Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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22/11/2007 (Nº 20) A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL COLÔNIA: RELATOS PARA REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS
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Educação Ambiental em Ação<

A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL COLÔNIA: RELATOS PARA REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS

 

Nilton Manoel Lacerda Adão. niltonadao@hotmail.com

 

(Geógrafo; Especialista em Sociologia Política e Cultura;  em História do Brasil; e  Planejamento e Educação Ambiental)

 

RESUMO

 

O homem sempre viveu no decorrer da história uma relação de dominação com a natureza. Na história da colonização do Brasil este fato é pertinente. A relevância da abordagem deste assunto não reside na insignificante acusação aos fatos passados ou repasse da culpa da degradação ambiental para os colonizadores e colonizados do país. Estes viveram em realidades sociais e culturais diferentes. No entanto,  a descrição dos relatos de um passado distante pode favorecer o enriquecimento dos argumentos nas discussões e reflexões sobre a relação sociedade-natureza  no tempo e no espaço buscando impedir a devastação de toda forma de vida no planeta, busca contemporânea.

 

Palavras chaves: sociedade, história, degradação ambiental.

 

ABSTRACT

The man always lived in elapsing of history a relation of domination with the nature. In the history of the settling of Brazil this fact is pertinent. The relevance of the boarding of this subject does not inhabit in the insignificant accusation to the last or to repass of the guilt of the ambient degradation for colonist and colonized facts of the country. These had lived in different social and cultural realities. However, the description of the stories of a distant past can favor the enrichment of the arguments in the quarrels and reflections on the relation society-nature in the time and the space searching to hinder the degradation of all form of life in the planet, search contemporary.

 

Key Words: society, history, environmental degradation.

 

           

Relevância do tema para Educação Ambiental

           

A Educação Ambiental (EA) consiste numa prática educativa para  promoção da reflexão, discussão e ação na busca de uma rota sustentável para a humanidade no planeta. Na recomendação  número cinco da Conferência de Tbilisi (1977) afirmou-se a necessidade “considerar-se a dimensão temporal (passada, presente e futura) própria de cada meio ambiente” ( DIAS, 127:2003). Daí a contribuição  da análise historiográfica e do trabalho do historiador para o desenvolvimento das discussões em EA. Resgatar os fatos históricos pode favorecer a compreensão da realidade ambiental vigente. Em nossa História há episódios desastrosos que contribuíram para a construção do paradigma de sociedade atual. Estes fatos fundamentam a afirmação que toda ação do homem no espaço deixa marcas boas ou ruins  que podem ser observadas no tempo.

É fato que não se pode exigir posturas ambientalistas das ações passadas. No entanto, resgatar de forma ancestral a relação de dominação que sempre existiu entre sociedade e natureza pode ser uma das fontes de discussão para a busca de um desenvolvimento harmônico e sustentável.

 

Narrativas do Brasil Colonial

 

A construção da sociedade brasileira ergueu-se em um regime agrícola monocultor e latifundiário, entretanto, a primeira mostra de exploração das riquezas naturais consiste  no tráfico, realizado por portugueses e franceses, do pau-brasil, que para desgosto de Frei Vicente do Salvador ─ autor do primeiro livro sobre a história do Brasil ─  o “pau que servia para tingir panos”  passou a denominar a nova terra substituindo Santa Cruz, denominação anterior do Brasil. De acordo com Caio Prado Junior a exploração do pau Brasil era realizada de forma “rudimentar que não deixou traços apreciáveis, a não ser na destruição impiedosa e em larga escala das florestas nativas donde se  extraía a preciosa madeira” ( JUNIOR, 25:1985). Havia não só a exploração da mata litorânea como também das tribos nativas que traziam a madeira, de lucro apreciável para os estrangeiros, e trocavam por qualquer quinquilharia, peças de pequeno valor na Europa como canivetes, espelhos, pedaços de tecidos, entre outros. A coroa portuguesa passou a cobrar os direitos da exploração sendo o primeiro explorador a receber a concessão para usufruir deste recurso, em 1501, Fernando de Noronha que por ironia, denomina a belo arquipélago do território brasileiro.

No entanto, a exploração do pau-brasil não foi duradoura. Iniciou-se a partir de 1530 a ocupação do território brasileiro fomentando a transformação das paisagens e destruindo as culturas locais, resultando na matança de indígenas ou a extinção de suas crenças em nome do “cristianismo colonizador”. O primeiro grande cultivo consiste na plantação da cana de açúcar, cuja ação principalmente no nordeste do país mereceram o destaque de Josué de Castro no seu reconhecido livro Geografia da Fome ao denunciar que “teve o nordeste a vida de seu solo, de suas águas, de suas plantas e de seu próprio clima, tudo mudado pela ação desequilibrante e intempestiva do colonizador” (CASTRO, 1946:113). Em favor da monocultura, grande extensão de mata foi derrubada para o plantio realizado no sistema de “plantation” com mão de obra escrava e super exploração do solo que perdia suas riquezas motivando o avanço das derrubadas para garantir a continuidade do então lucrativo cultivo da cana-de-açúcar. Neste contexto, ganhou força a colônia de Portugal exportadora do açúcar, produto de grande valor na Europa. Sendo viável, a afirmação de Gilberto Freire (1943:24) ao relatar que a casa grande , completada pela senzala formava o sistema econômico, cultural, religioso, de trabalho e de higiene do corpo do período colonial. Este fato, mesmo com o fim do auge das fazendas de cana-de-açúcar, formou as forças políticas e econômicas do início do período imperial. Nas “paredes” das casas-grande ergueram-se, com a robustez e autoridade do senhor de engenho e a mão-de-obra escrava, os pilares da sociedade brasileira.

Data também do período colonial, o início da pesca das baleias. Animais que mereceram destaque nos relatos do Frei Vicente do Salvador pela facilidade com que eram encontrados estes cetáceos que vinham gerar seus filhotes nas quentes e calmas águas do litoral brasileiro. A baleia era fonte de matéria prima em produtos utilizados nas iluminações, sabões, argamassas, espartilhos, entre outros. Para facilitar a captura da baleia, surgiram na costa sul do país as armações baleeiras, locais onde era extraído o valioso óleo de baleia e porto de chegada e partida dos barcos baleeiros. A forma como era realizada a captura da baleia, fez jus a indignada crítica de José de Bonifácio nos Anais da Academia Real das Sciências de Lisboa em 1790. Era hábito, matar primeiro o indefeso filhote para que sua mãe não fugisse, e esta, ao não abandonar sua cria já morta, tornava-se presa fácil para os golpes de arpões dos pescadores. A caça indiscriminada da baleia, iniciada no período colonial e persistindo ainda no século XX, reduziu a população de várias espécies destes grandes mamíferos nas águas que banham o país e conseqüentemente no planeta, fato inquestionável na atualidade. 

Reconhecer o homem como agente da história, é acreditar na possibilidade de um mundo melhor. Mesmo em épocas desfavoráveis algumas culturas dão demonstrações de que é possível agir de forma sustentável. Um bom exemplo da uma vida alternativa com reintegração do homem na natureza neste período de “monocultura perversa”, responsável pela degradação não só do meio ambiente como também de determinadas culturas, seria a relação do homem com a terra nos quilombos. Josué de Castro relata o quilombo dos Palmares como um exemplo de organização econômico-social e cultural integrada ao uso adequado do solo. Este cientista refere-se ao quilombo dos Palmares como núcleo de libertação da monocultura escravista, “demonstração decisiva da absoluta integração do negro à natureza regional, aproveitando integralmente seus recursos e desenvolvendo a favor de suas possibilidades recursos novos.” (CASTRO,1946:134) Diante disto, pode-se definir Palmares como a integração do homem com a natureza na busca da liberdade, episódio que incomodava a ignorante elite de uma sociedade escravocrata e monocultora que declarou guerra aos quilombos dizimando muitos desses aldeamentos. Fato que determinou a inconsistência desta forma de poliagricultura sistemática, realizada nos quilombos, impossibilitando sua extensão. Ficou na história o exemplo da luta do negro em nome de uma liberdade que realçava subjetivamente o interesse em uma sociedade mais justa e ecologicamente sustentável. Os quilombos representam uma “gota d´água no seco deserto da história da era colonial do país”. Porém essa “gota” deixou o exemplo de que se pode lutar contra todas as formas de opressão em nome de uma sociedade mais justa e ecologicamente equilibrada.

 

Considerações Finais

 

Este trabalho prendeu-se  no relato das práticas de colonização do espaço e exploração  dos recursos naturais no período colonial da História do Brasil. Vale ressaltar, que os fatos  relatados resultaram na quase extinção das baleias na costa brasileira (atualmente, felizmente, voltam a  aparecer em maior número nas praias do país) , na degradação da mata atlântica, na desigualdade social e econômica atual.

 Alguns dos fatos apresentados podem nos remeter a uma reflexão sobre as “re-ações” e ações do homem na contemporaneidade para construção de um novo paradigma. Urge  se repensar uma nova forma de sociedade. Alguns relatos históricos são exemplos de que o homem deve, em seu presente, traçar no presente um novo caminho que resultará no futuro. Diante disto, propõe-se pensar através de uma “racionalidade ambiental” para promover uma descontinuidade da história de exploração e degradação da natureza, almejando uma reformulação social para alcançar-se uma  “re-evolução” para uma sociedade ecologicamente sustentável. 

 

BIBLIOGRAFIA

 

CASTRO, Josué’de. Geografia da fome: a fome no Brasil. Empresa gráfica “O Cruzeiro” S.A . Rio de Janeiro, 1946.

DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. 8ª ed. Editora Gaia. São Paulo, 2003.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. 4ª ed. Editora José Olympio. Rio de Janeiro, 1943.

JUNIOR, Caio Prado. História Econômica do Brasil. 31ªed. Editora Brasiliense. São Paulo, 1985.

SALVADOR, Frei Vicente. História do Brasil: 1500-1967. Editora Melhoramentos. São Paulo 1965.

 

Ilustrações: Silvana Santos