Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
Início
Cadastre-se!
Procurar
Área de autores
Contato
Apresentação(4)
Normas de Publicação(1)
Podcast(1)
Dicas e Curiosidades(5)
Reflexão(6)
Para Sensibilizar(1)
Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(11)
Entrevistas(2)
Divulgação de Eventos(1)
Sugestões bibliográficas(3)
Educação(1)
Você sabia que...(2)
Reportagem(2)
Soluções e Inovações(3)
Educação e temas emergentes(6)
Ações e projetos inspiradores(24)
Cidadania Ambiental(1)
O Eco das Vozes(1)
Do Linear ao Complexo(1)
A Natureza Inspira(1)
Notícias(26)
Relatos de Experiências(1)
Dúvidas(1)
| Números
|
Relatos de Experiências
CARTILHAS DE PREVENÇÃO A DESASTRES COMO FERRAMENTAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DE PERCEPÇÃO DOS RISCOS Lorena Martins Vilas Boas Amorim1, Francisco Janio Bezerra Costa2, Milena Marília Nogueira de Andrade3 1Graduanda em Engenharia Ambiental e Energias Renováveis, Universidade Federal Rural da Amazônia, lorenamvbamorim@gmail.com. 2Engenheiro Civil, Coordenadoria Estadual de Defesa Civil do estado do Pará, fr.janio21@gmail.com. 3Geóloga, professora Adjunta Classe C da Universidade Federal Rural da Amazônia em Belém/PA, milenamarilia.andrade@gmail.com.
Resumo: Os riscos a desastres fazem parte da realidade da população e possuem o potencial de gerar prejuízos. Logo, salienta-se a importância de programas e ações de educação ambiental voltadas para o aumento da percepção de risco com disseminação de informações sobre os riscos de desastres. Assim sendo, este trabalho objetiva apresentar um relato de experiência da iniciativa com a produção de Cartilhas Educativas de prevenção a desastres para uso da academia, e da Defesa Civil do Estado do Pará e o Corpo Bombeiros Militar do Pará em suas ações. A metodologia deste trabalho consistiu nas etapas de pesquisa bibliográfica, confecção e disponibilização das cartilhas. Os resultados foram a confecção de três cartilhas nomeadas: “Ondas de Rio: Cartilha de Prevenção à Inundação”, “Fogo Urbano: Cartilha de prevenção a incêndios nas cidades” e “Ventania: Cartilha de prevenção a vendavais e tempestades”. Os produtos foram desenvolvidos de 01/04/2022 a 28/02/2023 podendo ser considerados uma importante ferramenta de educação ambiental.
Palavras-chave: Prevenção a Desastres. Percepção de Riscos. Cartilhas Educativas. Educação ambiental.
Abstract: Disaster risks are part of the population's reality and have the potential to cause damage. Therefore, the importance of environmental education programs and actions aimed at increasing risk perception with the dissemination of information on disaster risks is highlighted. Therefore, this work aims to present the Educational Booklets on disaster prevention developed by the Geodesastres Group, from the Federal Rural University of Amazônia, together with the Civil Defense of the State of Pará and the Military Fire Brigade of Pará. The methodology of this work consisted of the stages of bibliographical research and preparation of booklets. The results were the preparation of three named booklets: “River Waves: Flood Prevention Booklet”, “Urban Fire: Fire Prevention Booklet in Cities” and “Wind: Windstorms and Storms Prevention Booklet”. The products were developed from 04/01/2022 to 02/28/2023 and can be considered an important environmental education tool.
Keywords: Disaster Prevention. Risk perception. Educational Booklets. Environmental education.
Introdução O vocábulo risco refere-se a algo que não aconteceu, mas que pode acontecer, resultando em danos tanto moderados como até mesmo gravíssimos ao ser humano (Veyret, 2007), ou seja, o risco é a possível exposição a um perigo, que pode levar a perdas materiais e humanas. Esse perigo está associado a um fenômeno de ordem natural e/ou daqueles associados ao trabalho e às relações humanas (Abreu; Zanella; Medeiros, 2016). Por sua vez, segundo Souza e Zanella (2009), a expressão risco ambiental refere-se a uma situação de ameaça ambiental (de ordem física, tecnológica e até mesmo social) atuando sobre uma população reconhecidamente vulnerável. Essas vulnerabilidades podem ser de ordem natural, física, econômica, social, política, tecnológica, ideológica, cultural, educacional, ecológica e institucional (Marchezini, 2015). No Brasil, nota-se que uma expectativa por melhores condições de vida, saúde e emprego são os principais motivos que levam muitas pessoas a trocarem áreas rurais pelas urbanas (Borba et al., 2020). Esse processo levou a um processo de urbanização onde a procura por habitação em áreas com baixo preço da terra provoca o aumento das ocupações precárias (favelas e loteamentos irregulares), que geralmente estão localizadas em áreas sem infraestrutura e expostas a perigos naturais e degradação ambiental (Alves et al., 2010). Somado a isso, em caso de baixa condição econômica, a capacidade da sociedade para lidar com os danos por meio de medidas de mitigação e de conseguir se recuperar dos danos diminui consideravelmente (Borba et al., 2020). Nesse sentido, segundo o relatório anual das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNISDR, 2012), é essencial que os gestores conduzam campanhas de educação pública sobre redução de riscos de desastres e segurança com mensagens que tratem das ameaças locais. Logo, percebe-se o que ações de prevenção podem auxiliar a população mais vulnerável a responder de maneira mais eficaz diante de riscos e a disponibilização de informações sobre como se prevenir diante de desastres pode contribuir para minimização dos danos adversos. Segundo o guia “Como Construir Cidades Mais Resilientes”, que faz parte da iniciativa internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres (UNISDR, 2012), é preciso implementar programas de educação e treinamento sobre a redução de riscos de desastres nas escolas e comunidades. Uma vez que, é de suma importância que toda a comunidade saiba sobre as ameaças a que está exposta para estar mais bem preparada, e assim, seja capaz de tomar medidas de enfrentamento aos desastres potenciais. De maneira semelhante, o Marco de Sendai para a Redução do Risco de Desastres (2015 - 2030), afirma que deve existir uma abordagem ampla e centrada nas pessoas para prevenir os riscos de desastres. Ou seja, as práticas de redução dos riscos precisam ser multissetoriais e orientadas para uma variedade de perigos, devendo ser inclusivas e acessíveis para que possam se tornar eficientes e eficazes. Além disso, a agenda 2030 prevê entre os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), em seu objetivo 11, implementar nos assentamentos humanos, políticas e planos integrados para a resiliência a desastres e desenvolver e implementar em consonância com o Marco de Sendai (2015-2030) uma gestão holística do risco de desastres em todos os níveis (Organização das Nações Unidas, 2015). Além de direcionamentos internacionais, existem diversos autores que discorrem sobre a temática. Segundo Marchezini (2018), a gestão para redução de riscos de desastres nas escolas e na comunidade envolve a criação de programas educativos para diminuição da vulnerabilidade, pois, tais programas desenvolverão capacidades para compreensão dos processos naturais causadores dos riscos ambientais. Abreu, Zanella e Medeiros (2016) também salientam que a educação ambiental pode colaborar para desenvolver nas pessoas um maior nível de conscientização, contribuindo para que estas reflitam e adotem práticas conservacionistas, que nesse caso, também assumirão caráter preventivo, já que podem colaborar para a redução de riscos ambientais. O Brasil é atingido por alagamentos, enxurradas, erosão, estiagem e seca, geadas, granizo, inundação, incêndios, movimento de massa, tornado e vendavais anualmente (BRASIL, 2012). Falando mais especificamente da região norte do país e da cidade de Belém (PA), diversos autores salientam que os desastres relacionados as inundações, incêndios urbanos e vendavais frequentemente atingem a população do estado, causando perdas materiais e humanas (Barreto; Sales; Barreto, 2020; Paumgartten; Maués; Rocha, 2021; Pegado et al., 2014; Pontes et al., 2017; Soares; Cruz, 2019; Tavares, 2009). Tendo em vista esse cenário, o objetivo desse trabalho é apresentar um relato de experiência da proposta de cartilhas para fins de redução de riscos de desastres por meio de ações de educação ambiental.
Referencial Teórico Alguns conceitos dos temas que nortearam todo o material produzido referem-se a: Gestão de Riscos, Percepção de Riscos e Educação para a Redução de Riscos. A Gestão de Riscos de Desastres (GRD) pode ser entendida como um processo social permanente e contínuo, apoiado por estruturas institucionais e comunitárias (Sulaiman, 2021). A gestão do risco possui como principal objetivo enfrentar vulnerabilidades e ameaças presentes no território. Ou seja, gerir riscos significa propor ações antecipatórias que possam reduzir a possibilidade de danos e perdas, ou pelo menos, amenizar suas consequências. Segundo Trajber (2016), a gestão de risco tem a finalidade de reduzir, prevenir, controlar e gerenciar os riscos de desastres. Nesse ínterim, Tominaga (2009) afirma que no gerenciamento de risco, existem várias atividades que devem ser realizadas antes do desastre, durante o desastre e depois do desastre (Figura 1). Figura 1 - Atividades de gerenciamento de riscos e respostas a desastres.
Fonte: Tominaga, 2012 (Adaptado). É importante salientar que dentro da gestão de riscos, tanto a percepção de risco, a comunicação de risco e a educação ambiental, podem ser consideradas ações de prevenção, uma vez que são definidas como ações “destinadas a reduzir a ocorrência e a intensidade de desastres, por meio da identificação, mapeamento e monitoramento de riscos, ameaças e vulnerabilidades locais, incluindo a capacitação da sociedade em atividades de defesa civil” (BRASIL, 2010). Por sua vez, a palavra percepção deriva de “perceber” e significa apoderar-se, adquirir conhecimentos por meio dos sentidos, formar ideias, distinguir, notar, ver, ouvir e entender, além disso, cada ser humano tem uma forma individual de perceber o ambiente (Santos, 2007). Nesse contexto, podem existir vários tipos de percepção, entre elas a percepção de risco, que pode ser definida como a habilidade de identificar uma situação potencial de danos à saúde e integridade de pessoas e pode basear-se em experiências prévias extrapolando-as para situações posteriores (Peres; Rozemberg; Lucca, 2005; Wiedemann, 1993). Castro (2012) ainda conceitua a percepção de riscos como “percepção sobre a importância ou gravidade de um determinado risco, com base no repertório de conhecimento que o indivíduo acumulou, durante o seu desenvolvimento cultural, e sobre o juízo político e moral de sua significação”. A partir disso, podemos inferir que a percepção de risco é diferenciada para cada grupo social, sendo influenciada pelo contexto histórico, social, cultural, político, e o grau da vulnerabilidade existente. Dessa forma, é possível afirmar que quanto maior a vulnerabilidade, maior o grau de aceitação do risco e menor a capacidade de gerenciá-lo (Freire, 2011). De forma geral, podemos entender que os estudos de percepção de risco, buscam entender como os moradores de uma área avaliam os riscos aos quais estão submetidos e quais decisões estes tomam diante de situações de ameaça para proteger a si e sua comunidade. Segundo Souza e Zanella (2009) as investigações de campo em estudos de percepção dos riscos apresentam, entre seus principais objetivos, o reconhecimento das diferentes respostas humanas à tipologia de eventos extremos e às situações de perigo. Nesse sentido, de maneira ampla, o estudo da percepção de risco busca compreender como diferentes indivíduos ou grupos sociais percebem os riscos e se comportam diante dele. O porquê alguns riscos são aceitos e outros são rejeitados, quais são as medidas adotadas pelas pessoas para que possam conviver com o perigo estão no campo da percepção de risco. E, em primeiro lugar, por que os indivíduos vivem em áreas de risco estão no campo de estudos da percepção (Souza; Zanella, 2009). Diante disso, é possível afirmar que ter informações acerca da percepção de risco dos moradores corrobora para o desenvolvimento de estratégias de prevenção, mitigação e de combate às situações de risco. Dentre estas estratégias, podemos citar a Educação Para Redução de Riscos de Desastres (ERRD) que é definida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como um “processo pelo qual os sujeitos de aprendizagem são motivados a construir uma compreensão das causas e consequências dos riscos de desastres, de modo a torná-los aptos a atuarem proativamente na prevenção, na mitigação, na emergência e a se tornarem resilientes aos desastres” (UNICEF & UNESCO, 2012). Ainda segundo Shelby e Kagawa (2012) a Educação para Redução de Riscos e Desastres é um processo de construção do entendimento das causas, natureza e efeitos dos riscos, ao mesmo tempo, contribui na promoção de uma série de competências e habilidades que permitem à sociedade participar de forma ativa na prevenção dos desastres. Nesse contexto, entende-se que a percursora da ERRD foram as atividades educativas sobre Redução de Riscos e Desastres (RRD) que geralmente eram abordadas nas disciplinas de Ciências e de Geografia a partir de conteúdos desvinculados do contexto local, como terremotos, vulcões e tsunamis (Petal, 2008). Por sua vez, no Brasil, a lei 12.608/2012 que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil foi um dos marcos para a ERRD ao prever que “os currículos do ensino fundamental e médio devem incluir os princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental de forma integrada aos conteúdos obrigatórios”, além de buscar desenvolver consciência nacional acerca dos riscos de desastre. Ainda sobre a temática, é defendido por vários autores que a ERRD, tal qual a educação ambiental, precisa estar incorporada nas modalidades de ensino formal e não-formal e ter uma abordagem inter e/ou transdisciplinar, adotando métodos de aprendizagem interativos e participativos que consigam ultrapassar os limites escolares e atingir também a comunidade (Kagawa; Selby, 2012; Shaw et al., 2009; Wisner; Gaillard; Kelman, 2012). Contudo, ao examinar a Base Nacional Curricular Brasileira para a educação básica, documento de caráter normativo que define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, é possível notar que existem pouquíssimos objetivos de aprendizagem relacionados aos riscos e desastres. Alguns exemplos encontrados estão no currículo de Ciências e de Geografia do 8º Ano, onde se lê: “discutir iniciativas que colaboram para o restabelecimento do equilíbrio ambiental a partir da identificação de alterações climáticas regionais e globais provocadas pela ação humana”; e “analisar a segregação socioespacial em ambientes urbanos da América Latina, com atenção especial ao estudo de favelas, alagados e zona de riscos” (BRASIL, 2018, p. 349 e 391). Diante do exposto, é possível perceber que Educação para Redução de Riscos de Desastres é uma importante ferramenta de prevenção e faz parte da Gestão de Riscos de Desastres. Dessa forma, salienta-se a importância de promover iniciativas que venham colaborar com uma cultura de prevenção a desastres no País. |