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Rio
Grande:
uma
cidade,
múltiplos
olhares.
Cláudia Mariza Mattos Brandão[i]
Michelle Marthe
Coelho[ii]
Cada
vez
que
o
reino
do
humano
me
parece condenado ao
peso,
digo
para
mim
mesmo
que
à
maneira
de Perseu
eu
devia
voar
para
outro
espaço.
Não
se
trata
absolutamente
de
fuga
para
o
sonho
ou
o
irracional.
Quero
dizer
que
preciso
mudar
de
ponto
de
observação,
que
preciso
considerar
o
mundo
sob
uma
outra
ótica,
uma
outra
lógica,
outros
meios
de
conhecimento
e
controle.
As
imagens
de
leveza
que
busco
não
devem,
em
contato
com
a
realidade
presente
e
futura,
dissolverem-se
como
sonhos...
(Calvino, 1990:19)
Nosso
século
é marcado
pela
tirania
da
eficiência,
do
máximo
desempenho
e da
lógica
do
mercado
e do
consumo,
assumindo uma
mentalidade
totalizadora
que
molda os
imaginários
individuais,
impondo
códigos,
condutas
e
comportamentos,
e agravando o
processo
de afastamento
entre
o
homem
e o
meio.
A
globalização
é
um
símbolo
que
reflete o
nível
superficial
das
relações
jurídicas e institucionais
que
se intensificam
pelo
planeta
conectando os
interesses
e estreitando
relações
e
dependências
entre
sociedades
e
pessoas.
Entretanto,
a
imagem
epidérmica do
processo
não
capta a
dimensão
humana
dos
atores
que
movimentam as
engrenagens
sociais,
políticas
e econômicas.
Construir
outros
olhares
e
conhecimentos
sobre
uma
cidade
mais
viável
do
ponto
de
vista
da
constituição
da
cidadania,
promove o
senso
de
identidade
e a
responsabilidade
sócio-ambiental nas
populações
envolvidas, valorizando o
urbano
como
um
espaço
relacional
em
suas
diferentes
dimensões
e colaborando
para
a
reconstrução
da
memória
local.
Discorrer
sobre
o
viver
cotidiano
é
falar
sobre
vivências
que
se entrelaçam e modulam a
ação
dos
homens
sobre
o
meio,
numa
interação
que
se dá
através
da
comunicação
em
suas
múltiplas possibilidades.
Na
busca de discutir-se a
questão
fundamental
da
identidade dos
vários
atores
sócio-culturais
que co-habitam o
espaço
urbano
e a
nossa
vulnerabilidade
diante
dos
processos
antagônicos
e
incontroláveis
assolam nossas
cidades,
a
fotografia
apresenta-se
como
recurso
e
meio
para
uma
educação
mais
crítica
voltada à conscientização dos
problemas
ambientais,
já
que
ela
possibilita a
aproximação do
Outro ao
nosso
próprio
olhar,
e
assim, a
produção de
provocações
e
reflexões.
Fotografias
não
são
verdades
absolutas,
elas
são
apenas
visões
parciais
de
um
sujeito
que
filtra
realidades
a
partir
das
suas
vivências
pessoais.
Fotos
resultam
ainda
de pré-conceitos
artísticos,
estéticos
e
técnicos,
mas
ainda
assim
revelam
realidades
e sensibilizam na
medida
em
que
tornam
próximo
aquilo
que
muitas
vezes
fazemos
ser
distante.
Contudo,
a
imagem
fotográfica
tem o
valor
intrínseco
de
favorecer o
reconhecimento
do
real
e
ampliar a
consciência
humana
para os
problemas
que
existem no
mundo
por
nós
partilhado.
Revelar
e revelar-se é
um
exercício
coletivo
sempre
transformador e
construtivo,
e
para
tal,
precisamos de
outros
olhares
para
enxergar e
perceber,
constatar e
encaminhar
proposições.
Compreender
a
cultura
urbana
pelo
viés
da
arte
é
colaborar
para
a captação e
maior
entendimento
da
constituição
do
ser
urbano
contemporâneo
como
parte
integrante
de
um
mundo
de
efeitos
globais.
A
partir
da
dimensão
estética
e do
fazer
artístico,
é
possível
exercitar-se a conscientização cidadã, ampliando o
sentido
de pertencimento e o
entendimento
das
questões
ambientais
tais
como
se apresentam
em
nossos
dias.
A valorização da
dimensão
visual
em
nossa
relação
perceptiva
com
o
real,
e
sua
elaboração
alegórica
em
registros
fotográficos,
permite
ir
além
da
percepção
estabelecida
pelos
meios
formativos
que
estruturam
nossa
consciência
acerca
do
mundo.
As
informações
geradas
pelos
imaginários
urbanos,
suas
percepções
e
representações
estruturam a
compreensão
do
ambiente
urbano,
elas
possibilitam aos
cidadãos
reconhecerem a
capacidade
de apoderarem-se do
cotidiano e daí extraírem o
substrato
para
sua
construção
identitária.
Se tivermos a
pretensão
de
ensinar
o
olho
humano
a
ver
de uma
forma
diferente,
é
necessário
mostrar-lhe os
objetos
cotidianos
e
familiares
sob
perspectivas,
ângulos
e
situações
inesperadas. A
linguagem
fotográfica
possibilita a
construção
de
microcosmos
simbólicos,
dentro
e
fora
de uma
conjuntura
analógica
da
vida,
que
permitem perceberem-se as
inter-relações
entre
os
acontecimentos
e
seus
detalhes.
Em
seu
“Ensaio
sobre
a
cegueira”,
Ítalo Calvino (1995)
nos
mostra
que
a
percepção
não é
somente
uma
operação de
captação da
realidade
exterior.
Se podes
olhar,
vê.
Se podes
ver,
repara,
aconselha o
mestre. O
urbano
é a concretização do
espaço existencial, e
como
tal
deve
ser
percebido.
Perceber o
ambiente
como
espaço
de externalidade dos
novos
atores
sociais
que
emergem da
reafirmação
de
identidades... e
da reinvenção do
ser,
faz da
linguagem
fotográfica
um
eficiente
instrumento
para
estimular
e
aprimorar
a
percepção dos
sujeitos.
Mais
que
tudo,
ela
promove a
aproximação
entre
diferentes
áreas
do
conhecimento,
permitindo a
integração
de
pontos de
vista
distintos
na
construção
informal
da
Educação e de uma
ciência
mais
interativa
e includente.
Eu
não
sou
eu
nem
sou o
outro
Sou
qualquer
coisa
de
intermédio:
Pilar da
ponte
de
tédio
Que
vai de
mim
para
o
Outro.
(Sá-Carneiro, 1974:75)
O
município
do
Rio
Grande
é o
berço
da colonização
lusitana
no
Rio
Grande
do
Sul:
- é portuguesa
comcerteza!
A
mais
antiga
cidade
do
estado
do
Rio
Grande
do
Sul
teve
sua
origem
na
fortificação
Jesus-Maria-José, edificada
como
apoio
ao
projeto
português
de
consolidação
de
suas
possessões
no
extremo
sul
brasileiro.
Apesar
do referencial
histórico,
da
nítida
influência
na
arquitetura,
na
culinária
e no
folclore,
dentre
outras
características,
foi nas últimas
décadas
que
Rio
Grande
e
região
passaram a
dar
mais
importância
às
questões
culturais
e
suas
raízes
como
fator
constitutivo da
identidade
comunitária.
Em
nosso
mundo
globalizado,
mais
do
que
nunca,
os
sujeitos
vivem numa
busca
contínua
pelo
que
lhes
assegure
existências
próprias. Se
por
um
lado,
a
convivência
numa
sociedade
que
privilegia a
cultura
de
massa
gera uma
sensação
de
mal-estar,
pois
representa
mais
uma possibilidade de
dissolução
para
os
sujeitos,
por
outro, desperta a
necessidade
de se
prolongar
tradições
compartilhadas, assumindo a
intervenção
da
história
na
constituição
das
identidades.
Ligada
ao
continente
por uma
estreita
faixa de
terra,
o
município
possui
características
muito
peculiares.
Em
meio à
riqueza
arquitetônica
que
remonta
às
origens
coloniais, destaca-se uma
convivência
cultural dividida
entre
as
atividades
pesqueiras e às voltadas
para
a
agricultura e
a
pecuária.
Essa
dupla
vocação
amplifica as
influências
oriundas das múltiplas raízes
sociais,
apresentando a
cidade
como uma
construção
simbólica
que
pertence
ao
domínio
da
afetividade,
da sociabilidade e do
imaginário
(figura
1).
Figura
1: Cláudia Brandão
Fotografia,
2002
Foto - Clique
aqui para visualizar
A
diversidade
de
formas,
hábitos
e
costumes,
que
se sobrepõem no
espaço
urbano
rio-grandino, permitem o
restabelecimento
de significações ocultas
ou
esquecidas. Nesse
sentido
admitir
o
jogo
constante
de
identificação
projetiva e introjetiva,
que
faz da
cidade
uma
parte
do
sujeito e
deste,
por
sua
vez, uma
parte
da
cidade,
num entrecruzamento de
troca
infinita,
possibilita o
entendimento
de
que
a
realidade
concreta
não se
reduz a
um
conjunto
de
dados
materiais
ou
de
fatos
isolados.
Em
Rio
Grande,
o
setor
da
pesca,
por
ser
o
mais tradicional e
constituir-se
em
sua
atividade
industrial
típica,
merece
destaque no
contexto
econômico
do
município, no
entanto, é
visível
no
município a
influência das
tradições
regionais
sul-rio-grandenses
oriundas das
práticas
ligadas
à
vida no
campo,
principalmente
quando enfocamos
locais
como
a
Vila
da
Quinta.
Esse
bairro
rural
(figura
2) possui uma
relevante
parcela
da
comunidade
envolvida
com
o
Tradicionalismo,
um
movimento
que
busca
preservar
a
memória cultural e
histórica,
cultivando
hábitos e
costumes
das
regiões pampeanas
do
extremo
sul
americano,
como
forma
de
preservação da
identidade
cultural.
Foto - Clique aqui para visualizar
Figura
2: Michelle
Coelho,
Fotografia,
2006.
Valorizar a
observação
do
cotidiano
significa
reconhecer nele o
substrato
das
atitudes
sociais – os
modos
de
vida e de
pensar
–, as
relações
e
inter-relações
que constituem a
vida
social.
Refletir
criticamente
sobre as
relações
do
homem do
pampa
com
o
meio
ambiente
é
um
tema
que
principalmente
hoje,
tendo-se
em
vista
as modificações provocadas
pela
eminência
do “desertos
verdes”, revela-se de
suma
importância
para
os
estudos
em
Educação
Ambiental.
As
imagens da
vida
cotidiana
na
Vila da
Quinta (figura
3)
nos
apresentam
um
passado
/
presente
em
vias
de desaparição, e
nos remetem às
origens
do
povo
gaúcho.
As
tradições
ainda
estão
vivas
em algumas
chácaras
e
em
ranchos,
que
parecem perdidos no
tempo,
onde
vivem
gaúchos
que conservam os
costumes
de
laborar
no
campo,
ou
em
uma
mangueira -
grande
curral
de
pedra
ou
madeira
construído
junto
à
casa da
estância.
À
noite os
homens
ainda
se reúnem
próximos
a
um do
fogo de
chão
para
tomar
chimarrão
e
contar
seus
causos.
Foto -
Clique aqui
Figura
3: Michelle
Coelho.
Fotografia,
2006
O
jovem
precisa
ser
aceito
em
seu
meio,
identificar-se
com
algum
tipo
de “tribo”,
garantindo dessa
forma
sua
maneira
de
vida e
constituindo-se
como
cidadão.
Comparando a
juventude da
Vila da
Quinta
com
a de
outros
bairros da
cidade,
é
possível
percebermos
que
dentre
as tantas “tribos” existentes,
como
a da
cultura
hip-hop, do rock, do
funk,
entre
outras
fortemente
influenciadas
pela
mídia,
destaca-se o
número
crescente
de
adolescentes
que optam
por
inserir-se na
cultura
gauchesca,
elegendo
como
vestimenta
do
seu
dia-a-dia,
a bombacha, a
boina,
elementos
da pilcha
gaúcha, e preservando as
práticas
culturais relacionadas ao
Tradicionalismo
(figura
4).
Foto 4 - Clique aqui
Figura
4: Michelle
Coelho.
Fotografia,
2006.
Unir-se ao
mundo
pela
contemplação
ressalta a
importância
da
atividade
simbólica
para a
compreensão
de
determinada
agregação
social.
A
Arte
não
explica,
porém,
como
suporte
da
reflexão,
ela
descreve
contornos
e possibilita a
constatação
de
características
fundamentais no
processo
de
apreensão
e
compreensão
do
mundo,
confirmando
que
o
presente
é
mais
do
que
aparenta
ser.
Elaborar
uma
interpretação
das
contradições
e dos
contrastes,
das
ofertas
simbólicas desconexas
que
a
cidade
do
Rio
Grande
nos
oferece, é
um
recurso
para a
aceitação
do
passado,
elaborando-se
não
uma
identidade
auto-suficiente,
mas
sim,
um
tecido
social
envolvente a
partir
dos
vínculos
heterogêneos
que
fundam
nossa
cultura.
A
arte
traduz as
inquietações,
as
instabilidades
dos
conflitos
existenciais, instaurando e comunicando as
diferenças,
conectando
vida
e
ciência,
e tornando
visíveis
as
tensões
que se
estabelecem
entre
a
memória
histórica
e a
trama
visual
do
espaço
urbano.
A
educação
dos
sentidos
é o
elemento
chave no
processo
de
mudança de
mentalidades,
hábitos
e
comportamentos,
em
direção
a uma
consciência
ecológica
que
se manifeste,
principalmente,
como
compreensão
sensível
do
mundo. A
fotografia
como
renovação
ritual da
identidade,
provoca o
distanciamento
crítico
e a re-elaboração
lúdica.
Como
lugar
de
fusão da
ciência e da
criação
artística,
do
presente
com
o
passado,
ela organiza o
mundo
sem
abdicar
da
história.
O
urbano
rompe os
limites
geográficos
da
cidade
e a desterritorializa, gerando
um
efeito
imaginário
que
nos
afeta
e
nos
concebe, estreitando os
laços
entre os
povos.
Compreender o
significado
da
cultura
urbana
pelo
viés da
produção
artística
é uma
forma
de,
embora
reconhecendo as
influências
mundiais,
dizer
mais
de
nossa
história
comum
e da temporalidade, possibilitando redescobrir-se a
Educação
Ambiental
em
suas
dimensões
culturais.
BIBLIOGRAFIA
AUMONT, Jaques. A
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CALVINO, Ítalo.
Seis
propostas
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o
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KOSSOY, Boris.
Realidades e
ficções na
trama
fotográfica.
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Paulo:
Ateliê
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______________
Fotografia e
História. 2ª ed.
São
Paulo:
Ateliê
Editorial,
2001.
SÁ-CARNEIRO, Mário de.
Todos
os
poemas.
Rio de
Janeiro:
Aguilar, 1974.
[i]
Professora
Mestre
em
Educação Ambiental,
líder do PhotoGraphein –
Núcleo de
Pesquisa
em
Fotografia e
Educação,
grupo de
pesquisa FURG/CNPq; professora formadora do
Centro de
Artes e
Educação
Física da UFRGS.
attos@vetorial.net
[ii]
Arte/Educadora,
especialista
em
História do
Rio
Grande do
Sul, pesquisadora do PhotoGraphein,
linha de
pesquisa “Artes
Visuais,
Educação e
Ambiente”.
msalort@ibest.com.br