Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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Arte e Ambiente
19/09/2003 (Nº 2) O olhar de um voyeur do cotidiano
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Isso nos leva a um outro tipo de explicação sobre as razões pelas quais o modernismo é a nossa arte: é a única arte que corresponde à trama do nosso caos. É a arte decorrente do “princípio da incerteza” de Heisenberg, da destruição da civilização e da razão na Primeira Guerra Mundial, do mundo transformado e reinterpretado por Max, Freud e Darwin, do capitalismo e da contínua aceleração industrial, da vulnerabilidade existencial à falta de sentido ou ao absurdo. É a literatura da tecnologia. É a arte derivada da desmontagem da realidade coletiva e das noções convencionais de causalidade, da destruição das noções tradicionais sobre a integridade do caráter individual, do caos lingüístico que sobrevém quando as noções públicas da linguagem são desacreditadas e todas as realidades se tornam ficções subjetivas. (Bradbury, 1989:19)

A Arte Moderna, especificamente urbana, reflete a idéia da metrópole. Ela surge como expressão do conflito existencial do homem moderno ao confrontar-se com o crescimento desordenado do espaço urbano e o progressivo isolamento social do indivíduo.

Edward Hopper, Domingo de manhã cedo, 1939.

Pela sensação de estranhamento e pela falta de referências culturais, alguns artistas se voltaram para sua realidade interna, alienando-se da sociedade, enquanto outros buscaram concretizar através do objeto estético uma reflexão crítica sobre as questões postas pela nova forma de viver em sociedade: o agravamento da crise da cidade como agregação histórica da sociedade.

Edward Hopper[1] é um, dentre os muitos artistas modernos, que enfocam em sua obra a relação do homem com o meio. Com uma ação diferenciada das vanguardas modernistas que elegeram a abstração da forma como representação, Hopper retornou à representação em perspectiva sacramentada pelo Renascimento e rechaçada pelo Modernismo. Responsável pela construção de uma narração figurativa de extrema eficácia, suas representações evoluem dentro das características da representação realista e demonstram forte influência da fotografia. Seu estilo pessoal está, ao longo dos anos, associado à mesma temática: a relação interior/exterior - mind/nature, pois considerava impossível atenuar a tensão surgida entre o homem e a natureza, como um limite imposto pela civilização.

Com um olhar subjetivo sobre a realidade e o cotidiano, o artista representa momentos de isolamento, de vazio sensorial e de solidão, onde o silêncio e a sensação de imobilidade são transmitidos por imagens realistas construídas pela luz (fria e focalizadora), pelo contraste de cores, pelo descentramento do ponto de vista e pelo equilíbrio das composições. Essas características enfatizam o anonimato, a despersonalização e a dispersão da identidade ocorridas na modernidade.

Edward Hopper, Escritório em Nova Yorque, 1962

Seu olhar "enquadrado", como que mediado pelas lentes de uma objetiva, invade a privacidade dos ambientes revelando a intimidade de um cotidiano esvaziado de sentimentos. Como um nômade solitário ele nos apresenta uma Nova Iorque monumental, porém deserta. Seus personagens, com corpos retesados e rostos como máscaras, estão imersos no silêncio do anonimato metropolitano. Em suas composições planificadas e fantasticamente iluminadas - onde o movimento foi substituído por imagens de retesamento e limitação - indicam uma possível estagnação no processo de civilização e o crescente afastamento do homem em relação à natureza.

Edward Hopper, Hotel à Beira do Caminho-de-ferro, 1952.

Independente de estilo ou técnica, o que podemos observar é que as obras de Edward Hopper traduzem a vivência de um indivíduo que testemunhou um período de profundas transformações sociais e políticas. A visão e a reflexão desse homem sobre o fenômeno da Modernidade estão traduzidas imageticamente em suas obras. Elas constituem-se fontes de informação que não podem ser desprezadas, pois nos ajudam a melhor entender as relações de convivência estabelecidas entre o homem e o meio na contemporaneidade, uma vez que, além da compreensão objetiva, nos proporcionam a fruição e, por conseqüência, a empatia. Podemos comprovar, portanto, que, a partir da apreciação emocional e estética da paisagem urbana, é possível também se chegar à compreensão do intrínseco sistema de relações subjacentes desta complexa paisagem que é o mundo por nós manipulado.

Referências Bibliográficas:

BACHELAR, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

BRADBURY, Malcolm, MCFARLANE, James. Modernismo: guia geral 1890-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

GUATTARI, Felix. As Três Ecologias. Campinas, SP: Papirus, 1990.

KRANZFELDER, Ivo. Edward Hopper 1882-1967: visão de realidade. Alemanha: Taschen, 1996.

NOVAES, Adaulto ... [et al.]. O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.



[1] Artista plástico norte-americano (1882/1967) considerado um dos pólos do individualismo americano e da integridade artística.

Ilustrações: Silvana Santos