Educação ambiental em ação 31
Desafios
para a Comunicação Ambiental
Por Vilmar Berna (*)
A democratização da informação ambiental é fundamental para o exercício
pleno da cidadania crítica e participava, pois quando as pessoas, o povo, ou
as organizações não dispõem de informação de qualidade, fica
comprometida a capacidade de fazer escolhas entre as diferentes alternativas e
caminhos.
Quando falo de informação ambiental de qualidade falo de uma informação
que mostre os fatos geradores da crise ambiental, para que as pessoas tomem
consciência e possam atuar sobre as causas e não apenas sobre os efeitos. Um
tipo de informação que mostre as raízes de nossos problemas ambientais e não
apenas que reforcem uma visão romântica do quanto a natureza é linda ou é
vítima de nossa ganância.
Na raiz de nossos problemas ambientais existe um modelo econômico de apropriação
dos recursos naturais para gerar concentração de renda e riquezas e que tem
produzido, por todo lado, miséria e pobreza e, por outro, degradação
ambiental e esgotamento dos recursos naturais. Ao divulgar os problemas
ambientais, a mídia naturalmente ameaça privilégios e interesses poderosos.
A existência de uma mídia ambiental alternativa e independente é
fundamental numa democracia para assegurar que nenhum grande grupo econômico
ou político possa deter o controle dessa informação ambiental de qualidade.
O grande desafio é pretender – e conseguir - que os poderosos que se sentem
incomodados e ameaçados pela mídia ambiental independente também financiem
esta mesma mídia com seus anúncios. Não é de se estranhar a ausência dos
veículos especializados em meio ambiente nos planos de mídia das grandes
empresas poluidoras, com raras exceções.
Estas exceções ficam por conta de dois fatores. Empresas líderes que
aprenderam a conviver com a Democracia e aceitam as críticas como parte da
regra do jogo e mesmo como um fator positivo que as leva ao aperfeiçoamento
do sistema de gestão ambiental. E empresas que reconhecem o crescente grau de
consciência ambiental da sociedade e sabem que precisam agregar valor
ambiental às suas imagens corporativas e aos seus produtos, sob pena de
perderem mercado ou terem cada vez mais dificuldade para aprovar novos
licenciamentos ambientais ou renovar os existentes.
A conscientizaçã
o do brasileiro em relação ao Meio Ambiente aumentou 30% nos últimos 15
anos. (MMA/Iser 2005), o que nos dá motivos para ter esperanças. Não há dúvidas
que nosso atual estilo de vida ainda irá perdurar por gerações e irá
provocar muitos danos e poluição ambiental, mas é inegável que cresce ano
a ano a consciência ambiental em todos os países, especialmente no Brasil,
país de maior mega-diversidade do Planeta.
Esta nova consciência tem motivado a organização da sociedade nas chamadas
ONGs, organizações não-governamentais, dedicadas às lutas ambientais, nova
legislação ambiental cada vez mais rigorosa, novos veículos especializados
em meio ambiente e espaço para a pauta ambiental nos veículos da chamada
Grande Mídia, uma quantidade enorme de novos cursos, seminários e
bibliografia sobre meio ambiente, políticos e administradores públicos e
privados mais envolvidos com a causa ambiental e preocupados em dar retorno
aos seu eleitorado, etc.
Sem dúvida, a cada ano um maior número de pessoas toma consciência da
gravidade da questão ambiental e da urgência de fazermos alguma coisa para
inverter o rumo suicida de nossa espécie no Planeta.
Ao nos propormos a contribuir com a democratização da informação ambiental
para que a sociedade desperte, precisamos tomar cuidado para não sermos
agentes do seu adormecimento. Uma informação ambiental superficial
pode gerar ainda mais dúvidas e confundir o público em vez de ajudar na direção
de um modelo de desenvolvimento ambientalmente sustentável e socialmente mais
justo.
Por exemplo, o termo desenvolvimento sustentável virou palavra de ordem e
senso comum entre empresários, ambientalistas, governantes, mas é preciso
estar alerta sobre possíveis desvios de interpretação. Na sua origem, o
termo propunha designar um tipo de modelo de desenvolvimento que assegurasse o
atendimento das necessidades e a qualidade de vida das presentes gerações
sem comprometer esta mesma qualidade de vida para as gerações futuras.
Entretanto, temos visto o termo desenvolvimento sustentável sido empregado
muito mais como sustentabilidade econômica, e não ambiental ou social. O
argumento é que, para haver desenvolvimento sustentável, preservação
ambiental, investimentos em projetos de responsabilidade sócio-ambiental é
preciso primeiro, e sobretudo, haver lucros. Na verdade, são novas palavras
para a velha idéia de que é preciso deixar o bolo crescer antes de pensar em
dividi-lo. Esta receita de bolo tem sido extremamente útil para gerar acúmulo
de riquezas, mas não para distribuir riquezas. Não é à toa que o Brasil
encabeça a lista das nações do mundo com pior IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano) e com uma das maiores concentrações de renda do
Planeta.
Uma breve comparação entre o que as empresas lucram tirando recursos do
Planeta e o que devolvem em projetos sócio-ambientais mostram que enquanto o
bolo cresce enormemente por um lado, enquanto o meio ambiente e a sociedade têm
de se contentarem com as migalhas desse crescimento. A velha tática continua
de captalizar lucros e socializar prejuízos, repassando à sociedade os
custos de conviver com ambientes poluídos e degradados.
Outra ilusão é achar que a ciência e a tecnologia limpa serão capazes de
dar conta da crise ambiental, ou que a simples existência de informação
ambiental e educação ambiental serão capazes de nos conduzir para fora da
crise.
Não vão por que por detrás da crise não está ausência de ciência, de
tecnologia, de informação ou educação ambiental, mas sim uma estrutura de
apropriação de recursos e de acumulação de riquezas que irá perdurar
independente se a tecnologia é suja ou limpa, se existe ou não democratização
da informação ambiental ou educação ambiental. Entretanto, se a ciência e
a tecnologia, a informação e a educação ambiental, por si só, não são
capazes de solucionar os problemas provocados pela crise ambiental, sem elas
é que a sociedade não terá a menor chance de sair dessa crise.
É aqui que cresce e assume importância estratégica a existência do
jornalismo ambiental e de uma mídia ambiental alternativa, independente, que
seja capaz de olhar a floresta além das árvores.
Ao informar o público e alertar as pessoas sobre os perigos ambientais que a
cercam, esta imprensa tem desempenhado um papel vital, permitindo às pessoas
recorrerem à ação para protegerem o meio ambiente. E diante do agravamento
do superaquecimento do planeta e suas conseqüências o interesse do público
pelo meio ambiente irá crescer a cada dia significando maior demanda por
informação ambiental de qualidade.
Lideranças da sociedade civil organizada já revelam sua preocupação com a
falta de informação ambiental a ponto de incluí-la, ao lado da educação
ambiental, entre os três principais problemas ambientais brasileiros.
(Pesquisa de opinião com 1.141 dos 1.337 delegados participantes da "II
Conferência Nacional de Meio Ambiente", entre 10 a 13 de fevereiro de
2005. O principal problema codificado foi o desmatamento (28%), seguido de
recursos hídricos/Água (13%) e falta de informação sobre Meio Ambiente e
Educação Ambiental (11%). A pesquisa foi realizada pelo ISER a pedido da
Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável (SDS).
A preocupação é objetiva, pois se somarmos todas as tiragens dos veículos
impressos especializados em meio ambiente, e acrescentarmos os acessos aos
sites e portais de meio ambiente, ainda estaremos longe de alcançar uns 5% da
população brasileira.
Então, sem perder nossa independência crítica, o desafio é conseguir
recursos para o financiamento da informação ambiental e assim assegurar a
continuidade dos atuais veículos e a ampliação das tiragens, a fim de
atender a segmentos cada vez maiores da opinião pública brasileira.
A democratização da informação ambiental é como uma moeda com dois lados.
Num está a informação ambiental de qualidade, no outro, o financiamento
desta informação. Recebemos diariamente em nossas redações dezenas,
centenas de releases de agências de imprensa, de empresas, de governos, do
terceiro setor com sugestões de pauta, de fontes, na tentativa de serem incluídos
na pauta. A maior parte deste material vai simplesmente para o lixo, por que não
temos veículos suficientes para todas as potenciais notícias que mereceriam
chegar à Sociedade.
Trata-se de um paradoxo. As mesmas empresas e organizações que, por um lado,
enchem as redações da mídia especializada com releases, por outro, excluem
esses veículos de seus planos de mídia , talvez por que não queiram
financiar, no fundo, uma mídia que as incomoda e ameaça na mesma proporção
em que resiste e permanece independente e crítica.
Uma alternativa possível para o financiamento da mídia ambiental seriam
verbas públicas, no mínimo para bancar os custos de produção editorial e
gráfica e de postagem. Não se trata de uma idéia absurda por que a
democratização da informação ambiental é – ou deveria ser – do
interesse público já que a Lei Federal da Educação Ambiental, em
seu artigo 5º, inclui a garantia da democratização das informações
ambientais entre os objetivos fundamentais da educação ambiental
(Lei nº 9.795 de 27 de abril de 1999, art. 5º, inciso II).
E, depois, o Governo Federal – e por sucessão, Governos Estaduais e
Municipais – já financia a informação através das verbas de publicidade
destinadas aos veículos da chamada Grande Mídia. Bastaria designar um
pequeno percentual entre 5% e 10% dessas verbas já existentes para as mídias
ambientais.
Durante a ECO 92, os países que participaram, claro, entre eles o nosso,
assinaram o compromisso de criar "esquemas inovadores para subsidiar o
acesso a essa informação ou para eliminar os impedimentos não econômicos
ou de outro tipo que dificultem a oferta de informação e o acesso a ela,
particularmente nos países em desenvolvimento" (Agenda 21, capítulo
40). Entretanto, todos os nossos apelos para que o Governo Federal
assuma sua responsabilidade para assegurar a democratização da informação
ambiental em nosso país não resultaram ainda em nenhuma medida prática,
a não ser a criação de um GT (Grupo de Trabalho), no âmbito do Ministério
do Meio Ambiente, que não conseguiu sair do papel, até agora.
O FNMA – Fundo Nacional do Meio Ambiente, por exemplo, apesar de assumir o
caráter demonstrativo dos projetos que financia, falha enormemente em não
assegurar recursos, seja institucionais, seja nos próprios projetos, para
divulgação dos resultados alcançados pelos projetos que financia. Deve
contar com divulgação espontânea por parte de uma mídia ambiental cada vez
mais raquítica e enfraquecida por falta de recursos. Se o FNMA designasse
pelo menos 10% dos recursos do Fundo para a divulgação de seus resultados na
mídia ambiental isso já asseguraria uma fonte de financiamento segura.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor, jornalista e ambientalista,
fundador da Revista do Meio Ambiente, do Portal
do Meio Ambiente e da REBIA – Rede Brasileira de Informação
Ambiental. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio
Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas. É autor de mais de 15
livros entre os quais "Pensamento Ecológico", "A Criação e a
Ação Humana", "Como Fazer Educação Ambiental". Vive com sua
família em Niterói, RJ, junto à Baía de Guanabara, numa comunidade de
pescadores.
Fonte: Envolverde - FEV/2010