COMO CONSTRUIR UM DIÁLOGO ENTRE A EDUCAÇÃO E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS?
Sofia Lerche Vieira e Olivia Silveira 24 de Outubro de 2025
A escola, como instituição ativa e propositiva, tem um papel fundamental nesse processo, não apenas se preparando para os necessários enfrentamentos aos efeitos das mudanças climáticas, como incorporando a educação ambiental ao seu cotidiano
Os
impactos da crise climática sobre a educação são
inegáveis: eventos extremos vêm afetando diretamente o
acesso, a permanência e a aprendizagem de milhares de
estudantes em todo o mundo. O fechamento prolongado de escolas e os
danos à saúde física e emocional de professores
e estudantes já fazem parte da realidade em muitas regiões.
Segundo o Banco Mundial, nas duas últimas décadas,
cerca de 5
milhões
de pessoas foram impactadas pelo fechamento de escolas em decorrência
de emergências climáticas.
Estudos
indicam que em regiões mais quentes do Brasil a situação
é crítica. Estima-se que nos 10% dos municípios
com as temperaturas mais elevadas, as perdas
de aprendizagem cheguem a 1% ao ano
– um prejuízo educacional silencioso, que atinge,
sobretudo, as populações mais vulneráveis.
Diante desse cenário, é urgente integrar a agenda
climática às políticas educacionais, com ações
que considerem tanto a adaptação das infraestruturas
escolares quanto a formação de educadores e estudantes
para enfrentar os desafios do clima em transformação.
Inovações são necessárias em diferentes frentes – desde mudanças na gestão dos sistemas educacionais e investimentos em infraestrutura para lidar com emergências ambientais, até a reformulação dos currículos. A escola, como instituição ativa e propositiva, tem um papel fundamental nesse processo, não apenas se preparando para os necessários enfrentamentos aos efeitos das mudanças climáticas, como incorporando a educação ambiental ao seu cotidiano. É essencial incorporar conteúdo de alfabetização climática e promover uma mudança de mentalidade que fortaleça a resiliência da comunidade escolar e das famílias diante dos desafios impostos pela crise climática. Para tal, é necessário que o poder público assuma a liderança e impulsione essa transformação. Cabe a ele apoiar os sistemas educacionais no enfrentamento das mudanças em curso, promovendo ações estruturadas e de longo prazo. A alfabetização climática e científica das populações é uma urgência global: preparar as novas gerações para serem cidadãos engajados na criação de soluções e mecanismos de mitigação dos danos climáticos é parte essencial dessa missão.
É essencial incorporar conteúdo de alfabetização climática e promover uma mudança de mentalidade que fortaleça a resiliência da comunidade escolar e das famílias diante dos desafios impostos pela crise climática. Para tal, é necessário que o poder público assuma a liderança e impulsione essa transformação
Entre as medidas essenciais, destaca-se a adoção de um Padrão de Qualidade Escola Verde – uma proposta que transforma escolas em centros inovadores de ação climática. Nessas escolas, as comunidades locais seriam equipadas com conhecimento, habilidades, valores e atitudes indispensáveis para lidar com os impactos da crise ambiental. Iniciativas como essa vêm sendo apontadas como estratégias eficazes em estudos recentes da Unesco, do Banco Mundial e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reforçam o papel central da educação na construção de um futuro mais justo e sustentável.
Tomando como referência essas tarefas inadiáveis, uma complexa – e específica – lição de casa é recomendada ao poder público brasileiro, como apresentado na nota técnica O impacto das mudanças climáticas na educação: iniciando um debate, publicada pela Associação Dados para um Debate Democrático na Educação – D3e, Todos pela Educação e Instituto Terra Firme. Cabe ao poder executivo liderar uma revisão da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), incorporando de forma estruturada o debate sobre as mudanças climáticas e sua inserção nos currículos escolares de todo o país. Essa é uma oportunidade de alinhar a educação brasileira aos desafios contemporâneos e formar cidadãos preparados para atuar em um mundo profundamente impactado pelas transformações geradas pela(s) crise(s) do clima.
Eventos de grande visibilidade internacional, como a COP30, a ser realizada em novembro de 2025 no Pará, devem ser aproveitados como catalisadores de um debate nacional multidisciplinar, envolvendo a sociedade civil, especialistas, educadores e gestores públicos. Além disso, é essencial que a União, os estados e os municípios atuem de forma articulada para definir uma Agenda Mudanças Climáticas e Educação, sob a liderança do MEC (Ministério da Educação) e do MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima). A viabilização dessa agenda – e de um pacto nacional para integrar mudanças climáticas e educação – pode se dar por meio de destinação de créditos suplementares pelos entes federativos, garantindo os recursos necessários para transformar políticas públicas em ações concretas.
Da esfera legislativa, é esperado que sejam propostos instrumentos legais voltados à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas na educação, incluindo medidas de proteção à infraestrutura escolar; os impactos na saúde de profissionais de educação e estudantes; e votação de créditos suplementares para o enfrentamento de tais problemas. E mais: precisamos que os parlamentares fomentem um debate público profundo e urgente sobre mudanças de legislação para reunir dados e promover a escuta sistematizada de especialistas e organizações sociais envolvidas com o tema.
Não podemos mais contar com ações pontuais para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas. O momento exige um esforço coletivo – que envolva governos, instituições, comunidades e cada cidadão. É preciso agir com urgência para evitar que a terra verdejante avistada pela Nau Capitânia de Pedro Álvares Cabral seja devastada pelo fogo ou pela chuva, símbolos extremos de uma crise ambiental que se agrava a cada ano. Ao mesmo tempo, é essencial garantir que essa luta não aprofunde as desigualdades históricas na educação brasileira – já tão evidentes nos indicadores educacionais.
As populações mais vulneráveis não podem continuar sendo as mais atingidas. É nossa responsabilidade assegurar que a resposta à crise climática também seja uma resposta em prol da equidade e da justiça social.
Sofia Lerche Vieira é professora emérita da UECE (Universidade Estadual do Ceará) e bolsista de produtividade sênior do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Olivia Silveira é diretora executiva do D³e, pesquisadora da FGV DGPE (Diretoria de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas) e professora na Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
Fonte: Como construir um diálogo entre a educação e as mudanças climáticas? | Nexo Políticas Públicas