Não há nenhuma árvore que o vento não tenha sacudido - Provérbio hindu
ISSN 1678-0701 · Volume XXIII, Número 93 · Dezembro/2025-Fevereiro/2026
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Entrevistas
08/12/2025 (Nº 93) ENTREVISTA COM CARLOS RASCH PARA A 93ª EDIÇÃO DA REVISTA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO
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ENTREVISTA COM CARLOS RASCH PARA A 93ª EDIÇÃO DA REVISTA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO

Por Bere Adams

Carlos Rasch  - Foto do entrevistado

Apresentação – O entrevistado desta edição é o cantor, artista, compositor, Carlos Rasch. Tive a felicidade de conhecer o seu trabalho através da seção A Natureza Inspira, publicada na edição passada, quando Silvana Santos apresenta esta pessoa incrível! Carlos mora em Novo Hamburgo/RS, já trabalhou como diretor executivo da Associação Cultural Casa da Praça, é músico autônomo, designer gráfico, ator, professor de teatro formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Além de tudo isto, Carlos trabalha como voluntário em diversas frentes, então, certamente ele deve ter muitas experiências para compartilhar nesta entrevista, então vamos lá!

Bere – Oi Carlos, é uma grande honra tê-lo como entrevistado, muito obrigada por aceitar este convite! Para a maioria das pessoas que eu entrevisto, eu pergunto: Desde quando e por que seu trabalho está relacionado com as questões ambientais? Foi algum acontecimento específico que te despertou para esta temática, ou você já nasceu com esta semente verde no peito?

Carlos – As duas coisas! Hehe!

Houve um momento específico em que me dei conta de que esse era o caminho que eu precisava seguir, ou que fazia mais sentido pra mim. Mas foi um processo pra identificar isso em mim e depois que entendi, percebi que esteve sempre ali. Quando busco minhas memórias de infância e momentos marcantes, muitos estão ligados à conexão com a natureza. Depois de muito tempo revisitei minhas fotos antigas e até as postagens no Instagram e percebi que eu só me sentia feliz de compartilhar algo quando estava em meio à natureza. Mas houve um momento em que me dei conta disso (que também não foi um momento, mas um processo que levou a isso): Quando terminei a faculdade de Teatro, estava decidido a fazer um mochilão pela América Latina, pois sentia a necessidade de entender as manifestações culturais que estudei para além dos livros. Logo no início da viagem veio a pandemia, então acabei viajando apenas dentro do Brasil, nesse momento. Uma coisa que me chamou muita atenção foi como os rios formavam, culturalmente, as cidades por onde passei e como essas cidades na verdade são frutos dos seus rios. As nascentes e cachoeiras na Chapada dos Veadeiros em Goiás, o Rio São Francisco no nordeste, os mangues nos Sergipe, o Rio Amazonas em Manaus e por aí vai… Quando retorno para o Rio Grande do Sul, um dia saí pra pedalar, parei na beira do Rio dos Sinos e lamentei muito por não poder tomar um banho de rio. Foi nesse momento que me dei conta - isso era início de 2022. Fiquei um pouco envergonhado por ver o rio que banha minha terra natal poluído e sendo tratado daquela forma. Naquele momento já se falava em mudanças climáticas, mas ainda era visto com tom de alarmismo e não de realidade. Então, entendi que esse tema, além de mexer pessoalmente comigo, era urgente e necessário. Que colocar meu fazer artístico em prol de um rio, era o que fazia sentido pra mim. Nas minhas músicas procuro falar sobre nosso território, sobre filosofia, espiritualidade, política, existencialismo e autoconhecimento. Mas é o rio que conecta tudo isso, porque é a partir dele que se forma o lugar onde a gente vive.

Bere – Carlos, você realmente é uma inspiração! Dá pra perceber um profundo grau de sensibilidade em você, em relação à vida como um todo. Sabe aquilo de se dar conta de que tudo está conectado? Achei incrível essa sua viagem também, que te proporcionou uma grande reconexão com o meio, e que te trouxe novos olhares que te fizeram eleger os rios para integrar tua vida, teu trabalho, tua essência! Pelo pouco que pude colher em uma pesquisa on-line que fiz sobre você, percebi que você emana arte por todos os poros, uau, mas vamos começar pela música. Conta um pouco sobre tua trajetória e quais foram as tuas principais influências.

Carlos – Eu comecei a aprender a tocar violão muito cedo, acho que antes dos 10 anos de idade. Eu pegava o violão do meu irmão e lia as revistas cifradas que ele tinha. Aprendi muito na igreja, tocando em grupos de jovens. Durante a faculdade aprendi com os meus amigos, quando a gente tocava juntos e passava os macetes um pro outro. Não sei se existe uma principal influência, porque conecto muito a música com a vivência. A maioria das músicas não autorais que eu toco, ouvi algum amigo tocando ou ouvi a música em um momento que me marcou. Teve um momento que eu tocava muita música latinoamericana que ouvi nos mochilões pelo Uruguai e Argentina. Durante o mochilão pelo Brasil passei a tocar muitos forrós. Quando eu tocava em bar, meu repertório tinha Caetano, Gil, Bethania, Calcinha Preta, Maiara e Maraísa, Calypso, Anitta, 4 pesos de propina e várias músicas pouco conhecidas compostas por amigos. As referências são misturas de vivências. Do funk ao rezo.

Bere – Você também é compositor, então, como nascem as suas composições?

Carlos – Depende. Não sei se tem um padrão. Às vezes estou andando de bike e começo a cantarolar uma música, forma estrofe, refrão, depois esqueço e nunca mais a música vai ser tocada. Acho que as primeiras músicas viraram músicas porque as pessoas diziam que tinham curiosidade de ouvir uma composição minha. Então foi mais um trabalho de fazer um registro da letra, melodia e cifra, pra poder tocar de novo. As do rio foi porque eu queria falar sobre o território, sobre o rio, sobre a gente. Mas geralmente as músicas nascem de um momento que estou vivendo ou de um assunto que acho urgente e precisa ser transformado em arte.

Bere – Qual é a influência do dia a dia no teu processo criativo?

Carlos – As músicas nascem a partir do dia a dia. Nunca fiz um retiro pra compor. As situações vão acontecendo e as músicas vão surgindo. Às vezes eu componho porque quero falar sobre determinado assunto. Dai vou formando fragmentos daquilo que eu gostaria de fazer e chega uma hora, parece que compila e faz download. Parece que o processo de composição leva dias em segundo plano, sem ter nenhuma palavra ou melodia. Mas, quando ela se apresenta, é coisa de 20 minutos ela tá pronta. Às vezes sofre alguma alteração ou ajuste, mas o grosso é quase um download.

Bere – A música é uma poderosa ferramenta de conscientização e transformação, e também, um meio de mobilização. Fale um pouco sobre isso.

Carlos – Participei de uma oficina de produção musical esses dias em que falamos justamente sobre isso. A música acessa nossas emoções, gera memórias afetivas, antes de nascermos escutamos os batimentos cardíacos da nossa mãe e somos embalados pelo ritmo de um som. A criança antes de andar, dança. Antes de falar, canta. Então das muitas artes, a que mais acessa, afeta e transforma, é a música. Todas as artes fazem isso, mas a música é quase instintiva. A luta pela preservação e regeneração do meio ambiente é um momento chave que a gente atravessa enquanto humanidade. É uma questão de existência. Colocar a arte a serviço dessa causa é primordial, assim como a arte teve um papel relevante em todos os momentos políticos e sociais da história.

Bere – Quantas e quais canções você já criou? Escolhe uma delas (sei que isso deve ser bem difícil) para contar como foi todo o processo de criação.

Carlos – As primeiras foram “Equilíbrio” e “Vou dançar” sobre um momento da vida que eu estava passando, depois “ré”, depois “defenestra” sobre a convivência em coletivo, depois “Bem te viu” e “Banho de Rio” sobre o Rio dos Sinos, depois “Encontros Casuais”, mais apaixonadinha… Seguindo, nasceu a “Abre os Caminhos, Exu!”, um rezo. Essas são as que lembro agora e tem muitas efêmeras, que são esquecidas. A “Bem te viu”, eu queria escrever uma música que falasse sobre o nosso território, a nossa natureza, o nosso rio. Um dia de insônia eu peguei o violão e comecei a tocar qualquer coisa, fazer um dedilhado e encaixando com acordes. Veio o cantarolar de uma melodia e uma amiga tinha me emprestado um almanaque, que tinha catalogada a fauna e a flora que ocorrem aqui na bacia do Rio dos Sinos. Fui encaixando os bichos e as plantas na melodia e senti de criar trocadilhos com os nomes dos animais e das plantas, de falar de banho de rio e da poluição. Surgiu “Bem te viu” em menos de uma hora.

Bere – O que os rios representam na tua vida? Ah, banho de rio... Fala um pouco mais sobre isso.

Carlos – Isso falei sobre o mochilão e as memórias da infância. Eu lembro do dia em que aprendi a nadar lá na Picada Verão. Depois me dei conta de que eu só gostava de compartilhar coisa na internet quando eu tava junto da água. Meu primeiro post no Instagram foi na Lagoa da Conceição em Florianópolis. Vejo que a gente se conectar com nossas águas é qualidade de vida. Imagina se a gente pudesse tomar banho de rio na nossa cidade aos finais de semana? A gente iria se relacionar de uma outra forma com a nossa cidade, seríamos menos estressados, mais alegres, menos consumistas… seria outra dinâmica. Banho de rio revigora. Não é um luxo, é um direito que nos foi privado e a gente se acostumou. Pouca gente se questiona o porquê do nosso rio ser tão poluído e como chegamos nesse estágio. Agora, com a emergência climática, enchente, alagamento, as pessoas passaram até a ter medo do rio. Mas é de la que vem a água que a gente bebe. Resgatar o rio é resgatar a gente mesmo. É nos reconectar com a gente mesmo, com nossa essência.

Bere – Agora, focando na tua visão em relação ao meio ambiente, o que tu destaca como sendo o ponto central para a promoção de uma ampla consciência ambiental.

Carlos – Não sei se eu sei responder essa pergunta. Porque tem tanta coisa escancarada na cara das pessoas e essa consciência não se amplia. Talvez falta o entendimento de que não existe separação entre ser humano e meio ambiente. Tudo faz parte desse “meio ambiente”. Entender que a gente precisa da natureza preservada pra viver e que a gente faz parte dela, talvez seja um ponto chave. Pode ser que todas as problematizações surjam daí. Vivemos em um planeta com recursos finitos, que almeja consumo e lucro infinitos. Entender que quando a gente destrói uma grande área pra explorar petróleo, fazer monocultura ou explorar algum mineral, a gente tá destruindo a gente mesmo. Mas é um assunto complexo, porque avanços tecnológicos são importantes pro nosso bem estar e desenvolvimento também, mas o nosso consumo ultrapassa o necessário, pra ser lucrativo ou simplesmente consumível. São muitas questões e é difícil olhar pra elas isoladamente ou dizer que uma delas é central. Mas seria interessante pensar em como a gente pode usufruir dos recursos sem destruir o meio ambiente e consequentemente a gente mesmo. Enquanto a gente colocar o meio ambiente como algo descolado da gente, é difícil criar essa consciência.

Bere – Vi que você atua em diversas frentes, como voluntário. Conte-nos um pouco sobre estas ações, por favor.

Carlos – O caminho é individual, mas a caminhada é em coletivo. Eu tenho essa necessidade de me construir em coletivos e essas ações voluntárias sempre vieram a partir da necessidade de atuar em grupo. Confesso que em todas essas frentes que atuei e atuo como voluntário, foi porque eu precisava, não porque eu era bonzinho e tinha tempo sobrando. Se tem uma ideia de que o trabalho voluntário é feito sem receber “nada” em troca, mas tudo o que se planta, colhe, e sempre vem algum retorno, mesmo que não seja monetário. Na Casa da Praça eu precisava de um lugar pra morar, certificar a associação como Ponto de Cultura traria mais segurança praquele espaço. Assim o fiz. O Movimento Roessler me abre muitas portas, conheço muita gente que sabe muito sobre a luta ambiental, me dão referências sobre como atuar de forma mais efetiva pelo meio ambiente. Lá estou. Durante as enchentes e estava em crise de ansiedade pela impotência de não poder fazer nada, não podia trabalhar, porque tava tudo parado e em poucos dias eu iria ficar sem ter o que comer… na Rede de Solidariedade eu podia atuar de forma concreta pra ajudar as pessoas mais atingidas pela enchente e a gente ganhava almoço. Em todos esses lugares eu conheci pessoas que me ensinaram muito e por vezes me deram oportunidades de trabalho. Então não é trabalho voluntário, é necessidade de fazer em coletivo. Nesses coletivos a gente encontra pessoas que pensam e têm objetivos parecidos com a gente. No Centro Espiritual Pachamama tenho acesso a ferramentas de autoconhecimento, me ajuda a firmar meu propósito, encontro pessoas que tem a mesma gana de salvar o planeta que eu. E eu chego pra somar. É assim em todos os espaços. Assim como eu preciso, abro espaço para outros(as) que precisam também. E a gente faz junto. É só por isso.

Bere – Vida, ar, água, terra, fogo, flora, fauna, gente, cidade, sustentabilidade... Com estas palavras, estes conceitos, te desafio a compor uns versos soltos, para que, quem sabe, desta nossa entrevista possa nascer uma música, uau!

Carlos – Seeegue a música, hehe!

Bere – Uaauuuuu, e não é que nasceu uma música mesmo! Que lindo, que emocionante! Obrigada Carlos! Que maravilha poder compartilhar um pouco da tua trajetória, aprender contigo e com tua sensibilidade, e renovar - através de tudo o que você disse, a nossa esperança de que podemos sim, fazer a diferença, onde quer que estejamos, se colocarmos o ambiente como parte da gente, com consciência e sensibilidade e se verdadeiramente sentirmos que a vida, naturalmente, se desenvolve mais na cooperação do que na competição. As plantas, os pássaros, os elementos e tudo o que compõe a vida, não competem entre si, e sim, se complementam. Enfim, essa nossa conversa aqueceu meu coração e não tenho dúvidas de que muita gente será tocada pelo que você, carinhosamente, trouxe para nós! E a música “Um sem outro” então, maravilhosa! Muito obrigada!

Contatos com Carlos Rasch:

Instagram: @carlos.rasch

E-mail: carlosrasch@gmail.com

Ilustrações: Silvana Santos