Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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Arte e Ambiente
05/12/2005 (Nº 14) VIVARTE: o fazer artístico como ferramenta de desenvolvimento da auto-estima
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Profª Drª Elisabeth Brandão Schmidt[1] – DECC/FURG

Profª MSc. Cláudia Mariza Mattos Brandão[2] – DLA/FURG

 

RESUMO

O projeto prevê a criação de um espaço de formação e prática pedagógica aos acadêmicos do Curso de Artes Visuais da FURG, ao desenvolver ações que unam o ensino da Arte à reflexão crítica acerca do contexto comunitário onde eles irão atuar profissionalmente, num processo que possibilite o cultivo da solidariedade e da responsabilidade social em relação a crianças e adolescentes em situação de risco. No decorrer de 2005, em parceria com a Secretaria Municipal da Cidadania e Assistência Social, serão desenvolvidas, no Campus Carreiros, oficinas com adolescentes albergados no Centro Municipal de Atendimento à Criança e ao Adolescente – CEMCA, propiciando a esses jovens: desenvolver sua auto-estima através da Arte; compartilhar experiências e o sentimento de pertencer a um grupo; ter acesso à informação científica e ao fazer artístico como alternativa de um outro modo de viver; estabelecer contato com o cotidiano acadêmico, com vistas a um futuro acesso à universidade. É importante frisar que tais práticas convergem para a valorização de pessoas em situação de vulnerabilidade social, reforçando o compromisso da Universidade no que tange à formação de professores com a sensibilidade apurada e capacidade de vincular sua atividade ao contexto sociocultural, interagindo com grupos marginalizados da nossa sociedade.

 

PALAVRAS-CHAVES: Arte, educação e auto-estima.

 

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, em seus princípios fundamentais, preconiza a proteção à criança e ao adolescente, contra qualquer forma de negligência, crueldade e exploração. Ele prevê que a sociedade oportunize e facilite o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social dessas crianças e adolescentes, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. No Capítulo IV - Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer, Art. 54 está definido, entre outros aspectos, que “É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. O Art. 57 preconiza que “O poder público estimulará pesquisas, experiências e novas propostas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental obrigatório”. Também o Art. 58 faz referência a que “No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura”.

Pesquisadores e os próprios noticiários apontam inúmeros problemas em relação ao não-cumprimento da legislação, alertando para o fato de que, mesmo tendo seus direitos assegurados no ECA, milhares de crianças e adolescentes são vítimas da exclusão social, sofrendo maus tratos que geram seqüelas, por vezes irreversíveis.

 

Vários segmentos da sociedade têm lançado o olhar para esse grave problema, desenvolvendo projetos e programas direcionados à garantia dos direitos de crianças e adolescentes brasileiros. A preocupação do poder público é justificada tendo em vista as necessidades, de toda a ordem, dessa parcela discriminada da população. Em acordo com Yunes (2004), o modelo institucional deveria criar medidas e condições adequadas para um desenvolvimento sadio de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Também as instituições formadoras de professores, entre elas, a universidade, têm dado alguns passos em direção à inclusão, porém existem ainda lacunas nos projetos pedagógicos dos cursos de formação docente e conseqüente dificuldade dos professores para realizarem ações inclusivas no âmbito escolar. É fundamental que as agências formadoras preparem profissionais para intervir na sociedade, com a competência necessária para atender à diversidade, com vistas à educação para todos.

 

A realidade social estabelecida determina novas formas de relacionamento humano, que impulsionam novas atitudes docentes e discentes, estabelecendo um novo espaço de ensino-aprendizagem, no qual a ação pedagógica envolve professores e alunos na construção do conhecimento científico, sem prescindir de um eixo social problematizador. Como atividade problematizadora da realidade, a pesquisa em arte-educação exige criatividade, disciplina e, acima de tudo, compromisso sócio-histórico.

 

 

1. Arte, Educação e Comprometimento Social

 

Com a intenção de sensibilizar os acadêmicos do 4° ano do curso de Artes Visuais – Licenciatura da Fundação Universidade Federal do Rio Grande - para uma problemática que ultrapassa a estrutura da rede de ensino, incluem-se os conteúdos didático-pedagógicos da disciplina Prática de Ensino – ensino fundamental e médio. Tais conteúdos estão sendo construídos processualmente, no decorrer das ações do projeto VivArte - o fazer artístico como ferramenta de desenvolvimento da auto-estima.

 

O presente projeto responde à solicitação da Secretaria Municipal de Cidadania e Ação Social – SMCAS do município do Rio Grande para um trabalho pedagógico junto ao Centro Municipal da Criança e do Adolescente – CEMCA, objetivando o desenvolvimento da auto-estima das crianças e adolescentes albergados na referida Instituição. Ele contempla a indissociabilidade pesquisa/ensino/extensão, constituindo-se em atividade interdisciplinar, interdepartamental e interinstitucional. A utilização de uma metodologia pautada nas dimensões estética, científica e humanística da educação possibilitará o exercício teórico-prático e a construção de propostas didático-metodológicas em arte-educação voltadas para o desenvolvimento da auto-estima e da inclusão social.

           

       A idéia da realização do VivArte, que prevê atividades de arte-educação tem respaldo na tese de que:

 

A Educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana: o aluno desenvolve sua sensibilidade, percepção e imaginação, tanto ao realizar formas artísticas quanto na ação de apreciar e conhecer as formas produzidas por ele e pelos colegas, pela natureza e nas diferentes culturas. (PCN: arte, 1997, p.19)

 

Dentro da mesma linha de pensamento, também os Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte (1997) indicam que:

 

 Conhecendo a arte de outras culturas, o aluno poderá compreender a relatividade dos valores que estão enraizados nos seus modos de pensar e agir, que pode criar um campo de sentido para a valorização do que lhe é próprio e favorecer a abertura à riqueza e à diversidade da imaginação humana. Além disso, torna-se capaz de perceber sua realidade cotidiana mais vivamente, reconhecendo objetos e formas que estão à sua volta, no exercício de uma observação crítica do que existe na sua cultura, podendo criar condições para uma qualidade de vida melhor. (p.19)

 

Especialistas na temática (Marques, Ferraz, Fusari, entre outros) da mesma forma afirmam que a valorização do ser humano, através de todos os seus aspectos, é fator fundamental para o despertar de uma consciência individual, harmonizada ao grupo ao qual pertencem. A Educação, pela e para a Arte, assume real importância nesse processo.

 

 

  1. A vivência de uma ação educativa comunitária

 

O VivArte pretende criar um espaço de formação e prática pedagógica ao acadêmico do Curso de Artes Visuais - Licenciatura, possibilitando o desenvolvimento de ações que unam o ensino da Arte à reflexão crítica acerca do contexto comunitário onde ele irá atuar profissionalmente em um futuro próximo, num processo que possibilite o cultivo da solidariedade e da responsabilidade social em relação a crianças e adolescentes em situação de risco.

 

Desde 2000, o CEMCA abriga temporariamente, por um prazo previsto de no máximo 48 horas, crianças e adolescentes na faixa etária de 8 a 18 anos, que vivem em situação de rua ou sofrem maus tratos e abusos pela família; alguns já têm passagem pela polícia, podendo ser encaminhados pelo Conselho Tutelar ou por via judicial à Instituição. Apesar de estar previsto um curto período de tempo para a permanência dessas crianças e adolescentes, alguns estão albergados há quatro (4) anos, transformando uma curta passagem em um longo confinamento.

 

A estrutura organizacional do CEMCA conta com um administrador, auxiliares de administração, psicólogos, assistentes sociais, monitores e serviços terceirizados para cozinha, limpeza, zeladoria e vigilância. Embora os familiares não costumem fazer contatos sistemáticos com a administração os albergados retornam a suas casas, no final da semana para visita à família. O grupo está separado nos alojamentos por sexo, em função de problemas registrados na Instituição. Por esse motivo, o projeto em sua primeira edição, está direcionando suas ações para as meninas, em torno de doze (12) adolescentes; número que pode sofrer alteração em função do caráter episódico e rotativo do público, pois, ao completar a idade de 18 anos, ou por outras razões, as adolescentes não deveriam permanecer albergadas no CEMCA.

 

A Arte, além de engendrar um conhecimento técnico-prático, trabalha com as subjetividades, com um reflexo do mundo e com uma interpretação pessoal desse mundo. Em acordo com Fusari e Ferraz (1993, p. 19):

 

... a Arte é representação do mundo cultural com significado, imaginação; é conhecimento do mundo; é também, expressão dos sentimentos, da energia interna, da efusão que se expressa, que se manifesta, que se simboliza. A arte é movimento na dialética da relação homem-mundo.

 

De acordo com esse pensamento, busca-se, através da vivência da Arte, desenvolver a auto-estima e o sentido de pertencimento desse grupo socialmente estigmatizado, compartilhando experiências e propiciando o acesso à informação científica e ao fazer artístico como alternativa de um outro modo de viver; possibilitando, também, a descoberta de potencialidades, habilidades e o prazer na realização de atividades saudáveis e construtivas. O fato das atividades serem realizadas no pavilhão das Artes Visuais, no Campus Carreiros da FURG, oportuniza o contato do grupo do CEMCA com o cotidiano acadêmico com vistas à perspectiva de um futuro acesso à universidade, estreitando os laços entre a FURG e a comunidade rio-grandina.

 

O enfoque na extensão universitária, que possibilita o contato direto do estudante, ainda em formação com os problemas reais e cotidianos permite discussões e a construção de um conhecimento teórico-prático em consonância com o contexto cultural e o cotidiano da comunidade. O trabalho realizado terá seu campo de atuação ampliado com a divulgação/discussão dos seus resultados junto aos estudantes do Curso de Magistério do I.E.E. Juvenal Miller, no município do Rio Grande, com vistas à reflexão conjunta sobre o processo inclusivo em todos os níveis de ensino.

 

 

3. O desenvolvimento conjunto de uma metodologia em arte-educação

 

Como primeiro procedimento metodológico, a equipe responsável pelo projeto visitou o CEMCA, ocasião em que realizou uma entrevista coletiva com a administradora e o assistente social da Instituição. O objetivo foi estabelecer um primeiro contato com as meninas, conhecer sua realidade e formalizar o convite para que participassem das oficinas. Dessa forma foi possível instigar a curiosidade do grupo, dando-lhe a oportunidade de participação efetiva no processo de programação das atividades.

 

As oficinas foram planejadas nas aulas de Prática de Ensino, de forma interdisciplinar, e abordam diferentes linguagens artísticas: desenho, pintura, escultura, teatro e fotografia, muitas delas contextualizadas na História da Arte. Ao longo de 2005, serão desenvolvidas 17 oficinas e todas prevêem a utilização da Arte como mecanismo à reflexão crítica, possibilitando que as “meninas-mulheres” do CEMCA olhem para si mesmas e reflitam sobre o que esperam do futuro, tendo em vista suas participações como mulheres, trabalhadoras e cidadãs no futuro de nossa sociedade.

 

Como atividade inicial, organizou-se uma visita ao pavilhão das Artes Visuais (figura 1), no Campus Carreiros, oportunidade em que o grupo também conheceu outros locais de nossa Universidade, inclusive o IDEA Espaço de Arte. Nesta galeria artística montou-se uma exposição com trabalhos dos acadêmicos - exemplificando as atividades que serão desenvolvidas ao longo do ano - e uma confraternização festiva, momento em que os grupos puderam trocar idéias de forma mais fraterna (figura 2).

 

 

 

 

                                 Figura 1   

 

 

 

A primeira visita das meninas do CEMCA à FURG foi bastante positiva. Conhecemos o grupo com quem iremos trabalhar e elas, por sua vez, pareceram bastante receptivas à idéia de “viver arte” conosco, por algum tempo. Mostraram-se interessadas na exposição, tirando dúvidas sobre as linguagens artísticas apresentadas. Acredito que alcançaremos o objetivo do VivArte de resgatar a auto-estima através do fazer-refletir artístico. (Acad. Daniel)

 

 

 

Figura 2

 

 

As oficinas pretendem facilitar o processo de autoconhecimento (figura 3), no entendimento de que só quando a pessoa se conhece, se reconhece e, finalmente, se aceita é que se pode falar em “inclusão”. A ênfase no gênero e nas questões que concernem às mulheres perpassa as atividades desenvolvidas nas oficinas. A idéia é poder acrescentar um algo mais às vidas das adolescentes do CEMCA, levando-as ao questionamento, à reflexão, ao resgate ou surgimento de uma auto-estima talvez ainda não descoberta por elas. Além disso, os acadêmicos do curso de Artes Visuais também estão em um processo de resgate ou desenvolvimento da sua própria auto-estima.

 

 

 

Figura 3: Construção do auto-retrato

 

 

Através dos Jogos de Expressão Dramática, estão sendo abordadas questões relacionadas à inibição, diante de um grupo ou com relação a si mesma, explorando o conhecimento do corpo feminino e de suas diferentes formas, buscando a aceitação do próprio corpo, assim como a aceitação do corpo do outro. Na Pintura, utilizaram-se espelhos para que as adolescentes ponderassem sobre “seus reflexos no mundo cotidiano” (figura 4) e, nessa perspectiva, também foram planejadas as práticas em Gravura e Fotografia, com o objetivo de apresentar as linguagens como formas de expressão dos sujeitos.

 

 

 

Figura 4

 

 

A Fotografia é uma das linguagens cuja prática gera grande expectativa no grupo. As instalações do laboratório fotográfico, com todo seu aparato técnico, encantaram as meninas.

 

Através da linguagem fotográfica serão exploradas técnicas variadas e criativas na recriação da realidade. Na prática do pin hole (foto da lata), por exemplo, pelo buraco do alfinete a luz constrói imagens que proporcionam um outro jeito de ver o mundo.

 

Uma das primeiras preocupações dos acadêmicos, como estudantes de Artes Visuais que são, foi a de criar uma identificação visual para o VivArte. O procedimento escolhido foi o de selecionar uma logomarca, a partir dos projetos encaminhados. Foram apresentadas sete propostas e, por votação, foi escolhida a criação do acadêmico Wagner Maffra (figura 5).

Figura 5

Este projeto tem um cunho social muito grande, pois é um passo que se dá em direção a um público menos favorecido que, muitas vezes, acredita não ter futuro, mas queremos mostrar que há um futuro bem próximo. Basta querer e que alguém nos mostre o caminho... Acredito ser isso que estamos fazendo!!!! (Acad. Rute)

           

 

            O projeto VivArte- o fazer artístico como ferramenta de desenvolvimento da auto-estima tem uma importância muito grande, no sentido de oportunizar a socialização, a integração de estudantes de um curso universitário a um público excluído, bem como propiciar o desenvolvimento de formas de refletir acerca do contexto histórico-comunitário em determinado momento. Suas ações convergem, de um lado, para a formação de professores com competência de intervenção social e capacidade para educar na diversidade, dentro de preceitos de solidariedade, responsabilidade, e, de outro lado, para o resgate e desenvolvimento da auto-estima de uma geração de adolescentes excluída de sonhos e expectativas de uma vida melhor.

 

 

 BIBLIOGRAFIA:

BRASIL. Lei Federal No 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente . D.O.U. de 16-07-1990.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.

FUSARI, M. de R. e, FERRAZ, M. H. C. de T. Arte na educação escolar. São Paulo: Cortez,  1993.

_________________________________________ Metodologia do Ensino de Arte. São Paulo: Cortez, 1993.

MARQUES, I. A. et al. ONG: a arte ampliando possibilidades. São Paulo: CENPEC, 2000. (Educação e participação do CENPEC)

YUNES, M. A.; Goldberg. L. O desenho infantil na ótica da ecologia do desenvolvimento humano. 2005 (no prelo)

YUNES, M. A. M. ; MIRANDA, A. T. ; CUELLO, S. E. S. Interações entre crianças e adolescentes e seus cuidadores nas instituições: propostas de intervenção. In: V Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul - Anped Sul, 2004, Curitiba. Seminário de Pesquisa em Educação, 2004. v. 1.

 

 

 

Ilustrações: Silvana Santos