Educação Ambiental em Ação 34

 As origens simbólicas da Educação Ambiental

Letícia Carneiro da Conceição.

Especialista em Metodologia da Educação Superior, UEPA. IEMCI/GPEEA/UFPA - Sala Verde Pororoca; Professora da SEDUC-PA, leticiacc@yahoo.com

 

André Luis Pereira de Freitas.

Professor da SEDUC-PA.

skivader@hotmail.com

 

André Ribeiro de Santana.

Doutorando em Educação em Ciências, IEMCI/GPEEA/UFPA - Sala Verde Pororoca; Professor da SEDUC-PA.

mestredeo@yahoo.com.br

 

Luiza Nakayama.

Orientadora da pós-graduação em Educação em Ciências e Matemáticas; Coordenadora do GPEEA - Sala Verde Pororoca: espaço socioambiental Paulo Freire.

lunaka@ufpa.br, sverdepororoca@ufpa.br

 

 

Resumo: Pretendemos, através deste artigo, propor uma reflexão acerca das origens simbólicas da Educação Ambiental, contribuindo para a construção de uma conceituação mais ampla de seus alcances e significados.


 

 

 

Contexto e problematização

A Educação Ambiental (EA) tradicionalmente é conceituada como perspectiva pedagógica sistematizada e política pública oficial. Em se tratando do seu surgimento histórico, ela decorre de discussões, relacionadas às consequências da gigantesca radicalização do processo de desenvolvimento industrial, ocorridas a partir da segunda metade do século XX.

Tal período coincide com a percepção que a utilização, indiscriminada e aleatória, dos recursos naturais pela economia industrial gera consequências que passam a atingir as classes mais favorecidas, já não mais se limitando apenas às classes operárias, como vinha ocorrendo desde o início da Revolução Industrial.

Ainda como parte do mesmo contexto, a degradação ambiental intensificada pelas duas guerras mundiais evidencia os efeitos da industrialização. Aliás, ambos os conflitos mundiais exemplificam, de modo gradativo e inédito, a aplicação bélica do modelo de produção fabril como potencial destrutivo.

A agudização do impacto das ações humanas sobre o ambiente marca a própria sistematização da problemática ambiental, não apenas como campo de investigação teórica, mas também como iniciativa social concreta, de reação e proposição de alternativas às práticas existentes.

Desde meados dos anos 1960, grandes eventos, como o Clube de Roma, em 1968; a Primeira Conferência Mundial de Meio Ambiente Humano, em 1972 e o Primeiro Congresso Internacional de Educação Ambiental da Unesco em Tbilisi, em 1977, vêm internacionalizando críticas ao imediatismo da utilização dos recursos naturais disponíveis e à desconsideração da qualidade de vida das gerações vindouras.

Carece ressaltar que nesse período a expansão internacional da produção industrial era capitaneada pelos EUA em sua área de influência política, muito embora o modelo de industrialização adotado pelo bloco socialista, liderado pela URSS, não se diferenciasse dos padrões de exploração capitalista no que tange à degradação ambiental.

No entanto, as origens de uma educação para o ambiente, entendida aqui no sentido mais amplo de compreensão e de conscientização social em cuidar daquilo que assegurava a qualidade de vida, podem ser localizadas vários séculos antes da própria Revolução Industrial.

Na maior parte das sociedades pré-capitalistas, independente da temporalidade, os fenômenos da natureza são explicados/representados de maneira simbólica. No presente trabalho, como exemplo, citaremos mitos que apresentam a temática da questão ambiental, os quais evidenciam a função social da mitologia relacionada à preservação ambiental.

Entre os gregos, a mitologia prevaleceu como explicação de mundo até aproximadamente o século V aC, divinizando os fenômenos naturais. Como exemplo, podemos citar Pã (que, etimologicamente significa “tudo”), por ser o protetor das florestas, dos campos, dos rebanhos e dos pastores. Vivia alegremente passeando pelas montanhas e vales, tocando com perfeição sua flauta campestre – a sírinx, hoje também chamada de flauta pã. Era temido por todos aqueles cujas ocupações implicavam em ter que passar pela floresta de noite. Remonta a este temor, potencializado pela escuridão e solidão dos visitantes noturnos, o termo “pânico”, utilizado desde então para designar qualquer ataque repentino, desencadeando um medo súbito, atribuído então ao deus protetor.

A simbologia da divindade protetora do ambiente não se restringe a uma única cultura. Silvano e Fauno são divindades romanas com características tão parecidas com Pã que podem ser consideradas análogas a ele, representando o mesmo personagem, mas com nomes distintos. Da mesma forma, no Brasil, a mitologia indígena mostra que as preocupações daquelas sociedades primordiais estavam vinculadas não apenas à natureza, mas também à sua preservação. O Curupira e a Caipora protegem o ambiente de seus predadores humanos, ludibriando-os para que se percam na floresta, espantando suas presas, batendo nos cães de caça e desorientando os caçadores com toda sorte de ruídos.

Ainda na mitologia grega, as ninfas da floresta chamadas de dríades ou hamadríades, companheiras de Pã nas danças, como todas as demais ninfas (náiades: ninfas de riachos e fontes de água doce; as oréades: ninfas das montanhas e das grutas e as nereidas: ninfas do mar) estavam tão intimamente ligadas à natureza que dela dependiam sua própria sobrevivência. À guisa de exemplo, cada vez que uma árvore era cortada, morria também a ninfa hamadríade correspondente.

Conta a lenda que um homem, chamado Erisícton violou um bosque consagrado à Demeter, deusa da agricultura. Ele mandou seus criados derrubarem um carvalho gigantesco, em volta do qual as dríades dançavam. Ignorando este significado simbólico, Erisícton golpeia a árvore sagrada com o machado e de seu tronco ferido jorra sangue; mesmo assim o carvalho é derrubado. As dríades, em luto pedem a Demeter que castigue o agressor. A deusa o pune entregando suas entranhas a uma criatura monstruosa: a Fome, que entra em seu corpo, contaminando-o. A partir de então, seu apetite será insaciável e, na tentativa inútil de satisfazê-lo, esgota todos os seus recursos, chegando ao extremo de vender a própria filha, como escrava. Ainda faminto, devora o próprio corpo, vindo a morrer.

No exemplo da sociedade greco-romana, a mitologia aparece anteriormente à própria consciência filosófica. Ressaltamos que os relatos simbólicos surgem como explicação da natureza em um contexto em que não havia nenhum outro modelo explicativo disponível, quando as ciências da natureza – que, até hoje, estão encarregadas de explicá-la - ainda não estavam sequer separadas da própria filosofia.

Hoje o mito não pode se bastar como explicação: é necessário ir além, e assim a própria questão ambiental precisa ser explicada racionalmente, nos termos disponibilizados pelas mudanças ocorridas nos paradigmas científicos.

Quando se coloca a ciência a serviço de interesses das políticas econômicas é que a EA aparece como típico produto do século XX, muitas vezes dando a percepção de uma boa prática restrita a pessoas bem educadas, como se a humanidade não fizesse parte da natureza, porém, tivesse o direito de explorá-la. E é justamente por esta razão, que não se pode restringir a questão ambiental às ações isoladas vinculadas à problemática (aquecimento global, poluição ambiental, perda da biodiversidade, escassez de água, desertificação ...) decorrentes do contexto socioeconômico atual: afinal, muito mais que uma prática resultante da consciência individual, trata-se de uma questão moral e coletiva, inerente à vida social e em muitos séculos anterior ao modelo de exploração capitalista vigente.

 

Considerações finais

A partir do século V aC, ocorre a substituição da prevalência da explicação mítica dos fenômenos naturais, dominante no pensamento greco-romano, por explicações sistemáticas da natureza e suas manifestações.

A noção de Ciência ainda se confunde com a própria Filosofia, que – sendo a ciência por excelência - vai se ocupar em explicar a natureza. Em meados do século XVII, a Revolução Científica vai delimitar as ciências da natureza, culminando com a Ciência como a conhecemos atualmente.

Consideramos que só quando se compreende o homem como parte do ambiente que a ideia de dominação da natureza se torna a subjugação não do ambiente alheio a ele, mas da própria humanidade; que irá fatalmente, tal qual Erisícton, perder seus bens, vender seus filhos e devorar a si própria, em sua fome insaciável.

 

Fontes Consultadas:

 

BORGES, Leonardo Daniel Ribeiro. Mitologia grega e consciência ecológica: Um olhar sobre o mito de Erisícton e sua aplicação educacional. Enciclopédia Biosfera, N.02, 2006. Disponível em: http://www.conhecer.org.br/enciclop/2006/Mitologia%20grega.pdf. Acesso em: 14/03/2010.

 

BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. São Paulo: Martin Claret, 2006. (A obra prima de cada autor. Série ouro; 45).

 

CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1993.

 

GONÇALVES, Márcia Cristina Ferreira. Filosofia da natureza. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. (Passo-a-passo; 67).

 

MARTINEZ, Paulo Henrique. História ambiental no Brasil: pesquisa e ensino. São Paulo: Cortez, 2006. (Questões de nossa época; 130).

 

REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. São Paulo: Loyola, 2002.

 

REIGOTA, Marcos. O que é educação ambiental. São Paulo: Brasiliense, 2009.