui uma visão errônea acerca dos morcegos, enfatizando apenas o hábito alimentar hematófago e os perigos que os morcegos poderiam causar à  população. Dentro deste contexto, fez-se necessário intensificar a realização de palestras nas escolas para os pais e alunos e no próprio campus da UFPE-Vitória de Santo Antão sobre a importância ecológica e médica dos morcegos com o intuído de minimizar a carência de informações sobre o assunto. Outrossim, observou-se a necessidade da elaboração de um conjunto de ações que visem a preservação das espécies de morcegos e a proteção da população contra os efeitos maléficos causados por estes animais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  

Andriguetto, A.C.; Cunha, A.M.O. O papel do ensino na desconstrução de mitos e crendices sobre morcegos. Revista eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v.12, pp.123-134. 2004.  

Costa Neto, E. M.; Pacheco, J. M. A construção do domínio etnozoológico “inseto” pelos moradores do povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha, Estado da Bahia. Acta Scientiarum. Biological Sciences, v. 26, n. 1, pp. 81-90. 2004.

Drumond, S.M. Morcegos - Verdades e Mitos. Uma análise acerca do conhecimento sobre os morcegos na sociedade: folclore, ciência e cultura. Monografia (Licenciatura em Ciências Biológicas), Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, 2004.

Esbérard, C.E.L.; Chagas, A.S.; Luz, E.M.; Carneiro, R. “Pesquisa com público sobre morcegos”, Chiroptera Neotropical, Brasília, nº 1, v. 2, pp.44-45. 1996.

Fenton, M.B. Bats. Facts of file, New York, pp. 207. 1992.

Goodwin, G.G.; Greenhall, A.M. A review of the bats of Trinidad and Tobago: descriptions, rabies infection and ecology. Bulletin of the Americam Museum of Natural History, New York, n° 3, v 122, pp .187-302. 1961.

Hill, J.E. & Smith, J.D. Bats: a community perspective. Cambridge University Press, pp.167. 1988.

 

Peracchi, A.L.; Lima, I.P.; Reis, N.R.; Nogueira, M.R.; Ortêncio-Filho, H. Ordem Chiroptera. In: Reis, N.R.; Peracchi, A.L.; Pedro, W.A.; Lima, I.P. (Eds). Mamíferos do Brasil. Londrina: Editora da UEL, 2006.

Pijl, L. Van der. The dispersal of plants by bats (Chiropterocory). Acta Amazônica, v.6: pp. 291-315. 1957.

Ranta, P.; Blom, T.; Niemelaè, J.; Joensuu, E.; Siitonen, M. The fragmented Atlantic rain forest of Brazil: size, shape and distribution of forest fragments. Biodiversity and Conservation, v.7, pp.385-403. 1998.

Reis N.R.; Peracchi A.L.; Pedro W.A.; Lima I.P. Morcegos do Brasil. 1ª ed. Eduel, Londrina, Brasil, 253p. 2007.

Sazima, M.; Sazima, I. Quiropterofilia em Lafoensia pacari St. Hil. (Lythraceae), na Serra do Cipó, Minas Gerais. Ciência e Cultura, v.27: pp.405-416. 1975.

Scavroni, J;  Paleari,  L.M.  e  Uieda,  W. Morcegos: Realidade e fantasia na concepção de crianças de área urbana de Botucatu, SP. Revista Simbio-logias, n° 2, v1, pp.1-18. 2008.

Simmons N.B. “Order Chiroptera”.  In:  Wilson, D.E.; Reeder, D.M.  (Eds). Mammal species of the World: a taxonomic and geographic referenceBaltimore: Johns Hopkins University Press, 2005.

 

Ilustrações: Silvana Santos