Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 38) IMPLICAÇÕES DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MEIO AMBIENTE NA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UM ESTUDO A PARTIR DAS DEFINIÇÕES DE ALUNOS MORADORES DA ZONA RURAL DO PARANÁ
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IMPLICAÇÕES DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MEIO AMBIENTE NA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UM ESTUDO A PARTIR DAS DEFINIÇÕES DE ALUNOS MORADORES DA ZONA RURAL DO PARANÁ

 

 

Prof.ª Esp. Vanessa Oenning, Escola Rural Municipal Abelardo Luz, Barra Bonita, 85485-000, Três Barras do Paraná, PR; Telefone: (45) 3235-1010; e-mail: oenning.van@hotmail.com

 

Prof.ª Dr.ª Irene Carniatto, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Rua Universitária, 2069. Jardim Universitário, 85819-110. Cascavel, PR; e-mail: irenecarniatto@yahoo.com.br

 

 

Resumo: O estudo das representações sociais de meio ambiente tem sido apontado como uma importante ferramenta para o diagnóstico da percepção ambiental de determinado grupo, servindo como base para o planejamento de programas de Educação Ambiental. Esta pesquisa analisou, por meio de questionários, as representações de meio ambiente dos alunos de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental de uma escola pública localizada na zona rural de um distrito situado a Oeste do Estado do Paraná. O estudo constatou o predomínio de uma visão naturalista de meio ambiente, correspondendo a 76% do total de alunos. Ao analisar os conceitos separados por série, observou-se que na 5ª e 7ª séries a visão naturalista apareceu em 100% das respostas, na 6ª série predominou a visão antropocêntrica, e apenas na 8ª série apareceu a visão globalizante, mas ainda na minoria das respostas. Esses resultados revelam a necessidade de se construir junto aos alunos uma concepção mais globalizante de meio ambiente, por meio de atividades que levem o aluno a reconhecer a complexidade de interações que envolvem o ambiente, que vão além da esfera ecológica, além de perceber-se como integrante do meio ambiente, cujas ações podem interferir na qualidade desse meio.

 

 

1. Introdução

 

A crise ambiental, cada vez mais eminente no mundo atual, já não admite mais que as ações do homem na natureza continuem da forma exploratória que culminou na atual situação, na qual a cultura do consumismo somada ao crescente aumento da população mundial intensificam a pressão sobre os recursos naturais. Esta situação está produzindo um ambiente cada vez mais frágil e contribuindo para o declínio da qualidade de vida do planeta que assim se vê ameaçado pela escassez de água, proliferação de doenças, alterações climáticas e vários outros sintomas dessa crise.

Boff (2007) acredita que esse talvez seja o momento oportuno para que a humanidade reformule seus valores e crie alternativas que sirvam de base para um novo ensaio civilizatório, transformando o desafio da crise ambiental em crise de passagem para um nível melhor na relação do homem com a natureza. Mas para isso, é necessário superar a chamada crise de percepção humana, ou seja, a visão distorcida de mundo, baseada no individualismo e na dificuldade que se tem em reconhecer a inter-relação existente entre todas as coisas e que, segundo Capra (1982), é a origem da crise ambiental assim como de outros problemas visíveis no nosso tempo.

Portanto, a realidade atual exige profundas mudanças na relação entre homem e natureza, considerando que uma transformação efetiva requer, antes de qualquer coisa, uma mudança de comportamento individual baseada na reformulação de valores não só econômicos, mas principalmente estratégicos e éticos. Por conseguinte, essa transformação de que se fala é mais humana do que qualquer outra, mas deve ocorrer em grande escala (TORRES et al., 2002).

Nesse contexto, tem-se reconhecido o papel da educação em compreender, prevenir e mitigar problemas ambientais. A tecnologia, por si só não é capaz de prever e solucionar esses problemas, cujas raízes geralmente estão em fatores sociais, econômicos e culturais. Dessa forma, o que deve ser feito é incidir principalmente sobre os valores, atitudes e comportamentos dos indivíduos e dos grupos com relação ao meio ambiente (DIAS, 2004), e é nesse processo que se destaca como área do saber a Educação Ambiental, cujo trabalho requer uma abordagem holística, de forma que se reconheça a dimensão dos temas ambientais e as reais implicações que as alterações no meio ambiente provocam no planeta.

Entende-se por Educação Ambiental um processo que consiste na compreensão crítica e global do meio ambiente, de forma a elucidar valores e desenvolver atitudes que permitam adotar uma posição participativa, frente a questões relacionadas com a conservação e adequada utilização dos recursos naturais, para a melhoria da qualidade de vida, sempre permitindo a liberdade para decidir caminhos alternativos de desenvolvimento. Assim, a Educação Ambiental deve seguir como pressupostos teóricos a visão holística e crítica, a interdisciplinaridade, a participação e o caráter permanente e político (MININNI-MEDINA, 1999).

A inclusão da temática ambiental no contexto escolar está prevista nas recomendações da Agenda 21, documento assinado por 198 países durante a II Conferência Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), cujo conteúdo consta de um programa de ações recomendadas para se atingir as metas de preservação propostas que devem ser realizadas durante o século XXI. O documento propõe a integração dos temas meio ambiente e desenvolvimento como tema interdisciplinar ao ensino de todos os níveis. No entanto, embora recomendada por conferências internacionais, exigida pela Constituição e declarada como prioritária por todas as instâncias do poder, a Educação Ambiental está longe de ser uma atividade tranquilamente aceita e desenvolvida, já que sua realização implica em mudanças profundas e nada inócuas (BRASIL, 2001a).

Nesse contexto, Mininni-Medina (1999) reconhece que, para cumprir os propósitos da Educação Ambiental, muito ainda precisa ser feito, sendo necessários investimentos importantes principalmente na capacitação e orientação de professores que deverão estar preparados para os desafios surgidos nesse processo.

Para Cunha e Zeni (2007), o trabalho com Educação Ambiental pode ser facilitado pelo conhecimento por parte do professor da realidade em que ele irá atuar, ou seja, ao planejar suas atividades o professor precisa compreender como seus alunos percebem o meio ambiente no qual estão inseridos, seu conhecimento, valores, hábitos, necessidades e sentimentos em relação ao meio, pois, de acordo com Faggionato (2007), cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente às ações sobre o meio, sendo que suas manifestações são resultantes das suas percepções, julgamentos e expectativas individuais. Dessa forma, o estudo das representações ambientais também contribui para a compreensão das relações entre homem e meio ambiente e, por diagnosticar a realidade com a qual se deseja trabalhar, é uma ferramenta que atua como ponto de partida para o planejamento de atividades e programas de Educação Ambiental.

Da mesma forma, Layarargues (2000) destaca que se a proposta da Educação Ambiental está na transformação de valores para criar uma consciência ecológica condizente com  comportamentos ambientais saudáveis, a primeira etapa a ser desenvolvida é o prévio mapeamento das representações do público-alvo.

Nesse intuito, essa pesquisa buscou conhecer as representações de meio ambiente de alunos do ensino fundamental, na escola de uma comunidade rural, além de discutir os possíveis fatores que influenciam nessas diferentes visões. Também, são apresentados os apontamentos de diversos autores da área acerca de como cada representação de meio ambiente pode interferir na forma como cada indivíduo interage com o seu meio e suas sugestões de como se deve trabalhar o conceito de meio ambiente com os alunos, diante das diversas classificações das reperesentações de meio ambiente.

 

As representações sociais de meio ambiente

 

O termo “meio ambiente” tem sido definido como “um ‘espaço’ (com seus componentes bióticos e abióticos) em que um ser vive e se desenvolve, trocando energia e interagindo com ele, sendo transformado e transformando-o”. O homem, a partir da interação com os elementos do seu ambiente, provoca tipos de modificação que se transformam com o passar da história. E ao transformar o ambiente, os seres humanos também mudam sua própria visão a respeito da natureza e do meio em que vive. Assim, as representações sociais são dinâmicas e evoluem rapidamente e devem ser trabalhadas tanto com os alunos, quanto nas relações escola-comunidade. Além disso, as representações iniciais acerca da questão ambiental, denominadas por muito autores como representações de ‘senso comum’, são muitas vezes consideradas distorcidas e/ou pouco rigorosas do ponto de vista científico. Portanto, na escola esses conceitos são revisados e enriquecidos com informações científicas,  apontando para as relações recíprocas entre sociedade e meio ambiente (BRASIL, 2001a; BRASIL, 2001b, p. 31).

Reigota (1995) classificou as diferentes representações de meio ambiente em três categorias: naturalista, antropocêntrica e globalizante. Na categoria naturalista se encaixam as definições que associam a ideia de meio ambiente à de ecossistema, priorizando seus aspectos naturais como fauna, flora e aspectos físico-químicos. Já a visão antropocêntrica considera a natureza como fonte de recursos a serem utilizados e gerenciados pelo homem, ou seja, o ambiente serve às necessidades humanas. Finalmente, a visão globalizante coloca o homem numa relação com os demais seres da natureza, sem pressupor seu poder dominante sobre a mesma, e engloba os diversos aspectos, entre eles os naturais, políticos, sociais, econômicos, filosóficos e culturais.

A construção da representação simbólica de ambiente não depende apenas das condições materiais que cercam o sujeito, mas também de conhecimentos e conteúdos afetivos, éticos, ideológicos, que condicionam sua própria percepção (SAHEB & ASINELLI-LUZ, 2006). Assim, cada uma dessas representações têm origens e implicações diferentes. Considerando que a visão de meio ambiente do indivíduo determina sua forma de interagir com esse meio e sabendo que o próprio ambiente social contribui para a formação desses conceitos, os projetos educativos devem sempre considerar a realidade de cada grupo, além de procurar conhecer as causas determinantes que podem estar influenciando na sua percepção ambiental, a fim de saber interferir de maneira adequada no processo de construção de valores com relação ao meio ambiente.

De acordo com Saheb & Asinelli-Luz (2006), o trabalho com Educação Ambiental nas escolas, quando bem realizado, pode contribuir para a construção de representações de meio ambiente, já que possibilita o acesso a informações que mais tarde podem auxiliar no desenvolvimento de uma consciência global das questões ambientais, resultando em uma posição mais preocupada e engajada com a sua proteção e melhoria. Nessa perspectiva a proposta pedagógica no trabalho com Educação Ambiental deve ir além da mera difusão de informações técnicas sobre meio ambiente e os conceitos da Ecologia. Portanto, a escola tem uma grande responsabilidade neste processo formativo e educativo e a Educação Ambiental deve ser vivenciada amplamente, considerando-a uma grande contribuição filosófica e metodológica à educação em geral.

 

 

2. Materiais e métodos

 

2.1 Sujeitos da pesquisa

 

 A pesquisa foi realizada em uma escola pública, localizada em uma pequena comunidade da zona rural situada na região Oeste do Estado do Paraná  e envolveu um total de 30 alunos de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental. Ressalta-se que a pesquisa envolveu 100% dos alunos matriculados nas séries citadas, sendo que o número pequeno de estudantes da escola deve-se ao fato de a mesma pertencer a uma comunidade rural, com poucos habitantes.

A idade dos alunos variou entre 10 e 15 anos. De acordo com Mansano (2006), a idade dos sujeitos da pesquisa é um fator importante a ser considerado no estudo da percepção ambiental, já que o estágio de desenvolvimento em que o indivíduo se encontra pode influenciar na forma como ele vê e interage com o mundo. Assim, segundo o mesmo autor, baseando-se nas fases de desenvolvimento propostas por Piaget e nos estudos de Parra (1983), a maioria dos alunos envolvidos na pesquisa encontra-se na fase das operações intelectuais formais (que abrange idades entre 11 e 15 anos, aproximadamente). Nessa faixa etária, o pensamento dos jovens torna-se mais flexível permitindo-lhes fazer relações entre sua vida, o meio que o cerca e os valores sociais e morais, ou seja, a sua percepção torna-se mais aguçada, e sua forma de ver o mundo começa a mudar.

Os alunos envolvidos na pesquisa residem todos na zona rural e são, em sua maioria, filhos de pequenos agricultores da região.

 

2.2 Coleta e análise dos dados

 

Foram distribuídos questionários com questões discursivas nas quais os alunos deveriam explicar o que eles entendem por meio ambiente, além de descrever o ambiente em que eles vivem. Os questionários foram aplicados aos alunos coletivamente no horário das aulas, sendo respondidos na presença do pesquisador.

Os resultados foram organizados em dois gráficos: um representa a visão geral dos alunos e o outro compara os conceitos entre os alunos de cada série. As discussões dos resultados, implicações pedagógicas e recomendações são apontadas no decorrer da apresentação dos resultados, a fim de discutir melhor cada caso.

 

 

3. Resultados e discussões

 

A análise dos questionários aplicados aos alunos revelou as diferentes representações de meio ambiente, sendo agrupadas de acordo com as categorias descritas por Reigota: naturalista, antropocêntrica e globalizante. A figura 1 mostra a porcentagem de cada representação de meio ambiente implícita nas respostas do total de alunos de todas as séries agrupadas.

 

 

Figura 1.JPG

 

Figura 1. Representações de meio ambiente de alunos de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental de uma escola pública rural de acordo com as repostas obtidas nos questionários

 

 

Verifica-se o predomínio da visão naturalista, correspondendo a 76%  do total das respostas. É possível observar a presença desse conceito implícita em respostas como as seguintes:

 

(Aluno 15) Para mim meio ambiente são as florestas, os animais os mares, rios, tudo na natureza.

 

(Aluno 27) É tudo o que faz parte da natureza.

 

Como apontado por Reigota (1995), a visão naturalista confunde meio ambiente com o conceito de ecossistema, não incluindo o ser humano como um integrante do sistema.

Branco (2002) diferencia esses dois termos explicando que:

 

O meio ambiente inclui o elemento antrópico e tecnológico enquanto o ecossistema, com suas características homeostáticas de controle e de evolução natural não comporta o homem, pois é incompatível com o finalismo e a deliberação característicos dessa espécie atualmente. O homem, no entanto, não deixa de participar de um sistema maior e mais complexo: o Meio Ambiente, cujo equilíbrio é coordenado por um conjunto de informações de ordem diferente do que preside o ecossistema, porque emanada de um princípio criador consciente, em permanente integração com o sistema como um todo.

 

A confusão com esses  termos é comum, já que a visão naturalista é observada em vários discursos, inclusive nas imagens e expressões veiculadas pela mídia que geralmente associam a ideia de meio ambiente à de natureza pura, de forma que, quando se fala nesse termo, a maioria das informações transmitidas a respeito nos remetem a pensar naquilo que é natural, que não foi feito pelo homem, na natureza intocada.

Algumas respostas classificadas como de origem naturalista também apresentaram essa ideia de natureza intocada:

 

(Aluno 21) É a natureza sem destruição e poluição e com muitos animais vivos e felizes.

 

(Aluno 14) Meio ambiente para mim é um lugar cheio de árvores, é um lugar preservado.

 

(Aluno 23) Para mim é uma paisagem limpa, sem lixo, sem um papel de bala sequer.

 

Ainda na visão naturalista observa-se a ideia da necessidade de preservação de acordo com as respostas transcritas a seguir:

 

(Aluno 22) É o respeito com a natureza ter cuidado não jogar lixo no meio ambiente deixar tudo limpo.

 

 (Aluno 30) É um lugar limpo que a gente tem que cuidar, preservar.

 

Tais citações podem ser resultado da influência do discurso preservacionista, cada vez mais presente no cotidiano da sociedade atual, que, ao abordar o tema “meio ambiente” geralmente traz questões relacionadas aos problemas ambientais. Da mesma forma, os programas de Educação Ambiental nas escolas muitas vezes tratam da necessidade de preservação sem previamente trabalhar os conceitos e as relações entre homem e meio ambiente. Assim, ao se falar em meio ambiente o aluno automaticamente associa ideias de preservação, presentes em grande parte dos discursos ambientais a que ele tem acesso.

Sauvè (1994, apud SAUVÈ, 1997) ressalta que essa visão de “ambiente como natureza” a ser apreciada e preservada, dissocia o homem do ambiente, ou seja, o ser humano não se percebe como parte desse meio, criando a falsa ideia de independência entre ambos. Esse sentimento de independência, segundo Rebollar (2009), pode levar a construções mentais que justificam a exploração irracional dos recursos, o que caracteriza a visão antropocêntrica de meio ambiente.

A visão antropocêntrica apareceu em 20% das respostas:

 

(Aluno 28) O que mantém o ser humano vivo (...)

 

(Aluno 8) Para mim é tudo o que temos: as matas, os rios, lagos, a água, a terra, a camada de ozônio, em fim, é o que precisamos para viver.

 

(Aluno 9) É a nossa vida, porque sem o meio ambiente nós não vivemos, então temos que cuidar muito bem.

 

(Aluno 11) Para mim, o meio ambiente é um meio de vida, ele dá para nós a vida que é o ar.

 

O conceito antropocêntrico reconhece a dependência humana em relação aos recursos naturais, no entanto pressupõe o homem como gerenciador desses recursos a fim de buscar a melhor forma de utilizá-los a seu favor.

Segundo Sauvè (1994, apud SAUVÈ, 1997), essa visão de “ambiente como recurso” é alimentada por alguns princípios do desenvolvimento sustentável e pela ideia de preservação da natureza como fator necessário para assegurar a manutenção dos seus benefícios ao homem, cujas práticas adotam uma visão limitada do ambiente, que é percebido essencialmente como um recurso.

De acordo com Carvalho et al. (2004), nas últimas décadas, muito se tem falado em desenvolvimento sustentável, embora seu conceito, principalmente após a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, seja ainda um desafio para as sociedades. O termo “desenvolvimento sustentável” tem recebido interpretações diversas que o remetem a diferentes propósitos e práticas, sendo que lidar com a polissemia do desenvolvimento sustentável é também um grande desafio para os educadores (CARVALHO et al., 2004).

A visão antropocêntrica é caracterizada, também, pelo sentimento de superioridade do homem em relação aos demais seres vivos. Tal percepção pode ser fruto de aspectos culturais e até mesmo religiosos: o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus e, portanto, está acima dos demais seres: “Crescei e multiplicai-vos e enchei a terra, e sujeitai-a, e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e sobre todos os animais que se movem sobre a terra” (GÊNESIS, 1: 28). Essa citação pode ser interpretada de forma a pressupor que a natureza foi criada para o homem, o qual deveria habitá-la e se servir de seus recursos, já que Deus lhe deu direitos sobre os mesmos. Vanzella (2011, p. 4), esclarece que esse mandato divino foi ideologicamente interpretado, de forma que muitos entendem que deveríamos “subjugar a natureza e sugá-la em vista da satisfação dos nossos interesses, principalmente os econômicos.”A expressão “dominar a natureza”, no entanto, carrega outro sentido: ” A palavra vem do latim dominus, que significa senhor. Dominar é exercer o senhorio. Deus é o único Senhor, e ele é o modelo de exercício de senhorio sobre a natureza.”

Portanto, numa visão bíblica, o homem é um mordomo de Deus, o qual deve cuidar e proteger os demais seres com os quais se relaciona. Este conceito está em conformidade com os documentos planetários atuais: na Agenda 21; Metas do Milênio para o Desenvolvimento; Declaração de Kyoto; Declaração dos Povos Indígenas; Declaração Universal dos Direitos da Água, e fica bastante claro nos pressupostos da Carta da Terra, conforme expressa Carniatto (2007, p.15):

 

A Carta da Terra, no seu preâmbulo, traz uma mensagem que deve apelar para cada ser humano, com o propósito de fazer cada um refletir e tomar uma postura adequada, política-ambientalmente correta: Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que, nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações. A Terra, como Nosso Lar.

 

Na sociedade capitalista em que vivemos, torna-se difícil vencer a visão antropocêntrica imposta pelas ideologias dominantes que são incapazes de compreender o que sociedades tidas como “primitivas” há muito já sabiam, como é possível perceber no trecho da carta escrita pelo chefe indígena Seattle ao governo dos EUA em 1982: “O que sabemos é isso: a terra não pertence ao homem, o homem pertence à terra. Todas as coisas estão ligadas, assim como o sangue nos une a todos. O homem não teceu a rede da vida, é apenas um dos fios dela. O que quer que faça à rede, fará a si mesmo.”

No âmbito educacional escolar, Reigota (1994, apud SAHEB & ASINELLI-LUZ, 2006) afirma que os conceitos naturalista e antropocêntrico podem estar vinculados a práticas associadas à concepção tradicional de ensino, nas quais os alunos são levados a memorizar enuciados de maneira mecânica, sem uma construção pessoal e sem que os conceitos aos quais esses enunciados se referem tenham ligação com outras ideias espontâneas do sujeito. O ensino relacionado ao meio ambiente, nesse contexto, se resume à transmissão de conhecimentos sobre a natureza, sem estabelecer a devida relação de interdependência que envolve o complexo saber ambiental.

Isso se reflete nos conceitos de meio ambiente discutidos até aqui, os quais consideram o homem ou como habitante, ou como observador ou ainda como gerenciador do meio ambiente, mas não como um integrante do mesmo. Conforme Fazenda (2002), a civilização na qual estamos inseridos, tem-nos apresentado o meio ambiente como algo separado de nós, de forma que concebemos o mundo onde os elementos se apresentam de forma fragmentada e desconexa, numa incompreensão da realidade. O homem enquanto mero observador, entendendo a natureza e a humanidade como unidades separadas, não é capaz de perceber a relação entre suas atitudes e os impactos provocados ao ambiente e que essas ações refletem-se como problemas para a sua própria sobrevivência.

Sato (2002) aponta que a Educação Ambiental, diante dessa realidade, deve promover a “renovação dos laços com a natureza, tornando-nos parte dela e desenvolvendo a sensibilidade para o pertencimento” pois, segundo Oliveira (2006), enquanto o homem não se perceber como mais um dos elementos integrantes do meio ambiente, os problemas ambientais continuarão aumentando.

Assim, sendo objetivo da Educação Ambiental promover uma visão global de ambiente que atente para as inter-relações entre homem, sociedade e natureza, as práticas educativas deveriam trabalhar para desenvolver a visão globalizante de ambiente. Embora as respostas dos alunos avaliados não expressassem um conceito globalizante completo, algumas das colocações foram consideradas como mais próximas do conceito globalizante, por terem considerado o homem como integrante do meio, como por exemplo:

 

(Aluno 25) Meio ambiente é todo lugar onde habitamos, são os seres vivos em geral. Árvores, animais, humanos, etc.”

 

Na figura 2 percebemos a diferença entre as representações de meio ambiente dos alunos das quatro séries envolvidas na pesquisa:

 

Figura 2.JPG

Figura 2. Representações de meio ambiente dos alunos separadas por série

 

Percebe-se que entre os alunos da 5ª e 7ª séries a visão naturalista é unânime. Já na 6ª série, o conceito antropocêntrico prevaleceu, e apenas na 8ª série apareceram conceitos mais próximos de globalizante.

 De acordo com Souza et al. (2010), devido ao fato de os alunos residentes na zona rural conviverem mais próximos de um ambiente natural, justifica-se o predomínio de uma visão naturalista, como observado na maioria das séries, no entanto, o fato de a visão antropocêntrica também ter aparecido pode ser explicado pela existência de espaços rurais diferenciados, onde o meio natural foi transformado em espaços de cultivo ou criação de animais, e é justamente daí que essas pessoas retiram o seu sustento e, dessa forma, o meio ambiente é visto como fonte de recursos.

Percebe-se, nesse contexto a necessidade de práticas educativas voltadas para uma percepção mais integral de meio ambiente. Sato (2002) aponta diferentes formas de incluir a temática ambiental no contexto escolar, tais como aulas de campo, produção de conteúdos com foco local, projetos ou qualquer trabalho que leve o aluno a reconhecer-se como agente no processo que norteia a política ambientalista. Além disso, o papel do educador é buscar metodologias que favoreçam a implantação da Educação Ambiental, sempre considerando o ambiente imediato, relacionado a exemplos de problemas ambientais atualizados. O conhecimento do meio possibilita e capacita o homem a saber, pensar e atuar sobre ele, assim como desenvolver competências específicas em três grandes domínios que se relacionam entre si: a localização no espaço e no tempo; o conhecimento do ambiente natural e social e o dinamismo das inter-relações entre o natural e o social, agregando progressivamente ao “saber” (conceitos adquiridos), o “saber fazer” (tecnologia) e o “saber ser” (atuar como cidadão) (CARNIATTO, 2007).

Tavares (2003) comenta que o espaço rural no contexto escolar, por possibilitar uma proximidade com a natureza, permite que as ações pedagógicas ambientais tornem-se meios facilitadores para a compreensão da importância de se conviver em harmonia como o meio ambiente.

Destaca-se ainda que a transição entre o senso comum a um conceito globalizante de meio ambiente é um processo extremamente complexo, uma vez que os interesses sociais, econômicos e políticos são conflitantes (BEZERRA & GONÇALVES, 2007). Além disso, não existe uma definição precisa e consensual para meio ambiente, o que acaba gerando distorções desse conceito ao ser apreendido pelos alunos. Segundo Menghini (2005), a evolução da crise ambiental popularizou o uso da expressão “meio ambiente” que tem se tornado presente no vocabulário cotidiano das mais diversas áreas e autores, com enfoques científicos diferentes e nem sempre claros. O conhecimento sistemático relacionado ao meio ambiente é muito recente, sendo que a sua própria base conceitual está ainda em construção. As definições para termos como meio ambiente e desenvolvimento sustentável, por exemplo, não têm consenso nem mesmo na comunidade científica, o que justifica que esta ambiguidade conceitual ocorra fora dela (BRASIL, 2001a).

De qualquer forma, a Educação Ambiental deve promover um entendimento mais global do meio ambiente, pois, como destaca Orellana (2001, apud MENGHINI, 2005), o meio ambiente “é uma realidade tão complexa que escapa a qualquer definição precisa, global e consensual”.

Cabe aos educadores comprometidos com a questão ambiental estar atentos a essa diversidade de representações, e, conscientes do seu papel no desenvolvimento de uma percepção mais globalizante das questões que envolvem o meio ambiente, trabalhar o tema por meio de uma abordagem que busque quebrar a visão simplista, ingênua, mecanicista e superficial com que muitas vezes as questões ambientais são apresentadas nas fontes de informação a que os alunos têm acesso. Isso implica em demonstrar a estreita ligação entre todos os componentes do meio ambiente numa relação de interdependência, onde cada ação individual interfere no funcionamento do todo.

Nesse intuito é fundamental levar os alunos a analisar de forma crítica a realidade em que vivem, discutindo como as decisões que são tomadas pelos que detêm o poder podem afetar a qualidade de vida do planeta, bem como reconhecer como suas próprias ações poder interferir no meio ambiente e, portanto, suas decisões devem estar comprometidas com a causa ambiental.

 

 

Referências Bibliográficas

 

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CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982.

 

CARNIATTO, Irene.  Gestão de bacia hidrográfica tendo por base um processo de educação ambiental.  Tese (Doutorado) - Doutor em Ciências Florestais do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Florestal, Setor de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Paraná. Curitiba: UFPR, 2007.

 

CARVALHO, W. L. P. et al. Estudo do impacto sócio-ambiental causado pela construção das usinas hidroelétricas da região de Ilha Solteira. São Paulo, 2004. Disponível em: <http://www.unesp.br/prograd/PDFNE2004 /artigos/eixo2/estudoimpactosocioambiental.pdf> Acesso em: 3 jul. 2007.

 

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Ilustrações: Silvana Santos