Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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A PRÁTICA DE COMPOSTAGEM NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Cláudio Loes1
1 Graduado em Engenharia Industrial Elétrica pela Universidade São Judas Tadeu e Especialista em Educação Ambiental pela UNIPAR de Francisco Beltrão.
Rua São José, 821 – Guanabara. CEP: 85604-190. Francisco Beltrão/PR/Brasil. Telefone: (46) 9923-3094. claudio.loes@gmail.com
RESUMO
O presente artigo é resultado de pesquisa de campo realizada junto a alunos do ensino fundamental de colégio estadual localizado em Francisco Beltrão, PR. Teve por objetivo analisar a variação da percepção ambiental antes e após uma prática de compostagem de resíduos orgânicos domiciliares e atividades relacionadas dentro do contexto amplo da Educação Ambiental e, mais especificamente, da Alfabetização Ecológica.
Palavras-chave: Educação Ambiental, Alfabetização Ecológica, Percepção Ambiental, Compostagem, Resíduos Orgânicos Domiciliares.
INTRODUÇÃO
Assuntos relacionados ao Meio Ambiente, Natureza ou Ecologia nos levam a dados, informações ou mesmo reflexões sobre os problemas ocasionados de forma acelerada pelo homem em seu ato de simples apropriação, a fim de suprir suas necessidades imediatas ou não. Manifestos, abaixo assinados, convenções, comemorações e tantos outros movimentos que normalmente são pontuais ou até não surtem o efeito esperado tem acontecido, deixando um hiato para ações de médio e longo prazo. Ações estas que venham a contribuir de maneira efetiva, no que diz respeito à solução dos problemas ambientais e mesmo sobre nossa relação com a natureza. Assim, esta pesquisa veio ao encontro da necessidade por ações mais duradouras que uma simples comemoração poderia oferecer. Interesse este levado ao conhecimento de professores do ensino fundamental pelos seus alunos. Com foco voltado para a Educação Ambiental foi elaborado projeto de pesquisa com o objetivo de mensurar a variação da percepção ambiental dos alunos participantes antes e após uma prática relacionada com o Meio Ambiente. A prática escolhida foi a de compostagem de resíduos orgânicos domiciliares com atividades relacionadas à mesma.
A compostagem leva de 9 a 16 semanas, dependendo do material orgânico utilizado, das condições ambientais ( no verão é mais rápido) e do cuidado no revolvimento constante e uniforme da leira. O composto estará pronto quando após o revolvimento da leira a temperatura não mais aumentar. (AQUINO, 2005, p. 4).
O motivo da escolha da compostagem de resíduos orgânicos foi em função do próprio ciclo de seu processo e por estar alinhada com os princípios sugeridos para a alfabetização ecológica, como veremos adiante.
Educação Ambiental (EA)
Patrick Geddes é considerado o “pai da educação ambiental” e “já expressava a sua preocupação com os efeitos da revolução industrial, iniciada em 1779, na Inglaterra, pelo desencadeamento do processo de urbanização e suas consequências para o ambiente natural” (DIAS, 2004, p. 76). Somente uma catástrofe ambiental ocorrida em 1952 desencadearia o processo de sensibilização sobre a qualidade ambiental na Inglaterra. Neste ano, o ar densamente poluído provocou a morte de 1600 pessoas e em resposta foi aprovada a Lei do Ar Puro pelo Parlamento inglês, em 1956. Essa preocupação, no entanto, permaneceu restrita a pequenos círculos intelectuais que cuidavam do assunto e eram efetivadas na criação de parques nacionais. O Brasil criou o Parque Nacional do Araguaia, localizado na Ilha do Bananal, em 1956. Em maio de 1961, foi criado o Parque Nacional de Sete Quedas, na Região de Guaíra, estado do Paraná, desaparecendo em 1982 para dar lugar ao reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Desse período até hoje aconteceram diversos movimentos, com suas tendências iniciais voltadas para o entendimento do funcionamento da natureza e, tendo de outro lado, a pressão econômica para crescer sempre mais. A reunião realizada em Roma no ano de 1968 discutiu o “consumo e as reservas de recursos naturais não renováveis e o crescimento da população mundial até o século XXI” (REIGOTA, 2009, p. 22).
As conclusões do Clube de Roma deixaram clara a necessidade urgente de se buscar meios para a conservação dos recursos naturais e controlar o crescimento da população, além de se investir numa mudança radical na mentalidade de consumo e procriação. (REIGOTA, 2009, p. 22).
Em 1972, aconteceu na Suécia, a Conferência da ONU para o Ambiente Humano. Essa conferência gerou a Declaração sobre Meio Ambiente Humano, “e, em particular recomenda que seja estabelecido um programa internacional de Educação Ambiental, visando educar o cidadão comum, para que este maneje e controle seu ambiente” (DIAS, 2004, p. 36). Infelizmente, as atitudes de países como Brasil e Índia foram contrárias e afirmavam que a poluição era o preço a ser pago pelo progresso. Basta lembrar que na Bandeira Brasileira está escrito “Ordem e Progresso”. Os países em desenvolvimento aceitaram receber multinacionais que em seus países de origem não podiam mais operar e “acusaram os países industrializados de quererem limitar seus programas de desenvolvimento, usando as políticas de controles ambientais de controle de poluição” (DIAS, 2004, p.79). Em 1992, foi realizada a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Com uma documentação farta, esta conferência destacou-se por ter sido “a primeira conferência das Nações Unidas na qual a sociedade civil (cidadãos e cidadãs do mundo) puderam participar” (REIGOTA, 2009, p. 25). Resultando que “a afirmativa da necessidade de participação e da intervenção dos cidadãos e das cidadãs deixou de ser apenas um discurso bem-intencionado e conquistou um importante protagonismo” (REIGOTA, 2009, p. 25). Mais recentemente, em 2002, foi realizada em Johannesburgo, África do Sul, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.
Essa Conferência que ficou conhecida como Rio+10, tinha como objetivo avaliar as aplicações e progressos das diretrizes estipuladas no Rio de Janeiro. Realizada num momento de grande tensão internacional, logo após o atentado de 11 de setembro e, poucos meses antes da invasão americana no Iraque, essa reunião foi considerada um fracasso por uns e por outros uma possibilidade de encontros, debates e elaboração de estratégias comuns, apesar do descrédito público das Nações Unidas. (REIGOTA, 2009, p. 26).
As mudanças de nome das Conferências não são um mero acaso. Este movimento patrocinado pela UNESCO e por ONGs internacionais na atualidade quer modificar o nome “educação ambiental” para “educação para o desenvolvimento sustentável” (REIGOTA, 2009, p. 30). Esta mudança tem dividido os envolvidos, os educadores e educadoras, e podemos reconhecer neta proposta de mudança de denominação, uma acentuada pressão econômica. Como a palavra crescimento não seria aceita sugere-se então a palavra desenvolvimento como um sinônimo. Assim, reconhecendo, pelo exposto até aqui, a oposição econômica até o ponto de levar a Educação Ambiental para a simples busca de alternativas sustentáveis, entende-se que estas alternativas são importantes, mas não algo a ser privilegiado na educação.
A Educação Ambiental, explicitada por Dias, mantém a promoção da sustentabilidade e foca no processo de aprendizado. O que para Reigota deve ser ampliado coletivamente.
A Educação Ambiental deve procurar favorecer e estimular possibilidades de se estabelecer coletivamente uma “nova aliança” (entre os seres humanos e a natureza e entre nós mesmos) que possibilite a todas as espécies biológicas (inclusive a humana) a sua convivência e sobrevivência com dignidade. (REIGOTA, 2009, p. 14).
Ambos os conceitos expostos carecem de uma explicitação de que o Meio Ambiente é um sistema complexo. “O que determina a complexidade de um sistema não é o número de partes de que ele é composto, mas a dinâmica das relações entre essas partes” (MARIOTTI, 2007, p. 89). Nesse sentido, a Educação Ambiental é a promotora da dinâmica das relações entre as partes do Meio Ambiente, da espécie humana, de tudo e de todos; o que a torna também um sistema complexo. “Os sistemas complexos são mais capazes de se adaptar às mudanças ambientais. Daí a expressão sistemas complexos adaptativos” (MARIOTTI, 2007, p. 89). Assim, a Educação Ambiental é a oportunidade de melhor nos adaptarmos com tudo aquilo que é diferente, incerto e que muda constantemente no tecer a possibilidade de continuarmos existindo enquanto espécie humana.
Alfabetização Ecológica
A Educação Ambiental sendo um processo permanente e amplo tem a possibilidade de religar o ser humano com tudo e com todos. Provendo sintonia profunda com as questões fundamentais da existência humana e como essas questões afetam e afetarão nossa existência enquanto espécie. Nesse sentido, Capra propõe a alfabetização ecológica.
À medida que nosso século se desdobra, a sobrevivência da Humanidade dependerá de nossa alfabetização ecológica: nossa capacidade de compreender os princípios básicos da ecologia e viver de acordo com eles. Este é um empreendimento que transcende todas as diferenças de raça, cultura ou classe social. A Terra é nosso lar comum, e criar um mundo sustentável para nossas crianças e para as futuras gerações é uma tarefa para todos nós. (CAPRA, 2005, p. 33).
O que vem a ser alfabetização ecológica? Para Capra é a “compreensão dos princípios de organização que os ecossistemas desenvolveram para manter a teia da vida” (CAPRA, 2005, p. 20). O autor ainda recomenda alguns princípios da ecologia, que segundo ele comporiam um currículo para ensinar a nossas crianças os fatos fundamentais da vida. - nenhum ecossistema produz resíduos, já que os resíduos de uma espécie são o alimento de outras; - a matéria circula continuamente pela teia da vida; - a energia que sustenta estes ciclos ecológicos vem do Sol; - a diversidade assegura a resiliência; - a vida, desde seu início há mais de três milhões de anos, não conquistou o planeta pela força, e sim através da cooperação, parcerias e trabalho em rede. (CAPRA, 2005, p. 25).
Nos Centros de Ecoalfabetização da Califórnia (www.ecoliteracy.org) Capra e seus colegas desenvolvem “um sistema de educação para uma vida sustentável. Isso envolve uma pedagogia centrada na compreensão da vida, uma experiência de aprendizagem no mundo real que supere nossa alienação da natureza” (CAPRA, 2005, p. 26).
Percepção Ambiental
O que é percepção? “Todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos”. (MORIN, 2000, p. 26). A percepção ambiental é uma percepção específica relacionada com o meio ambiente, onde “todo fazer é um conhecer e todo conhecer é um fazer” (MATURANA; VARELA, 2001, p. 32). Importa também destacar a indissociabilidade do ser humano com o meio em que habita, sendo ele parte do meio ambiente e agente modificador do mesmo.
O homem e o meio ambiente estão em estado de inter-relacionamento dinâmico. Nesse contexto, o ambiente no qual o homem vive é um ambiente total, de atributos biológicos, fisiológicos, econômicos e culturais, todos combinados em uma dinâmica ecológica em constante transformação. O homem atua no ambiente e em troca é influenciado por ele. (PEREIRA, 2003, p. 81).
Por outro lado, precisamos estar atentos às nossas percepções, mesmo sendo externadas com base na linguagem “que é nossa maneira particular de ser humanos e estar no fazer humano” (MATURANA; VARELA, 2001, p. 32); elas serão fortemente influenciadas pela cultura, onde, no caso de nossa cultura ocidental ainda existe a separação do sujeito e do objeto.
O paradigma cartesiano separa o sujeito e o objeto, cada qual na esfera própria: a filosofia e a pesquisa reflexiva, de um lado, a ciência e a pesquisa objetiva, de outro. Esta dissociação atravessa o universo de um extremo a outro: Sujeito/Objeto Alma/Corpo Espírito/Matéria Qualidade/Quantidade Finalidade/Causalidade Sentimento/Razão Liberdade/Determinismo Existência/Essência (MORIN, 2000, p. 26).
Assim, entende-se a percepção ambiental como uma circularidade, um diálogo entre o conhecer e o fazer.
Diálogo (reflexão conjunta e observação cooperativa da experiência) é um método de conversação que busca melhorar a comunicação entre as pessoas e a produção de ideias novas e significados compartilhados. É um método que permite que as pessoas pensem juntas e compartilhem dados que surgem dessa interação, sem procurar analisá-los ou julgá-los de imediato. (MARIOTTI, 2000, p. 2).
Pode-se aqui questionar a validade de uma análise de variação da percepção ambiental nesta pesquisa, sendo feita pelo uso da linguagem “tudo o que é dito é dito por alguém” (MATURANA; VARELA, 2001, p. 32). Entende-se que realizar uma análise da percepção ambiental em determinado momento é como tirar uma fotografia. Se tivermos num ínterim duas fotografias de um mesmo lugar, a análise comparativa entre as duas dá condições de perceber as mudanças que ocorreram e ao mesmo tempo ir construindo conhecimento sobre o lugar em questão. Isso não quer dizer que teremos uma síntese e sim a possibilidade do que poderá ser o lugar, ou de algumas características que lhe são próprias. Lembrando que as lentes usadas, tempo de exposição, resolução, condições de iluminação também afetarão nossas informações sobre o local. Nesta pesquisa a percepção ambiental dos participantes será expressa pelo uso da linguagem escrita. Os dados de uma pesquisa podem ser obtidos por questionário, métodos interativos, desenhos, “ou por outros meios que sua criatividade permita visualizar” (VERGARA, 2009, p. 51). Sendo a percepção uma reconstrução cerebral conforme visto anteriormente a metodologia para coleta de dados fará uso de palavras-chave, “palavra que identifica elementos correlatos ou que pertençam à mesma área de interesse para fins de pesquisa” (HOUAISS, 2007) de maneira reversa. Isto é, as palavras-chave serão fornecidas e os participantes expressarão elementos correlatos às mesmas que serão posteriormente tabulados e analisados tanto quantitativa quanto qualitativamente. Assim, para o propósito desta pesquisa estaremos realizando um levantamento de percepção ambiental, antes e após uma prática de compostagem dentro do contexto amplo da Educação Ambiental e mais especificamente da Alfabetização Ecológica. A análise entre ambas as percepções deverá mostrar mudanças ou não que possam ter ocorrido nesta dinâmica dialógica do conhecer e fazer de toda a pesquisa.
Compostagem de Resíduos Orgânicos Domiciliares (ROD)
Nas áreas urbanas os ROD, em grande parte, tem como destino os aterros sanitários, ou descarte em terrenos baldios ou áreas públicas, constituindo-se em grandes preocupações para os administradores públicos relacionados com as questões ambientais, além do grande desperdício de nutrientes. A compostagem é um processo onde os ROD são digeridos por bactérias, fungos e microorganismos. Ao final, obtém-se um composto com nutrientes mineralizados que podem ser novamente disponibilizados para as plantas, na recuperação de solos e outros (FIORI, 2004, p. 26). Para a presente pesquisa a prática da compostagem foi desenvolvida conforme descrito na Circular Técnica 76 (AQUINO et al., 2005), onde ao invés da leira iremos utilizar o método do caixão neozelandês para facilitar a prática conforme Schneider e Waldman descrevem:
O método do caixão neozelandês é bastante usado como técnica alternativa. Trata-se de um engradado sem fundo e sem tampa, podendo conter o correspondente a um metro cúbico ou um quarto desse volume. Recipientes de plástico ou uma tela também podem ser utilizados. (SCHNEIDER e WALDMAN, 2003, p. 27-28)
É interessante construir as faces do engradado, caixa, de forma que fiquem independentes, formando quatro painéis. As ripas que formam os painéis devem ser pregadas de modo a permitir um espaço entre eles para aeração.
METODOLOGIA
Tipo de pesquisa
Quanto aos fins é uma pesquisa descritiva (VERGARA, 2009, p. 42) porque vai expor as diferenças de percepção ambiental sem emissão de julgamento, muito embora ela venha a servir para explicar a contribuição da prática realizada para essa diferença; e uma pesquisa explicativa, porque visa esclarecer se a prática realizada contribuiu para a variação da percepção ambiental. Quanto aos meios (VERGARA, 2009, p. 43) a pesquisa será de campo, bibliográfica e participante. De campo porque realizada num local específico que dispõe de elementos para observação. Bibliográfica, pela execução prévia de estudo sobre Educação Ambiental, Alfabetização Ecológica, Percepção Ambiental e Compostagem. Participante porque o pesquisador participou da prática de compostagem e da análise da percepção ambiental.
Universo e Amostra
O universo da pesquisa foram 30 alunos do ensino fundamental. A classe foi escolhida pela direção e professores do colégio estadual localizado em Francisco Beltrão, PR. Vale lembrar que em nenhum momento da pesquisa houve qualquer identificação individual do aluno ou mesmo algum questionamento direcionado que pudesse identificá-lo pessoalmente a posteriori.
Atividades da Pesquisa
A pesquisa de campo durou 220 dias. Contando com as seguintes atividades em ordem cronológica, conforme Tabela 1.
Tabela 1 – Ordem cronológica das atividades da pesquisa
Primeira Percepção Ambiental (1ª PA)
Os alunos foram reunidos numa sala ampla onde foi possível formar um semicírculo de modo que todos ficassem voltados para o pesquisador. Em seguida foi dada a instrução de que todos deveriam portar somente lápis e caneta. Cada aluno recebeu um cartão em branco de 13 x 8 cm. Em seguida, foram dadas as instruções de que seriam fornecidas três palavras-chave e que cada um deveria anotar no cartão palavra, frase, ou ideia que surgisse relacionada a uma delas ou mais de uma ao mesmo tempo. Foi também pedido para que cada um não se preocupasse com certo ou errado. Também ficou acertado de que quem tivesse outras ideias entregaria o cartão já escrito e receberia outro em branco. Em seguida, foram fornecidas as três palavras-chave: Meio Ambiente, Natureza e Ecologia. Estas palavras foram escolhidas pelo pesquisador tendo em vista sua recorrência na pesquisa bibliográfica e por serem de sentido amplo na Educação Ambiental. O tempo estabelecido para a geração dos cartões foi de 5 minutos, guardando-se os cartões gerados na mesma ordem em que iam sendo entregues e trocados ou não por outros. Terminado o tempo da geração dos cartões, na sequência o pesquisador lia o conteúdo de cada cartão duas vezes, começando do primeiro que tinha sido entregue e assim sucessivamente. O grupo de alunos num ambiente de diálogo e conversação decidia com qual das palavras-chave o cartão estava relacionado. O resultado era anotado no cartão e seguia-se a leitura do próximo. Todo cuidado foi tomado para que nenhum aluno ou mesmo um grupo assumisse as decisões. O período de tempo para esta etapa foi de 40 minutos. Este tempo total para levantamento da percepção ambiental foi imposto pela duração do período de uma aula disponibilizada para este fim. Os cartões em seguida foram guardados na mesma ordem em que foram gerados para serem tabulados juntamente com a segunda percepção ambiental.
Aula de compostagem de ROD
A aula foi dada para os alunos participantes da pesquisa utilizando-se de recurso de projeção com informações baseadas no levantamento bibliográfico. A duração foi de 50 minutos. Após a aula de compostagem cada aluno recebeu uma caixa plástica com tampa, volume de 7 litros que seria levada para casa e ficou combinado o dia da semana em que todos trariam a mesma para realizar a compostagem na horta da escola. Para facilitar também foi entregue um folheto com indicação do que poderia vir na caixa para ser compostado. Assim, a cada semana na data e horário marcado um grupo de alunos levava as caixas de todos e juntamente com o pesquisador foram realizando a parte prática da compostagem. Foi dada oportunidade de realizar o rodízio para que todos pudessem participar.
Criação de texto
Os alunos foram divididos em 5 grupos e cada grupo recebeu uma folha com vinte linhas e foi pedido para o grupo criar um texto com o tema “A importância da compostagem para a conservação do solo”. A divisão dos grupos foi aleatória para facilitar a atividade lúdica que iria acontecer mais para frente. Ficou combinado que o texto teria uso mais adiante, porém, os alunos não sabiam da atividade lúdica. A atividade lúdica só foi confirmada uma semana antes de acontecer.
Leitura
Foi entregue uma cópia do livro “O fantasma dos vaga-lumes” (SANDRA, 2004) para leitura em duplas.
Atividade relacionada
Esta atividade consistiu de uma atividade lúdica tendo como tema a compostagem, a montagem de um quebra-cabeça com base nos textos desenvolvidos e uma gincana de perguntas com base no livro “O fantasma dos vaga-lumes”. Esta atividade aconteceu na Sede da Companhia da Polícia Militar de Francisco Beltrão – PR com duração programada e executada de 3 horas. O local foi escolhido porque fica ao lado do Rio Urutago e existe um trabalho de recomposição da mata ciliar onde isto ainda é possível.
Sessão cinema
A projeção do filme “Ilha das flores” foi feita na sala de vídeo do colégio. Seguida de perguntas sobre o filme propostas pelo pesquisador e diálogo sobre a relação do filme com a atividade de compostagem.
Segunda Percepção Ambiental (2ª PA)
Foi realizada nos mesmos moldes e local que a 1ª PA. Respeitando-se os mesmos tempos e instruções.
Último encontro
Durante todo o período, mesmo com as outras atividades, foi mantida a coleta de ROD e sua compostagem na horta da escola. Fechando o ciclo da compostagem, os resíduos coletados nas primeiras semanas agora já estavam prontos para uso. Assim, no último dia, todos os alunos que trouxeram resíduos receberam o resultado da compostagem no volume de 2/3 de suas caixas plásticas e uma dúzia de sementes de ervilha para plantarem em casa. No local próximo da compostagem foi feito um canteiro equivalente ao que cada aluno poderá fazer em casa.
RESULTADOS
Com a realização das duas percepções foi possível tabular os resultados comparativos entre os cartões gerados, cartões relacionados com as palavras-chave pelo grupo e os cartões não relacionados pelo grupo, conforme a Tabela 2.
Tabela 2 – Comparação dos cartões gerados e relacionados
Do total de cartões relacionados, fez-se a tabulação em relação às palavras-chave e suas combinações, conforme Tabela 3. Lembrando que as colunas de palavras-chave foram consideradas individualmente e não em suas combinações. Assim, por exemplo, a ocorrência da relação com a palavra Meio Ambiente foi em 25 cartões relacionados na 1ª PA e 20 cartões relacionados na 2ª PA.
Tabela 3 – Comparação dos cartões relacionados com palavras-chave e combinações destas.
Na sequência, comparou-se a quantidade de vocábulos utilizados, palavras e frases tomando-se todos os cartões gerados, conforme Tabela 4. As palavras não foram qualificadas. Considerou-se frase como sendo a “construção que encerra um sentido completo, podendo ser formada por uma ou mais palavras, com ou sem verbo, ou por uma ou mais orações” (HOUAISS, 2007).
Tabela 4 – Vocábulos, palavras e frases.
Com relação ao uso das próprias palavras-chave nos cartões gerados temos a Tabela 5.
Tabela 5 – Uso das palavras-chave nos cartões gerados.
Pode-se observar também o resultado da comparação dentro do universo dos cartões relacionados pelo grupo do uso das palavras-chave no próprio cartão e a relação com palavras-chave estabelecida pelo grupo, vide Tabela 6. Aqui estará sendo considerada uma independentemente se for individual ou composta com outras palavras-chave. Exemplo: se o cartão tem a frase: Natureza e Meio Ambiente se complementam; então será contado 1 para Meio Ambiente e 1 para Natureza.
Tabela 6 – Uso palavras-chave (UPC) no cartão relacionado (CR).
Por último, o resultado da comparação entre os vocábulos encontrados nos cartões gerados das duas percepções ambientais considerando a totalidade destes. Onde os vocábulos comuns são os que apareceram em ambas as percepções e vocábulos próprios aqueles que só ocorreram na própria percepção. O resultado, Tabela 7, não considera qualquer qualificação de gênero, número e grau ou outro com relação aos vocábulos.
Tabela 7 – Vocábulos comuns e vocábulos próprios.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Considera-se que o objetivo da pesquisa, verificar a variação da percepção ambiental antes e após uma prática de compostagem e atividades relacionadas, foi atingido conforme demonstram os resultados e uma análise mais acurada na sequência. Cartões gerados e palavras-chave: não houve diferença significativa de cartões gerados entre a 1ª PAD com 45 cartões e a 2ª PAD com 44 cartões. Poderíamos dizer inicialmente que seria certa homogeneidade do grupo ou mesmo um controle na condução por parte do pesquisador. No entanto, observa-se um aumento de uso do cartão físico visto o aumento de palavras utilizadas, tendo a 1ª PA com 267 palavras e a 2ª PA com 437palavras o que mostra que houve aumento na capacidade de expressar as conexões cerebrais relacionadas com as palavras-chave. Palavras-chave: o grupo não se deixou influenciar com relação ao uso de uma ou mais das palavras-chave no próprio texto do cartão. Destacando-se o uso da palavra-chave natureza com um incremento de 60%, enquanto que o relacionamento dos cartões com a mesma foi de 5,26% a menos. Daí, conclui-se que a reflexão conjunta e cooperativa nas atividades que aconteceram entre os dois levantamentos de percepção propiciou ao grupo a busca de um significado compartilhado de percepção. Linguagem: a percepção ambiental tendo sido uma reconstrução cerebral expressa em cartões gerados com base em estímulos externos, as palavras-chave, mostrou uma variação expressiva no vocabulário. Reflexo direto das atividades desenvolvidas de leitura, escrita e pesquisa. Além, dos resultados relacionados diretamente com o objetivo da pesquisa existem outros que devem ser mencionados, pois conhecer é fazer e fazer é conhecer (MATURANA; VARELA, 2001, p. 32). Compostagem: a prática mostrou-se alinhada com os princípios da Alfabetização Ecológica, desenvolvendo nos alunos o interesse pelos processos naturais e busca de informações junto a professores e pais. Assim, além de “plantar uma horta e usá-la como recurso para o preparo de refeições na escola é um projeto perfeito para experimentar o pensamento sistêmico e os princípios da ecologia em ação” (CAPRA, 2005, p. 26); considera-se que a prática da compostagem tem a mesma validade por restabelecer a conexão com os ciclos naturais (nascer, desenvolver-se, amadurecer e morrer) e impulsionador a horta por consequência. O que faremos com o composto pronto? Atividades de médio prazo: as atividades que aconteceram no decorrer da pesquisa contaram com uma participação ativa da maioria dos alunos envolvidos. Isso está diretamente relacionado com a solicitação feita pelos mesmos de que as atividades relacionadas com Meio Ambiente não fossem somente as que acontecem em datas comemorativas. Quando foi definido que duas semanas antes do término das aulas seria a última semana para trazer resíduos orgânicos um grupo de alunos protestou e disse que queria continuar. Foram atendidos e na sequência o Colégio manifestou interesse e o projeto de compostagem terá continuidade e será ampliado para a participação de outros alunos. Chega-se ao fim e início de novas possibilidades de pesquisa. Uma possibilidade seria a ampliação do número de escolas, com as mesmas séries e comparar os resultados em contextos escolares e socioeconômicos diversos. Outra seria realizar a mesma pesquisa com outras práticas para comparar resultados e mesmo definir indicadores de educação ambiental. Além de muitas outras que o leitor terá, lembrando que “a diversidade assegura a resiliência” (CAPRA, 2005, p. 25). Quanto mais possibilidades, maior será nossa capacidade de adaptação e possibilidade de existência enquanto espécie humana. Esta pesquisa lançou luzes sobre a Educação Ambiental como um sistema complexo, com capacidade melhor para lidar com a incerteza, a mudança e a diversidade. Isso para garantir nossa existência enquanto espécie humana. Sendo humanos, a linguagem nos sendo própria permitiu trilhar o caminho da alfabetização ecológica, basicamente um aprender com a natureza, e traduzida num fazer compostagem de resíduos orgânicos domiciliares. Conhecer fazendo e fazer conhecendo. Esta prática permitiu através do diálogo, da conversa, aumentar as relações, tanto pessoais entre os participantes, como do participante com todos e tudo o mais com o qual passou a relacionar-se. Incluímos aqui as oportunidades nas atividades de leitura, criação de texto, jogos lúdicos e cinema. Neste período foi possível experienciar aquilo que acontece naturalmente no meio ambiente. Tudo isso estaria bem e já daria sua contribuição para o todo e para nós mesmos. No entanto era necessário comprovar se tudo isso faria sentido. A resposta estava na análise da variação da percepção ambiental. Uma reconstrução cerebral feita pelo indivíduo com base na sua experiência. A percepção ambiental foi levantada com base em palavras-chave (Meio Ambiente, Natureza e Ecologia) que pela sua amplitude trariam elementos e conteúdos da linguagem de cada participante. A linguagem é própria dos seres humanos e tudo o que é dito é dito por alguém. O resultado da análise mostrou uma melhoria quantitativa pelo uso de maior número de palavras e qualitativo pelo maior número de vocábulos empregados. Esta análise mostrou melhoria significativa na percepção ambiental, traduzida na linguagem explicitada pela escrita, indicando que o caminho é esse, ou o início pode ser esse. Resta saber quem quer juntar-se para prosseguir sabendo que o certo é que teremos diversidade, incerteza e mudanças pela frente.
AGRADECIMENTOS
Agradecimento especial aos alunos que participaram da pesquisa com sua vivacidade, curiosidade e empenho. Agradeço ao corpo docente e funcionários do colégio que tornaram possível realizar a pesquisa de campo e que buscam no dia a dia educar crianças e adolescentes para uma vida melhor em sintonia com a natureza. Aos orientadores, Prof. Carlos Antônio Bonamigo e Profa. Rosa Cristina Gallassini Tonini pela paciência educadora nos momentos críticos e seriedade na instigação pela busca do aprimoramento científico. Um agradecimento especial às bibliotecárias da UNIPAR de Francisco Beltrão que não mediram esforços em auxiliar na busca bibliográfica. Teria aqui uma lista de colegas de curso que estiveram presentes e em muito auxiliaram com seus conhecimentos e amizade para seguir em frente. Finalmente e com carinho, agradeço a minha esposa e filho que entenderam o desafio de uma pesquisa científica e deram liberdade para que ela pudesse acontecer. Obrigado!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AQUINO, M. de; OLIVEIRA, A. M. G.; CASTRO NETO, M. de. Compostagem caseira de lixo doméstico. Cruz das Almas: Embrapa Mandioca e Fruticultura, 2005 6p. (Embrapa Mandioca e Fruticultura. Circular Técnica 76)
AYMONE, Sandra. O fantasma dos vagalumes. Campinas: Fundação EDUCAR Dpaschoal, 2004. 28 p.
CAPRA, Fritjof. Alfabetização Ecológica: o desafio para o século 21. In: Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento / coordenação de André Trigueiro: prefácio de Marina Silva. Campinas: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2005. 367 p.
DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. São Paulo: Gaia, 2004. 551 p.
FIORI, Antonieta Aparecida. Minhocultura. Campinas: 2004. 66 p. (CATI Coordenadoria de Assistência Técnica Integral. Boletim Técnico 242).
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Sales. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 2ª Reimpressão. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
ILHA DAS FLORES. Direção e Roteiro de Jorge Furtado. Produção da Casa de Cinema de Porto Alegre, 1989. 1 filme ( 12 min.), som óptico mono, Color, 35mm, parte integrante do DVD Jorge Furtado Curtas.
MARIOTTI, Humberto. Diálogo: um Método de Reflexão Conjunta e Observação Compartilhada da Experiência. Revista Thot, São Paulo, n. 76, p. 6-22, 2001.
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