Educação Ambiental em Ação 26
Opinião / Alimentos
Os impactos da alimentação para o meio ambiente
Comer é um ato agrícola, disse um fazendeiro e
economista americano, mas é também um ato ecológico e um ato político.
Por Jaqueline B. Ramos*
Quando falamos em sustentabilidade, pensamos em ações como não poluir,
preservar áreas naturais, reciclar lixo, economizar água, dar preferência às
fontes alternativas de energia etc. Mas raramente nos lembramos de relacionar
uma de nossas atividades mais básicas com impactos negativos no meio ambiente:
o ato de se alimentar. Nos primórdios da humanidade, a alimentação era
baseada em frutas, raízes, carnes de animais caçados e outras fontes que não
modificavam significativamente a natureza (pelo contrário, tudo fazia parte de
um ciclo natural). Com o advento da agricultura e da domesticação de animais,
há cerca de 12 mil anos, deu-se início à produção de alimentos.
A passagem do estado nômade para a fixação na terra marcou o início do que
chamamos "desenvolvimento da humanidade". Com o passar dos séculos, o
homem foi criando novas formas de manejo do solo e as populações concentradas
nas cidades cresceram em ritmo progressivo, aumentando a demanda por alimentos.
Até que a chegada da Era Industrial, no final do século XVIII, intensificou a
aglomeração de pessoas no ambiente urbano, colocando fim, definitivamente, na
ligação direta que o ser humano tinha com a natureza para a obtenção de
alimentos. O resultado disso tudo é uma agricultura transformada em indústria
que passou a utilizar métodos artificiais, como fertilizantes e pesticidas químicos,
irrigação, manipulação genética e uso de hormônios em animais, visando
sempre o aumento da produção (e o lucro). Sem contar a dependência por
combustíveis fósseis, inclusive no transporte, por longas distâncias, dos
alimentos. É a cadeia alimentar industrial.
Se por um lado todo esse advento é considerado positivo, sendo denominado como
desenvolvimento ou modernidade, por outro é fato que o modelo de alimentação
industrializado é um forte candidato a causar sérios danos à conservação do
meio ambiente e também à saúde do homem. E por incrível que pareça, a maior
parte das pessoas atualmente não se dá conta disso. A origem dos alimentos que
consome simplesmente não faz parte da sua lista de prioridades e a alimentação,
o ato mais corriqueiro e básico do dia-a-dia, não é visto sob a perspectiva
ambiental ou da sustentabilidade.
"Comer é um ato agrícola, disse, numa frase famosa, Wendell Berry
(fazendeiro e economista americano). É também um ato ecológico, além de um
ato político. Ainda que muito tenha sido feito para obscurecer esse fato
bastante simples, o que e como comemos determinam, em grande parte, o que
fazemos do nosso mundo – e o que vai acontecer com ele. (...) Muita gente hoje
parece totalmente satisfeita comendo na extremidade da cadeia alimentar
industrial sem parar para pensar no assunto", escreve o jornalista
norte-americano Michael Pollan, no seu livro "Dilema do Onívoro". O
jornalista passou cinco anos investigando os bastidores da cadeia industrial
alimentícia nos Estados Unidos, reconstituindo o trajeto dos pratos mais
consumidos e analisando o caminho percorrido pelo alimento da origem à mesa.
Insumos químicos, agrotóxicos, erosão do solo...
Como afirma o jornalista norte-americano, comer é um ato ecológico, o que faz
com que todo cidadão deva, idealmente, ficar atento à origem do alimento que
consome e analisar criticamente as técnicas empregadas no sistema de produção.
A qualidade e pureza dos alimentos, a sustentabilidade (social e ecológica) dos
métodos de produção e os problemas e desigualdades existentes na sua
distribuição são algumas das questões que devemos analisar em busca de uma
alimentação mais sustentável. Em tempo: é fato que se produz alimento em
quantidade suficiente para atender 100% da população mundial. Dificuldades de
acesso aos alimentos pela parcela mais carente da sociedade decorrem de
problemas sociais e econômicos, que por sua vez causam desequilíbrios na
distribuição.
Destacando algumas problemáticas da agricultura moderna para o meio ambiente,
uma primeira questão a ser analisada é o uso de insumos químicos. Visando
melhorar a produtividade e assegurar índices de produção, agricultores
costumam utilizar adubo e fertilizantes em suas plantações. O adubo mais
simples, natural e antigo é o esterco, que misturado a restos de vegetais e
fermentado de forma correta resulta no composto orgânico. Mas para ser
empregado em larga escala, o processo do fertilizante natural se tornou inviável,
economicamente falando. Para os empresários do agrobusiness, passou a ser mais
rentável o uso de agroquímicos (agrotóxicos e fertilizantes, principalmente),
inclusive para viabilizar o cultivo intensivo de uma única cultura em uma área
(as monoculturas, principais vilãs da qualidade do solo).
Os fertilizantes industriais contêm altas concentrações de nitrogênio, fósforo,
potássio e metais pesados. O nitrogênio, por exemplo, pode se acumular no solo
e ser transformado, por processos químicos, em nitrato. Além de ser um
composto cancerígeno, o nitrato pode contaminar o solo e também ser conduzido
aos lençóis subterrâneos, contaminando a água.
Outro problema gerado neste cenário é o desequilíbrio ecológico causado pela
própria prática da monocultura regada por fertilizantes químicos. Entre os
principais indicadores do desequilíbrio está o aparecimento de pragas, doenças
e ervas daninhas, que por sua vez são combatidas com agrotóxicos -
inseticidas, herbicidas e fungicidas. Ou seja, mais uma carga de substâncias químicas
tóxicas bombardeando o meio ambiente e a saúde de quem consome os alimentos,
pois estes acabam guardando resíduos dos agrotóxicos e têm alta probabilidade
de ficarem contaminados.
Como mais um remediador para o desequilíbrio ecológico conduzido pelo próprio
homem e visando, sempre, produtos finais comercialmente mais lucrativos, entram
em cena os alimentos transgênicos. Tratam-se de organismos geneticamente
modificados (OGMs) desenvolvidos em laboratório. Entre os objetivos da manipulação
genética está o de criar plantas mais resistentes a pragas ou até mais
resistentes a determinados agrotóxicos. Alimentos transgênicos já são
comercializados em vários países – entre eles o Brasil – e ainda há
muitas controvérsias em relação aos prós e contras da manipulação genética
para a saúde das pessoas e os impactos no meio ambiente. Enquanto os debates e
as pesquisas avançam, o importante é o consumidor se informar e exigir a
rotulagem dos alimentos transgênicos, de forma a ter condições de decidir por
consumir ou não um OGM.
Erosão e o impacto do bife
Uma questão importante decorrente da agricultura moderna é o fenômeno chamado
de "erosão genética". A interferência do homem nas variedades
tradicionais com a manipulação de plantas e animais pode consistir em uma ameaça
para a diversidade genética, a principal responsável pela capacidade de resistência,
imunidade e sobrevivência das espécies.
Quando falamos em erosão é importante também lembrar do processo de degradação
do solo decorrente do uso de práticas agrícolas inadequadas e da monocultura
combinada com a mecanização, o corte de espécies nativas, a queima da vegetação
e a pecuária intensiva. Aliás, esta última rende um capítulo à parte na
discussão sobre alimentação sustentável, visto que o aumento no consumo de
carne e de seus derivados sobrepôs formas naturais (e mais éticas) de criação
dos animais, sem contar os problemas ambientais decorrentes da pecuária.
Numa sociedade majoritariamente onívora, o "impacto do bife" passa
por questões de ordem moral – não é à toa a afirmação de que se os
abatedouros tivessem paredes de vidro, muita gente se tornaria vegetariana - e
também de ordem ambiental. Um relatório divulgado pela Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, em inglês) em 2006 alertou para o
fato de que "estoques de animais vivos" mantidos para alimentação são
responsáveis por 18% da emissão de todos os gases causadores do aquecimento
global, porcentagem que supera, por exemplo, as emissões causadas por todos os
veículos automotores do mundo somados.
O levantamento da FAO inclui as emissões de metano provocadas pelo sistema
digestivo dos animais, as emissões de CO2 geradas pelas queimadas para a formação
de pastos, a energia – quase sempre à base de queima de combustíveis fósseis
– usada na fabricação de insumos agrícolas, a energia gasta na produção
de ração e no bombeamento de água, a energia dos procedimentos de abate e
processamento das carcaças, o combustível usado no transporte de animais vivos
e de produtos processados de carne, entre outras questões relacionadas à pecuária.
Seja analisando as técnicas industriais agrícolas ou o modelo intensivo da
pecuária, o fato é que a humanidade atingiu um limite perigoso na história de
uma relação insustentável com a natureza para obtenção de fontes de
alimentos. E nesse momento é importante que cada um, como consumidor, pare para
pensar mais criticamente e faça escolhas mais criteriosas e cuidadosas. Como
afirma o autor de "Dilema do Onívoro" em um dos trechos do livro,
"a insensatez demonstrada na busca por alimentos não é um fenômeno novo.
No entanto, os novos atos de insensatez que estamos cometendo na nossa cadeia
alimentar industrial hoje são de um tipo diferente. Ao substituir a energia
solar pelo combustível fóssil, ao criar milhões de animais em rígidas condições
de confinamento, ao alimentar esses animais com comida para a qual sua evolução
não os adaptou, e ao nos alimentarmos com comidas que são muito mais insólitas
do que imaginamos, estamos pondo em grave risco nossa saúde e a saúde do mundo
natural."
O que o consumidor pode fazer em prol de uma alimentação sustentável
# Informar-se sobre a importância da agricultura sustentável e seus benefícios
para a produção de alimentos, inclusive em relação à saúde dos indivíduos
e ambientes.
# Apoiar propostas de produção regional, especialmente a familiar e a
associada, com o objetivo de fortalecer a segurança alimentar local e reduzir o
desperdício de energia no transporte.
# Exigir que os produtores respeitem as leis ambientais, assim como a legislação
trabalhista, e que utilizem métodos menos impactantes ao meio ambiente,
adquirindo produtos elaborados com este diferencial.
# Demandar que os vendedores de alimentos estimulem a produção ecológica,
inclusive solicitando a certificação dos produtores por um organismo
independente, para que possa ter certeza de que os mesmos cumprem todas as exigências
ambientais.
# Organizar-se em cooperativas de consumo que estimulem a produção sustentável
local e regional.
(*) Jaqueline B. Ramos é jornalista e editora do blog Ambiente-se.
Fontes:
Cartilha Alimentos IDEC, livro "Dilema do Onívoro" (editora Intrínseca)
e Sociedade Vegeteriana Brasileira (SVB); Cartilha Alimentos (IDEC); Informativo
do Instituto Ecológico Aqualung n. 78 -março/abril 2008.
Este artigo foi publicado originalmente pela Agência
Envolverde
17/06/2008