Na Caverna do consumo, as imagens de um cotidiano ainda Pop

Na Caverna do consumo, as imagens de um cotidiano ainda Pop

 

Cláudia Mariza Mattos Brandão[i]

 Adriane Patzlav Von Mühlen[ii]

 Amanda Ribeiro Corrêa[iii]

 Lílian Aires Schwanz[iv]

 Patrezi Carvalho da Silva[v]

 

 

RESUMO: O artigo parte da reflexão sobre as produções artísticas da Pop Art para discutir o encobrimento da percepção visual ocasionado pela avalanche imagética que nos rodeia, visando contribuir para a compreensão do papel desempenhado pelas imagens na sociedade contemporânea.

 

 

Os anos 60 são emblemáticos não só pelas mobilizações sociais e políticas que pontuaram o planeta, mas também pelas transformações marcantes que aconteceram no mundo da Cultura e das Artes.  Dentre as inúmeras personalidades artísticas que se destacaram nesse cenário tão especial, encontramos o norte-americano Andy Warhol (1928-1987), considerado pela crítica o reinventor da Pop Art, um movimento artístico que teve a sua origem na Inglaterra com as obras de Richard Hamilton em meados da década de 1950 (ARGAN, 1992).

 

FIGURA 1: Andy Warhol, Campbel, serigrafia, 1962.

 

Warhol destacou-se no cenário internacional das artes plásticas com a reprodução mecânica e seus múltiplos serigráficos inspirados em temas do cotidiano e figuras retiradas do imaginário da cultura de massas, como as reproduções das latas de sopa Campbell (FIGURA 1), além dos rostos de figuras conhecidas do jet set internacional (FIGURA 2) e símbolos icônicos da história da arte.  O artista privilegiava a utilização de motivos e conceitos da publicidade, reproduzidos com tintas acrílicas em cores fortes e brilhantes.

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FIGURA 2: Andy Warhol, da série Marylin.

 

Com tais imagens, muitas vezes reproduzidas em série com variações de cores, o artista tinha por objetivo elaborar uma crítica irônica sobre uma sociedade que começava a ser bombardeada pelos objetos de consumo. Ele operava com signos estéticos massificados da publicidade, quadradinhos, ilustrações, reproduzindo objetos do cotidiano em grandes formatos, transformando o real em hiper-real (FIGURA 3).

 

 

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FIGURA 3

 

O tema tão caro a Warhol, o crescente consumo presente na sociedade do espetáculo, e a banalização da imagem são hoje discussões correntes na fala de teóricos como Zygmunt Bauman (2007), que caracteriza a atualidade como uma modernidade líquida. Nela a efemeridade dos conteúdos e a eternidade dos invólucros (BAUMAN, 2007) configuram um retrato da contemporaneidade, fazendo com que a vida flutue entre os prazeres do consumo e os horrores do acúmulo de lixo. A temática continua atual, sendo que o “consumo” contemporâneo não se restringe aos produtos. Na era da visualidade, as próprias imagens se transformaram em produtos, consumidas passivamente por sujeitos que se educam e constroem suas identidades através da realidade imagética cotidiana (FIGURA 4).

 

 

FIGURA 4: Cláudia Brandão, colagem fotográfica.

 

Se buscarmos uma representação metafórica da essência do contexto contemporâneo não há melhor do que a alegoria O Mito da Caverna, que compõe o livro VII de A República, de Platão. Nele o filósofo narra a realidade de homens que vivem presos e praticamente imóveis dentro de uma caverna, acreditando que as sombras refletidas na parede são a única realidade existente. Por terem somente este ponto de vista, os homens tomam como verdade o que vêem, sem sequer imaginar a existência do mundo real fora da caverna. Na metáfora platônica, quando um destes homens foge e conhece o mundo exterior à caverna, em princípio, não consegue ver a realidade devido ao excesso de claridade, no entanto, com o tempo e com sacrifício, o homem se adapta e começa a enxergar. Ao voltar e reencontrar os outros que permaneciam acorrentados no interior da caverna, conta sobre a sua experiência no mundo real, mas ninguém acredita na sua revelação.

Para entendermos as relações estabelecidas por Platão é importante compreender os conceitos de ignorância e seu oposto conhecimento. Para filosofia platônica o ser ignorante é aquele que toma como realidade tudo aquilo que lhe é oferecido sensorialmente sem questionar a origem das imagens e quais as suas funções, transformando o visto em realidade imutável, independente de sua veracidade. Já o conhecimento não se limita a uma busca pela verdade dos objetos, mas sim pela contemplação das idéias, a reflexão sobre as suas relações com o meio além de sua mera identificação.

Na obra A caverna de José Saramago (2000), a caverna é substituída pela cidade, um conjunto de grandes prédios, shoppings centers, lojas e condomínios, assim como a conhecemos. Como declara o autor em entrevista dada à Folha de São Paulo:

 

Quando digo que as pessoas que estão na caverna somos todos nós é porque damos muito mais atenção às imagens do que àquilo que a realidade é. Estamos lá dentro olhando uma parede, vendo sombras e acreditando que elas são reais (SARAMAGO in MACHADO, 2000).

 

Saramago metaforicamente problematiza o modo de vida capitalista através de “A caverna”, mostrando como o homem contemporâneo esquece a sociabilidade, voltando-se completamente para o trabalho e o consumo. O autor refere-se a um modelo que foi criado, imposto e historicamente aceito como sistema econômico, de modo a condicionar a sociedade, como se as sombras fossem a realidade, buscando os padrões de consumo que são vendidos como padrões de felicidade.

Cada vez mais perdemos os vínculos afetivos, a relação com a natureza e as particularidades de cada cultura em prol deste sistema baseado na desigualdade de forças. Toma-se como padrão os tipos físicos, bens de consumo e modos de vida divulgados pela mídia sem perceber que existe o mundo real, com realidades culturais particulares que não podem ser substituídas por um único padrão, pois a realidade consiste na diversidade e na complexidade humana. Acabamos por reproduzir de forma mecânica e inconsciente os valores impostos, não questionando os reflexos disto em nossas vidas.

As sombras contemporâneas são padrões disseminados através dos meios de comunicação de massa formando uma imagem ilusória da realidade, seduzindo a entrada e permanência das pessoas na caverna. Quando não se entra neste mundo das sombras fica-se à margem, sendo excluído da vivência padronizada, de modo que as alternativas marginais são hostis, enquanto a mera aceitação torna-se cômoda.

Criar possibilidades para a educação de um olhar inquisidor, tendo como base a cultural visual, é a tarefa do educador que busca atuar em consonância com o seu tempo histórico.  O olhar que deve acostumar-se a luz, a verdade, entendendo a verdade como um jogo de interpretações e não um conceito pronto e estagnado.

Os estudos na área da Cultura Visual visam utilizá-la como tema central para os processos pedagógicos. O teórico Fernando Hernández destaca a necessidade de nos aproximarmos das imagens sem critérios de gosto, e estudar a capacidade de todas as culturas para produzi-las no passado e presente com a finalidade de conhecer seus significados e como afetam nossas “visões” (HERNÁNDEZ, 2000, p.51). 

Em muitas escolas ainda se pratica apenas a leitura formal das imagens, desconsiderando o efeito das imagens sobre os sujeitos, sem instigá-los ao questionamento e à interpretação do contexto visual contemporâneo. Hernández destaca a emergência de relacionarem-se os processos de ensino e aprendizagem com a construção do conhecimento na sociedade da informação com a finalidade de melhor contribuir para que as pessoas sejam cultas (capazes de interpretar[-se] e dar respostas ao que acontece no mundo em que vivemos) (HERNÁNDEZ, 2000, p.09). Para o autor, o visual está hoje mais presente que nunca, sendo que a televisão e outros meios de comunicação acabam por agir como “educadores” do público, vendendo representações idealizadas de comportamentos e mentalidades, com o agravante de que a internet permite substituir o ‘real’ pelo ‘virtual’, possibilitando a construção de identidades inventadas e ocasionais (HERNÁNDEZ, 2000, p.11).

Considerando a quantidade e riqueza visual que nos cerca e a falta de habilidade na leitura crítica dessa visualidade devido a uma série de carências sócio-estruturais, torna-se indispensável uma abordagem pedagógica que privilegie a Cultura Visual e seus impactos sobre os sujeitos. Com uma proposta reflexiva o educador tem a possibilidade de questionar/problematizar os argumentos presentes no imaginário contemporâneo que constroem as subjetividades. Desse modo é possível interpretar e reelaborar o cenário imagético que nos rodeia, repensando o que estas imagens falam sobre e para os sujeitos e de que modo os afetam, colocando em questão exatamente o papel das imagens e a finalidade/objetivo de suas produções, visando à sensibilização do olhar.

A contemporaneidade expõe a Sociedade do Espetáculo, problematizada por Guy Debord (1997) em 1968. Nela a atividade visual é preponderante exigindo a aquisição de competências e aptidões cognitivas específicas, que propiciem o desenvolvimento de faculdades intelectuais diferentes e novos modos de perceber o mundo ao redor. A emergência da Cultura da Imagem, numa relação direta com o desenvolvimento das novas tecnologias digitais, opera transformações nas diferentes áreas do conhecimento e na formação cultural dos indivíduos.

 

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FIGURA 4: Richard Hamilton.

O que é que faz com que nossos lares sejam hoje tão diferentes, tão encantadores?

Colagem, 1956.

 

Frente a esse panorama, a proposta estética lançada por Richard Hamilton (FIGURA 4) continua extremamente atual, comunicando a possibilidade/necessidade de tomarmos distância crítica frente a avalanche imagística de cada dia. Tal discussão encontra respaldo nas idéias de Félix Guattari que apresenta uma proposta de articulação ético-política (...) entre os três registros ecológicos: o meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana (GUATTARI, 1990, p.8). O autor considera necessário o desenvolvimento de novas práticas especificas para que seja possível reinventar os modos de ser e estar no mundo.

Em tempos de hiperexcitação ininterrupta dos sentidos e da Cultura do Espetáculo do início do século XXI, tanto as obras de Hamilton como as de Warhol, sem dúvida, constituem-se em contribuições importantes para a discussão sobre os fenômenos de nosso tempo e as relações humanas com o meio social, político e ambiental. Afinal, o que é que faz com que nossos lares/cavernas sejam hoje tão diferentes e encantadores?

 

REFERÊNCIAS

 

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

GUATTARI, Felix. As Três Ecologias. Campinas, SP: Papirus, 1990.

MACHADO, Cassiano Elek. Saramago sai da caverna. Disponível em:

 . Acesso em: 7 jun. 2010.

HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000.

PLATÃO. A República, 6º Ed. Atena, 1956, p. 287-291.

SARAMAGO, José. A Caverna.  São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

 

 



[i] Professora assistente do Instituto de Artes e Design, Universidade Federal de Pelotas, coordenadora do PhotoGraphein - Núcleo de Pesquisa em Fotografia e Educação, grupo de pesquisa UFPel/CNPq. attos@vetorial.net

[ii] Acadêmica do curso de Artes Visuais – Licenciatura, IAD/UFPel. adrianevon@gmail.com

[iii] Acadêmica do curso de Artes Visuais – Licenciatura, IAD/UFPel. amandarcorrea@hotmail.com

[iv] Acadêmica do curso de Artes Visuais – Licenciatura, IAD/UFPel. lilianschwanz@hotmail.com

[v] Acadêmico do curso de Artes Visuais – Licenciatura, IAD/UFPel. patrezi@gmail.com