Revista Educação ambiental em Ação 23

PLANTAS MEDICINAIS COM POTENCIAL TÓXICO: “MATO QUE MATA”

 

 

José Martins Fernandes

 

Doutorando em Botânica, Universidade Federal de Viçosa – MG

e-mail: fernanbio@bol. com.br ou fernanbio1@yahoo. com.br

 

 

A eficácia das plantas medicinais no tratamento das doenças é amplamente conhecida pela sociedade. No entanto, muitos usuários acham que, por serem produtos naturais, não precisam de rigor quanto a seu preparo, principalmente em relação à quantidade de plantas utilizadas e à sua dosagem. Com esses equívocos, o Ministério da Saúde informa que muitos brasileiros intoxicam-se com o uso incorreto de plantas medicinais.

Os remédios à base de plantas usados de forma indiscriminada, possivelmente irão intoxicar os usuários, acarretando, por exemplo, uma alergia ou até mesmo o desenvolvimento de outras doenças mais complexas. Estas doenças poderão se desenvolver logo após o uso do remédio, ou a longo prazo, como um câncer.

O uso incorreto do confrei - Symphytum officinale L. (Boraginaceae) , por exemplo, poderá ocasionar o aparecimento de tumores malignos no fígado, nos brônquios e na bexiga, conseqüência do desenvolvimento de doença veno-oclusiva, causada pelos alcalóides nesses órgãos, complicados com a extravasão de hemácias e necrose hemorrágica (Lorenzi & Abreu Matos 2002). O confrei já foi bastante utilizado como remédio, mas, com o surgimento de diversas doenças, conforme citação dos autores acima, acarretou uma diminuição de seu uso.

A arruda - Ruta graveolens L. (Rutaceae), cultivada em muitos quintais, pode provocar vômitos, gastrinterites, salivações, edema na língua e, principalmente, hemorragias em mulheres grávidas, podendo levar ao aborto (Martins et al., 1998).

Outras plantas também são citadas na literatura como abortivas, entre elas: quebra-pedra - Phyllanthus amarus L. e P. niruri L. (Euphorbiaceae) , erva-de-santa- maria - Chenopodium ambrosioides L. (Chenopodiaceae) , artemísia - Chrysanthemum parthenium (L.) Bern. (Asteraceae) e cabacinha - Luffa operculata (L.) Cogn. (Cucurbitaceae) .

O quebra-pedra não pode ser utilizado durante a gravidez, pois possui princípios ativos que atravessam a barreira placentária, podendo provocar aborto; e essas substâncias também podem ser excretadas no leite materno. A cabacinha possui substâncias denominadas cucurbitacinas, esteróides resultantes da oxidação de triterpenos tetracíclicos, responsáveis pelas ações embriotóxicas e abortivas, podendo causar hemorragia grave ou até mesmo a morte (Barros & Albuquerque, 2005).

Não são raros os casos em que se emprega somente uma parte da planta com fins medicinais, enquanto as outras partes podem ser consideradas tóxicas para algumas espécies, como por exemplo, o cambará (Lantana camara L.), cujas folhas possuem propriedades medicamentosas enquanto os frutos são tóxicos (Martins et al., 1998). Desta forma, o usuário deve usar apenas a parte da planta recomendada por um médico ou um conhecedor popular da comunidade.

Outra espécie que merece atenção é a aveloz - Euphorbia tirucalli L. (Euphorbiaceae) , que possui bastante látex em seus ramos, altamente tóxico, causando irritação na pele e ações cáusticas e, se passado nos olhos, pode destruir a córnea (Martins et al., 1998). Esta espécie é cultivada como planta medicinal, ornamental e mística por muitas famílias, merecendo cuidado principalmente com a presença de crianças, pois o contato com a planta poderá causar efeitos como bolhas na boca e queimação nos olhos.

Outro problema enfrentado por usuários de plantas medicinas está na identificação errada das espécies. Geralmente, quando o usuário não tem muita experiência no reconhecimento da planta certa no campo, coleta outra espécie muito próxima que não apresenta as devidas composições químicas necessárias, acarretando algumas vezes a intoxicação.

Como exemplo de trabalho comunitário para reverter problemas de intoxicação com plantas medicinais, está o trabalho de pesquisa e ação social desenvolvido no município de Morretes, Estado do Paraná, envolvendo 555 famílias. Identificou- se que a população estava utilizando 16 espécies com potencialidade tóxica. Os resultados encontrados pelo grupo de pesquisadores foram apresentados à comunidade no intuito de conscientizá- la quanto ao uso correto das plantas medicinais e seus efeitos, por meio de palestras informativas e distribuição de material educativo, constando informações científicas sobre a toxicidade e o risco de seu uso inadequado.

Este tipo de pesquisa poderá ser realizado em outras regiões do país, buscando conhecer as espécies utilizadas como remédio, porém, com potencialidade tóxica. E a partir dessas informações, desenvolver ações públicas nas comunidades estudadas, visando à melhoria da qualidade de vida, por meio da educação ambiental.

A expressão “mato que mata” não visa a assustar o leitor quanto ao uso das espécies citadas nesta nota, mas chamar a atenção dos usuários, pois o “mato” (planta medicinal) pode curar quando usado de forma correta, mas também poderá “matar” vidas, como um feto, quando usado sem critério e responsabilidade.

 

 

Bibliografia

 

MARTINS, E. R.; CASTRO, D. M.; CASTELLANI, D. C. & DIAS, J. E. Plantas medicinais. Viçosa, MG: UFV, 1998. 220p.

 

LORENZI, H. & MATOS, F. J. A. Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas. Nova Odessa, SP: Instituto Plantarum. 2002. 512p.

 

BARROS, F. R. N. & ALBUQUERQUE, I. L. Substâncias e medicamentos abortivos utilizados por adolescentes em unidade secundária de saúde. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza-Ceará , n.4, v.18, 2005, p. 177-184

 

GOMES, E. C.; ELPO, E. R. S.; GABRIEL, M. M. & LOPES, M. Plantas medicinais com características tóxicas usadas pela população do município de Morretes, PR. Revista Visão Acadêmica, Curitiba, V. 2, N. 2, 2001, p. 77-8