Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Arte e Ambiente
19/09/2003 (Nº 5) ARTE-EDUCAÇÃO AMBIENTAL: na busca de uma cidadania ecológica.
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ARTE-EDUCAÇÃO AMBIENTAL: na busca de uma cidadania ecológica.

Cláudia Mariza Mattos Brandão[1]

 

O tempo modifica as idéias mais radicais, 

atenua as maiores paixões,

faz desmoronar os castelos mais sólidos 

e os sonhos, então...

 

Nem tudo o que se enfrenta pode ser modificado.

Mas nada pode ser modificado até que seja enfrentado...

 

O tempo é muito lento para os que esperam;

muito rápido para os que têm medo;

muito longo para os que lamentam;

muito curto para os que festejam;

mas, para os que amam, o tempo é a eternidade...

 

Querendo construir algo do nada,

comece amando intensamente seus pensamentos e sua imaginação.

Um grande caminho começa com o primeiro passo.

O resto fica por conta das circunstâncias...

...................................................................

(Anônimo – capturado na Internet)

 

            Hoje podemos afirmar que o tempo não é um dado objetivo do mundo criado como sustentava Newton, e nem uma estrutura “a priori” do espírito, um dado não modificável da natureza humana, como queria Kant. Ao examinarmos questões relativas ao tempo (Elias, 1998), é preciso considerar que ele é antes de tudo um símbolo social resultante de um longo processo de aprendizagem. As exigências da vida comunitária fizeram com que o homem construísse instrumentos para serem utilizados como meio de orientação e ordenação da sociedade, baseados em seqüências recorrentes como o ritmo das marés, o dia e a noite e os batimentos cardíacos; portanto, o tempo tornou-se a representação simbólica de uma vasta rede de relações que reúne diversas seqüências de caráter individual, social ou puramente físico[2].

Sem ser um dado natural, o tempo é um aspecto fundamental do processo civilizador relacionado às transformações individuais, sociais ou naturais. Ele coloca o homem no âmago da Natureza, inserido em seu devir, tornando impossível dissociar a condição humana do contexto sócio-ambiental.

Levamos sobre nós o peso de quatro séculos com a vida cultural impelida e modelada pelo ideal do domínio do mito do eterno progresso, a convicção de que o saber teórico produz, de forma linear e progressiva, saber técnico, domínio da realidade, conforto e felicidade. O estilo de pensar próprio da idade moderna faliu tragicamente nas duas guerras mundiais, mas continua sendo nosso modo normal de orientar a vida. E o normal é freqüentemente considerado como normativo, o ideal e desejável. (Quintás, 1992: 16)

Descartes propôs Deus como um grande arquiteto, responsável pela criação da natureza como um conjunto de mecanismos isolados. Mais adiante, os cientistas decidiram que não necessitavam de Deus para enxergar o mundo e o eliminaram da visão cartesiana; conservaram, porém, a idéia de um mundo natural maquínico. Copérnico enunciou o universo como um todo coerente e vital, comparável a um mecanismo ordenado e eficiente, tomado como modelo para as estruturas mentais humanas. Kant, por sua vez, apresentou uma mudança de perspectiva, em que a ordem da natureza tem as estruturas mentais como modelo, fazendo do conhecimento humano a medida da realidade.

A idéia da Terra como um sistema vem dos primórdios das civilizações e consiste na idéia chave da Teoria de Gaia[3]. Ela mostra um estreito entrosamento entre as partes vivas e não-vivas do planeta,  caracterizado por um fluxo permanente de energia e de matéria interligando todos os ciclos da vida.

Chegamos ao século XXI com a classe científica retomando antigas concepções da natureza como um sistema complexo e auto-organizado, e esse fato representa uma mudança de profundas implicações não só para a ciência contemporânea. Ver o planeta como um ser vivo complexo, organizado em sua própria desorganização, revela uma transformação em  nossa visão ocidental de mundo, que se dirige do mecânico para o orgânico.

1. Um pouco de história ...

A alteração no equilíbrio das relações ambientais não é uma característica da civilização moderna, danos ecológicos ocasionados pelo desmatamento, pela erosão do solo, pelos esgotos e pelo lixo doméstico já aconteciam nas épocas pré-cristãs das civilizações mediterrâneas.

O esgotamento lento da capacidade produtiva do meio terrestre e aquático, pela exploração crescente dos recursos, é um problema que remonta à Antigüidade...

A crise do modo de produção feudal, ocorrida na Europa do século XIV, se originou, dentre outros motivos, da falta de terras para o cultivo, da regressão demográfica ocasionada pela Peste e do esgotamento dos estoques de ouro e de prata. Com ela, ruíram o sistema sócio-econômico feudal, o idealismo filosófico da época, e o equilíbrio estático da arte e da cultura. Foi o choque entre a fé e o conhecimento científico, a ruptura com as antigas tradições e a gradual emancipação do homem da influência da Igreja. Esses fatores delinearam novos paradigmas de acordo com uma mentalidade racionalista e antropocêntrica que emergiu da crise.

Com o desenvolvimento mercantil-capitalista desencadeado na Renascença se estabeleceu um conflito entre a ordem estática da Idade Média e a nova ordem, que se mostrava essencialmente dinâmica. Era necessário superar os problemas gerados por uma sociedade tradicional e religiosa e a solução encontrada pelos europeus foi o expansionismo marítimo. Os resultados econômicos produzidos pelas Grandes Navegações foram extraordinários, produzindo, também, o fortalecimento dos Estados Nacionais Europeus, devido à imposição de seus valores culturais e econômicos às novas colônias.

A Idade Moderna, um curto espaço de tempo que vai da Renascença a meados do século XX, caracteriza-se pelas descobertas científicas extraordinárias que se desenvolveram a partir de uma mentalidade racionalista, tecnicista. Hoje temos consciência de que o progresso tecnológico desencadeado, que acarretou uma desmedida exploração do meio natural e uma degeneração crescente da paisagem urbana, não é uma capacidade infinita de aprimoramento humano, ou conseqüência natural do processo histórico. A mentalidade do capitalismo mercantilista está na origem dos problemas de natureza ecológica da contemporaneidade, e o predomínio da dimensão técnica sobre a dimensão ética é uma realidade inquestionável.

Impossibilitado de realizar grandes migrações, como aconteceu no final da Idade Antiga, ou um novo expansionismo marítimo, como na crise que caracterizou o final do período feudal, o homem contemporâneo necessita reorientar mentalidades. É preciso substituir a racionalidade individualista e competitiva vigente, por uma mentalidade que permita restabelecer os equilíbrios sistêmicos afetados, levando-se em consideração além dos aspectos científicos, as características culturais regionais e suas intrínsecas correlações históricas.

2. Os desafios da crise sócio-ambiental contemporânea

A crise cultural e ecológica vivida na contemporaneidade desvela uma cisão do homem com relação ao meio, com respeito ao real.

A visão racionalista, que tende a tratar os seres como objetos domináveis para possuir e desfrutar anula a possibilidade criadora do homem, impedindo-o de fundar um campo de jogo comum e instaurar uma relação de encontro. Impossibilita que a formação humana realize-se através do encontro entre objetos contextualizados e sujeito, e que o indivíduo entre em jogo com as realidades ambitais[4] que constituem seu meio ambiente, numa relação de respeito que implica a aceitação dos valores peculiares a cada realidade. Esse é um dos motivos pelos quais o pensamento dominador transforma comumente os contrastes em dilemas.

Portanto, o desafio da globalidade é também um desafio de complexidade. Existe complexidade, de fato, quando os componentes que constituem um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes. Ora, os desenvolvimentos próprios de nosso século e de nossa era planetária nos confrontam, inevitavelmente e com mais e mais freqüência, com os desafios da complexidade.(Morin, 2000: 14)

Os problemas sócio-ambientais que enfrentamos derivam de uma mentalidade, que considerava o mundo como um objeto criado para o homem e seu deleite; excluindo-se assim, as características, relações e inter-relações de seus componentes formativos, impossibilitando a visão intrínseca da rede sistêmica.

Na teia da história, presente e passado evocam-se mutuamente, e é esse permanente movimento de fluxo e refluxo que permite o dimensionamento do presente e a projeção do futuro. A integração de parâmetros políticos, sociais e culturais, para a implementação de ações que visam a restabelecer o equilíbrio das relações do homem com o meio, promoveu o desenvolvimento do pensamento ecológico-social e transformou as propostas para a Educação Ambiental:

Mais do que nunca a natureza não pode ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar “transversalmente” as interações entre ecossistemas, mecanosfera e universos de referência sociais e individuais. (Guattari, 1990: 25)

O homem é um ser criativo, relacional e dialógico, cuja formação objetiva atingir a unidade com o real e a linguagem, esta considerada como veículo de interação com o contexto natural, social e político-econômico. Quintás considera que o “campo de jogo” se estabelece através da capacidade que temos de distanciamento perspectivo em relação ao meio ambiente, um campo de intercâmbio constituído por estímulos e respostas; estímulos esses que permitem a captação das realidades, que através da ação criadora fundam a vida cultural. Ele também argumenta que a experiência artística visa à formação integral do homem e à configuração de um novo tipo de humanismo, não mais centrado no domínio dos objetos, mas aberto para a fundação de campos de jogo comuns com as realidades do meio ambiente.  

3. Fazendo Arte na Educação Ambiental

Toda a ação humana modifica a sociedade e a natureza.

Enquanto a ciência atua diretamente sobre a realidade, de forma objetiva, a arte exerce uma ação indireta sobre a consciência dos indivíduos que atuam na vida real, transforma os transformadores. A arte é um processo de construção da identidade, apresenta-se como revelação e possibilita a ressingularização do sujeito.

Se o sujeito resulta das relações sociais às quais está submetido, a linguagem por sua vez acompanha as transformações do mundo dinâmico. A arte, como linguagem simbólica, reflete essas relações.

A linguagem une, constitui e representa uma sociedade, e através do fazer artístico o homem desvela o mundo e a si mesmo. A arte transmite conhecimento através dos sentidos, da percepção e da cognição, e revela a organização interna da realidade; possibilitando a instauração de novos parâmetros de valorização, que aprimorem a ética das relações e viabilizem a construção da identidade dos sujeitos.

O Brasil tem como característica marcante sua diversidade cultural. Dos tempos coloniais herdamos a influência marcante da Inglaterra em nossa economia e da França, nas idéias e costumes. Somos fruto de uma fusão de raças e nossa formação histórica forjou um povo com identidade e imaginário próprios, que não inibem a diversidade, imprimindo uma marca indelével em nossa produção de bens simbólicos - artísticos e intelectuais.

Em nosso país, a função primeira da escola - criar e desenvolver o Ser Social, Político e Cultural - está sendo esquecida.

A educação, que representa a estrutura do cidadão e que deveria relacionar Arte, Ciência e Filosofia está cada vez mais fragmentada. Nossa realidade escolar está alicerçada sobre uma estrutura que prioriza a repetição de modelos, um processo mecânico onde sobressai o automatismo das ações, um ensino com caráter predominantemente científico e com informações compartimentadas. Essa setorização bloqueia e atomiza a capacidade indagativa, perceptiva, sensorial e afetiva de nossos alunos.

O potencial narrativo das imagens visuais e sua exploração negativa pela mídia contemporânea são elementos que justificam a prioridade de formação indivíduos capazes de decodificarem os códigos da nova pragmática da imagem virtual. A manipulação de grande parte da opinião pública torna necessário mobilizar todos os meios formativos, que possam contribuir no crescimento do desejo criativo, no desenvolvimento do senso crítico e no discernimento cultural do indivíduo.

Frente a uma realidade escolar que revela um aprendizado pobre e limitado sobre arte e sua história e ao despreparo dos professores em sala de aula, torna-se necessário destacar a relevância de contextualizar arte e educação; contribuindo, assim, para o desenvolvimento de um olhar mais crítico e sensível, capaz de apreciar e compreender aquilo que foge aos padrões visuais instituídos culturalmente.

A criatividade de uma nação está ligada à capacidade de pensar e teorizar, o que requer uma educação crítica e reflexiva.

Convivendo num mundo globalizado pelas novas tecnologias, caracterizado pelo desaparecimento das referências culturais e pela crise das referências éticas e estéticas, necessitamos de uma política educacional, onde uma sólida cultura geral e humanística, nos leve a pensar criticamente o passado histórico e possibilite avaliar nossa posição atual, para que dessa conjunção surjam alternativas para o futuro, baseadas em nossa realidade híbrida.

 

Bibliografia:

 

BENJAMIN, César...  [ et. al.]. A Opção Brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998.

BRODY, David Eliot, BRODY, Arnold. As Sete Maiores Descobertas Científicas do Mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Coleção Leituras. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FUSARI, Maria Felisminda de Resende e FERRAZ, Maria Heloísa Corrêa de Toledo.  Arte na educação escolar. São Paulo: Cortez, 1993.

GADOTTI, Moacir. Escola Cidadã. 4ª ed. Coleção questões de nossa época; v. 24. São Paulo: Cortez, 1997.

GUATTARI, Felix. As Três Ecologias. Campinas, SP: Papirus, 1990.

LIEBMANN, Hans. Terra, um planeta inabitável? Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1979.

LÓPEZ Quintás, Alfonso. Estética. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992.

MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-Feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.


[1] Arte-educadora, Mestre em Educação Ambiental.

[2] Elias, 1998:17.

[3] A teoria de Gaia foi desenvolvida por James Lovelock e Lynn Margulis, entre 1960/70. James Lovelock é um cientista ambiental inglês, que propôs que a Terra é uma entidade viva e auto-organizada. Chamou-a de Gaia, com base no nome grego da deusa primordial da criação, que acabou se transformando no nosso planeta.

[4] Quintás, 1992.

Ilustrações: Silvana Santos