Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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Arte e Ambiente
Pedro Martinelli, a ética e a estética do olhar
Cláudia Mariza Mattos Brandão[i]
Hoje sabemos que a história ocidental está permeada pela manipulação brutal da natureza. E que o esgotamento progressivo de sua capacidade produtiva, pela exploração crescente dos recursos, é um problema que remonta à Antiguidade. Portanto, é possível considerarmos que as paisagens naturais foram acumulando as “marcas” de violentos embates entre Cultura e Natureza ao longo da história. Esses cenários emergem como agentes históricos com vida própria. São como testemunhas oculares do desenrolar da trajetória humana sobre o planeta. Nesse sentido, as paisagens podem ser consideradas assim como “textos” que nos “contam” sobre a capacidade humana de exercer domínio sobre a flora e a fauna terrestres. As orientações da Conferência de Tbilisi[ii] explicitam a importância dos sentidos e da subjetividade para a compreensão da complexidade das relações humanas, sociais, políticas e com a Natureza. Elas destacam a relevância das atividades culturais e artísticas como instigadoras da percepção crítica acerca do real, e da produção de conhecimentos sob a perspectiva de relações sistêmicas que possibilitam. Sabemos que o comportamento humano é influenciado por inúmeros fatores oriundos do ambiente físico, humano e social. Sendo assim, as relações ambientais só podem ser compreendidas considerando-se o papel mediador da Cultura e da Arte. Os objetos artísticos manifestam uma pluralidade de olhares sobre a questão, expondo a complexidade dos nexos causais entre arte e sociedade. As potencialidades narrativas dos objetos artísticos permitem aos artistas definirem com suas obras sistemas de elaboração de realidades, ou seja, possibilidades de representação do real, a partir de posicionamentos ideológicos. Refiro-me, em especial, a estratégias de representação promovidas no âmbito da fotografia, que nos revelam possibilidades estéticas para o conhecimento visual do mundo. E é nesse contexto que a produção do brasileiro Pedro Martineli (Figura 1) se insere. Oriundo do foto-jornalismo, Martinelli busca com sua produção uma constante reafirmação de sua brasilidade, articulando discursos artísticos nos quais o tema em si domina as imagens. Com suas imagens o fotógrafo atesta a veracidade de realidades que mostra/discute, estética e ideologicamente. Ele adentra nos meandros daquilo que enxerga, e que a câmara fotográfica é capaz de registrar, demonstrando particular comprometimento com as questões pertinentes aos povos da Amazônia.
Figura 1
A carreira de Pedro Martinelli como repórter fotográfico teve início em 1967, na Gazeta Esportiva. Em 1970, trabalhando nos jornais O Globo e Última Hora, no Rio de Janeiro, ele teve a oportunidade de documentar a expedição Kranhacãrore, chefiada pelos irmãos Cláudio e Orlando Villas-Boas. Nessa oportunidade ele manteve pela primeira vez contato com a tribo de “índios gigantes”. Desde então, Martinelli apaixonou-se pelos habitantes da Amazônia, seus hábitos e costumes, sendo que a partir de 1994, já trabalhando como fotógrafo independente, dedicou-se inteiramente à série O Homem na Amazônia (Figuras 2 e 3)[iii].
Figuras 2 e 3: Pedro Martinelli Série O Homem da Amazônia.
Martinelli abstrai as cores do mundo e o reconstitui por conceito. Ele nos mostra que não basta ver, é preciso perceber o contexto, olhar o mundo ao redor, uma condição que envolve percepções apuradas. Suas imagens-sínteses das relações entre os povos da Amazônia e a natureza demonstram que compreender o mundo através do olhar é uma busca instigante e eterna.
Figuras 4 e 5: Pedro Martinelli Série Pau-Rosa.
Na sua procura pelo entendimento dessas culturas ímpares, Martinelli foi contaminado pelos estilos de vida dessas comunidades. Além de apresentar recortes de relações éticas através da estética fotográfica, ele escancara poeticamente as ações danosas de grandes empresas e corporações. A série Pau-Rosa (Figuras 4 e 5), por exemplo, foi motivada pela convivência do fotógrafo em terras amazônicas e na observação de um cotidiano pautado pela exploração desmedida dos recursos naturais.
Figura 6
A Aniba Rosaeodora Ducke (Figura 6), mais conhecida como Pau-Rosa, é uma planta nativa da Amazônia que corre risco de desaparecimento, devido à grande extração. A sua quase extinção é consequência do fato de sua essência estar na composição de um dos perfumes mais cobiçados do mundo, o Chanel N° 5 (Figure 7).
Figura 7: Disponível em http://www.blogdoclaret.com/index.php/chanel-n%C2%B05-perfume-de-marilyn-monroe-na-mira-ambiental/
Hoje, mais de noventa anos após a estilista Coco Chanel ter escolhido a essência extraída dessa árvore para a composição do perfume, os cortadores de madeira tem dificuldade para encontrá-la na Amazônia. Esses homens precisam ir a lugares cada vez mais distantes para conseguirem obter as seis mil unidades de pau-rosa, necessárias à produção das sessenta toneladas de essência exportadas anualmente. Mundialmente famoso o Chanel n°5 tem uma demanda crescente e contínua.
Figura 8: Disponível em http://www.blogdoclaret.com/index.php/chanel-n%C2%B05-perfume-de-marilyn-monroe-na-mira-ambiental/
A afirmação da atriz Marilyn Monroe em uma entrevista, de que dormia somente com algumas gotinhas do Chanel No. 5, foi o suficiente para o perfume tornar-se um mito e um sucesso de mercado (Figura 8). Desde então, nunca mais saiu da lista das melhores fragrâncias internacionais. Novas possibilidades para a sua fabricação estão em estudos, isso em função das constantes reclamações sobre as graves conseqüências do abate do pau-rosa na floresta amazônica. Dentre elas, as imagens de Pedro Martinelli ecoam como um alerta especial acerca de um dos muitos problemas enfrentados para a preservação da floresta mais conhecida do planeta, o pulmão do mundo, como muitos dizem. Atualizando a cada mirada a discussão acerca das relações homem/natureza, a partir dos textos (d)escritos pelas paisagens, as fotografias de Martinelli criam diálogos. São como depoimentos íntimos sobre as suas vivências. Para ele a floresta é uma composição estética a ser interpretada, com o objetivo de promover o conhecimento do meio tal e qual é percebido. O fotógrafo dá visibilidade à configuração das paisagens naturais da Amazônia, e aos mecanismos do mercado de consumo que interferem na preservação da vida na floresta.
Referências: DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. 5ªed. São Paulo: Global, 1998. http://www.blogdoclaret.com/index.php/chanel-n%C2%B05-perfume-de-marilyn-monroe-na-mira-ambiental/ [i] Professora assistente do Centro de Artes, Universidade Federal de Pelotas, coordenadora do PhotoGraphein - Núcleo de Pesquisa em Fotografia e Educação, UFPel/CNPq. attos@vetorial.net [ii] Documento elaborado pelos participantes/representantes dos Estados membros presentes à Primeira Conferência Intergovernamental em Educação Ambiental (Geórgia, CEI, 1977) realizada pela UNESCO em cooperação com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). (DIAS, 1998, p.61) [iii] As imagens de Pedro Martinelli reproduzidas neste artigo estão disponíveis no site do fotógrafo: http://www.pedromartinelli.com.br/
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