Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Trabalhos Enviados
Percepção Ambiental no Sertão
do Estado do Rio Grande do Norte: Um estudo de caso Anuska Conde Fagundes Soares
Garcia1, Viviane Souza do Amaral2 e Sílvia Regina
Batistuzzo de Medeiros3. 1 Mestranda do
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, anuska_garcia@hotmail.com 2 Doutora em
Genética, Professora Adjunta do Departamento de Biologia Celular e Genética da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Campus Universitário, Lagoa Nova
– Natal/RN. CEP 59.072-970, (84) 3211-9209, vamaral@ufrnet.br 3 Doutora em
Genética, Professora Titular do Departamento de Biologia Celular e Genética da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Campus Universitário, Lagoa Nova
– Natal/RN. CEP 59.072-970, (84) 3211-9209, sbatistu@cb.ufrn.br RESUMO: Diante da
realidade encontrada no sertão nordestino, onde a quantidade de chuvas durante
o ano é geralmente insuficiente, a população convive em um meio ambiente
singular. Visto que o ambiente é fundamental para a formação da cultura e do
tipo de vida do grupo humano que nele se instala, esse trabalho teve como
objetivo averiguar a percepção ambiental dos moradores do município de
Lucrécia, o qual detém um dos maiores açudes da região. Foram aplicados 100
questionários em Maio de 2010. A análise dos dados permitiu observar os
conhecimentos sobre meio ambiente que os moradores possuem, assim como, a forte
ligação e as concepções que os mesmos possuem com o açude do município. Dessa
forma, espera-se que os resultados obtidos neste trabalho possam servir como um
diagnóstico do saber/agir ambiental da população local e se torne base para a
elaboração de atividades de educação ambiental na região semi-árida do Estado
do Rio Grande do Norte. Palavras-Chaves: Recursos hídricos,
Educação Ambiental, Lucrécia. 1. INTRODUÇÃO
O sertão nordestino é a sub-região que apresenta os menores índices
pluviométricos de todo o país, apresentando irregularidade de chuvas, clima
seco e elevada evapotranspiração, características que levam sua população a
enfrentar longos períodos de estiagem. Nesse cenário, a escassez de água
constitui um forte entrave ao desenvolvimento sócio econômico e, até mesmo, à
subsistência da população. Visando minimizar os problemas acarretados pela
seca, a construção de grandes açudes pelo poder público se tornou uma das mais
importantes iniciativas para garantir água para a população, além de ser uma
oportunidade de promover o desenvolvimento da região, em virtude da sua
múltipla funcionalidade (PETROVICH & ARAÚJO, 2009). De acordo com Tundisi et
al. (2009), esses reservatórios foram construídos para diversas
finalidades, tais como: recreação, irrigação, produção de energia elétrica,
abastecimento das populações e produção pesqueira. Entretanto, mesmo com toda a
importância que os açudes representam para essas regiões onde a água é um
recurso extremamente limitante, os mesmos, são constantemente ameaçados pelas
ações indevidas do homem, tais como deposição de lixos, efluentes domésticos não
tratados e descarte de resíduos de agrotóxicos, acentuando assim a perda da
qualidade da água, o que acaba resultando em prejuízo para a própria
humanidade.
Segundo Leme (2007), dentre os ambientes afetados pela poluição, um dos mais
preocupantes é o aquático, devido à água ser um bem mineral essencial as
funções vitais dos organismos e, conseqüentemente, a manutenção da vida no
planeta. Dessa forma, a sobrevivência das populações pode ser seriamente
comprometida em função do volume e da composição dos dejetos lançados, já que
estes contêm substâncias tóxicas com potencial de acumulação na cadeia
alimentar.
Visto isso, o desenvolvimento de alternativas tecnológicas e educacionais que
sensibilizem e conscientizem a população a respeito dos problemas relacionados
ao meio ambiente e, em especial, a água, são de fundamental importância para
garantir que esse recurso tão precioso seja melhor utilizado, podendo garantir
água de qualidade para a nossa geração e para as futuras.
De acordo com Serra (2006), o ambiente é fundamental para a formação da cultura
e do tipo de vida do grupo humano que nele se instala, é a base física da
sociedade formada. Dessa forma, a percepção ambiental pode ser utilizada como
instrumento para se identificar como acontece a relação entre o homem e a
natureza, bem como, compreender o grau de conscientização do mesmo quanto à
problemática ambiental (MACEDO, 2005). Sabe-se que esse laço entre homem e
natureza é complexo e agrega não só os conceitos que o ser humano tem sobre o
meio ambiente, mas os outros inúmeros aspectos inerentes à sua natureza, desde
os mais rudimentares (instintivos) até os associados à sua complexa evolução
biológica e cultural (linguagem, afetividade, imaginação, intuição, arranjo
social, etc.) (MARIN et al., 2003). Ainda segundo esta última autora, a
interação do ser humano com o ambiente, solidificada em bases tão complexas,
tem representado um estímulo para pesquisas de percepção ambiental. Essa
percepção tem sido estudada, na maioria dos casos, mediante o levantamento de
conceitos de meio ambiente e dos referentes a fenômenos e problemas ambientais. Dessa forma, saber
como os indivíduos percebem o ambiente em que vivem, suas fontes de satisfação
e insatisfação e suas inter-relações com o local no qual estão inseridos é de
fundamental importância, pois só assim, conhecendo a cada um, será possível a
realização de um trabalho com bases locais, partindo da realidade do público
alvo (FAGGIONATO, 2002). Diante da
necessidade de se entender como determinadas comunidades compreendem e agem
diante da sua relação com o meio ambiente em que vivem, este trabalho tem como
objetivo principal investigar como os moradores do município de Lucrécia/RN
percebem o ambiente em que vivem, seus conhecimentos básicos sobre o meio
ambiente e suas fontes de informação, além de como os mesmos utilizam o açude
da sua cidade e qual a importância desse açude para eles. 2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1 – Caracterização da área de estudo
O município de Lucrécia situa-se na mesorregião Oeste do Estado do Rio
Grande do Norte (Figura 1), limitando-se com os municípios de Umarizal,
Martins, Frutuoso Gomes e Almino Afonso, abrangendo uma área de 27 km². Segundo
a última contagem populacional feita pelo IBGE em 2009, o município apresenta
uma população estimada de 3.550 habitantes.
Figura
1. A localização do município de Lucrécia (Rio Grande do
Norte) e o seu açude.
A 500 m ao Sul do município de Lucrécia, fazendo parte da bacia
hidrográfica Apodi-Mossoró, encontra-se o açude público que recebe o nome do
município (Açude de Lucrécia) (Figura 1), que possui área de 528,27 ha,
correspondendo a uma bacia hidráulica de capacidade máxima em armazenamento de
27.270.000,00 m3. Foi construído em 1934 com a finalidade de suprir
as necessidades de abastecimento humano e irrigação da região. As cidades de
Lucrécia, Frutuoso Gomes e Martins são abastecidas por ele.
Apesar da sua grande importância para o desenvolvimento da região e dos
múltiplos usos ao qual é destinado, este açude vem apresentando alguns
problemas que podem colocar em risco a população que consome essa água. Entre
esses problemas estão: a presença de metais pesados acima do máximo permitido
pela legislação brasileira, entre eles o Cobre, Cromo, Zinco, Cádmio, Manganês
e o Níquel; a floração de cianobactérias tóxicas, como Aphanocaspa sp.,
Microcystis aeruginosa e Cylindropermopsis raciborskii e a
ocorrência natural do Radônio, pela própria formação geológica do local,
o qual é considerado a fonte mais importante de exposição humana a radiação
(MARCON et al., 2010). Esses poluentes em conjunto, podem comprometer
todo o ecossistema, incluindo o homem.
Agravando ainda mais a situação, o dado mais preocupante e que merece destaque,
é que os municípios que se utilizam desse açude (Frutuoso Gomes, Martins e Lucrécia)
apresentam um histórico de elevada incidência de câncer associado popularmente
ao consumo da água do açude de Lucrécia. Esta região apresenta prevalência de
câncer cerca de três vezes maior, quando comparada a todo o Estado do Rio
Grande do Norte. Entre a maior incidência, está o câncer na via digestiva
(BAPTISTA et al., 2005; INCA, 2007; SERRA, 2006).
2.2 – Procedimento Metodológico
O
instrumento utilizado para a coleta de dados foi um questionário previamente
elaborado com questões fechadas e duas questões abertas. Embora tendo a
desvantagem de poder influenciar o participante em suas múltiplas alternativas,
como adverte Mattar (1994), optou-se por esse tipo de questionário pela
facilidade e rapidez na aplicação, além de ser ter uma leitura mais padronizada
das respostas.
O protocolo para essa pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CAAE 0004.0.051.000-10). Foram
pré-definidos os participantes da comunidade dentre aqueles com idade igual ou
superior a 18 anos, que habitem o município, de ambos os sexos, de qualquer
etnia, grupo ou classe social. A escolha desses indivíduos foi feita de forma
aleatória. Um total de 100 questionários foi aplicado no período entre 17 a 21 de
Maio de 2010. Todos os participantes foram voluntários e foi-lhes dado um termo
de Consentimento Livre e Esclarecido sobre a pesquisa. A
elaboração do questionário se deu através de levantamento bibliográfico sobre o
assunto e baseou-se em pesquisas sobre percepção ambiental já realizadas
(BEZERRA et al., 2008; DORNELLES, 2006; LERMEN, 2008; MARCZWSKI, 2006;
REMPEL et al., 2008; SIQUEIRA, 2008; TUAN, 1980), tendo sido feitas
algumas adaptações, visando o direcionamento e o foco de interesse da
pesquisa em questão. A estrutura
do mesmo foi montada de forma a contemplar informações em três enfoques: I.
Perfil dos participantes; II. Questões relativas ao conhecimento sobre meio
ambiente; III. Questões relativas ao açude de Lucrécia.
A partir dos dados obtidos, foram realizadas análises quantitativas e
qualitativas dos dados. Para esta análise quantitativa foi utilizada a análise
simples (porcentagens), por meio do software Excel para a tabulação dos dados.
Já para análise qualitativa, os dados foram analisados e expressos em
categorias de acordo com as respostas dadas. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1- Perfis etário, escolar e tempo de residência dos
indivíduos
Dentre os 100 questionários aplicados, observou-se um equilíbrio entre os indivíduos
de sexo feminino, que representou 52% do universo, e os do sexo masculino, 48%.
Com relação a idade dos entrevistados foram pré-definidas categorias de faixas
de idade que compreendiam desde os 18 anos até acima de 60 . A faixa
entre 18 a 20 anos foi representada por 17% dos participantes, seguida pela
faixa entre 21 a 30 anos com 39% do total. Entre 31 a 40 anos estavam 15%
dos indivíduos, 16% entre 41 a 50 anos, 9% entre 51 a 60 anos e 4% tinham idade
acima dos 60 anos.
No que diz respeito ao tempo de moradia no local, 87% dos entrevistados
afirmaram morar na cidade há mais de 10 anos. Isso é um dado que demonstra a
forte ligação que os moradores possuem com o município.
Os dados sobre escolaridade dos participantes mostraram que 25% possuem o 1°
grau incompleto, 26% o 1° grau completo, 23% possuem 2º grau incompleto, 19%
possuem o 2º grau completo. Com relação ao ensino superior, 2% afirmaram tê-lo
incompleto e 3% completo. Nesta amostra, os participantes que disseram ser
analfabetos correspondeu a 2%. 3.2- Questões relativas ao conhecimento sobre meio
ambiente
Para
que futuros projetos em educação ambiental sejam efetivados, é necessário
conhecer as concepções de meio ambiente das pessoas envolvidas na atividade. De
acordo com Reigota (2001), o meio ambiente é o lugar determinado ou percebido,
onde os elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em
interação. Essas relações implicam processos de criação cultural e tecnológica
e processos históricos e sociais de transformação do meio natural e construído.
Deste modo, o espaço transformado pelo homem que atende as exigências de
habitabilidade é, junto com o meio natural, o ambiente. Visto isso, procurou-se
averiguar entre os moradores o conhecimento deles a respeito dos elementos que
fazem parte do meio ambiente. Foi solicitado que assinalassem esses elementos,
já definidos no questionário, que eles achassem correspondentes ao ambiente. Na
tabela 1 a seguir, encontram-se os resultados. Tabela
1. Percentual das respostas para cada um dos elementos
(definidos no questionário) que fazem parte do meio ambiente.
Pôde-se constatar que a grande maioria dos moradores (67%) possui uma visão
bastante clara daquilo que faz parte do meio ambiente em si, onde elementos
naturais e antrópicos estão interligados. Segundo Reigota (2001), essa é
considerada a visão globalizante, onde há uma evidência entre os aspectos
sociais e naturais. Entretanto, quando analisados os questionários
individualmente, foi observado que 11% dos moradores atribuem ao meio ambiente
apenas os elementos naturais, retirando desse contexto os elementos antrópicos
e inclusive, o próprio homem. Com base nesse último dado, percebe-se que o
conhecimento de alguns participantes sobre meio ambiente está diretamente
ligado à natureza como intocável e externa ao homem, ou seja, uma concepção
naturalista, para o qual meio ambiente é sinônimo de natureza (SANTOS &
MACEDO, 2008). Resultados semelhantes foram descritos por Oliveira et al
(2007), onde mapas mentais foram feitos com moradores de comunidades
rurais do semi-árido paraibano e essa visão naturalista foi exaltada.
Segundo Barizan (2003), essas representações naturalistas correspondem a visões
fragmentadas do mundo, onde os seres humanos e suas atividades ainda são
considerados de forma isolada em relação à natureza, entendida como sendo
constituída exclusivamente pelos seres vivos (animais e vegetais) e pelo meio
físico-químico natural (rios, lagos, mar e montanhas, sol, etc). Com relação à
visão antropocêntrica, onde apenas os elementos antrópicos são evidenciados,
esta não foi relatada por nenhum participante.
Para explorar um pouco mais essa questão do conhecimento ambiental, realizou-se
uma associação dos dados entre a escolaridade e o conhecimento sobre os
elementos que constituem o meio ambiente. Baseado nas respostas dadas na
questão anterior, para esta análise, os elementos foram agrupados em três
grupos que correspondem a visão globalizante, a visão naturalista e elementos
fragmentados (elementos marcados aleatoriamente) (Figura 2). A partir dessa
análise, observou-se que com o aumento do nível de escolaridade há também o
aumento da visão adequada do que seja meio ambiente (visão globalizante). Os
participantes sem escolaridade versus participantes com ensino superior,
demonstram bem essa oposição de conhecimento. Isso demonstra a importância de
uma formação escolar continuada em prol do conhecimento não só ambiental, mas
do conhecimento de forma generalizada.
Figura 2.
Porcentagens dos participantes de acordo com o seu grau de escolaridade e a
associação com as visões sobre os elementos que compõem o meio ambiente.
Com o
intuito de saber de onde os moradores de Lucrécia obtêm informações a respeito
do meio ambiente, lhes foi feita a pergunta de quais meios de comunicação (os
quais já estavam no questionário) que eles utilizavam para tal (Figura 3).
Figura 3.
Percentual de respostas dadas como relação a pergunta sobre as fontes de
conhecimento sobre meio ambiente.
A análise das repostas mostrou a importância de todas as fontes de comunicação,
em especial a televisão (91%), os jornais (65%) e a internet (70%). Esse dado
demonstra o poder de influência dos meios de comunicação em massa junto à
população, em especial a televisão, que pode ser explorado para chamar a
atenção do público em geral para as questões ambientais e que pode auxiliar na
busca pela sensibilização da população. Segundo Silva (1978), os meios de
comunicação podem ter um papel inicial em campanhas em direção a mudanças de
opinião e comportamento, porém ressalta a comunicação interpessoal, concluindo
que uma combinação das duas formas pode gerar resultados melhores ainda,
buscando a formação de uma consciência ecológica. Ainda nessa questão, pode-se
perceber a importância da internet como uma fonte de informação. Tal fato
demonstra o eficaz processo de inclusão digital que o Brasil vem passando. A
pesquisa não levantou os locais onde os moradores encontram acesso a internet,
mas revela a tendência nacional de inserção de todas as comunidades aos meios
virtuais, como prevê o Ministério de Ciência e Tecnologia.
Seguindo na análise de questionamentos a respeito de meio ambiente feitas aos
moradores de Lucrécia, questionou-se a sua preocupação com o meio
ambiente. A premissa básica para que trabalhos de sensibilização possam
ser realizados em determinadas comunidades é que haja um envolvimento por parte
dos moradores e que estes se preocupem e procurem soluções para os problemas
ambientais locais. Do total de participantes arrolados, 87% responderam que se
preocupam com o meio ambiente, 10% responderam que se preocupam às vezes e apenas
3% afirmaram que não se preocupam. Este dado é bastante satisfatório, pois
sugere que a preocupação ao qual a maioria dos participantes afirmou ter, seja
um ponto de partida para a sensibilização e procura por soluções dos problemas. No que concerne aos problemas ambientais, 60% dos participantes afirmaram que na sua cidade existem muitos problemas ambientais (Figura 4). Os problemas mais citados estão na tabela 2.
Figura 4. Percentual de respostas referente a pergunta: Você
acha que existem problemas ambientais na sua cidade? Tabela 2.
Problemas ambientais mais citados pelos participantes
Observa-se que a poluição aquática, tanto do açude quanto dos rios que passam
pela cidade, foi o problema ambiental mais citado, seguido pela falta de
tratamento de esgotos. Segundo Petrovich & Araújo (2009), apesar da grande
importância que os açudes apresentam em regiões onde os recursos hídricos são
escassos, estes são constantemente afetados negativamente, acentuando assim a
perda da qualidade da água, especialmente no açude em questão, onde trabalhos
já relataram a presença de poluentes (MARCON et al., 2010). Esse fato,
ao que parece, já faz parte da realidade dos moradores de Lucrécia, que já
reconhecem a poluição que afeta os corpos hídricos e até mesmo, alguns deles já
reconhecem que essa poluição pode ser originada da falta de tratamento dos
esgotos que vão diretamente para o açude, como pode ser identificado na
resposta de um participante: “Tratamento inadequado da rede de esgotos
causando poluição do açude”
Mesmo com a maioria dos entrevistados afirmando que existem muitos problemas
ambientais na sua cidade, quando questionados se no seu dia-a-dia o
participante considera que causa algum prejuízo ao meio ambiente,
paradoxalmente, 69% responderam que causam poucos prejuízos, 23% que causam
muitos, 4% que não causam nenhum prejuízo e 4% não souberam responder. Segundo
Lermen (2008), esse dado não é recorrente apenas nessa pesquisa e na pesquisa
realizada pela autora citada, mas se caracteriza como uma máxima da cultura e
paradigma do brasileiro. A maioria dos participantes espera que cada morador
faça a sua parte, mas se coloca em último lugar na ordem dos responsáveis, o
que revela o baixo reconhecimento da responsabilidade pessoal diante do meio
ambiente ao qual está inserido. Fazendo uma analogia, segundo Almeida e Kurtz
dos Santos (1999), é mais fácil pensar sobre as suas casas produzindo esgotos,
do que fazer a relação entre o esgoto produzido pelas pessoas que habitam as
casas. Para finalizar esse eixo temático do questionário, foi perguntado aos participantes qual o nível de satisfação com o meio ambiente do seu município. O percentual das respostas está indicado na figura 5.
Figura 5. Percentual de repostas com relação ao nível de
satisfação com o meio ambiente do município.
Amorim Filho (1996) considera que os sentimentos de afeição, indiferença ou
aversão do homem pelos lugares com os quais tem alguma forma de contato,
possuem um papel importante – e, em muitos casos, decisivo na formação de juízo
de valor, de atitudes e em última análise, de ações sobre esses lugares e
paisagens. Nesse mesmo sentido, os estudos de Tuan (1980), ressaltam a
importância de se investigar as paisagens valorizadas como forma de identificar
sentimentos de afetividade (Topofilia) ou de aversão (Topofobia). Analisando as
respostas dadas pelos participantes, observa-se que a grande maioria dos
participantes (72%) afirmou ter um nível de satisfação bom com o meio ambiente
do seu município, demonstrando que eles possuem laços de afetividade com o
local em que vivem.
3.3- Questões relativas ao açude de Lucrécia
Segundo Silans (2008), a escassez de água é um dos principais entraves
ao desenvolvimento em particular no Nordeste brasileiro e mais especificamente
no semi-árido. Para contornar essa situação, os açudes foram construídos e se
caracterizam como um elemento fundamental ao ambiente dessas regiões e
constituem uma forte ligação do homem com a natureza (GALVÃO, 2005). Para MOURA
(2008) a identidade com o lugar é o ponto de partida para a discussão da
percepção que os moradores têm do seu espaço vivido. Assim, procurou-se
identificar a importância e o uso que os moradores de Lucrécia fazem do açude
do seu município, assim como as percepções que lhes são impressas.
Inicialmente, procurou-se entender de que forma os participantes utilizavam as
águas do açude. Observou-se que a grande maioria dos moradores utiliza as águas
apenas para as atividades domésticas e para o lazer (Figura 6). Através desse
dado, pode-se também inferir que os participantes percebem que a água de açude
apresenta problemas, fato demonstrado ao indicarem que eles não a utilizam para
beber, quando retirada diretamente do açude.
Figura 6. Percentual de respostas sobre os usos que os
moradores de Lucrécia fazem do açude da cidade.
A água doce é um recurso natural essencial a vida e finito, cuja qualidade vem
piorando devido ao aumento da população e à ausência de políticas públicas
voltadas para a sua preservação. Estima-se que 80% de todas as moléstias e mais
de um terço dos óbitos em países em desenvolvimento sejam causados pelo consumo
de água contaminada, e, em média, até um décimo do tempo produtivo de cada
pessoa se perde devido a doenças relacionadas à água (Agenda 21, 1992). Visto
essa problemática em relação à qualidade da água e os possíveis riscos que ela
pode causar a saúde humana, foi perguntado aos participantes sobre qual o conceito
que eles dariam a qualidade da água do açude e posteriormente se eles achavam
que essa água poderia prejudicar a saúde. De acordo com o percentual de
respostas obtido (Figuras 7 e 8), pode-se observar que os participantes já
possuem um conhecimento intrínseco em relação a baixa qualidade apresentada
pela água do açude, já que 58% classificaram a qualidade da água como regular.
Aliado a isso, cerca de 39% dos entrevistados acreditam que a água pode causar
efeitos danosos a saúde, enquanto que 35% ficaram em dúvida, evidenciado a
desconfiança que eles possuem sobre esse aspecto.
Figura 7.
Percentual das respostas sobre a qualidade da água do açude de Lucrécia.
Figura 8.
Percentual de respostas para a pergunta: Você acha que a água do açude pode
prejudicar a sua saúde?
Entretanto, mesmo com a possível desconfiança sobre os problemas reais que a
água do açude pode oferecer, 74% dos moradores afirmaram que não conseguem
imaginar o município sem o açude (Figura 9). Isso demonstra que os participantes
possuem uma forte ligação com o açude e o reconhecem como elemento
indispensável ao ambiente e às suas vidas. Nas regiões semi-áridas, os açudes
representam não somente uma fonte de água, mas também se encontram no
imaginário popular como fonte de vida e esperança e possuem um significado
bastante amplo, pois estão relacionados com a própria fixação do homem no campo
(PETROVICH & ARAÚJO, 2009).
Figura 9. Percentual de respostas dadas a pergunta: Você
consegue imaginar seu município sem o açude?
Com o objetivo de compreender melhor essa relação entre os moradores e o açude,
foi feita uma pergunta aberta sobre o que o açude representava para os
participantes. Para a análise, as respostas foram categorizadas em positivas,
quando foi possível observar os aspectos que demonstravam algum grau de
importância benéfica do açude para o participante, e negativas, nas quais a representação
apresentava algum aspecto maléfico. Dos 100 questionários analisados, 90% deles
apresentaram respostas que se enquadraram na categoria das respostas positivas,
como pode ser visto em algumas respostas dadas a seguir: “Para mim representa a vida
para Lucrécia”; “Marco cultural, econômico e
sem dúvidas indispensável para o município”; “Lazer, fonte de renda, além
de ser um patrimônio municipal indispensável”; “O açude é importante para as
atividades de agricultura e pesca do município, e faz todo abastecimento de
água do nosso município e de algumas circunvizinhas. Além de ser um ponto
ambiental que representa a cidade.”
Entretanto, apesar da grande maioria enfatizar esses aspectos positivos, 4% dos
participantes não responderam a esta questão e 6% dos participantes tiveram
suas respostas enquadradas na categoria de respostas negativas, por apresentar
em seu conteúdo aspectos que representavam pontos negativos, como evidenciado
nas respostas abaixo: “Para minha pessoa o açude
representa uma grande poluição através de doenças, etc.”; “Risco para a população pela
concentração de metais”; “Se a água dele não fosse
poluída, seria muito bom, que ele possui muita água, mas não presta para
consumir pois é contaminada.”
A análise dessa questão aberta corroborou com os resultados encontrados na
questão anterior e, a partir dela, foi possível perceber o importantíssimo
significado que este açude tem para os moradores locais nos mais amplos
significados que ele possa agregar consigo. 4. CONCLUSÕES
De acordo com o conjunto de
dados obtidos, o presente estudo permite concluir que:
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS FUTURAS
A água tem fundamental importância para a manutenção da vida no planeta, e em
especial, nas regiões onde sua escassez é um fator limitante. Falar da
relevância dos conhecimentos sobre a água, em suas diversas dimensões, é falar
da sobrevivência da espécie humana, da conservação e do equilíbrio da
biodiversidade e das relações de dependência entre seres vivos e ambientes
naturais (BACCI & PATACA, 2008). Por esse motivo, esse recurso natural
merece a atenção dos setores acadêmicos, sociais e políticos.
Assim a socialização do conhecimento ambiental pode partir da complexidade que
envolve o tema água. Os conhecimentos sobre a origem da água, o ciclo
hidrológico, os aqüíferos, a relação precipitação-vazão servem para inserir a
população num amplo e complexo processo de interação na natureza e relacioná-la
com a sociedade (usos múltiplos, ocupação de áreas de mananciais, riscos
ecológicos, poluição, contaminação e gestão dos recursos hídricos). Além disso,
essa temática pode ser o eixo condutor de diversas disciplinas, propiciando o
desenvolvimento de práticas escolares científicas e funcionar como agente
integrador das disciplinas na construção de uma visão abrangente da natureza.
Neste contexto, estudos de percepção ambiental podem funcionar como instrumento
diagnóstico da situação de uma determinada comunidade em relação ao seu
saber/agir ambiental e, além disso, esta percepção pode ser compreendida como o
primeiro estágio para a formação e a sensibilização ambiental, tornando-se
parte primordial para futuros projetos de educação ambiental.
Dessa forma, espera-se que os dados obtidos neste trabalho possam servir de
base para a elaboração de atividades de educação ambiental na região semi-árida
do Estado do Rio Grande do Norte. Partindo das necessidades detectadas por esse
questionário, as atividades podem ser mais bem estruturadas e dirigidas para
auxiliar na disseminação das características típicas de cada localidade,
visando atingir o objetivo principal que é a sensibilização da população para
os problemas locais, em especial, a questão dos recursos hídricos em regiões de
seca e como preservá-los. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGENDA 21. Proteção da
qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos: aplicação de critérios
integrados no desenvolvimento, manejo e uso dos recursos hídricos. Rio de
Janeiro, 1992. AMORIM FILHO, O. B.
Topofilia, Topofobia e Topocídio em MG. In: DEL RIO, V.; OLIVEIRA, L.
(Org.). Percepção Ambiental: a experiência brasileira. São Paulo: Nobel,
1996. ALMEIDA, M. T.; KURTZ DOS
SANTOS, A. C. Um estudo com alunos do ensino fundamental de Rio Grande, sobre
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Sensoriamento Remoto, Goiânia, Brasil, INPE, p. 797-804, 2005. BARIZAN, A. C. C. Representações
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