Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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Arte e Ambiente
10/03/2009 (Nº 27) A(cerca) do que nos cerca
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A(cerca) do que nos cerca

 

Cláudia Mariza Brandão[1]

Sandra Espinosa Almansa; Claudia Silveira Tavares; Elzilene Coelho Leal;

Maria da Graça Ribeiro; Marlise Da Rosa Pizarro; Daniele Simões Borges;

Ana Paula da Rosa Pizarro; Inaê Bica Jorge; Olga Maria Pereira[2]

                                                   

                                                                                             

 

O seu olhar lá fora,
O seu olhar no céu,
O seu olhar demora,
O seu olhar no meu,
O seu olhar, seu olhar melhora
Melhora o meu.

O Seu Olhar – Ceumar, Paulo Tatit/Arnaldo Antunes

 

 

A poética de Tatit e Antunes nos instiga a refletir sobre o olhar que olha além, que percebe o Outro como um complemento fundamental para o resgate da essência do ser humanitário, aquele que deseja e trabalha para o bem da coletividade. E como faremos isso sem antes limpar as lentes embaçadas dos velhos óculos que carregamos há gerações, e que não nos permitem enxergar para além das aparências?

 

Figura 1: Claudia Tavares

Fotografia digital, 2007.

 

As idéias aqui apresentadas resultam de discussões textuais e imagéticas desenvolvidas no curso “APROPRIAÇÕES DO OLHAR: Fotografia e Imaginário nos processos de (auto)formação docente” por um grupo de professores, a partir da apreciação crítica do vídeo “A História das Coisas”[3] e do documentário “Janela da Alma”[4], gerando os questionamentos e as provocações imagéticas que ora compartilhamos com os leitores.

Sabemos que provavelmente a educação não possa salvar o mundo. No entanto, acreditamos que ela seja capaz de produzir, alterar, compor, mover subjetividades que possam protegê-lo. Isso porque mantemos a esperança, embora os movimentos de mudança ainda sejam lentos e, muitas vezes, mais pautados na racionalidade do que na sensibilidade.

Vivemos em um mundo no qual o consumismo fala mais alto que tudo. Consumimos, na maioria das vezes, não por necessidade, mas sim por compulsão. A mídia provoca e estimula e nós passivamente aceitamos essas provocações, sem nos darmos conta que estamos automaticamente acabando com a vida no/do nosso planeta.

Promovemos manifestações, correntes através da internet, reclamamos a toda hora, fazemos de tudo na tentativa de transformar a consciência das pessoas... mas será que efetivamente estamos fazendo alguma coisa em prol da vida?

 

Figura 2: Maria da Graça Ribeiro

Fotografia digital, 2008

 

Enclausurados em nossas moradias, apartados da natureza, somos parte do sistema, induzidos por várias instâncias às atividades relativas ao ter, ao comprar, ao aparentar, ao controlar, sendo que as emoções ficam sob o domínio dessas “atividades” que nos proporcionam prazer instantâneo.

            Nossos olhos se abrem e se fecham diante das “coisas”. Nos percursos diários o que vemos? Ruas e suas curvaturas, casas e suas cercas elétricas, lojas e seus guardas, pessoas e seus bens, pessoas e seus olhos e suas particularidades. Olhos são para ver. Isso não é tão óbvio. Diante de nosso olhar cansado, exaurido pelo excesso, diariamente desfilam infinitas imagens. Embora elas componham cenários representativos de mentalidades e comportamentos, nem sempre percebemos essas composições aleatórias.

            No documentário “Janela da Alma” José Saramago nos diz que é preciso dar a volta nos objetos para enxergá-los melhor. O cotidiano nos torna muitas vezes cegos, condicionados a um tipo de vida da qual nem sempre gostamos, e que somente é percebida quando algo belo ou trágico acontece como que aconselhando: Olhe! Conheça! O olhar é a nossa principal conexão com o mundo, ele nos possibilita perceber mais profundamente o nosso contexto. Um olhar mais apurado, mais demorado, nada mais é do que o tempo suficiente para nos confrontarmos/refletirmos sobre o que a realidade nos apresenta.

 

Figura 3: Elzilene Leal

Fotografia digital, 2009.

 

            “A Historia das Coisas” problematiza a afirmação de Saramago de que vivemos em uma ditadura econômica que nos leva a acreditar que o melhor é triunfar na vida a qualquer preço. O vídeo nos mostra que Gaia é um organismo que respira e pulsa, quase como que "de uma forma quântica", e que nós somos como que células compondo a imensa teia da vida. Nós, as células, somos envoltos por muitas peles: a epiderme, as roupas, a habitação, a identidade social, e todas elas intrinsecamente relacionadas ao próprio planeta. Cada indivíduo é uma peça importante desta imensa "engrenagem", e cabe a cada um danificar o sistema ou lubrificá-lo com a satisfação dos mais banais desejos e ações irrefletidas.

 

Figura 4: Olga Pereira

Fotografia digital, 2009.

 

Não. Não queremos o progresso! Pelo menos não o ideal modernista de aperfeiçoamento do homem, da vida e da ciência, baseado na racionalidade. Embora essa afirmação possa parecer a princípio a materialização de um pessimismo existencial, ela é a tentativa de vislumbrar uma possibilidade otimista de mudança.

Quando nos propomos a pensar sobre a nossa posição neste imenso sistema vivo notamos que somos falhos. Uns mais, outros menos, mas todos. E a questão não é ser infalível, mas ser o menos falho possível. Não apenas ter esperança, mas ser dela uma fatia. Não apenas ter consciência, mas dar forma a ela. Não apenas acusar o outro pelo ritmo incerto, mas dar-lhe a ver que existem outras marchas de tocar a existência. Pra que a dança se torne alegre, e não uma melodia fúnebre. Pra que esta cultura do desejo de consumo se faça antiga. Porque, se não podemos apenas crer no progresso, é necessário que, venhamos a ter mais cuidado com o educar. Por uma educação singular, sim, mas responsável. Por uma educação diferente, sim, mas com aspectos e preocupações em comum. Não estritamente racional, mas sensível.

 

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas

que já têm a forma do nosso corpo

E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos
mesmos lugares
É o tempo da travessia

e se não ousarmos fazê-la teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos.

Fernando Pessoa

 

Figura 5: Ana Paula Pizarro

Fotografia digital, 2009.

 

                                                                                                           



[1] Mestre em Educação Ambiental, professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas, CEFET-RS, coordenadora do PhotoGraphein – Núcleo de Pesquisa em Fotografia e Educação, FURG/CNPq e ministrante do APROPRIAÇÕES DO OLHAR.

[2] Professoras cursistas.

Ilustrações: Silvana Santos