Claudia Brandao
NO ANONIMATO
URBANO
SOBREVIVEMOS.
Cláudia Mariza Mattos Brandão[i]
O vai-e-vem das
grandes
cidades,
o
movimento
contínuo
e
frenético
que
determina o
compasso
de nossas
ações
cotidianas,
não
deixa
muito
espaço
para
a
observação,
para
o envolvimento
com
o
outro.
Imersos
nos
problemas
pessoais,
muitas
vezes
não
nos
apercebemos das
figuras
anônimas
que
compõem o
cenário
urbano.
Como
extras,
preenchendo
espaços
num
espetáculo
do
qual
não
fazem
parte,
esses
atores
são
ignorados (figura
1).
Eles
se deslocam
quase
que
imperceptíveis,
como
incômodas
presenças,
a
nos
lembrarem a
condição
extrema
de marginalização e
degradação
que
o
homem
pode
atingir,
seja
por
doença,
carência
ou
por
absoluta
inadequação
ao
sistema
produtivo.
Figura
1: Cláudia
Brandão
Fotografia,
2004.
Toda
cidade
tem
seus
“loucos”,
mendigos,
pedintes
ocasionais,
figuras
que
nas
cidades
pequenas
muitas
vezes
são
consideradas folclóricas,
porém
imersos
no
universo
das
grandes
cidades
simplesmente
desaparecem...
até
que
a
mídia
os
resgate
e os coloque
em
nossos
lares.
Assim
aconteceu
com
Estamira (figura
2), uma
senhora
sexagenária
que
trabalha
há
mais
de 20
anos
no
Aterro
Sanitário
de
Jardim
Gramacho, no
Rio
de
Janeiro,
e
que,
apesar
dos
surtos
esquizofrênicos, é a
líder
da
pequena
comunidade
de
idosos
que
habitam o lixão.
Figura 2:
Fonte:
http://www.itsalltrue.com.br/2005/fotos/ec_estamira.jpg
Nas
mãos
do
diretor
Marcos
Prado,
a
história
dessa
mulher
de
classe
média
que
reconstruiu
sua
vida
como
catadora de
lixo,
surpreende e comove. Estamira é
resultado
de
dois
anos
de acompanhamento do
cotidiano
dessa
personagem,
e expõe a
dimensão
dramática
de
seu
distúrbio
psiquiátrico.
Porém,
mais
do
tudo,
o
diretor
conseguiu
traçar
um
painel
contundente
sobre
a desigualdade
social
e a
crueldade
da
realidade
dos lixões. Demonstrando
carinho
e,
acima
de
tudo,
muito
respeito
pela
protagonista
do
filme,
Prado
e
sua
equipe
adotam uma
estrutura
visual
reveladora do
universo
de
quem
vive
em
condições
sub-humanas, sendo
responsáveis
pelo
registro
poético -
que
persistirá! – de uma
existência
de sofrimento e marginalização.
Em
sua
esquizofrenia
Estamira revela-se uma filósofa, uma
mulher
forte,
transitando
entre
os
limites
da
loucura
e da
genialidade.
Uma
figura
incômoda
que
nos
conduz à
reflexão.
Estamira
assim
como
José Datrino, o “poeta
Gentileza”
(figura
3),
são
personagens
resgatados da
multidão
anônima
que
nos
cerca,
e
que
têm
muito
a
revelar
sobre
as
condições
extremas da
convivência
humana.
Figura
3:
Fonte:
www.artigo.blogger.com.br
Gentileza,
paulista
de nascimento,
após
o
trágico
incêndio
do
Circo
Americano,
acontecido
em
Niterói,
em
1961, alegava
ter
recebido “um
chamado
divino”.
A
partir
de
então,
ele
dedicou
sua
vida
a
consolar
as
pessoas,
perdoando-as e ensinado-as a
perdoar
umas às outras.
O
poeta,
que
chamava a
todos
de
Gentileza,
vestia-se
como
um
apóstolo
e costumava “pregar”
nas
barcas
Rio-Niterói.
Ele
assumiu
como
moradia
o
local
do
sinistro,
transformado numa
grande
horta,
que
garantia
sua
sobrevivência.
A
partir
dos
anos
80, começou a
pintar
suas
mensagens
nos
pilares
do
Viaduto
do
Caju,
utilizando
um
tipo
de
letra
peculiar
e na
altura
exata
para
quem
passa
de
ônibus
pelo
local.
Figura
4
Fonte:
www.tecgraf.puc-rio.br/~scuri/fotos_pt.html
Hoje
seus
painéis estão tombados
pelo
patrimônio
da
cidade,
e permanecem
como
o
apelo
supremo
de
quem
se dedicou a
disseminar
gentileza,
num
mundo
tão
pouco
gentil.
Morto
nos
anos
90,
com
quase
80
anos,
assim
como
Estamira, o
poeta
será
sempre
lembrado
através
dos
versos
de Marisa
Monte:
(...)
Nós
que
passamos
apressados
Pelas
ruas
da
cidade
Merecemos
ler
as
letras
E as
palavras
de
Gentileza
Por
isso
eu
pergunto
A
vocês
no
mundo
Se é
mais
inteligente
O
livro
ou
a
sabedoria
O
mundo
é uma
escola
A
vida
é o
circo
Amor
palavra
que
liberta
Já
dizia o
profeta
Esses
são
alguns
dos
personagens
que
continuarão
presentes
em
nossas
vidas,
imortalizados
pela
escrita
poética
dos
artistas,
como
incômodas
presenças
a
nos
lembrarem
que
a
loucura
revela-se muitas
vezes
como
uma
condição
de
extrema
sabedoria.
Sites
consultados:
www.atlantistendamix.com.br
www.artigo.blogger.com.br
www.cinemaemcena.com.br/crit_editor_filme.asp?cod=4687
www.cliquemusic.com.br
www.dicionariompb.com.br
fotolog.terra.com.br/isadella:155
www.itsalltrue.com.br/2005/fotos/ec_estamira.jpg
www.markoandrade.com.br
www.tecgraf.puc-rio.br/~scuri/fotos_pt.html
www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/sesc/images/estamira2.jpg
Cd Marisa
Monte,
Memórias,
crônicas
e
declarações
de a
[i]
Coordenadora do PhotoGraphein –
Núcleo de
Pesquisa
em
Fotografia e
Educação,
grupo de
pesquisa FURG/CNPq.