Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades sociais e em qualidade de vida sem discutirmos meio ambiente. - Carlos Moraes Queiros
ISSN 1678-0701 · Volume XXII, Número 88 · Setembro-Novembro/2024
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04/06/2011 (Nº 36) Hortas escolares: desafios e potencialidades de uma atividade de educação ambiental
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Revista Educação Ambiental em Ação 36

HORTAS ESCOLARES: DESAFIOS E POTENCIALIDADES DE UMA ATIVIDADE DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL [i]

 

Valéria Ghisloti Iared *, 1, Bióloga, Mestra em Ecologia pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais / Universidade Federal de São Carlos (PPG-ERN/UFSCar); e-mail: valiared@gmail.com;

 

Flávia Torreão Thiemann 1, Bióloga, Mestre em Ciências, Doutoranda em Ecologia pelo (PPG-ERN/UFSCar); e-mail: flaviathiemann@yahoo.com;

 

Haydée Torres de Oliveira 2, Bióloga, Mestrado em Ecologia, Doutorado em Ciências da Engenharia Ambiental, Pós-Doutorado em Educação Ambiental, professora associada do Departamento de Hidrobiologia / UFSCar; e-mail: haydee@ufscar.br;

 

Ariane Di Tullio 1, Bióloga, Mestre em Ciências da Engenharia Ambiental. e-mail: di.ariane@gmail.com;

 

Géria Maria Montanari Franco3, Bióloga, Doutora em Ecologia e Recursos Naturais, coordenadora da Coordenadoria de Orçamento Participativo e Relações Governo Comunidade, Prefeitura Municipal de São Carlos; e-mail: geria@terra.com.br

 

 

*endereço para correspondência:

  • Valéria Ghisloti Iared
  • Rua Tiradentes 527, São Carlos CEP 13560-430
  • Tel: 16-3412- 6094

 

Resumo

 

Esta pesquisa é um estudo de caso que procurou investigar um projeto de educação ambiental desenvolvido nas escolas municipais de São Carlos. O Projeto Hortas Orgânicas Comunitárias e Pedagógicas foi implantando em 2005 e objetivava oferecer uma nova possibilidade educativa. Constatamos que as hortas propiciam inúmeras práticas que criam um ambiente educativo sob a perspectiva de uma educação ambiental crítica. Identificamos cinco fatores que interferem na implementação: adesão voluntária das professoras, envolvimento da comunidade escolar, responsável pelo cuidado diário com a horta, recursos materiais e sobrecarga de tarefas. Observou-se a fragilidade do projeto diante das constantes mudanças de gestão e da estrutura organizacional. As escolas que adquiriram autonomia para realizá-lo, essa dependência da Secretaria Municipal é menor ou inexistente. Nossos resultados indicam que o projeto tem a potencialidade de incorporar a complexidade da questão ambiental no cotidiano escolar, e é uma sugestão pertinente para projetos de educação ambiental.

 

Palavras-chave: educação escolar, projetos escolares, horta orgânica

 

 

Introdução

 

A presente investigação procurou analisar a implementação de um projeto de educação ambienta (EA) em uma rede pública municipal. A Assessoria de Educação Ambiental da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC) de São Carlos (São Paulo, Brasil) foi criada na gestão 2005-2008 com o objetivo de promover e apoiar a criação e o desenvolvimento de projetos de educação ambiental na rede escolar municipal e comunidades atendidas. Esse trabalho estava fundamentado na Lei no 9.795 / 1999, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), e dispõe em seu Artigo 2º que "A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”.

Entre os vários projetos desenvolvidos pela Assessoria, estava o de Hortas Orgânicas Comunitárias e Pedagógicas, implementado em 2005, referenciado em uma educação ambiental crítica orientada para a transversalidade, participação e responsabilidade coletiva (LOUREIRO, 2006).

            Segundo Sorrentino (1995), o desenvolvimento de políticas públicas depende de investimentos e estruturas políticas que a viabilizem e a fomentem. Foi o caso da gestão de 2005 a 2008 da SMEC que implantou e apoiou o Projeto Hortas Orgânicas Comunitárias e Pedagógicas, acreditando estar contribuindo para a formação de cidadãos ambientalmente educados.

No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) do Ministério da Educação (MEC) (BRASIL, 1998), o cultivo de hortas nas escolas é indicado para que as crianças possam conhecer e aprender a cuidar de pequenos animais e vegetais, conteúdos essenciais do aprendizado desta fase. A observância do princípio de educação democrática quanto ao acesso e permanência do aluno pressupõe, entre outras coisas, garantir ambiente agradável nas unidades escolares.

O plantio de hortas e jardins torna a escola mais agradável permitindo transformar o espaço físico árido em espaço verde. E particularmente, as hortas permitem aos alunos e à comunidade escolar vivenciarem os ciclos vitais da natureza, o cuidado com os seres vivos, e atentarem para a importância de uma alimentação saudável.

As unidades escolares, além da função básica de socialização, devem também ser geradoras de atitudes. Mesmo quando os valores de respeito a todos os seres vivos não são abordados explicitamente, eles devem impregnar a prática educativa (CARVALHO, 2004).

São várias as referências encontradas sobre trabalhos com hortas (DI GIOVANI; ZANETTI, 2006; STUCHI; OLIVEIRA, 2000; entre outros). Todas relatando experiências de trabalhos realizados por uma escola ou professora. Sendo assim, consideramos este estudo relevante, porque além de abordar as potencialidades e desafios da atividade em si, aborda a inserção da temática dentro de uma rede de escolas públicas municipais.

 

Caminho Metodológico

 

Para tal estudo, optamos por seguir um caminho metodológico no qual procuraríamos desvendar como e por que determinados fatos ou eventos acontecem, sendo que os resultados obtidos poderiam ser generalizados para novas proposições teóricas (YIN, 1989). Logo, a estratégia utilizada foi o estudo de caso. Múltiplas técnicas de coleta de dados foram utilizadas, como entrevistas, análise documental e observação participante. Como recomendado pelo autor, para análise e interpretação do material obtido, utilizamos a triangulação de dados descrito por Patton (1990).

No presente trabalho, as investigadoras foram consideradas observadoras-participantes em caráter integral, uma vez que éramos responsáveis pelos projetos desenvolvidos na Assessoria de Educação Ambiental da SMEC. Como instrumentos da observação foram utilizados os registros das visitas regulares feitas nas escolas, durante o ano de 2007, nos quais constavam a descrição do espaço destinado às hortas nas escolas, e os relatos de eventos especiais ou atividades. No artigo, os dados obtidos por essa técnica serão mencionados como Registro de campo.

No início de 2008 foram realizadas algumas entrevistas com roteiro previamente preparado com três professoras da rede municipal e envolvidas no projeto (identificadas aqui como E1, E2 e E3), uma diretora (E4) e a assessora de educação ambiental (E5) da SMEC. Estes dados serão identificados como Entrevista.

Além disso, relatórios, reportagens, cartazes, questionários de avaliação do projeto e outros documentos elaborados por pessoas envolvidas no processo, no período de 2005 a 2008, foram dados essenciais. Estes registros serão identificados como Documento. Cabe ressaltar que há poucos registros sobre a implantação e repercussão do trabalho durante os anos de 2005 e 2006 sendo que os dados mais detalhados sobre estes anos foram coletados através de entrevistas.

 

Resultados e Discussão

 

O Projeto

 

A implantação do Projeto Hortas como uma proposta de ação da rede municipal de ensino de São Carlos teve início em 2005, a partir de um projeto que já acontecia sob coordenação da APASC (Associação para Proteção Ambiental de São Carlos). Antes de 2005, três escolas tinham uma horta em seu espaço físico com a finalidade de ser uma Horta Orgânica Comunitária (Documento). Nessa época, a horta era voltada para a produção de legumes e verduras e apenas os que ajudavam regularmente na manutenção poderiam receber a colheita: “era pra ser um trabalho pedagógico, mas as mães começaram a se sentir donas das hortas. Elas vinham no horário que elas queriam colher ou então não deixava colher, tinha que pedir pra elas” (Entrevista – E4).

Loureiro e Cossio (2007) em uma publicação com alguns dados da pesquisa O que fazem as escolas que dizem que fazem educação ambiental? revelam uma preocupação ao identificarem a existência de conflitos entre escola e comunidade, uma vez que essa parceria é um dos aspectos decisivos para programas, projetos e ações de educação ambiental.

Em 2005, o projeto foi reestruturado com a criação de uma Assessoria de Educação Ambiental conforme o relato da então assessora– “a primeira coisa que me foi pedida foi reestruturar para que a horta passasse a ter um caráter de educação e não produção (...) acho que a primeira coisa que me norteou mesmo o trabalho foi quando eu fui atrás dos Referenciais Curriculares da Educação Infantil do MEC pra ver o quê que dizia ali que subsidiasse a implantação da horta. O projeto tem um referencial forte no PCN [Parâmetros Curriculares Nacionais] e no Referencial de Educação Infantil do MEC” (Entrevista – E5). Os PCNs e o RCNEI são documentos de referência para a educação no país por tratarem dos objetivos, conteúdos, orientações didáticas e da contextualização de cada ciclo escolar (BRASIL, 1997, 1998).

Reescrito o projeto pela Assessoria de Educação Ambiental da SMEC, este passou a ser denominado “Hortas orgânicas comunitárias e pedagógicas” e como um instrumento de educação passou a ter como objetivo principal “propiciar atividades que relacionam melhor a teoria com a prática, contemplando conteúdos programáticos e transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais e do Referencial Curricular Nacional Para a Educação Infantil do MEC, para que os alunos compreendam a natureza como um todo dinâmico, além de estimular a curiosidade, a descoberta e a responsabilidade” (Documento).  No final de 2007, um total de 31 unidades escolares tinham aderido ao projeto (Registro de campo).

 

O potencial educativo

 

Coll (1997) propõe alguns tipos de conteúdos de ensino: conceituais (conhecimento científico necessário para o cidadão atuar na sociedade), atitudinais (corresponde aos valores que embasam os vários caminhos que o conhecimento científico pode seguir) e os procedimentais (técnicas, métodos). Foi identificado que desenvolver uma horta orgânica na escola propicia inúmeras práticas que podem ser relacionadas aos conteúdos escolares e temas abordados na atualidade. As três categorias sugeridas por Coll (1997) são contempladas no projeto com as hortas (Registro de campo).

O cultivo de uma horta é comum entre muitas famílias e por ser um assunto próximo do cotidiano, tal projeto criou um espaço de constante troca entre familiares, crianças e funcionários da escola. Em muitas unidades, a comunidade se envolveu ativamente no desenvolvimento do projeto, ao fornecer mudas e sementes, e participar da semeadura, transplante e colheita dos vegetais (Registro de campo/ Entrevista/ Documento).

Muitas escolas adotaram como tema de datas comemorativas o trabalho realizado com a horta. Essas escolas abriam suas portas para receber os familiares em uma refeição preparada com a colheita. O interessante era observar como as crianças faziam questão de levar os responsáveis para conhecer seus canteiros (Registro de campo/ Entrevista/ Documento).

Alguns trabalhos (FRACALANZA, 2004; LOUREIRO; COSSIO, 2007; VEIGA, 2005, entre outros) têm uma preocupação com atividades de educação ambiental em datas festivas devido ao perigo do seu caráter pontual. Concordarmos com esses autores, ainda assim, consideramos essas atividades comemorativas como um fator positivo, uma vez que se aproveitou de uma data do calendário para festejar um trabalho que era permanente no espaço escolar.

Ao articular experiências educativas formais com os conhecimentos prévios e próximos dos alunos, como no caso das hortas, o conteúdo se torna significativo pois o educando é motivado a relacionar o novo conteúdo com os elementos já presentes em sua estrutura cognitiva (LIMA, 2004).

Segundo alguns trabalhos que tiveram como temática a horta orgânica na escola (DI GIOVANI; ZANETTI, 2006; OLIVEIRA; STUCHI, 2000) e os dados coletados neste estudo (Registro de campo/ Documento), a horta propicia um ambiente investigativo do qual o professor pode incitar a dúvida, a criação, o levantamento de hipóteses e a resolução de problemas.

Associado às hortas, muitas escolas iniciaram o trabalho com compostagem de alimentos, para reduzir a quantidade de resíduos destinados ao aterro sanitário e também para produzir adubo orgânico para as hortas (Registro de campo/ Entrevista/ Documento). Isso permitiu aos alunos acompanhar com curiosidade científica o processo de decomposição de matéria orgânica que acontece nas composteiras, registrando a evolução do processo, com o aparecimento de insetos, minhocas e outros decompositores que geralmente causam repulsa nas pessoas. Desmistificar a informação errada ou exagerada contribui muito para uma mudança de valores em trabalhos de educação ambiental (MERGULHÃO, 2002).

 

A sustentabilidade do projeto

 

Considerando-se a periodicidade dos governos a educação ambiental sofre, assim como a educação geral, da falta de continuidade e permanência dos projetos e programas da administração anterior, que são interrompidos ou desautorizados. Em alguns casos, experiências riquíssimas foram abandonadas pela falta de concordância dos novos técnicos e gestores públicos em relação as mesmas, mas na escola, fazia diferença, pois havia um trabalho realizado que apresentava bons resultados e envolvia o conjunto da comunidade do entorno (NUNES, 2004, p. 209).

 

Uma inquietação que condiz com essa reflexão da autora citada acima nos fez investigar a possibilidade da continuação do projeto. As entrevistas e os registros diários apontam que as escolas e professoras que conquistaram autonomia para o desenvolvimento do projeto não sofrerão tanto com possíveis mudanças nos órgãos superiores: “... algumas professoras interessadas... que realmente pegaram a coisa e realmente viram as oportunidades de trabalho do projeto...nessas ele vai se manter” (Entrevista - E5). Três outros relatos vêm confirmar essa afirmação de E5: “Porque eu vejo assim, um projeto dentro de uma escola independe de gestão porque a professora continua ali naquela escola, o trabalho dela continua sendo desenvolvido e tá dando resultados positivos.” (Entrevista – E2); “Às vezes eu procuro...até...alguns recursos que faltam pra horta, por fora, não dependendo da SMEC.” (Entrevista – E4) e “Eu acho assim, que já ta há tanto tempo...eu tenho como proposta minha e se já é proposta da escola...” (Entrevista – E1).

 

Fatores que interferem na implementação do projeto

 

Sucessivas leituras sobre o material coletado nos permitiu identificar cinco fatores que interferem na implementação do projeto. São eles:

 

·         Adesão voluntária das professoras

Na pesquisa O que fazem as escolas que dizem que fazem educação ambiental?, Loureiro e Cossio (2007) revelam que 59% das escolas entrevistadas relacionaram a motivação inicial à iniciativa dos docentes. A adesão voluntária ao projeto como um ponto relevante é percebida em vários momentos da pesquisa.

A maioria das professoras ou diretoras não esteve em contato com nenhum tipo de formação em educação ambiental e a motivação surgiu de uma preocupação pessoal (Entrevista): “Não, eu não fiquei sabendo que a Secretaria tinha esse projeto das hortas. Quando eu resolvi fazer, eu conversei com a minha diretora, e aí ela entrou em contato e me passou isso, que tinha esse projeto.” (Entrevista – E2).

Por outro lado, no ano de 2007 algumas professoras estavam realizando cursos de extensão ou especialização, os quais exigiam uma interação educativa. Algumas das atividades práticas escolhidas foram a implantação da horta e da composteira na UE. Nesses casos, o tempo e o empenho dedicado a essa tarefa eram maiores. Apesar disso não ser um diferencial para que os resultados positivos fossem expressivos (muitas outras escolas também o tiveram independentemente da “obrigação” da professora), esses trabalhos tiveram a vantagem de ter um embasamento teórico e uma sistematização dos dados em forma de relatório (Registro de campo). Sistematizar a trajetória metodológica, os objetivos, os envolvidos e a avaliação é fundamental para sedimentar a ação educativa e criar referências (SEGURA, 2007).

Essas experiências demonstram como os processos formativos dessas docentes potencializam os trabalhos de EA - há todo um respaldo teórico e um grupo de pessoas embasando a ação. A contribuição científica e acadêmica das universidades USP e UFSCar, e da Prefeitura Municipal têm produzido importantes resultados nas parcerias celebradas com a rede de ensino em São Carlos (BERTINI, 2003).

 

·         Envolvimento da comunidade escolar

Esse fator identificado nesse estudo está em congruência com o que Kilpatrick (1974) considera como um bom projeto. Para o autor um dos pilares para o êxito de um projeto seria o princípio da eficácia social, isto é, ele deve ser executado em conjunto da onde deve emergir a boa convivência. 

“E a comunidade...os pais das crianças também participaram através do concurso que nós fizemos com os espantalhos.” (Entrevista – E2). Foram comuns atividades nas quais pais ou responsáveis eram convidados a adentrar na escola para plantio, colheita das hortaliças e degustação dos alimentos feitos pelas crianças, além da participação de membros da comunidade que precisavam cumprir serviços sociais na escola (Registro de campo/ Entrevista/ Documento).

 

·         Responsável pelo cuidado diário com a horta

Além desse aspecto ter sido percebido durante as visitas diárias às escolas, esse ponto foi levantado nos questionários enviado às escolas no final de 2006 e 2007 e nos registros de 2005 e 2006 (Documento): “...em 2005 faltou uma pessoa responsável pelo cuidado com a horta nos finais de semana, feriados e período de férias escolares”.

Nos questionários de avaliação enviados no final de 2007, esse apontamento apareceu tanto de forma explícita - “dificuldade (...) de pessoa que possua conhecimento para manutenção e orientação” – quanto em citações como “dificuldade para organização do tempo para manejo dos canteiros, controle eficaz de pragas e ervas daninhas” ou “falta de orientação técnica” (Documento).

Além da opção teórica por uma prática pedagógica, a equipe escolar precisa viabilizar essa inovação nas práticas cotidianas, e para tal materialização faz-se necessária uma reorganização da infra-estrutura escolar (FRACALANZA, 2004).

 

·         Recursos materiais

O material destinado ao projeto se configurava em um enxada, enxadão, aspersor, mangueira e outros instrumentos que não precisam de reposição constante. Portanto, do ponto de vista da Assessoria de EA, é um projeto de baixo custo diante da possibilidade do número de envolvidos: “O custo de manutenção é muito baixo, é semente, uma ou outra reposição, mas a idéia é vc receber o kit inicial... tanto que a gente fez a lista de reposição esse ano para o pessoal que já estava no projeto e foi uma lista muito pequena, porque é uma coisinha aqui, outra coisinha ali. Não é nada significativo, porque o que a gente comprou é instrumento, para durar bastante tempo.” (Entrevista – E5).

Mesmo assim, esse aspecto se tornou um desafio e a falta de esterco foi a principal reclamação durante os anos de 2005, 2006 e 2007 (Registro de campo/ Entrevista/ Documento). Tínhamos o apoio da Secretaria Municipal de Agricultura por meio da Horta Municipal, a qual nos cedia composto orgânico. Nossa dificuldade estava em ensacá-los e transportá-los até as escolas. O relato de uma das entrevistadas ilustra essa afirmação: “O que eu imagino que esteja acontecendo ...eu imagino... que não há falta de esterco. Porque a horta da prefeitura tem bastante! Eles mesmo falam pra gente e pras mães. O problema é transporte disso!” (Entrevista – E4).

Justamente por ser uma rede de escolas municipais com inúmeras demandas, o transporte sempre foi disputado por todas as assessorias e outros departamentos da SMEC e muitas vezes o esterco demorou semanas para chegar à escola, prejudicando o andamento do projeto e desestimulando as pessoas envolvidas (Registro de campo).

Fracalanza (2004) defende que aspectos relacionados ao funcionamento e à organização da escola podem comprometer os projetos de educação ambiental. Constatamos que essa deficiência, quando ampliada para as instituições das quais as escolas são vinculadas, também prejudica o andamento das atividades. 

Se por um lado esse elemento é desfavorável para o desenvolvimento do projeto, muitas escolas conseguiram superá-lo recorrendo às potencialidades dentro e no entorno da escola. Muitas experiências mostram que o projeto foi viabilizado graças à colaboração entre vizinhos e funcionários da unidade, o que propicia um maior envolvimento da comunidade escolar. Isso está em consonância com pesquisas de Di Tullio (2000), Fagionato-Ruffino (2003) e Ruy (2006), realizadas em São Carlos. Esses trabalhos salientam a importância do estabelecimento de parcerias para a viabilização de projetos e ações de EA.

Outras unidades escolares, procurando superar essa dificuldade e por orientação nossa, implantaram uma composteira associada ao projeto das hortas tanto com finalidade didática de completar o trabalho como para produzir adubo.

 

·         Sobrecarga de tarefas

 

O excesso de funções que atualmente a escola tem que cumprir pode levar a trabalhos superficiais e pouco eficazes quanto ao cumprimento dos seus objetivos: “então é uma das que eu to tendo esse ano. Trabalhar o conteúdo na sala, sair ...precisa de um tempo. Tenho crianças com mais dificuldade ...então o tempo que ta indo ta muito complicado” (Entrevista – E3).

Apesar desse aspecto não estar presente nos registros de 2005 e 2006, as observações e registros de 2007 indicam o quanto isso interfere no desenvolvimento do projeto.

As professoras se sobrecarregam com tantas exigências: adaptação às inovações curriculares, cumprimento do programa, elaboração de aulas para diversas séries de diferentes escolas entre outras atividades (FRACALANZA, 2004; OLIVEIRA, 2007). A equipe de direção está atrelada a aspectos burocráticos e funcionais da escola ao coordenar toda a administração da unidade e muitas vezes falta tempo para pensar e auxiliar nas práticas educativas que estão acontecendo (Registro de campo). Uma maior comunicação entre todos os setores da rede (assessorias, departamentos, direção e professoras) poderia sintonizar as demandas e proposições de cada um.

 

Considerações finais

 

Um panorama geral sobre o potencial educativo do Projeto Hortas Orgânicas Comunitárias e Pedagógicas nos permite inferir que este propicia um ambiente educativo sob a perspectiva de uma educação ambiental crítica segundo Guimarães (2007). Na visão do autor, um ambiente educativo deve oportunizar o conhecer, sentir, experimentar, vivenciar (aspectos afetivos); estimular a reflexão e a ação em sua complementaridade; motivar uma postura problematizadora que potencializem o surgimento de novos valores e atitudes individuais e coletivas e construir novos conhecimentos e saberes.

De acordo com Carvalho et al. (1996) e Carvalho (2006), a práxis educativa relacionada às questões ambientais deve estar pautada em três pilares: a natureza dos conhecimentos, os valores éticos e estéticos e a participação política. Por permear todas essas dimensões, os resultados da pesquisa indicam que o projeto em estudo tem a potencialidade de incorporar a complexidade da questão ambiental no cotidiano escolar. Portanto, trabalhar com hortas escolares é uma sugestão pertinente para projetos de educação ambiental.

Outro ponto que merece destaque é a fragilidade do projeto diante de uma estrutura organizacional que deve ser coletiva e coordenada para que ele seja viabilizado. A mesma instituição que permite e apóia a realização do projeto, esbarra em entraves de diversas naturezas que dificultam sua implementação (LEME, 2008) como é o caso do transporte de materiais destinados à horta. Nesta perspectiva, a consolidação de uma proposta pedagógica inovadora e recomendada como uma atividade de educação ambiental depende do fortalecimento da iniciativa dentro da instituição proponente.

Devemos chamar a atenção para a vulnerabilidade devido às constantes mudanças de gestão. A fragilidade de programas e projetos diante de planos de governo não é novidade no campo da educação ambiental. Por conta disso, a Assessoria de Educação Ambiental sempre trabalhou na perspectiva de uma educação ambiental emancipatória, que estimula o exercício de ações libertadoras e de grupos comunitários autônomos (LIMA, 2004). Como decorrência de todo esse processo, as escolas que adquiriram autonomia para realizar o projeto, essa dependência da Secretaria Municipal é menor ou até inexistente.

Outro aspecto é a formação continuada desses professores que pode ser promovida através de cursos de extensão, palestras, oficinas e espaços de reflexão coletiva para que novos saberes se construam no enfrentamento das incertezas diárias (ARAÚJO, 2004).

 

Agradecimentos

 

Agradecemos à Prefeitura Municipal de São Carlos que por meio da SMEC e da Secretaria de Agricultura apoiou e acreditou na proposta. Agradecemos também aos trabalhadores e trabalhadoras da então SMEC e Horta Municipal que estiveram envolvidos diretamente ou indiretamente com o Projeto: motoristas, merendeiras, professoras, diretoras, secretárias, serventes, etc. Um agradecimento especial àquelas que concederam entrevistas para este estudo.

 

 

Referências Bibliográficas

 

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[i] Os dados desse artigo já foram publicados nos Anais do V Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental realizado em São Carlos (SP) de 30 de outubro a 02 de novembro de 2009.

Ilustrações: Silvana Santos