Retratos,
reflexos,
reflexões:
a
arte
de
reconstruir
trajetórias.
Profª MSc. Cláudia Mariza Mattos
Brandão[1]
Profª Arzila Pertile[2]
A
construção
de
um
olhar
estético-crítico
sobre
o
mundo
implica na
compreensão
da
importância
da
leitura
visual
nos
processos
de
formação
do
cidadão
contemporâneo.
No
documentário
Janela
da
Alma
o
escritor
José Saramago afirma
que
estamos
cegos
e,
mais
do
que
nunca,
vivendo na
caverna
de Platão: -
Ver
é
muito
complicado,
proclama.
De
todos
os
órgãos
dos
sentidos,
os
olhos
são
os de
mais
fácil
compreensão
científica,
pois
a
sua
física
é
idêntica
à
física
óptica
de uma
máquina
fotográfica;
no
entanto,
existe
algo
na
visão
que
não
pertence
à
física.
O
ato
de
ver
não
é uma
coisa
natural,
ele
precisa
ser
aprendido. Nietzche sabia disso e afirmou
que
a
primeira
tarefa
da
educação
é
ensinar
a
ver.
Rubem Alves
nos
diz
que
a
diferença
entre
visão
e
olhar
se
encontra
no
lugar
onde
os
olhos
são
por
nós
guardados. Se estiverem na
caixa
de
ferramentas,
eles
são
apenas
utensílios
que
usamos
por
sua
função
prática;
ao
contrário,
se estiverem na
caixa
de
brinquedos,
eles
se transformam
em
órgãos
de
prazer:
“brincam
com
o
que
vêem, olham
pelo
prazer
de
olhar,
querem
fazer
amor
com
o
mundo.”
O
encontro
entre
os
sentidos
e os
saberes
sociais
transforma a
visão
em
olhar,
as
vivências
em
experiências.
O
desenvolvimento
do
olhar
crítico,
das
capacidades
sensíveis
associadas às cognitivas, permite a
percepção
do
mundo
através
de
suas
manifestações
cotidianas, significando
contextos
e favorecendo a
formação
do
sujeito
estético-crítico.
A
humanidade
não
nasceu
para
conquistar
e
possuir,
mas
simplesmente
para
aprender
a
enxergar
John Gray
Em
suas
múltiplas e
sempre
novas
formas
de
apresentar
o
mundo
a
si
mesmo,
a
fotografia
possibilitou a redescoberta de
novas
oportunidades
e potencialidades,
sem
às
quais
a
humanidade,
em
seu
percurso
cotidiano
sucumbiria
em
seu
processo
de
construção
e
manutenção
de
culturas
e
identidades.
Levando
em
conta
a
superação
dos
limites
do
homem
e da
técnica
rumo
às
novas
descobertas,
pode-se
dizer
que
a
fotografia,
assim
como
a
Arte
em
geral,
gradativamente
serviu-se de
elementos
internos
e
externos
à
seus
países,
contribuindo de
maneira
relevante
para
a estruturação
social,
política
e
econômica
das
sociedades
em
processo
de
desenvolvimento,
de
cada
povo
e
cultura.
Responsável
pelo
desencadeamento
de
meios
possíveis
de relacionamentos
em
todas as
esferas
da
sociedade,
a
fotografia
contribuiu de
forma
relevante
com
rompimento
à
tradições
acadêmicas estagnadas apontando
para
a
liberdade
de
criação
e de
pesquisa
estética,
em
coerência
com
a
cultura
e a
realidade
de
cada
povo.
Assim
como
a
música,
a
fotografia
tornou-se uma
linguagem
universal.
Com
características
particulares
e
constantemente
aperfeiçoadas, a
mesma
passa
a
representar
o
homem,
a
mulher,
os
problemas
individuais
e
coletivos,
a
cultura,
os
sentimento,
os
anseios,
as
esperanças
e
frustrações
de
grupos,
comunidades
e
realidades
especificas,
com
dignidade
e
competência,
ora
questionáveis,
ora
insuperáveis.
Porque
não
oportunizar essa
experiência
a
educação,
seja
ela
formal
ou
informal?
Fazer
de
cada
ser
humano
um
descobridor e
um
inventor
de
um
novo
mundo,
não
aquele
paraíso
maravilhoso
prometido
pelos
primeiros
colonizadores,
mas
sim
construído
a
partir
do
cotidiano,
do
prazeroso,
do
possível
e
viável
para
o
bem
estar
de
todos?
O
que
é
mais
urgente
hoje,
construir
máquinas
que
produzam
exaustivamente
produtos
de
consumidor,
ou
seres
humanos
que
re-avaliem
seu
papel
no
mundo?
São
tantos
os
caminhos
que
se tornaram
atalhos.
São
tantas as
simplicidades
que
se tornaram
vaidades.
Figura
1: Arzila Pertile
Fotografia
, 2005
Essas
questões
impulsionaram a
proposta
do
projeto
“Retratos
Femininos:
a
arte
de
reconstruir
trajetórias”,
que
teve
como
objeto
de
pesquisa
a
beleza
simples
e
comum
das
mulheres
que
participam das
oficinas
do “Programa
Vida
e
Solidariedade”,
desenvolvido
em
comunidades
carentes
da
periferia
da
cidade
do
Rio
Grande,
com
o
objetivo
de
buscar
uma
nova
forma
desses
sujeitos
perceberem-se
enquanto
mulheres
e cidadãs.
A
partir
de
um
conjunto
de
imagens
extraídas
em
diferentes
situações
cotidianas, foi
proposta
uma
reflexão
pessoal
e
social,
cuja
temática
é a possibilidade de
construção
de
um
novo
pensamento
no
que
se refere ao
papel
da
mulher,
na
sociedade
moderna
e
contemporânea,
a
qual
desempenha
um
papel
fundamental
na dinamização de
formas
alternativas
de
subsistência,
a
partir
de
programas
comunitários
de
subsistência
alternativa.
Figura
2: Arzila Pertile
Fotografia,
2005.
Constantemente
estimuladas a superarem
preconceitos
e
barreiras
impostas
pelo
sistema
capitalista
vigente
cujos
parâmetros
de
beleza
e
outros
estereótipos
passam ao
largo
das
grandes
e
pequenas
periferias,
assim
como
os
limites
impostos
pelo
marido
e
filhos,
essas
mulheres
têm demonstrado,
nos
últimos
cinco
anos,
uma
vontade
sobrenatural
de
reconstrução
da auto-estima e da
dignidade
enquanto
seres
humanos,
bem
como
de
sua
família.
O
objetivo
de
adentrar
no
cotidiano
desses
grupos
de
mulheres
resultou nas mesmas reconhecerem-se
tão
importantes
quanto
às
demais
mulheres
da
sociedade
ou
dos
protótipos
estereotipados construídos ao
longo
das
décadas.
Trata-se de
pessoas
de
garra,
de
persistência
e
força
inquestionável,
com
potencialidade
e
dignidade
capazes
de
transformar
situações
de
caos
e
conflitos
de
gênero
e
sociais,
não
somente
de
gerar
a
vida,
mas
de
não
medir
esforços
para
mantê-la
viva.
A
disposição
em
permitir
que
outros
olhos
possam
ver
além
do
visível
e
através
deste
invisível
captar
os
anseios
e as
esperanças
contidas e
escondidas
na
alma
e na
memória
que
habita o
olhar
de
quem
se
deixa
ver,
estimulo a
busca
de
metas
que
ajudem o
ser
humano
a
ser
melhor,
a
conhecer
suas
potencialidades e
sua
dignidade
enquanto
pessoa.
Sem
medo
da
censura,
do
preconceito
e da
discriminação
é
um
passo
ousado
em
direção
a uma
sociedade
justa
e
igualitária,
promotora de
um
novo
olhar.
Figura
3: Arzila Pertile
Fotografia,
2005.
A
vivência
das
linguagens
artísticas a
partir
de
discussões
sobre
as raízes da
construção
social
e
suas
implicações
no
cenário
contemporâneo
possibilita a
compreensão
do
campo
de
atuação
do
educador.
A
percepção
sensível
do
mundo
como
elemento
instigador
da
criação
de
suportes
simbólicos
estimula a reformulação de
pensamentos,
e a
reflexão
critica
sobre
a
identidade
dos
múltiplos
sujeitos
e as
relações
de
alteridade
na contemporaneidade.
Bibliografia:
ALVES, Rubens.
Educação
dos
Sentidos
e
Mais.
São
Paulo:
Versus
Editora,
2005.
ARROYO, Miguel.
Ofício
de
Mestre
-
Imagens
e Auto-Imagens.
2.ed. Petrópolis:
Editora
Vozes,
2005.
BERGER, John.
Modos
de
Ver.
Rio
de
Janeiro:
Rocco, 1999.
BRITES, Blanca e TESSLER, Élida.
O
Meio
como
Ponto
Zero.
Porto
Alegre:
Editora
da
Universidade/URFGS.
BUSSELE,
Michael.
Tudo
Sobre
Fotografia.
São
Paulo: Ed.
Pioneira,
1993.
DUBOIS,
Philipe. O
Ato
Fotográfico
e
Outros
Ensaios.
São
Paulo:
Editora
Papirus, 1994.
[1]
Coordenadora do PhotoGraphein –
Núcleo de
Pesquisa
em
Fotografia e
Educação,
grupo de
pesquisa CNPq/FURG.
[2]
Arte/Educadora, pesquisadora do PhotoGraphein