Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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16/03/2012 (Nº 39) LIMPEZA URBANA E MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS: AS IMPRESSÕES AO OBSERVAR ESPAÇOS URBANOS EM DUAS CIDADES BRASILEIRAS E SEIS CAPITAIS EUROPÉIAS
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LIMPEZA URBANA E MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS: AS IMPRESSÕES AO OBSERVAR ESPAÇOS URBANOS EM DUAS CIDADES BRASILEIRAS E SEIS CAPITAIS EUROPÉIAS.

 

 

FÜRSTENAU, Brenda Bianca Rodrigues Jesse

FOFONKA, Luciana²

 

 

RESUMO

Este trabalho apresenta as impressões tidas através da visita e observações em espaços urbanos em duas cidades brasileiras e seis capitais europeias, de modo a identificar as diferenças e semelhanças do sistema de manejo de resíduos sólidos por parte do governo e no comportamento da população na manutenção e conservação da limpeza das cidades observadas. Foram feitas pesquisas na Internet, pesquisa bibliográfica e análise de anotações sobre observações realizadas em visitas em Salvador e Porto Alegre (Brasil), Berlim (Alemanha), Viena (Austria), Varsóvia (Polônia), Amsterdam (Holanda), Paris (França) e Londres (Inglaterra). Também foram realizados diálogos informais com moradores de algumas dessas cidades, com o intuito de verificar a opinião dessas pessoas sobre as condições de limpeza dessas cidades

 

Palavras-chave: Lixo. Reciclagem. Limpeza

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

          Questões relativas ao lixo não são restritas apenas às sociedades modernas, tampouco problemas exclusivos de sociedades contemporâneas (WALDMAN, 2010). O manuseio de resíduos de atividade humana é uma questão tão antiga quanto à presença do homem na Terra. No período paleolítico, ocupantes de cavernas depositavam seus resíduos em frestas nas rochas. Os sambaquis são resultado da

___________________________________

¹ Especialista em Gestão Ambiental – IERGS

² Profª Orientadora - IERGS

deposição de conchas, esqueletos de animais e de restos de refeições feitas por índios Tupi-guaranis. Os resíduos alimentares de indígenas na América do Sul acabaram por geral um tipo de solo fértil, conhecido como terra preta ou terra de índio. No velho mundo também existem sítios arqueológicos com resíduos gerados por povos do passado (WALDMAN, 2010).

          Segundo o Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil (2008), produzido anualmente pela ABRELPE - Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, cada brasileiro produziu, sozinho, em média, 378 quilos de lixo em 2010. A produção de lixo no país cresceu seis vezes mais do que a população. O pior dado apontado pelo relatório é que a quantidade de resíduos com destinação inadequada aumentou em quase dois milhões de toneladas, em relação a 2009. 

          Embora mais da metade dos municípios brasileiros adotarem projetos de coleta seletiva, nenhuma ação governamental em qualquer nível, seja municipal, estadual ou federal, terá plena eficácia se não houver adesão da população e mudança de hábitos. Falta de informação, de comprometimento com o meio ambiente, de disposição em aderir à prática de separação de lixo e a falta de consideração com aquilo que é público e de uso comum podem ser levantadas como possíveis causas para que a questão da limpeza urbana e descarte do lixo seja um problema tão sério em nosso país.

          Frequentemente se ouve de pessoas que conheceram países ditos “desenvolvidos” elogios referentes à limpeza das ruas e manejo adequado dos resíduos sólidos. Muitas dessas pessoas fazem comparações com a realidade de nosso país, afirmando que a “sujeira” de nossas cidades é um absurdo e um indício de que somos um povo “atrasado” e “sem educação”. Com isso, este artigo tem como objetivo comparar a realidade da limpeza urbana brasileira com o que pode ser observado por um turista em seis capitais européias, no período de um mês.

          Foram feitas pesquisas na Internet, pesquisa bibliográfica e análise de anotações sobre observações realizadas em Salvador e Porto Alegre (Brasil), Berlim (Alemanha), Viena (Austria), Varsóvia (Polônia), Amsterdam (Holanda), Paris (França) e Londres (Inglaterra). Também foram realizados diálogos informais com moradores de algumas dessas cidades, com o intuito de verificar a opinião dessas pessoas sobre as condições de limpeza dessas cidades. Por fim, se faz uma reflexão sobre o papel de cada cidadão na busca por um ambiente mais agradável e saudável em nosso país.

 

1 Sobre os resíduos sólidos

1.1 Mas, afinal de contas, o que é lixo?

 

          Resíduos sólidos, genericamente conhecidos como lixo, são assim caracterizados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, a ABNT (2004):

 

Resíduos nos estados sólido e semi-sólido, que resultam de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos de água, ou exijam para isso soluções técnica e economicamente inviáveis em face à melhor tecnologia disponível.

 

          Mesmo com uma definição formal, redigida por uma associação de normas técnicas, caracterizar exatamente o que é lixo não é tarefa simples. Aquilo que é inútil e descartável para algumas pessoas pode ser matéria prima para que artistas plásticos realizem seus trabalhos, adubo após processo de compostagem ou ainda fonte de renda para a população carente.

          Cada vez mais tem se difundido a idéia dos 3 R’s (Reduzir, Reutilizar e Reciclar). Com isso, materiais que outrora seriam descartados como lixo e levados para aterros sanitários ou até mesmo lixões, que não contam com qualquer tipo de preparação para evitar contaminação do ambiente, estão sendo aproveitados para os mais diversos fins: decoração, construção de casas, móveis, artesanato e até mesmo geração de empregos e renda.

 

1.2 Reciclagem

 

          As sociedades modernas estão se tornando cada vez mais consumistas. o que de certa forma é uma consequência do sistema econômico capitalista. Cada vez mais os bens são projetados para durar menos tempo. Esta característica unida à crescente demanda do mercado e os constantes lançamentos de novas tecnologias que tornam os produtos obsoletos da noite para o dia faz  com que  se consuma mais e consequentemente se descarte mais objetos

           Nosso ritmo de vida cada vez mais apressado e cheio de atividades faz com que tenhamos menos tempo para atividades corriqueiras, como preparar alimentos ou realizar atividades criativas. Com isso, tudo aquilo que nos remete a uma idéia de praticidade e rapidez nos atrai, seja um item alimentício ou um eletrodoméstico. Essa realidade tem contribuído para que uma quantidade cada vez maior de resíduos seja descartada a cada dia. Dentre este material, nem tudo é inútil. Existe uma boa parte que pode ser reaproveitada através da reciclagem.

          A reciclagem é uma prática cada vez mais difundida em nosso meio. A cada ano aumenta a quantidade de materiais reciclados, porém esse aumento não é suficiente para dar conta de nossa crescente produção de materiais descartáveis. Ainda que a reciclagem pareça ser um conceito recente, introduzido pelo movimento ambiental na década de 1970 e implementado com maior ênfase a partir do final da década de 1980 e início dos anos 1990, reciclar é algo bastante antigo. Antes da Revolução Industrial não era possível produzir grandes quantidades de produtos a custos baixos, que possibilitassem o acesso da população a eles. Assim, a reciclagem era praticada de alguma forma por praticamente todas as pessoas. Mas, afinal de contas, o que é reciclagem?

          Em linhas gerais, reciclagem é o resultado de uma série de atividades, pela qual materiais que se tornariam lixo, ou estão no lixo, são desviados, coletados, separados e processados para serem usados como matéria-prima na manufatura de novos produtos.

          A primeira experiência de coleta seletiva no Brasil ocorreu em 1985, na cidade de Niterói, RJ (ROCHA, 2011). A iniciativa partiu dos moradores de um bairro, em 1985, que contaram com o apoio da Universidade Federal Fluminense e de uma entidade do governo alemão. A comunidade executava o serviço de aproveitamento dos materiais em um terreno cedido pela prefeitura. O lucro obtido era utilizado em atividades comunitárias. Curitiba foi a primeira capital brasileira a implantar um programa de coleta seletiva de lixo, em 1989.

          Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) de 2008 apontam que o número de municípios que utilizam aterros sanitários cresceu de 17,3% (ano 2000) para 27,7%. Os dados apontam ainda que, o número de programas de coleta seletiva dobrou, passando de 451 em 2000 para 994 em 2008. Entretanto, a concentração de municípios que realizam a separação de resíduos orgânicos e resíduos reutilizáveis está nas regiões sul e sudeste.  

          Recipientes apropriados para o depósito de material próprio para reciclagem estão por toda a parte nos espaços públicos e privados, porém nem sempre são corretamente utilizados. A resolução do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) de 25 de abril de 2001 estabelece o código de cores para os diferentes tipos de resíduos, a ser adotado na identificação de coletores e transportadores, bem como nas campanhas informativas para a  coleta  seletiva. A separação do lixo nas residências compete com a falta de disposição dos moradores em sua execução, falta de locais apropriados para depositar os resíduos recicláveis separadamente dos não recicláveis e não abrangência de determinadas regiões da cidade no programa de coleta seletiva municipal, quando este existe.

 

1.3 Limpeza Urbana

 

          A limpeza urbana envolve atividades como coletas domiciliar de lixo, coleta seletiva de material reutilizável seletiva, coleta de material especial, como lixo hospitalar, por exemplo. Envolve ainda o recolhimento do lixo público, que é resultado de descartes inadequados (focos de lixo), varrição e capina nas vias públicas. Também mantém a pintura de meios-fios, faz a roçadas em taludes e 
beira de estradas (roçadeira mecanizada), a lavagem de monumentos e logradouros públicos, a limpeza de praias (quando for o caso) e garante tanto a zeladoria quanto a manutenção dos sanitários públicos da cidade. 

 

 

2 IMPRESSÕES SOBRE O QUE FOI OBSERVADO NAS CIDADES BRASILEIRAS

2.1 Salvador

 

          A cidade de Salvador, capital da Bahia, é destino de milhões de turistas por ano. Além do mundialmente famoso carnaval, a capital baiana conta com interessantes pontos turísticos e históricos e incríveis belezas naturais. Com mais de 2,6 milhões de habitantes, é o terceiro município mais populoso do Brasil e oitavo da América Latina.

          Segundo dados da PNSB de 2008, Salvador é uma das cidades que mais investem em limpeza urbana no país, com 12,5% do orçamento municipal destinado para este fim. Para fins de comparação, São Paulo, a maior cidade do país, investe 5,3% de seu orçamento. A pesquisa aponta que foram recolhidos mais de 1,3 milhão de toneladas de resíduos (domiciliares, hospitalares, varrição de ruas e demais serviços), 64% da população tem seus resíduos recolhidos diariamente. Cada soteropolitano produz, em média, 253,31 quilos de lixo por ano. De acordo com a Limpurb, apenas 5% dos dejetos produzidos são reciclados, enquanto o ideal seria 15%. Em 2008, foram reaproveitados 65.500 mil toneladas do total coletado.

          Existem Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) de lixo reciclável em Salvador. Esses espaços dispõem de quatro contêiners para coleta de vidro, papel, plástico e metal. Todavia, a população reclama que há poucos PEVs na cidade e que raramente vê o caminhão de coleta recolher o material.

          As ruas, especialmente nas regiões de maior concentração de turistas, em geral não parecem ser tão sujas. Nas partes mais periféricas da cidade, por onde os turistas não costumam circular, podemos perceber um pouco menos de cuidado com a limpeza (Figura 1). Pelas vias em geral é possível encontrar embalagens de doces, pontas de cigarro, latas de alumínio e bagaços de côco, largamente consumido na região. Em algumas partes da cidade, como a região do Pelourinho, é algumas pessoas satisfazem as necessidades fisiológicas nas vias públicas.

          O curioso é que se vê com certa frequência veículos e funcionários de empresa de limpeza urbana recolhendo lixo nas ruas. Até mesmo na orla pode-se ver pequenos tratores passando por locais de acesso difícil, sobre rochas, para recolher lixo das praias (Figura 2). Em alguns locais existem lixeiras, mas pouco se vê recipientes adequados para a separação de materiais recicláveis. Existe ainda a péssima prática de jogar latas de bebidas e bagaços de côco no mar. Percebe-se que o investimento feito pela prefeitura não é eficaz se não houver conscientização da população local e da enorme massa de turistas que circulam pelas ruas da cidade.

 

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Figura 2: rua nas imediações do Pelourinho. Salvador, Bahia. Autora do trabalho, 2009.

 

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Figura 3:  funcionários com trator fazendo a limpeza da orla. Salvador, Bahia. Autora do trabalho, 2009.

 

 

 

2.2 Porto Alegre

 

          Porto Alegre tem aproximadamente 1,4 milhões de habitantes e apesar dos crescentes problemas de trânsito e alto custo de vida, ostenta mais de 80 títulos e prêmios que a apontam como uma das melhores capitais brasileiras para se viver.

          O orçamento de 2011, disponível no site da prefeitura, previu a destinação de 4,6% dos recursos financeiros municipais para a limpeza urbana. A cidade é uma das pioneiras na implementação da coleta seletiva de lixo, que iniciou em 1990. A coleta de materiais recicláveis é realizada por caminhões e abrange 100% dos bairros da cidade. Porto Alegre também conta com PEVs.

          Diariamente são recolhidos 60 toneladas de lixo seco ou reciclável. O lixo seco é dividido entre as Unidades de Triagem (UT), para reaproveitamento e reciclagem. O lixo domiciliar é encaminhado para uma estação de transbordo, onde uma pequena parte passa pela Unidade de Triagem e Compostagem (UTC) e o resto segue para o Aterro Sanitário no município de Minas do Leão, distante 113 km de Porto Alegre.

          Desde 12 de julho de 2011, a prefeitura começou a distribuir pela cidade contêineres para que a população deposite o lixo orgânico (Figura 3). A meta é espalhar pela cidade 1.100 contêineres e após isso iniciar com a coleta mecanizada. A partir de novembro, serão cobradas multas de quem  descartar lixo seco ou especial (que devido à composição, peso ou volume necessitam de tratamento específico) nos contêineres (Figura 4). A multa pode variar da mínima de R$ 618,00 até a máxima de R$ 1.302,00. Alguns casos de vandalismo foram registrados, onde pessoas atearam fogo nos contêineres (Figura 5).

 

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Figura 4: José Fortunati, prefeito de Porto Alegre, demonstrando como utilizar contêiner. Porto Alegre, RS, Brasil. Fonte: www.jcrs.uol.com.br. Ricardo Giusti, 2011.

 

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Figura 5: um exemplo de má utilização de contêiner. Porto Alegre, RS, Brasil. Fonte: www.zerohora.com.br. Valdir Friolin, 2011.

  

 

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Figura 6: contêiner após ato de vandalismo. Porto Alegre, RS, Brasil. Fonte: www.ocafe.com.br

 

           O site da prefeitura da capital gaucha informa que “a política de gerenciamento dos resíduos adotada a partir de 1989 projeta Porto Alegre como uma referência, liderando o Grupo de Trabalho de Gestão Integrada e Sustentável dos Resíduos Sólidos em Cidades da América Latina e Caribe, do Programa de Gestão Urbana da ONU”  (Site Prefeitura de Porto Alegre, RS).

          As áreas mais nobres da cidade contam com ruas limpas e bom serviço de recolhimento de lixo. Além disso, a coleta seletiva de lixo seco funciona muito bem nessas áreas. Entretanto, à medida que se afasta dos bairros nobres, os serviços de limpeza urbana decrescem em qualidade. Existem, ainda, lixões sem nenhum tipo de tratamento de resíduos. Um deles pode ser facilmente visto próximo à Avenida Sertório (Figura 6). Contudo, não é raro ver funcionários do departamento de limpeza fazendo a capina e varrição de vias públicas.

          Apesar de dividir opiniões, o sistema de contêineres para descarte de lixo orgânico foi implantado com o intuito de contribuir com a boa aparência das ruas, pois evitam que o lixo fique na calçada sujeito à violação por pessoas e animais. Porém, algumas ações negativas de alguns indivíduos não contribuem para que a cidade seja referência no quesito limpeza urbana. Vandalismo contra os contêineres, descarte de lixo, pneus e móveis velhos no arroio Dilúvio e em outros corpos d’água e o hábito que alguns habitantes tem de jogar pequenas embalagens na rua são ações que apenas prejudicam a limpeza da cidade. Em bairros onde a coleta de lixo seco não funciona corretamente também é muito comum ver lixo orgânico misturado aos resíduos que poderiam ser reciclados.

          A questão do manejo do lixo na capital gaúcha precisa ser mais discutida e o debate deve ser abrangente, envolvendo não somente governo e pequenas parcelas da população, mas sim o maior número de habitantes possível. Também deveriam ser tomadas medidas que conscientizem a todos sobre a melhor maneira de descartar os resíduos, de modo a impactar menos o meio ambiente e de melhorar a qualidade de vida da população, o que é bem mais importante do que apenas se preocupar com a estética de uma das cidades sede da Copa do Mundo de 2014. A Copa dura menos de um mês, porém a população passa aqui a vida inteira.

         

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Figura 7: lixão próximo à Avenida Sertório. Na parte inferior da imagem é possível ver um caminhão descarregando lixo. Porto Alegre, RS, Brasil. Google Earth, 2011.

 

 

 

3 IMPRESSÕES SOBRE O QUE FOI OBSERVADO EM CIDADES EUROPÉIAS

 

          Em todas as cidades visitadas na Europa existiam lixeiras espalhadas por diversos pontos, de modo que descartar algum é muito fácil. Também era comum ver pontos de coleta de material reciclável, que possuem compartimentos para separação de diversos materiais. Também existem coletores que possuem compartimentos para descarte de vidros com separação por cor (Figura 7). Tais lixeiras eram muito abundantes em Varsóvia (Figuras 8 e 9), que também contava com espaços apropriados para depósito de papéis, como jornais, por exemplo. A capital polonesa é muito limpa (Figura 10), inclusive em espaços onde ocorrem feiras de gêneros alimentícios.

 

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Figura 8: coletores para descarte de vidros separados por cor. Berlim, Alemanha. Autora do trabalho, 2011.

 

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Figura 9: coletor de rua para descarte de material reciclável. Varsóvia, Polônia. Autora do trabalho, 2011.

 

  

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Figura 10: compartimento para descarte de papéis em coletor de material reciclável. Varsóvia, Polônia. Autora do trabalho, 2011.

 

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Figura 11: uma importante avenida da capital polonesa. Varsóvia, Polônia. Autora do trabalho, 2011.

 

 

          A cidade, em geral, é bem limpa e muito agradável (Figura 11). De vez em quando se vê alguma garrafa plástica ou material do gênero nos canais que cortam a cidade havia lixo (Figura 12). Cerca de dez mil bicicletas são retiradas por ano de dentro dos canais (Figura 13). O grande fluxo de turistas oriundos de diversas partes do mundo pode ser uma das explicações para o lixo nas ruas, porém, as bicicletas jogadas nos canais se devem à falta de cuidado dos moradores da cidade. Sendo um meio de transporte muito popular na Holanda, a enorme quantidade de bicicletas que por falta de manutenção adequada ou desgaste devido a muita utilização requer medidas especiais. Andando pelas ruas da capital holandesa é possível ver muitas bicicletas sem condições de uso paradas em bicicletários ou presas à grades, ocupando espaço e prejudicando o aspecto visual das vias.

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Figura 12: Amsterdam, Holanda. Autora do trabalho, 2011.

  

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Figura 13: garrafa plástica em um dos canais. Amsterdam, Holanda. Autora do trabalho, 2011.

 

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Figura 14: bicicletas retiradas do canal. Amsterdam, Holanda. Daniel Duclos, 2011.

 

 

          Para ir do aeroporto Charles de Gaulle em direção à Paris, é necessário pegar um trem. Essa experiência poderá causar, à primeira vista, uma péssima impressão em quem está visitando a capital francesa pela primeira vez. Para entrar no vagão carregando bagagem foi necessário abrir caminho pelo lixo, literalmente. Garrafas plásticas, pacotes de salgadinhos e biscoitos, embalagem vazias, sacos plásticos espalhados pelo chão, em grande quantidade fazem parte do visual. Observando os demais passageiros durante o trajeto até a cidade, vemos que muitos aproveitam o tempo no trem para se alimentar e nem todas as pessoas se preocupam onde irão descartar os resíduos de sua refeição. Além disso, o fluxo de passageiros é imenso. A viagem nesse trem ocorreu por volta das 21 horas, depois de um dia inteiro de grande fluxo de passageiros, muitas vezes cansados demais para se preocupar com lixo.

          Ao andar por Paris no primeiro horário da manhã outra visão poderá chocar o visitante mais preocupado com a questão ambiental, pois funcionários da prefeitura lavam as ruas com água que corre de fontes e hidrantes (Figura 13). Entretanto, a cidade conta com um sistema dual, onde a água potável não é a utilizada para este tipo de serviço. A cidade é bem limpa e mesmo em áreas onde não existem muitas lixeiras, não se vê lixo no chão. Há cerca de dez anos a cidade enfrentou um certo problema com donos de cães que não descartavam corretamente as fezes de seus animais de estimação. Após ações do governo, o problema foi solucionado. Hoje em dia, Paris é uma cidade limpa e possui um ambiente bastante agradável (Figura 14) , bem diferente do longínquo período entre os anos 1506 e 1608, quando a cidade foi considerada a mais suja da Europa.

 

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Figura 14: lavagem das ruas. Paris, França. Fonte: http://endellionbarge.wordpress.com/

 

 

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Figura 15: Paris, França. Autora do trabalho, 2011.

 

 

          Viena, a capital da Áustria, é tida como uma das capitais mais limpas da Europa (Figura 15). Existe abundância de locais apropriados para descarte de lixo. A preocupação com a sustentabilidade está em todos os lugares, desde hotéis até cardápios em cafeterias. Em estabelecimentos como hotéis e hostels é comum que os chuveiros tenham um sistema de abertura do registro no qual o hóspede precisa apertar um botão para a água sair durante um determinado tempo. Assim que a água para de correr, é necessário que se aperte o botão novamente. Deste modo, o desperdício de água durante o banho é minimizado.         

          Um fato interessante ocorreu no Schonnbrunn Tiergarten (Figura 16). um dos zoológicos mais belos e antigos do mundo. Uma criança jogou uma embalagem de doce entre alguns arbustos. De forma muito calma e carinhosa sua mãe pediu que a criança pegasse a embalagem e depositasse na lixeira ao lado do arbusto e explicou que o lixo deve ser colocado na lixeira, pois jogar fora dela era algo muito feio. Ver essa cena foi muito bom, pois frequentemente vemos pais que "xingam" a criança que joga lixo no chão, não ensinam o correto e até mesmo incentivam que se aja ao contrário do que é correto e saudável ao meio ambiente.

 

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Figura 16: Viena, Austria. Autora do trabalho, 2011.

 

 

 

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Figura 17: entrada do Schonnbrunn Tiergarten, o jardim zoológico da capital austríaca. Viena, Austria. Autora do trabalho, 2011.

 

 

          Em Berlim, assim como em muitas outras cidades da Alemanha, existem nos supermercados máquinas nas quais se deposita garrafas plásticas e se obtém um cupom que pode ser revertido em dinheiro no caixa do estabelecimento (Figura 17). O dinheiro nada mais é do que a devolução de uma espécie de caução que se paga quando se compra um refrigerante em garrafa pet. Uma senhora, em um mercado, chegou com uma sacola de papelão com várias garrafas plásticas e recebeu €5,00 ao final da operação.

 

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Figura 18: devolução do dinheiro referente a caução da garrafa pet. Fonte: http://www.aprenderalemao.com/2011/09/pfand-o-que-e-isso.html

 

 

          Londres é uma cidade bastante limpa (Figura 18). Infelizmente, o Rio Tâmisa é muito sujo. Durante um passeio de barco é possível sentir o aroma desagradável que emana da água, o que não ocorre quando se circula próximo às margens do Rio Sena em Paris. Além disso, as marcas de óleo na água são visíveis.

          Durante um passeio no Hyde Park, podemos ver várias lixeiras, mas percebe-se lixo orgânico misturado a material que poderia ser destinado à reciclagem, como latas de alumínio e garrafas plásticas (Figura 19). Um ponto positivo é a oferta de lixeiras específicas para descarte de fezes de animais de estimação (Figura 20). Entretanto não havia nenhum tipo de embalagem que auxiliasse o dono do animal a recolher os dejetos, tal como foi visto em Bratislava, capital da Eslováquia (Figura 21).

           

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Figura 19: Londres, Inglaterra. Autora do trabalho, 2011.

 

 

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Figura 20: lixeira no Hyde Park. Londres, Inglaterra. Autora do trabalho, 2011.

 

 

 

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Figura 21: lixeira para descarte de fezes de animais domésticos. Londres, Inglaterra. Autora do trabalho, 2011.

 

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Figura 22: lixeira com sacos de papel para descarte de fezes de animais domésticos. Bratislava, Eslováquia. Autora do trabalho, 2011.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS      

         

          Em geral, as cidades observadas na Europa contam com um bom serviço de limpeza urbana, que recebe bastante atenção no orçamento municipal e comprometimento da população. Ferramentas como lavagem de ruas com água não potável, grandes aspiradores que sugam sujeita e carrinhos elétricos para recolhimento de lixo são largamente utilizados. Existe também disposição da população, que nas primeiras horas do dia coloca os sacos de lixo em locais adequados para que o caminhão os recolha. Até mesmo um turista deslumbrado com as belezas da cidade não precisa fazer muito esforço para encontrar um caminhão recolhendo lixo ou uma equipe varrendo as vias, seja em Berlim ou em Varsóvia.

          A limpeza e a qualidade do ambiente não estão restritas ao manejo de resíduos sólidos. Em Berlim, por exemplo, raramente se ouve buzina de automóveis, o que ameniza a poluição sonora. Em Paris é proibido jogar chiclete no chão. Tal medida não só beneficia a aparência das vias e limpeza de calçados alheios como também as aves, que são prejudicadas ao ingerir chicletes do chão.

          A conscientização da população para que adote medidas mais sustentáveis pode ser vista em todos os lugares: em museus, pontos turísticos, espaços públicos, meios de comunicação e até mesmo em cardápios de restaurantes. Alguns hotéis incentivam os hóspedes a utilizarem as toalhas mais de uma vez e explicam que com essa medida, água é economizada e menos produtos de limpeza são lançados no meio ambiente.

          Nos supermercados não são oferecidas as quantidades imensas de sacolas plásticas que aqui no Brasil estamos acostumados a receber. A maioria das pessoas vai às compras carregando consigo uma sacola de tecido ou de outro material não descartável para transportar suas compras. Alguns supermercados comercializam grande variedade de sacolas, desde as mais simples e descartáveis que custam €0,12 até sacolas grandes e resistentes para carregar produtos pesados e que podem ser reaproveitadas várias vezes, ao custo de €1,50. Também é possível ver clientes carregando seus produtos na mão ou tentando acomodá-los em bolsa ou mochila. Existem, ainda, os estabelecimentos que empacotam os produtos em sacos de papel, aqueles mesmos que os supermercados brasileiros utilizavam na década de 1980, antes do advento das sacolas plásticas.

          O uso da bicicleta como meio de transporte e os espaços apropriados e seguros para circulação de ciclistas, bem como a excelente qualidade do transporte público contribui muito para a qualidade do meio ambiente nas cidades européias observadas. Em lugares onde de maneira segura, rápida e prática pode-se chegar ao ponto de destino com a grande oferta de trens, bondes e ônibus torna os automóveis desnecessários.

          A utilização consciente da água e da energia também é outro ponto a destacar na Europa. Não se vê iluminação pública ligada de dia de maneira alguma. Lâmpadas que desligam sozinhas na ausência de pessoas no recinto são muito comuns.

          Dizer que as cidades da Europa são exemplares na questão de limpeza não é exagero. Entretanto, afirmar que a situação no Brasil não tem jeito é totalmente desnecessário e sem sentido. O que a realidade brasileira  precisa é de conscientização da população e comprometimento de todos os envolvidos, desde as mais altas esferas do poder público até os catadores que dos resíduos sólidos tiram seu sustento.

          Ações como educação ambiental nas escolas, programas de reaproveitamento de óleo de cozinha, programas de recolhimento de aparelhos eletrônicos, pilhas e baterias utilizadas e locais para correto descarte de lâmpadas fluorescentes são exemplos de medidas que tem resultado positivo e que temos sim condição de dar destino certo aos resíduos que geramos. Existem programas até para descarte correto de medicamentos vencidos, basta termos boa vontade e consideração pelo bem comum e do meio ambiente.

          Algumas medidas não são apenas demonstração de cidadania, mas devem ser seguidas porque desobediência a elas é desrespeito a lei. Um exemplo é o caso de pessoas que jogam tocos de cigarro e outros resíduos para fora de veículos. Segundo o artigo 172 do Código de Trânsito Brasileiro, atirar do veículo ou abandonar na via objetos ou substâncias é considerada infração média, sujeita a multa de R$85,13 e quatro pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Entretanto, não há fiscalização e portanto, ninguém é advertido ou punido por arremessar lixo para fora do veículo, algo tão comum de se ver em nossas cidades.

          Para que possamos nos orgulhar das condições de limpeza de nossas cidades é necessário que governo, seja ele municipal, estadual ou federal, e população unam esforços. O governo deve promover a limpeza urbana, investir recursos do orçamento para tomar as medidas necessárias, fiscalizar o cumprimento das leis e incentivar a população a cuidar do meio ambiente. Cabe aos cidadãos zelar pela limpeza dos espaços públicos. Isso pode ser feito com pequenos gestos, como recolher as fezes de seus animais de estimação, fazer a separação de lixo orgânico do lixo reciclável, evitar de descartar resíduos em locais inadequados, como parques, terrenos baldios, ruas e avenidas.

          Dentro das nossas residências também podemos ser agentes ativos na limpeza e manutenção da qualidade de vida e do meio ambiente em nossas cidades. Para isso basta fazer a separação do lixo, descartar em locais apropriados lâmpadas fluorescentes, pilhas e baterias, não jogar no ralo óleo de cozinha usado e consumir de forma consciente água e energia elétrica. Infelizmente o transporte público no Brasil deixa muito a desejar, mas mesmo assim podemos trocar o carro pela bicicleta ou mesmo por uma caminhada e pressionar as autoridades a criarem espaços seguros para o tráfego de ciclistas.   

          Devemos fazer a nossa parte e também agir dentro da comunidade, seja incentivando as práticas que minimizem nosso impacto no meio ambiente ou participando de manifestações que cobrem das autoridades medidas que causem impacto na limpeza das cidades e bem estar dos habitantes poderemos ter orgulho das nossas cidades e não precisaremos olhar para cidades européias sonhando com a limpeza vista nelas. A população deve estar consciente que limpeza pública não é apenas tarefa do governo. Atos de vandalismo como a destruição de contêineres de lixo em Porto Alegre, por exemplo, não devem ser fatos corriqueiros e devem ser combatidos.

          Por fim, as novas gerações podem ser vistas como aliados nesta luta. A educação e conscientização de crianças e jovens deve ser priorizada. Crianças, quando educadas de forma a cuidar do meio ambiente podem influenciar seus familiares, podendo impactar o atual estado de limpeza das cidades. 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ROCHA, Vanessa José da. O trabalho dos caradores(as), cooperativismo e as políticas públicas (sociais): experiências da coleta seletiva solidária no município de João Pessoa. CAOS – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, João Pessoa, n.16, p. 164-175, março de 2011.

 

Prefeitura de Porto Alegre. Disponível em: Acesso em: 12 dez.2011.

 

WALDMAN, Mauricio. Lixo. Cenários e Desafios. São Paulo: Cortez, 2010.

Ilustrações: Silvana Santos