Educação Ambiental em Ação 25
*Consumidor Consciente*
**entrevista com Efraim Rodrigues
Por Anna Elisa Nicolau dos Santos
ecoterrabrasil.
com.br
* Como caminha a questão do Consumo Consciente no Brasil e no mundo?
Como estão os brasileiros com relação à consciência de consumo?
A questão não caminha, ela tropeça e cai. A não ser por conta de meia dúzia
de lunáticos, nos quais se incluem eu e boa parte dos visitantes do site
EcoTerra Brasil, quem pode comprar um carro maior, compra. Quem pode pagar
pela água que gasta, gasta. Quem pode trocar objetos em perfeito estado de
uso, troca. As pessoas são o que ostentam.
Já que temos uma tendência a um fetichismo da mercadoria, por que não
adotar um fetichismo com aspectos positivos?
O relógio que me 'acompanha' é o mesmo há anos. É claro que este relógio
mostra os sinais de quase dez anos no meu pulso, dia após dia, e
como não é uma marca chique, não irá comunicar para as pessoas ao meu
redor que ganho grandes somas de dinheiro. Mas é um velho amigo, terei grande
resistência em descartá-lo se ele quebrar. Na verdade, já consertei este
relógio duas vezes. Talvez tenha gasto mais do que para comprar um novo, mas
pago para não jogar um velho e fiel companheiro fora. Já que o fetichismo da
mercadoria é algo que quase decorre de nossa natureza humana, que pelo menos
seja de caráter positivo. O meu fetichismo tem melhores resultados
ambientais, além é claro, de atrair pessoas mais agradáveis.
*O senhor diz que são duas as correntes ligadas ao aumento da
sustentabilidade no mundo. Quais são elas?
Os anglo-saxões, tanto os norte-americanos quanto os europeus, criaram uma
invejável estrutura de conhecimento, infra-estrutura e conforto em seus países.
A falta de matérias-primas ameaça estas estruturas e os mais
esclarecidos temem isto. Por outro lado, na cultura oriental, existe um
ideal zen-budista que chama a simplicidade, a ausência de posses. Para os
primeiros, que vêm da lógica protestante do trabalho, a economia de recursos
é um fato recente. Neste momento em que o mundo todo se ocidentaliza, a tendência
geral em prol da sustentabilidade é muito negativa, porque esta ocidentalizaçã
o se dá com o pior, e não o melhor do ocidente. A preocupação com o
futuro, no ocidente, ainda é monopólio das elites intelectuais, enquanto a
Britney Spears é patrimônio de todos. No Oriente, a China que fazia sua
agricultura milenar baseada na reciclagem de matéria orgânica (humana,
inclusive), perde espaço para a China que produz mercadorias, descartáveis
em sua grande maioria, para a maior parte do mundo.
*Em que país do mundo os cidadãos têm mais consciência de consumo?
*Não sei. Aliás, acho que esta busca por ser melhor que outros está muitas
vezes associada a um descaso com o ambiente que nos cerca. Ao focar na competição,
muitas vezes esquecemos da interação com nosso ambiente. Muitos países, no
entanto, têm experiências que devemos copiar, como o manejo de água de
irrigação israelense, a reciclagem da água dos lavatórios japonesa, a
coleta de água da chuva nas estradas da Ilha da Madeira, o uso de fontes
geotermais de água da Islândia, a consideração com o consumo que os
habitantes da Nova Inglaterra têm ao ir às compras, assim como as muitas
composteiras domésticas.
*Quais os maiores problemas relacionados ao 'consumo inconsciente'
? *
O maior, e único problema é gastarmos muito mais recursos do que precisamos
para viver.
*O que significa a 'genética do consumismo'?
*
Desde o vírus primordial, do qual nos originamos há seis bilhões de anos,
precisamos carregar o máximo de recursos para nós e nossa prole, para
garantirmos nossa sobrevivência como indivíduos e como espécie. Somos
programados para consumir o máximo possível quando há recursos, para
garantir o tempo das vacas magras. Esta programação funcionou por seis
bilhões de anos, mas agora nos está intoxicando, tanto como pessoas, quanto
o planeta inteiro.
*O problema do consumo é cultural? *
Ele tem uma dimensão cultural, já que é exacerbado pelo fato que quanto
mais as pessoas consomem, mais elas aumentam o lucro umas das outras. É uma
roda viva, na qual a mídia repete a cada instante que devemos comprar de
tudo, e ao fazermos isto, possibilitamos que outros façam também. A exacerbação
do consumo tem uma dimensão cultural, mas repito, ele faz parte da programação
humana em um nível muito profundo. Ao se tomar consciência disto, devemos
negociar com esta 'programação' genética e nos perguntarmos se o carro novo
e maior que queremos comprar é realmente útil, se realmente precisamos de um
carro novo e se estamos dispostos a pagar o preço de trabalhar mais para tê-lo.
*O senhor diz que são duas as portas de entrada para o consumo
consciente. Quais são elas?*
Uma é a economia do próprio dinheiro, a outra é a preocupação com o
planeta. No primeiro caso você começa por querer ser eficiente com o próprio
dinheiro, e por vezes (não sempre) amplia sua visão para imaginar que
cidades, estados e países devem também usar os recursos (inclusive os não
financeiros) da melhor maneira possível. A segunda já parte de uma preocupação
ambiental a priori, e inclusive se dispõe a gastar mais para
adquirir produtos com menor impacto ambiental. Enquanto um é mais disposto a
não consumir, o outro é mais disposto a consumir produtos corretos. Ambas são
positivas.
*Como seria um típico consumidor consciente, existe um ideal para ser
seguido? *
Se você persegue um ideal não é consciente. Pessoas conscientes vão olhar
para seu próprio modo de vida e tentar melhorá-lo o máximo possível dentro
das possibilidades. Eu sou o meu próprio ideal de vida, assim como recomendo
que todos sejam os seus próprios também. O ideal é estar consciente das
conseqüências das próprias opções de consumo e identificar os passos que
são possíveis. Acredito, porque passei por este processo, que seja possível
para muitas pessoas, em muitas situações, andar mais a pé do que andam.
Isto traria melhoras para elas mesmas e para o planeta. Acredito que seja possível
também, para muitas pessoas, gastar muito menos água do que se gastam, sem
reduzir sua qualidade de vida. Acredito que não precisariam trocar objetos
novos porque perderam a aparência de novos. Acredito inclusive que muitas
delas sofrem em empregos que não lhes agradam para pagar por tudo isto,
enquanto se comprometem os recursos naturais do planeta.
*O senhor se considera um consumidor consciente? O que significa estar
realmente envolvido com esta questão? *
Acho que sou mais consciente que a média, mas muito menos consciente do que
poderia ser. A Editora que fundei, por exemplo, só usa embalagens
reutilizadas, que pegamos no supermercado e processamos para termos
embalagens apresentáveis (nem todos os nossos clientes são conscientes) a
custo ambiental muito baixo. Evitamos muito usar a impressora e, quando
fazemos, 99% do tempo é em papel reutilizado. Em minha casa, reciclo todos os
resíduos da cozinha e boa parte da água da pia da cozinha. Todo o material
que sai de lá, vai para a coleta seletiva. Plantamos morangos, tomates, uvas
e maracujá no húmus criado pela decomposição da matéria orgânica.
Infelizmente, ainda tenho que usar meu carro mais do que gostaria. Também sou
responsável por um significativo gasto de querosene de aviação, pois viajo
muito para dar palestras. Os livros que vendo consomem uma grande quantidade
de papel que pelo menos, apesar de todo impacto ambiental que causam para sua
produção, representam uma maneira bastante positiva de seqüestrar carbono
nas prateleiras de dezenas de milhares de prateleiras de bibliotecas pessoais
e públicas Brasil afora.
*O que muda no cotidiano de quem se torna um consumidor consciente?*
Para mim, não existiram perdas em me tornar um consumidor mais consciente do
que já fui, porque só adotei práticas que me trouxeram benefícios. Pode
parecer estranho para a pessoa que cuida de uma cozinha de maneira
convencional, mas reciclar os resíduos em uma composteira dá menos trabalho
do que ficar levando sempre o lixo para fora. Quando saio de viagem, não
tenho que pensar se tem restos de peixe no lixo da cozinha. Se eu tiver comido
peixe, quando voltar, só haverá as espinhas no composto, e depois de alguns
meses, nem mais elas serão distinguíveis. Quanto às embalagens
ambientalmente corretas que utilizamos, elas não são só corretas, como também
são mais baratas. A bicicleta, como percebi, ganha do carro em trechos
curtos, para não falar que é muito mais razoável gastar 10 minutos a mais
em um trecho mais comprido, do que uma hora em uma academia. Em muitos
momentos, a economia de recursos para o planeta bate com a economia para o próprio
bolso (como é também o caso da bicicleta). Em outros momentos, descobrimos
coisas que os consumidores normais não percebem. Para a maior parte das
pessoas levar uma sacola para o supermercado é um trabalho a mais. Se você
um dia se der ao trabalho de experimentar, verá que é muito mais fácil
trazer as compras para casa em poucas sacolas com alças grandes decentes, do
que em um mundo de sacolinhas com alças de plástico.
*No livro 'Biologia da Conservação' o senhor fala que o consumo
consciente é uma entre as várias correntes que visa reduzir ou racionalizar
o consumo de recursos naturais no planeta. Pode falar um pouco sobre estas
outras correntes?*
A certificação ambiental garante a origem de produtos de consumo, a biologia
da conservação visa evitar a extinção de espécies, os programas de
conservação de energia visam usá-la de maneira eficiente, a ecologia da
restauração visa a reconstrução de áreas que perderam suas características
originais e a permacultura visa integrar a produção agrícola, a moradia das
pessoas que trabalham nesta produção.
É permitida a reprodução das matérias desde que citada a fonte do autor e
do site *www.ecoterrabrasil
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