Do mato ao prato
José André
Verneck Monteiro
Pedagogo,
especialista em Educação Ambiental, mestrando em Práticas em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Email:
educativo@live.com
Resumo
Ensaio elaborado a convite de
Berenice Gehlen Adams para inaugurar a seção Sementes, na 49ª Edição da Revista
Educação Ambiental em Ação. O estudo se
propõe a ampliar a reflexão sobre a prática da agricultura urbana com ênfase
nas plantas alimentícias não convencionais e propor a formulação de políticas
voltadas a: (i) diversificar o repertório alimentar no Brasil; (ii) ampliar o
acesso aos nutrientes fundamentais à dieta humana e (iii) impulsionar arranjos
produtivos em novos mercados que contribuem para melhoria das condições socioambientais
em cidades.
Introdução
O combate à desnutrição vem sendo priorizado em diferentes níveis
por diversos governos, nações e empresas. Acabar com a fome é um dos Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio estabelecidos em 2000 pela Organização das Nações
Unidas, cujos resultados serão avaliados até 2015, ano em que serão lançadas, também
pela ONU, das Metas de Desenvolvimento Sustentável .
Sem desconsiderar os resultados imediatos concedidos aos 50
milhões de brasileiros beneficiados pela redistribuição direta de renda,
através do Programa Bolsa Família, desde sua implementação em 2003, convém
salientar preliminarmente, que no Brasil o enfrentamento à fome ainda carece de
complementação de ações estratégicas que assegurem capacitação para a inclusão
na cadeia produtiva, das famílias em situação de vulnerabilidade social e
insegurança alimentar e nutricional, em especial das famílias que tem na
agricultura sua fonte principal de sustento.
Não obstante à ação emergencial de salvar vidas em risco pela fome
através do acesso ao recurso financeiro para aquisição de alimentos, cabe
destacar que políticas públicas contemporâneas de combate à desnutrição
deveriam consubstaciar diversificação da matriz agrícola, estímulo à
agrobiodiversidade, juntamente com a redistribuição dos pontos focais de
produção de alimentos, privilegiando dessa forma as iniciativas produtivas
aliadas à sustentabilidade ambiental.
Opostamente, o atual modelo nacional de desenvolvimento do agronegócio
é pautado por latifúndios monoculturais, manejados com expressiva utilização de
agrotóxicos e combustíveis fósseis, o que permite asseverar que a agricultura
empresarial no país é em grande parcela, injusta e insutentável sob a ótica
socioambiental, pois resulta em exclusão campesina, degradação ambiental e
notável perda da biodiversidade, pelo desmatamento associado e pela pela erosão
da agrobiodiversidade.
Note-se que vultosa fração desta produção agrícola é destinada à
exportação e à produção de ração animal - cuja carne e leite produzidos também
são parcialmente dirigidos aos mercados externos. Deduz-se então que os
recursos naturais espoliados do país de certo modo subsidiam a prática
corporativista transnacional, principalmente das indústrias de venenos,
petroquímicas e de sementes geneticamente modificadas.
Para ampliar o acesso à alimentação saudável com menor custo
ambiental, é imprescindível maior estímulo à adoção de práticas que aperfeiçoem
o uso das áreas urbanas com potencial para produção sustentável de alimentos
frescos e diversos.
O ato de plantar

Arte e fotografia do autor
A agricultura teve início há aproximadamente dez mil anos. É uma
das práticas que colaborou para que os agrupamentos humanos deixassem de ser
essencialmente nômades e assumissem hábitos de tratar de forma diferenciada os
recursos ambientais, produzindo, e não somente extraindo do campo parte dos
alimentos de que necessitavam para sua sobrevivência.
A partir do desenvolvimento das cidades a cultura agrícola foi
sendo cada vez menos praticada no meio urbano e mais concentrada no campo, de
onde os alimentos têm de ser ransportados até o ponto de maior comercialização
e consumo.
Desde a segunda metade do século XX houve nas capitais brasileiras
intensa transformação do modo de habitar e as residências térreas vêm sendo
substituídas por edifícios de múltiplos pavimentos, nos quais o quintal passa a
ter outros usos comuns como estacionamento, áreas de circulação e lazer
coletivo, com ajardinamento restrito pela falta de espaço físico e
propositadamente para reduzir parte das tarefas braçais requeridas pela manutenção
de áreas verdes. A impermeabilização das áreas externas das casas também
acarretou em redução da prática horticultural caseira, comum até então.
Nesse ínterim as cidades maiores também passam a receber intenso
fluxo de pessoas do interior e de outros estados, atraídos por ofertas de
trabalho em construção civil. Já se observa com mais notabilidade a formação
de conglomerados habitacionais em zonas periféricas destituídas de planejamento
urbanístico e acesso aos serviços públicos essenciais de seneamento, seja em
zonas de inundação, de relevo acidentado, à margem de rodovias, em prédios
abandonados e na maior parcela em residências improvisadas, referidas como
favelas,
às quais hoje por eufemismo, questões éticas e preciosismo linguístico
chamam-se comunidades.
Cada vez mais populosas, as megalópoles em formação têm sua
capacidade de entropismo reduzida e demandam uma crescente quantidade de
insumos e hortifrutigranjeiros, cultivados principalmente nas lavouras situadas
nas periferias das cidades ou mesmo em outras regiões.
O custo financeiro de aquisição de alimentos é impactado
diretamente pelas distâncias percorridas desde a produção até o local de
consumo de tais alimentos. Controversamente a prática da agricultura urbana
apresenta declínio. Sujar as mãos de terra, talvez tenha adquirido sentido
demeritoso a ponto de ser classificado como coisa de “caipira”, sendo mais
cômodo e “chique”, concretar o piso e se produzir vestualmente para ir fazer
compras no supermercado.
No supermercado, diferentemente do secos e molhados de outrora, a
experiência de comprar é livre e quase não depende de atendente que pesava a
granel, alcançava com escada as prateleiras do empório e recebia ou anotava a
compra para o pagamento posterior – ato que hoje se frealiza com digitação de
senhas eletrônicas e faturamentos bancários.
Outro aspecto relevante para redução da prática horticultural
caseira reside no fato de que cada vez mais mulheres passam a trabalhar fora de
casa, o que lhes subtrai o tempo outrora dedicado à horta.
Até as feiras livres tiveram seu perfil alterado: poucos feirantes
continuam a produzir e vender - város passam a adquirir os produtos para sua
banca nas Centrais de Abastecimento.
A modalidade urbana de agricultura
Em face da percepção do valor socioambiental representado pela
produção caseira, de parte dos alimentos utilizados cotidianamente, diversas
pessoas e organizações têm empreendido projetos de agricultura urbana, com
expressivos resultados no âmbito educativo e na sedimentação de ciclos
virtuosos de capacitação de pessoas, tomada de consciência, proatividade,
mudanças comportamentais e formação de redes cooperativistas em prol do
alimento produzido na urbe, de modo justo, solidário e sustentável.
A agricultura urbana pode transformar a relação das pessoas com o
cultivo de alimentos, com o ambiente e a sociedade.
Nesse panorama a fome pode ser saciada com ação e criatividade. O
ócio e a lamentação cedem lugar ao tempo/espaço produtivo. O desperdício dá vez
ao reaproveitamento de materiais.
O valor do interesse coletivo é celebrado na troca de saberes,
sementes e nas colheitas abundantes.
É notável a íntima relação entre a agricultura urbana com os
princípios enraizados pela Permacultura: cuidar do ambiente; cuidar das pessoas
e compartilhar os excedentes.
Nas plantações urbanas todo espaço horizontal, vertical ou
inclinado pode ser adaptado e aproveitado, desde que haja simples condições
mínimas: interesse pela transformação; pessoa(s) disposta(s) a dedicar
instantes aprendendo e ensinando a plantar e cuidar; ferramentas simples; local
com insolação média de 5h/dia; disponibilidade de água para irrigação
(preferencialmente de origem pluvial, corretamente armazenada); local para
compostagem orgânica e preparo de caldas.
Não há receita pronta que se adeque a todos os casos, sendo a
criatividade, experimentação e diversificação os principais propulsores para o
êxito. Também não há medidas mínimas ou máximas.
Há uma única regra: se não der certo de um jeito, tente de outro,
mas não desista!
Pode-se plantar uma infinidade de espécies vegetais, com
diferentes usos: alimentares, condimentares, terapêuticas, aromáticas,
corantes, repelentes e ritualísticas.
O cultivo pode ser feito em canteiros ao nível do piso, canteiros
elevados, recipientes pendurados em muros, vasos, latas, baldes, embalagens
reaproveitadas, banheiras, tinas, garrafas e onde mais se providenciar
drenagem, substrato, arejamento, irrigação e insolação adequados.
Nos casos em que seja requerido o uso de tutores para orientar o
crescimento das plantas (ou auxiliar a sustentar o peso de seus frutos e densas
ramagens) pode-se recorrer ao uso improvisado de cercas, arames, estacas de
bambú, estruturas metálicas reaproveitadas, grades, telas, redes de pesca
danificadas, citando-se somente alguns exemplos que podem estar acessíveis
facilmente.
A obtenção de mudas e sementes tende a ser ampliada quando a
prática se irradia a outras famílias da localidade e entre regiões distintas.
Em cada lugar há alguma (s) planta com potencial para ser
cultivada como alimento ou fonte de matéria prima. Para conhecê-las será útil
recorrer aos do campo, sacerdotes, sitiantes, feiras de trocas, hortos, jardins
botânicos, lojas agrícolas e no campo natural.
Em síntese algébrica a proposta pode ser expressa criação de
oportunidades para: plantar + cuidar + colher + compartilhar a fartura =
opulência nutricional em vários níveis e escalas.
Plantas alimentícias não convencionais (PANC)
A expressão e sua sigla Plantas alimentícias não Convencionais
(PANC) vêm sendo difundidas por diversos pesquisadores, notadamente o Dr.
Valdely Ferreira Kinupp,
que segundo relato pessoal lançará em breve, um livro sobre o assunto.
Seu estudo originou vários outros trabalhos de pesquisa entre
acadêmicos, chefes de cozinha, nutricionistas e demais profissionais
interessados nas tendências modernas da culinária.
Em 2010 o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou o Manual de Hortaliças Não-Convencionais.
Para
avançar na discussão sobre alimentos de origem vegetal é preciso antes de tudo, compreender que algum ancestral humano, em
algum dia, se prestou a experimentar as plantas que hoje compõe a alimentação
humana.
Por questões de paladar, produtividade,
resistência à intempérie e até por razões estéticas, umas foram selecionadas
e/ou geneticamente modificadas – em processos naturais ou humanos.
Algumas destas plantas continuam sendo
apreciadas em maior escala e são tratadas até hoje de modo especial pelo
mercado e pelos consumidores, que lhes atribuem valor financeiro e simbólico.
São produzidas, comercializadas e distribuídas por todo o Brasil.
Observe que se alguém menciona a palavra
alface, imediatamente a ideia-força nos induz à criação de uma imagem
mental (ás vezes, até impregnada pela lembrança do sabor, do cheiro, da forma
de preparar e servir), pois a alface já é nossa conhecida, há décadas.
Possivelmente o mesmo fenômeno seja
notável com outros itens do repertório alimentar comum no Brasil: batata,
tomate, banana, cenoura, arroz, repolho, laranja, mandioca, pepino, feijão,
berinjela, pimentão, maçã, salsa, couve, abóbora, limão, jiló, couve, quiabo,
gengibre, cravo, etc. Estas são, portanto, plantas alimentícias
convencionais que juntamente talvez mais uns 30 vegetais que estão
presentes no imaginário e no senso comum do paladar de pessoas de dieta
diversificada.
As Plantas Alimentícias Não
Convencionais (PANC) - atualmente - não usufruem de tal prestígio popular,
mas outrora foram amplamente utilizadas
na alimentação básica de nossos ancestrais. Era comum entre os antigos comer
algumas plantas que vicejavam espontaneamente no quintal e nas ruas. Quando não
se sabia o nome, se lhes atribuiam os apelidos de “mato”, “inço”, “erva” ou
“chicória” .
Possivelmente haja relativamente poucas pessoas que admitam a
ideia de comer “mato”, negligenciando por preconceito ou ignorância, que tais
plantas verdadeiramente representariam saborosos e valiosos alimentos se estivessem
à mesa complementando suas refeições diárias.
Também há de se ressaltar a relação entre convenções alimentares
consolidadas no século atual e a atual capacidade de influência que a mídia e
os grupos econômicos exercem sobre as massas que consomem seus produtos: muito
mais campanhas publicitárias incitam a comprar carros e tingir os cabelos do
que motivam as pessoas a comer saladas.
Inversamente todo investimento da industria colabora para menter
expoentes entre os maiores do mundo os índices brasileiros de ingestão de
refrigerantes, biscoitos e outras guloseimas.
Outra razão que amplia este hiato de saberes entre as diferentes
gerações é o fato de que muitas das PANC são tidas como “ervas daninhas” ou
“infestantes” - por interferirem na produção hortícola, e vêm sendo
historicamente combatidas por agricultores e jardineiros, seja pelo
arrancamento ou pelo uso indiscriminado de herbicidas (capina química).
Felizmente a rusticidade é uma de suas virtudes e mesmo apesar de
toda a campanha empreendida em seu desfavor, as PANC continuam sua trajetória
de vida, nos permitindo conhecê-las e saboreá-las.
A propósito, conhecer as PANC é fator fundamental para sua
ingestão segura. Como são batizadas popularmente por vários nomes diferentes em
cada região, deve-se ter certeza de qual espécie se trata e da parte mais
adequada ao consumo humano (folha, flor, raíz, caule, semente, fruto, etc.).
Para fins de exemplificação didática são apresentadas no quadro a
seguir apenas dezenas das espécies com potencial agoalimentar alimentar, cujas
informações já são disponíveis na internet.
Pode-se obter mais dados sobre cada planta inserindo seu nome
científico no campo de busca da página http://tropicos.org
Utilizando a expressão “composição nutricional + nome científico” em
páginas de busca pode-se também rastrear os estudos sobre as PANC no campo da
dietética.
Ao se associar “receita + nome popular” obtém-se sugestões de
preparo e ingestão.
Espécie
|
Nome popular
|
Parte comestível
|
Sugestão de consumo
|
Amaranthus
viridis
|
Caruru
|
Folhas
|
Cruas
ou cozidas
|
Basella
alba
|
Bertalha
|
Folhas
e ramos
|
Crus
ou cozidos
|
Bidens
pilosa
|
Picão
|
Folhas
|
Cruas
ou cozidas
|
Chenopodium
album
|
Mastruz
|
Folhas
e flores
|
Cruas
ou cozidas
|
Clitoria
ternatea
|
Clitoria
|
Flores
|
Corante
azul
|
Cucumis
anguria
|
Maxixe
|
Frutos
|
Cozidos
ou em conserva
|
Curcuma
longa
|
Açafrão-da-terra
|
Rizomas
(raízes)
|
Corante
amarelo
|
Dioscorea
bulbifera
|
Cará-moela
|
Raízes
aéreas
|
Cozidas
|
Eryngium
foetidum
|
Coentro-bravo
|
Folhas
|
Condimento
|
Galinsoga
quadriradiata
|
Galinçoga
|
Folhas
|
Cruas
ou cozidas
|
Hibiscus acetosella
|
Vinagreira
|
Folhas
e flores
|
Cozidas
|
Hibiscus
rosa-sinensis
|
Hibisco
|
Flores
|
Cruas
|
Lactuca
canadensis
|
Almeirão
|
Folhas
|
Cruas
ou cozidas
|
Melothria
cucumis
|
Pepininho-do-mato
|
Frutos
|
Em
conserva
|
Pachira aquatic
|
Monguba
|
Sementes
|
Cozidas
ou assadas
|
Pereskia aculeate
|
Ora-pro-nobis
|
Folhas
flores e frutos
|
Crus
ou cozidos
|
Pereskia
bleo
|
Ora-pro-nobis
|
Folhas
flores e frutos
|
Crus
ou cozidos
|
Pereskia
grandiflora
|
Ora-pro-nobis
|
Folhas,
flores e frutos
|
Crus
ou cozidos
|
Physalis
pubescens
|
Camapu
|
Frutos
maduros
|
Crus
ou em geléias
|
Porophyllum
ruderale
|
Couvinha
|
Folhas
|
Cruas
ou cozidas
|
Salvia
officinalis
|
Salvia
|
Folhas
|
Condimento
|
Schinus
terebinthifolia
|
Aroeira,
pimenta-rosa
|
Sementes
moídas
|
Condimento
|
Solanum lycopersicum
|
Tomate-selvagem
|
Frutos
maduros
|
Crus
ou cozidos
|
Sonchus
oleraceus
|
Serralha
|
Folhas
e flores
|
Cruas
ou cozidas
|
Stachys
bizensis
|
Peixinho-da-horta
|
Folhas
|
Fritas
empanadas
|
Tagetes
minuta
|
Cravinho-do-mato
|
Folhas
|
Condimento
|
Talinum
fruticosum
|
Bredo,
caruru
|
Folhas
|
Cruas
ou cozidas
|
Talinum
paniculatum
|
Maria-gorda
|
Folhas
|
Cruas
ou cozidas
|
Taraxacum
officinale
|
Dente-de-
leão
|
Folhas
e flores
|
Cruas
ou cozidas
|
Thymus
vulgaris
|
Tomilho
|
Folhas
e ramos
|
Condimento
|
Tropaeolum majus
|
Capuchinha
|
Folhas
e flores
|
Cruas
ou cozidas
|
Typha
domingensis
|
Taboa
|
Interior
do caule
|
Cru
ou cozido
|
Typha
domingensis
|
Taboa
|
Pólen
|
Cru
|
Urera
caracasana
|
Urtiga
|
Folhas
|
Cruas
ou cozidas
|
Vernonia
polyanthes
|
Assa
peixe
|
Folhas
|
Fritas
empanadas
|
Xanthosoma
taioba
|
Taioba
|
Folhas
sem as nervuras
|
Bem
cozidas
|
Como dito, traa-se de uma lista bem tímida, sabendo-se que hoje há
registros de pelo menos 500 espécies vegetais nativas e exóticas em estudo, por
enquanto tratadas como Plantas Alimentícias Não Convencionais.
A PANC que se tem notícia de mais ampla utilização, especialmente
em Minas Gerais, é o ora pro nobis. Em razão do elevado teor nutricional,
as espécies citadas de Pereskia podem ser eficazes instrumentos de
combate à desnutrição, pois são cactos que produzem frequentes colheitas mesmo
em solos pouco férteis, podendo inclusive compor cercas-vivas intransponíveis
de até 2 m3.
Certamente, em razão da megabiodiversidade brasileira e do
contínuo avanço das pesquisas na área, essa lista estará em constante evolução
e crescimento, inclusive em relação às formas de utilização das PANC, que aqui
são exemplificadas de modo suscinto.
Espera-se que em breve tais recursos estejam disponíveis
facilmente, favorecendo a diversificação do cardápio brasileiro.
Observação empírica permite inferir, grosso modo,
sobre o “repetitório” alimentício predominante no cardápio adotado pelos
brasileiros que têm acesso diário ao almoço: arroz, feijão, macarrão, um tipo
de carne, salada simples (às vezes alface e/ou tomate), uns condimentos usuais
(alho, cebola e pimenta).
Regionalmente, por questões de identidade cultural e limitações
financeiras, obviamente há variações, mesmo assim é notável a precária a
ingestão de vegetais variados nas refeições diárias.
Como cada vegetal tem propriedades alimentícias diferentes em
função de sua composição e concentração de vitaminas, sais minerais, gorduras,
açúcares, fitoquímicos e nutracêuticos, é plausível asseverar que quanto mais
diversificada for a dieta, mais eficiente será o balanço nutricional ingerido
nas refeições diárias.
De acordo com o Dr. Sergio Sartori, “devemos
comer diariamente, no míninmo 500 gramas de frutas, legumes e vegetais crus, de
cinco cores e cinco variedades diferentes”.
Tal diversidade pode ser alcançada por meio da adoção
de um cardápio equilibrado e substancial, que contemple ricas saladas, sucos,
pães caseiros enriquecidos, geléias de frutas e condimentos variados. Via de
regra, quanto mais sortida for a alimentação, mais nutrientes e saúde.
A partir da incorporação das PANC ao hábito alimentar
pode-se ampliar sobremaneira a aquisição nutricional a um custo relativamente
baixo.
Inclusive a merenda escolar pode vir a ser
gloriosamente enriquecida a partir da pesquisa, extensão acadêmica e difusão
das Plantas Alimentícias não Convencionais.
Resiliência urbana
Desde que tais plantas sejam cultivadas respeitando-se aos
princípios da agroecologia,
potencializa-se a oferta de alimentos saudáveis, com fartura. Em geral as PANC
são menos sucetíveis a pragas e doenças e requerem menos tratos culturais que
as hortaliças convencionais. E quanto mais espécies no habitat maior a
tendência de se atingir o equilíbrio natural.
Portanto, retomar a prática da agricultura nas cidades
é uma questão que envolve não somente os aspectos relacionados à nutrição
humana, pois abrange também resgate cultural, cidadania, economia, educação e
sustentabilidade ambiental. Pressupondo-se que o cultivo doméstico de alimentos
pode estimular às práticas e a adoção de tecnologias de impacto ambiental positivo, tais como a compostagem, o uso de
defensivos naturais e biofertilizantes, o reaproveitamento de materiais, captação
e uso de água pluvial além de ampliar as áreas verde no espaço urbano.
Nesse contexto os benefícios socioambientais tornam-se
evidentes: combate à desnutrição e à miséria com alimentos saudáveis livres de
agrotóxicos, inserção de pessoas na cadeia produtiva de alimentos, utilização
racional dos recursos naturais, redução de áreas impermeabilizadas, ampliação
da biodiversidade em cada unidade domiciliar, movimentação cultural em torno das
trocas de sementes e intercâmbio de experiências e conhecimentos.
Também merecem destaque o impulso à
atividade econômica (já que os excedentes podem ser comercializados nas feiras)
e a oportunidade de negócios que podem ser gerados a partir da assimilação das
PANC pelo setor gastronômico, o que demandará produção e oferta regular nas
várias regiões de consumo, capazes de atender em diversidade e frescor aos estabelecimentos
e aos paladares mais exigentes.
Destarte, assume
relevância o valor do legado que herdamos de nossos antepassados e dos
cientistas atuais quanto ao conhecimento das plantas, do modo de cuidar e
utilizá-las, para que tenhamos a oportunidade de compartilhar este saber com
outras pessoas, principalmente as que são acometidas de insegurança alimentar e
vulnerabilidade social.