DIALOGICIDADE
ENTRE A COMPLEXIDADE E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
FOFONKA,
Luciana
As transformações
contemporâneas, a quantidade de informações, de tecnologia e os impactos
ambientais negativos são algumas das questões que levam à instabilidade da
sociedade pós-moderna. Existe uma insegurança, um questionamento de conceitos
e concepções que até então eram considerados como verdades absolutas. Tais
incertezas produzem complexidade, dialogicidade entre os processos
socioculturais e o conhecimento científico.
Inicialmente é
importante esclarecer o que é complexidade, uma vez que muitas pessoas se
referem à complexidade como sinônimo de difícil, complicado, algo sem uma
explicação objetiva. O dicionário Aurélio (FERREIRA, 1988) explica que, essa
palavra está relacionada com complexo, com várias opções de significado,
como: que abrange ou encerra muitos elementos ou partes; observável sob
diferentes aspectos; confuso, complicado, intrincado; grupo ou conjunto de
coisas, fatos ou circunstâncias que têm qualquer ligação ou nexo entre si,
entre outros significados.
Cabe ressaltar que a
complexidade não descarta a simplicidade, uma vez que o pensamento complexo tem
relação com as formas simplificadoras de pensar, um vai e vem entre certezas e
incertezas e entre ordem e desordem. O paradigma da complexidade quer integrar a
simplificação e disjunção num processo ativo e gerador.
Para Morin (1996) a
palavra complexidade tem relação com uma carga semântica de confusão,
incerteza, desordem, incapacidade de pôr ordem às idéias. Essa desordem é
fundamental para aumentar a ordem. Existe um processo dialógico entre ordem,
desordem e organização. Com a dialógica
é possível assumir, racionalmente, a associação de ações contraditórias
gerando um fenômeno complexo.
Por falar em dialógica, essa também é uma expressão central no
processo de construção do conhecimento, que merece atenção. É
um dos eixos importantes para o pensamento complexo, que significa o diálogo,
nascido na prática da liberdade e baseado na existência.
Segundo Freire (2005) a
dialogicidade é sempre geradora de esperança, está presente nas dimensões da
ação e da reflexão. Através dela mostramos que humanamente existimos, então
somos capazes de agir e modificar o mundo dado.
A dialogicidade está
presente no pensamento complexo que comporta alguns princípios como o dialógico,
que permite o vínculo entre elementos antagônicos, complementares e inseparáveis,
que ultrapassam o reducionismo. O
pensamento complexo tem um enfoque na teoria sistêmica nos sistemas dos
organismos vivos e das máquinas, na comparação entre sistema aberto e fechado
(MORIN, 2001).
No sistema aberto há
autonomia e individualidade, pois, as relações de troca, não podem ficar
fechadas, nem se considerarem auto-suficientes. Já o sistema fechado tem relação
com o pragmatismo dos conhecimentos e o antropocentrismo, em que o homem é
considerado o centro do universo, sendo visto como senhor e possuidor da
natureza. Consequentemente a sociedade contemporânea sofre reflexos desse
pensamento cartesiano como: transmissão de informações desconexas,
compartimentadas e dicotômicas (LUIZARI, 2003).
Vimos
acontecer a redução do complexo ao simples, a separação do que está ligado;
a eliminação do que traz desordens e contradições para o entendimento. Esse
pensamento linear também afeta a educação, ao limitar a capacidade crítica
dos alunos com relação ao seu próprio contexto diante das incertezas que
surgem da relação com a sociedade. A separação das disciplinas fragmenta o
conhecimento, dificultando captar o que está tecido em conjunto: o complexo
(MORIN, 2002).
Os problemas dos
sistemas humanos são aqueles ligados à nossa dificuldade em lidar com a
complexidade. O pensamento linear não é mais capaz de refletir sobre si mesmo,
entender que o conhecimento não é algo fechado e inquestionável, que é
preciso articular o conhecimento, ligando-os em cadeia, formando o que Morin
(2000) chama de círculo do anel
retroativo, um anel complexo e
dinâmico, o anel do conhecimento.
É preciso mudar! A
produção do conhecimento não pode ser
linear, fechada, ter certezas e verdades absolutas. Falta uma dialogicidade
entre os diferentes paradigmas: entre o homem e as idéias que ele produz; entre
o ser humano e suas racionalizações (MARTINAZZO, 2002).
Nesse contexto surge a
complexidade como uma luz, mas não como no Iluminismo, e sim como uma
questionadora da fragmentação do conhecimento.
Por outro lado,
vivemos na era da informação em
tempo real, da globalização da economia. Assistimos
a uma radicalização das esferas do tempo e do espaço, num incremento de tendências
que nos coloca entre a modernidade tardia e a pós-modernidade. Os avanços tecnológicos na área da comunicação
trouxeram novas possibilidades de relacionamento e interação entre os homens.
A fácil disponibilidade de TICs e mídias possibilitaram a comunicação
mais flexível, dinâmica e, principalmente, accesible, refletindo
diretamente nas relações dos seres humanos e deles com o mundo.
Também vivemos em um cenário que vislumbra fragmentação,
pois, divide globalizadores e globalizados, centro e periferia.
Além da propagação
das TICs e das mídias também surge um outro tema, o da consciência ecológica.
Segundo Edgar Morin (2002), temos de defrontar ao mesmo tempo o problema da Vida
no planeta Terra, o problema da sociedade moderna e o problema do destino do
Homem. Isto obriga-nos a pôr novamente em questão a própria orientação da
civilização ocidental. A preservação do meio ambiente depende de uma consciência
ecológica e a formação da consciência depende da educação. É aqui que
entra em cena a educação ambiental, como uma pedagogia democrática e solidária.
E o que é educação
ambiental? Conforme Reigota (1995) a educação ambiental é um processo baseado
no coletivo, na busca do diálogo para se chegar no objetivo desejado, com
alternativas sócio-ambientais que contemplem a maioria das pessoas de forma a
integrá-las no seu meio.
A educação ambiental
é um processo de formação dinâmico, permanente e participativo, que permite
que as pessoas envolvidas sejam agentes transformadores, participando ativamente
da busca de alternativas para a redução de impactos ambientais, sugestão de
manejo e para o controle social do uso dos recursos naturais.
É impossível
resolver os crescentes e complexos problemas ambientais e reverter suas causas
sem que ocorra uma mudança radical nos sistemas de conhecimento, dos valores e
dos comportamentos gerados pela dinâmica de racionalidade existente, fundada no
aspecto econômico do desenvolvimento (LEFF, 2001).
Segundo a dialógica
da complexidade é necessário que haja ordem e desordem para haver renovação,
então é preciso que se revisem, se refaçam os conceitos-chave da educação
ambiental para que ela se renove a partir de um “tecer juntos” (Morin,1985).
Leff (2003) diz que a
partir do pensamento complexo alcançaremos uma dimensão transformadora e
emancipatória de ambientalismo e de educação ambiental. Através desse
paradigma, não é mais tolerável admitir reducionismos em termos de educação
ambiental. É preciso pensar e agir globalmente e também pensar e agir
localmente.
A escola deve
participar ativamente desse processo, apoiar a tarefa de construir uma política
cultural, da qual a educação ambiental está intimamente relacionada. O
paradigma da complexidade em termos de educação ambiental, implica um processo
de desconstrução e reconstrução do pensamento. Deve estar
inter-relacionado com as formas como enunciamos a nossa vida, nos colocamos como
sujeitos produzidos e produtores de conhecimentos críticos, capazes de alterar
nossa maneira de estar e permanecer no mundo.
A educação ambiental a partir do olhar epistemológico está centrada em
um conhecimento processual e reflexivo, associado à prática em sociedade.
Ignora verdades absolutas e a divisão do conhecimento por áreas, pois,
acredita na inter, multi e transdisciplinare como alternativas que tenham trânsito
nas várias áreas. Das três tendências a abordagem transdisciplinar, é
considerada a mais efetiva para lidar com sistemas complexos e praticar a educação
ambiental.
A complexidade do mundo exige o transdisciplinar. A transdisciplinaridade
diz respeito ao que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das
diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a
compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do
conhecimento (NICOLESCU, 1999).
Após tais reflexões
ao longo desse texto, acredito que a educação ambiental só apresentará
resultados positivos quando incorporar em sua prática diária a completa
contextualização da complexidade ambiental. E isso só vai acontecer quando
houver o envolvimento da sociedade, dos níveis econômico, político, ideológico,
cultural e educacional, promovendo leituras relacionais e dialéticas da
realidade, provocando não apenas as mudanças culturais que possam conduzir à
ética ambiental, mas também as mudanças sociais necessárias para a construção
de uma sociedade dialógica, que busque principalmente o diálogo propondo
alternativas sócio-ambientais que integre o ser humano no seu meio. É
preciso construir valores, conceitos, habilidades e atitudes que possibilitem o
entendimento da realidade de vida e a atuação lúcida e responsável de atores
sociais individuais e coletivos no ambiente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRA,
A.B.H. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira,
1988.
FREIRE, Paulo. Pedagogia
do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e terra, 42 ed. 2005.
LUIZARI,
R. A. A Contribuição do pensamento
de Edgar Morin para a Educação Ambiental. Rio Claro, 2003, 125p.(Trabalho
de Conclusão de Curso),
Instituto de Biociências,
UNESP.
MARTINAZZO, Celso José. A utopia de Edgar Morin.
Ijuí: Unijuí. 2002.
MORIN,
Edgar. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa: Europa-América,
1985.
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Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Lisboa: Instituto Piaget,
2001.
______.
Educação e Complexidade: Os sete saberes e outros ensaios. Tradução
Edgard
de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002.
NICOLESCU, B. O manifesto da
transdisciplinaridade. São Paulo: TRIOM, 1999.
LEFF, H. Epistemologia
ambiental. São Paulo: Cortez, 2001.
LEFF,
H. (Coord.). A complexidade ambiental. Traduzido por Eliete Wolff. São
Paulo: Cortez, 2003.
REIGOTA,
Marcos. Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez, 1995.