CONTRIBUIÇÃO DO JARDIM VITAL PARA A AGROECOLOGIA EM SOLOS LITORÂNEOS





José André Verneck Monteiro



Licenciado em Pedagogia pela Fundação Universidade do Tocantins, Especializado em Educação Ambiental pela Universidade Candido Mendes, Mestre em Práticas em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro & Global MDP, Mestrando em Agricultura Orgânica (PPGAO UFRRJ/EMBRAPA/PESAGRO). Publica seus trabalhos em www.jardimvital.net



RESUMO

Este relato de experimento reúne conceitos e ações empreendidas durante um ano para a implantação do Jardim Vital, sítio agroecológico urbano para policultivos, em área de 360 m2 no bairro Portinho, em Cabo Frio/RJ. Elaborado a convite de Berenice Gehlen Adams para integrar a Seção Sementes na Revista Educação Ambiental em Ação, que em sua 68ª Edição traz o tema: Educação Ambiental para lidar com contrariedades. Esta Edição tem como frase inspiradora “O universo é uma harmonia de contrários” Pitágoras.

Palavras chave: agricultura urbana, sementes, compostagem, educação ambiental.



Apresentação

As áreas urbanizadas nas ilhas e cidades costeiras fluminenses foram ocupando a proximidade da orla marítima originalmente ocupada pela Mata Atlântica em cordões litorâneos de restinga, encraves rochosos, dunas, estuários, brejos, planícies, morros e montanhas, de altitude crescente à medida que se distanciam da linha de maré.

Extensas planícies flúviomarítimas privilegiadas pelo segmento imobiliário por estarem situadas nas proximidades das praias, foram loteadas e deram origem aos diversos Polos Turísticos distribuídos pela costa do Rio de Janeiro.

Em geral esses conglomerados próximos à costa vêm sendo implantados sobre solos arenosos, ácidos, pobres em matéria orgânica e com baixa capacidade de retenção de umidade. Somando a esses fatores a incidência regular dos ventos costeiros, os aerossóis de maresia, as variações relevantes de temperatura diurna e noturna e a frequência de chuvas torrenciais, têm-se um conjunto de aspectos que pode desfavorecer a obtenção de resultados satisfatórios e até por vezes desestimular a prática da agroecologia doméstica na zona costeira, fundamental à provisão familiar dos alimentos vegetais frescos mais comuns à dieta humana.

Entretanto, por meio da seleção e aplicação de alguns dos princípios e técnicas agroecológicas é possível amenizar, até reverter algumas das contrariedades descritas no parágrafo anterior para obter êxito, a baixo custo financeiro, no cultivo doméstico de frutas, hortaliças, condimentos, remédios caseiros e fibras de múltiplos usos.

Neste relato estão elencadas as ações experimentais realizadas entre junho/2018 até junho/2019 para a implantação de um sítio agroecológico urbano, o Jardim Vital, em um lote inativo, de 360 m2, situado no bairro Portinho, em Cabo Frio/RJ.

Jardim Vital é um experimento em policultivos desde o manejo primário, sem uso de agrotóxicos, conduzido pelo Autor para seu exercício profissional como Microempreendedor Individual (MEI, 2019), e do qual também são obtidos dados para sua Dissertação em andamento no PPGAO, sendo orientado pelos Doutores Antonio Carlos de Souza Abboud e João Sebastião de Paula Araújo, ambos Docentes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Jardim Vital® é marca registrada pelo Autor junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI, 2017). No entanto, esta publicação é de livre uso público, sendo permitida e incentivada sua circulação e reprodução, citada a fonte, como instrumento voltado à difusão da educação ambiental e da agroecologia.



Localização

O bairro Portinho é adjacente ao centro administrativo e comercial de Cabo Frio. Como o próprio nome sugere, é o cais usado para atracar embarcações, desde longa data, por estar situado em local de remanso à beira do Canal do Itajurú, no qual fluem as marés que mesclam água do Oceano Atlântico com a Lagoa de Araruama.

Por esta localização é de se presumir que o local já tenha sido repleto de bosques, campinas, manguezais, canais e ilhotas habitadas pela biodiversidade típica e original do período de ocupação indígena, no território hoje chamado Região dos Lagos.

A urbanização do bairro Portinho se intensificou a partir da década de 1970 (Figura 1), simultaneamente com um período de expressiva extração de sal na região, e também com os primórdios da atividade turística, atualmente bem expressiva no município, movimentando negócios de hospedagem, aluguéis de temporada, comércio e os serviços acessórios. O loteamento foi nivelado mediante despejo e terraplenagem do material mais abundante nas imediações, a fina e leve areia proveniente das dunas.



Figura 1. Vista parcial de Cabo Frio. Foto Internet. Autoria e data desconhecidas.

Originalmente as ruas do Portinho receberam nomes de minerais. O lote no qual é realizado o experimento mede 360 m2, sendo 12 metros de frente para a Rua Diamante, e 30 metros de comprimento, tendo ao fundo a Rua Berilo.

Desde que o adquiriram em 1985, os proprietários do lote edificaram muros, instalaram portão coberto, contrataram projetistas, mas não tiveram condições de edificar ou habitar o imóvel, por residirem em outra cidade. Nesse ínterim arcaram também com ônus e despesas dos impostos, capinas e limpezas semestrais para o bem estar da vizinhança.

E por serem pessoas engajadas e atuantes no movimento socioambiental, idealizavam que o lote deveria deixar de ser inativo e improdutivo economicamente para servir a algum outro propósito, antes que pudessem nele investir, edificar e habitar.

Em abril/2018, quando lhes foi apresentada a proposta do experimento, aceitaram ser parceiros, mediante registro de um contrato de locação, singelo em quantias e rico em contrapartidas mútuas.

O contrato foi celebrado com o início dos trabalhos no dia 05 de junho de 2018, emblemático Dia Mundial do Meio Ambiente, ocasião em que o lote tinha as características apresentadas na Figura 2.



Figura 2. Início da implantação do Jardim Vital ® em lote inativo do bairro Portinho, em Cabo Frio/RJ. Dia Mundial do Meio Ambiente 05/06/2018.



Apreciação

Na Figura 2 também se pode notar a predominância da composição florística à época: em primeiro plano, intenso povoamento por colônias de capim; e ao fundo, densos conglomerados de Leucena (Leucaena leucocephala). Ambas são espécies bastante comuns nos terrenos inativos. São de origem exótica, apresentam hábitos infestantes, de ampla propagação por sementes e brotações, desenvolvimento robusto e rapidamente encobrem a vegetação nativa. Também ao fundo central da Figura 2 se eleva a copa espraiada de um frondoso Flamboyant (Delonyx regia) plantado na calçada externa limítrofe à casa vizinha à esquerda.

Neste experimento as plantas que já habitavam a área foram fundamentais como fonte de biomassa para uso em compostagem, como demonstrado adiante. Porém nos lotes que não são devidamente manejados tais espécies formam densas moitas, úteis ao abrigo e procriação de alguns animais considerados pragas urbanas (ratos, baratas, mosquitos, caramujos africanos), além de espécies peçonhentas como aranhas, escorpiões e cobras.

A infestação por caramujo-gigante-africano Achatina fulica (Stylommatophora, Mollusca) que já é detectada em todo o Brasil, também é intensa em Cabo Frio. Possivelmente em razão da grande quantidade terrenos baldios e de casas que permanecem desocupadas por meses, sem devido manejo de suas áreas externas, ofertando assim ambientes favoráveis à sobrevivência e ampla proliferação dos caramujos.

A função de propriedade coerente de um imóvel urbano deve servir às pessoas, às formas de vida autóctones, à civilidade e ao bem estar geral. Então é imprescindível mudar a forma de ver, interpretar e manejar os terrenos ociosos (inativos, mas potenciais), e transformá-los em espaços vivos e úteis, para que não se desvirtuem de sua função social, evitando-se que sejam transformados em baldios, insalubres, ermos.

Para que não sejam equivocadamente usados como depósito de lixo, foco de mosquito e gente à toa ou razão qualquer de transtorno para vizinhos. Epidemias como as que são espalhadas pela picada de mosquitos poderiam ser erradicadas.

Só zelar pelo local. Cada terreno inativo convertido em cultivo agroecológico mobiliza grupos de pessoas e empresas que concretizam a transformação do ônus em bônus e da fealdade em beleza. O inútil faz-se útil, o singular vira plural e a inércia vira movimento, que se retroalimenta oferecendo comida saudável e farta, como nos primórdios da agricultura.

Nossos relógios e calendários têm divisões um pouco diferentes do tempo natural. Nossa visão acostumada a enxergar a superfície por vezes deturpa o verdadeiro significado das coisas. Anteriormente ao tempo do experimento, o lote foi considerado improdutivo, mas somente se analisado pela ótica econômico-financeira, já que deixá-lo inativo não proporcionava ganhos, somente ocasionava despesas.

Mas há vida pulsando a todo tempo e em toda parte; na percepção agroecológica o terreno sempre foi produtivo, porém com manejo limitado a roçar frequentemente a vegetação e deixar a palhada no solo, fertilizando-o.

Sem edificações o solo permaneceu permeável às chuvas. As sementes e brotações se incumbiam de ocupar de novo o lote e o ciclo virtuoso se repetia, amiúde.

Os processos naturais também ocorrem intensamente quando não manejamos um sistema agroecológico, deixando entre os intervalos de cultivo as áreas para pousio.

A sucessão ecológica é contínua, independe de estarmos ou não a acompanhando enquanto acontece. Os processos de mineralização e vivificação do solo pelos ciclos biogeoquímicos são retroalimentados; as interações entre espécies e intraespécies; o controle biológico espontâneo das populações; a dispersão de sementes; enfim, as funções naturais de cada elemento da teia da vida estão o tempo todo acontecendo, felizmente.

Deduz-se então que o lote é vivaz, responde favoravelmente e retribui com generosidade, bastando modificar o tipo de manejo para usufruir de todo seu potencial, bem como estabelecer com vizinhos um sistema de relações pautado pela cooperação e integração que lhes permita compreender o experimento e adequá-lo à sua realidade para replicá-lo em sua residência.



Organização

Para dispor de água tratada ao experimento foi solicitada à concessionária Prolagos a instalação de hidrômetro, realizada no 3º dia após o pedido. A cota mínima franqueada de consumo é de até 10m3/mês, a qual não foi atingida em nenhum mês. Ou seja, o valor pago mensalmente não corresponde à justa medida de consumo real. Isso não parece ético ou justo e sensivelmente interfere no desempenho econômico do experimento. Mas por ser matéria discutível no âmbito jurídico, essa celeuma não será aqui alongada.

Mediante observação minuciosa do lote, em diferentes dias e horários, foi possível delinear um estudo preliminar. Considerando a topografia, as edificações vizinhas e sua projeção de sombras; principais sentidos e a intensidade dos ventos predominantes, e uma lógica voltada à circulação confortável entre os canteiros de cultivo (inclusive para pessoas com mobilidade reduzida e cadeirantes), foi desenvolvido um croqui básico e flexível às adaptações surgidas no percurso, apenas para nortear os trabalhos seguintes: capina e carregamento da palhada para o local de compostagem, edificação do depósito de ferramentas, varanda pós-colheita, sistema de distribuição de água pelo terreno, aparelho sanitário e destinação de efluentes e canais de escoamento de água superficial, conforme demonstrado na Figura 3.

Figura 3. Estudo preliminar à implantação do Jardim Vital em Cabo Frio/RJ. Junho, 2018.



Capina e compostagem

A operação de capina foi realizada por três pessoas, entre os dias 11 e 16 de junho/108. À exceção das espécies comestíveis já existentes no lote, as demais foram extraídas, destocadas e a sua biomassa empilhada na seção posterior do terreno, iniciando-se assim o processo de compostagem aeróbica de resíduos orgânicos vegetais. Os caules mais retos das arvoretas de Leucena foram mantidos para uso posterior na confecção de tutores e tripés para condução das espécies escandentes.

Estima-se que a pilha inicial de compostagem tenha atingido um volume equivalente a 10 m3. Para promover melhor aeração no interior da pilha foram instalados, horizontalmente, pedaços de tubo PVC encontrados durante a prática da capina (com uma das extremidades no interior da pilha, e a outra para fora desta, buscando captar deste modo as correntes de vento).

Sobre a pilha foi adicionada ampla sorte de ingredientes: calcário dolomítico, serrapilheira de bosques, pequenos volumes de solo obtidos em diferentes hortas e jardins, lama de rios, argilas de diferentes barrancos, xepa vegetal de feiras livres, esterco curtido de bovinos, cinzas de fogão à lenha e em menor proporção as de churrasqueira (por seu teor de cloreto de sódio), cascas de ovos trituradas, biofertilizante líquido obtido de compostagem em baldes, húmus de minhoca, Bokashi Korin, e o esterco das galinhas felizes da @granjacapelinha, que são criadas soltas ao ar livre.

Nessa jornada contínua de enriquecimento e tratamento da pilha foi relevante a colaboração da @veggie.tablebr mediante doação de volume expressivo de bagaços de furtas centrifugadas, subproduto de sua produção artesanal de sucos funcionais.

A zeladoria dos condomínios próximos também foi valiosa aliada, encaminhando em sacos reaproveitáveis a varrição de folhas e aparas de gramados. Foram distribuídos baldes plásticos, com tampa hermética, entre vizinhos para o recolhimento voluntário de resíduos vegetais de cozinha (cascas, talos, borra de café e chá, etc.). Semanalmente estes resíduos eram adicionados ao longo do topo da pilha e recobertos por palha, a qual era retirada da borda da pilha e organizada sobre os resíduos frescos na parte superior.

Quanto mais diversificada a constituição da pilha, mais revitalizador será o adubo orgânico resultante da compostagem. A ação das miríades de pequenos e microorganismos animais, vegetais e protistas também é fundamental para o sucesso da compostagem. O lote já era bem povoado por minhocas, gongolos, tatuzinhos, formigas, cupins e outros invertebrados, os quais podem ser inventariados em estudo complementar. Merece atenção o crescimento exponencial das populações dessas criaturas sob a pilha, que então passa a ser um grande criatório e refeitório para esses importantes aliados da agroecologia.

Após 40 dias do início da compostagem a temperatura interna da pilha já havia baixado. No canto esquerdo do lote onde a pilha de é beneficiada pela sombra do Flamboyant, foi realizada a inoculação de um potente agente de decomposição e mineralização: o substrato descartado após cultivo de cogumelos alimentícios da @fungozen.

Esta porção da pilha também recebeu uma população de aproximadamente vinte indivíduos de minhocas vermelhas da Califórnia, doadas pelo Horto Municipal de Cabo Frio. Essas minhocas são ávidas devoradoras de matéria orgânica vegetal e suas fezes contém alta concentração de húmus.

Semanalmente a pilha foi sendo revirada e fragmentada com uso cuidadoso de enxada, a fim de evitar danos à microfauna em formação. Não foi realizada irrigação nem cobertura por material impermeável. Por volta do 50º dia do início, o composto orgânico do canto esquerdo estava amadurecido e foi sendo distribuído nos canteiros. A cada nova remessa de composto pronto, mais um canteiro era fertilizado.

Então o ciclo contínuo de elaboração de composto orgânico consiste em: obter material fresco, cobrir com palha, revirar e depois de amadurecido, espalhar. Cada pilha pode demandar de 30-60 dias até ficar pronta para espalhar.

No experimento atraiu atenção o resultado obtido especialmente pela ação dos fungos, visto que o interior da pilha foi tomado pelos micélios, que decompuseram em curto período, até mesmo os materiais lenhosos e robustos como os tocos de arvoretas e touceiras de capim.



Destorroamento, higienização e calagem

Após a capina foi possível analisar melhor a área e identificar as adequações requeridas no estudo preliminar. Em seguida foi realizada no lote uma operação de destorroamento, que consistiu em escavar toda a área em profundidade média de 20 cm, a fim de descompactar o solo, remover propágulos de capim e tiririca (Cyperus rotundus), e outros detritos prejudiciais ao desenvolvimento do experimento.

Esta etapa de destorroamento foi realizada pelo Autor durante 12 dias, e permitiu observar que apesar de ser um lote relativamente pequeno, havia variações expressivas de composição do solo superficial, nos diferentes setores. Isso provavelmente se deve ao fato de o lote haver sido utilizado, por terceiros, como local para guarda e despejo de materiais primários de construção civil, tal como areia lavada, aréola, argila, brita, terra de jardim, além de entulho e sobras (desperdício) de argamassa e concreto.

Noutros setores já se percebia densa camada de matéria orgânica, bem possivelmente resultante do despejo cumulativo de resíduos da manutenção de jardins vizinhos.

Com essa diversidade de ingredientes do solo foi preparada uma mistura com porções desses diferentes “temperos” para posteriormente usar como primeira adubação dos canteiros, já que não é tão fértil a fina areia usada no loteamento do bairro, a qual constitui a maior parte do solo do lote.

Rochas, entulhos de alvenaria e concreto, pilaretes e retalhos de vergalhão foram levados para aproveitamento na área da edificação.

Os materiais recicláveis foram destinados aos catadores que atuam no bairro. Cacos de vidro e outros materiais inservíveis ao experimento foram corretamente embalados e identificados antes da disposição para o sistema publico municipal de coleta.

Os materiais reaproveitáveis foram higienizados e guardados até seu uso, cobertos por lona. Retalhos de cabos elétricos e arame, molduras metálicas e peças de madeira foram utilizados para confecção de tutores destinados ao cultivo de trepadeiras; as tábuas e ripas foram usadas para gabaritar a edificação e o delineamento dos canteiros.

Evitou-se publicar as imagens obtidas do montante e constituição do rol de materiais encontrados no lote, a fim de não constranger publicamente às pessoas que ao invés de se responsabilizar pela correta destinação de seus resíduos, optaram por despejá-los em terreno alheio, sem consentimento dos proprietários. Lamentável cena comum por aí, que demonstra em certa medida e nos alerta para o nível e qualidade que se pode chegar, na relação entre vizinhos de uma mesma rua/quadra.

Se observe que os proprietários do lote, mesmo sem habitá-lo, mantiveram-no com os impostos pagos, devidamente murado e fechado, providenciaram periodicamente a roçagem da vegetação; tudo com o intuito de beneficiar à coletividade e atender às exigências da Municipalidade. E em retribuição, algumas pessoas estavam, no sentido inverso ao da ética, danificando a fechadura do portão para jogar lixo no lote, pessoalmente, ou indicando-o a seus prestadores de serviços como local de despejo.

Após um nivelamento básico realizado com enxada e tábuas, foi aplicado calcário dolomítico em toda a superfície do solo, à razão aproximada de 100g/m2. Este procedimento foi adotado à véspera de chuvas intensas, de modo que o calcário foi adequadamente incorporado ao solo.

O temporal também possibilitou analisar o nivelamento do terreno e sua permeabilidade, que coincidiram com a estimativa percebida durante a elaboração do estudo preliminar e do croqui (Figura 3).

Como já era de se esperar, das inúmeras sementes dispersadas involuntariamente e misturadas ao solo durante a capina, centenas germinavam vigorosamente após cada chuva. Do mesmo modo intenso brotavam em redes centenas de colônias de tiririca. Foram realizadas três capinas antes da formação dos canteiros e outras onze vezes no decorrer de um ano. Porém, a parir da segunda não mais era necessário o uso de enxada, as plantas invasoras eram então arrancadas e deixadas secar cobrindo os canteiros, ou a palha levada para a pilha de compostagem,

Nas áreas de circulação entre os canteiros, com intuito de reduzir a população das ervas infestantes, por abafamento e supressão de luz, tem sido utilizada com resultados satisfatórios a cobertura por placas de papelão, de caixas descartadas. Esta cobertura também facilita o deslizamento da mangueira de irrigação durante as manobras de remanejamento, necessário à rega de todos os setores do experimento.



Estruturação

Entre os dias 9 a 15 de julho/2018, dois profissionais construíram uma edícula com varanda simples, de alicerce tipo baldrame em blocos-canaleta preenchidos por concreto e os retalhos de vergalhão achados na capina; o interior do baldrame foi preenchido e nivelado com o entulho recolhido do lote durante a operação de capina; alvenaria sem pilares em blocos de solo-cimento, assentamento com solo-cimento-filito em junta amarrada, sem revestimento além de pintura; tubulação aparente afixada por abraçadeiras; contrapiso em cimento alisado. Esta edícula serve de um lado à guarda de ferramentas, e noutro é onde foi instalado um vaso sanitário.

A varanda tem piso permeável de brita, é provida com tanque d’água e mesa para tratamentos pós-colheita, estação de compostagem em torre de baldes para obtenção de biofertilizante líquido e sólido; espaço para alimentação e repouso, com ducha de emergência ao ar livre.

Ao lado da varanda está implantada a torneira na qual se conecta a mangueira de irrigação e a saída para ampliação da rede ou para a instalação de reservatório a ser implantado quando for oportuno ou necessário.

Para economizar o uso de madeiramento se optou por cobrir as edificações com telhas longas, onduladas. Lamentavelmente à época da construção não havia no mercado local alternativa de telha similar em material atóxico, restando o uso de fibrocimento.

Entre os canteiros, uma série de acessos pavimentados tem sido implantada, com aproveitamento de cacos de telha cerâmica, blocos de alvenaria, rochas, tábuas e estrados obtidos de demolições ou sobras de obra descartadas.

O efluente originado na descarga do sanitário atravessa um sumidouro cilíndrico de solo-cimento, preenchido parcialmente por areia e brita antes de infiltrar no solo, a aproximadamente 70 cm da superfície.

Bimestralmente são inoculadas colônias de organismos decompositoras de matéria orgânica de origem sanitária; e se evita o uso de produtos clorados na higienização do aparelho sanitário. Ao redor deste sumidouro não são cultivadas espécies alimentícias, apenas ornamentais.

A água utilizada no tanque pós-colheitas é recolhida em baldes e reaproveitada para irrigação. A água servida na ducha de emergência infiltra diretamente no solo por estrado de madeira e irriga a vegetação cultivada nas imediações da ducha.

Para irrigação é utilizada mangueira de borracha (diâmetro ½ polegada), reforçada por malha, com 40 metros de extensão, com bico tipo chuveiro (sempre dirigido para o alto, imita chuva e reduz danos ao solo e às plantas). A operação é realizada manualmente e facilitada mediante encaixe do bico em ripas afixadas no chão, direcionando o fluxo em direção à área a ser irrigada, controlando o tempo dedicado a cada setor, alternando-os conforme conveniente para cada planta.

A irrigação é realizada preferivelmente ao nascer do sol, ou por volta de 15h. Nas semanas chuvosas a irrigação é interrompida ou dirigida apenas a algumas espécies.

O ato de irrigação demanda aproximadamente 1 hora, considerando o tempo total gasto para cada setor mais a manobra de remanejar a mangueira entre os canteiros.

A instalação de sistema suspenso de microaspersão poderia reduzir o tempo dedicado à rega, contudo não há rede de energia elétrica instalada no lote. Por ser tão reduzida a demanda optou-se por suprimir tal despesa que seria fixa, mensal.

Água tratada por concessionárias não é a ideal para agricultura, por seu custo elevado, risco de eventual instabilidade de abastecimento, presença de teor residual de cloro e outras substâncias que podem ser até nocivas à biota dos sistemas agroecológicos.

Quando é viável, é preferível captar água para irrigação em mananciais não poluídos (nascentes, poços, córregos ou açudes), pois são águas vivas, repletas de nutrientes e agentes biológicos benéficos. Contudo, em razão da reduzida disponibilidade de recursos neste experimento optou-se pelo uso parcimonioso da água tratada pela Prolagos.



Formação dos canteiros

Os canteiros foram delineados no chão com piquetes e linha. Buscou-se manter o alinhamento proposto de acordo com o croqui (Figura 3), com simples adequações, principalmente na ala central de cultivos, visando abranger uma diversidade maior de espécies para testar seu desenvolvimento no local.

Somados, os canteiros ocupam aproximadamente 250 m2 (~70% da área total).

As esquinas dos canteiros foram guarnecidas com piquetes de madeira, envolvidos por anéis de garrafas plásticas (cortados o fundo e o gargalo), a fim de melhor dirigir e deslizar a mangueira de irrigação, sem danificar aos cultivos.

À terra dos canteiros foi adicionada e incorporada uma mistura contendo esterco curtido de curral, cinzas de fogão à lenha e húmus de minhoca, e por cobertura foi aplicada a mistura das diferentes “terras” encontradas dispersas pelo terreno, já citadas.

A operação de formação dos canteiros durou dois dias, sendo realizada por duas pessoas entre os dias 15 e 16 de agosto/2018. Em seguida os canteiros foram irrigados uma vez por dia, por uma semana, antes dos inícios dos plantios.

O composto orgânico foi sendo posteriormente distribuído nos canteiros, como adubação e, principalmente como cobertura vegetal morta (mulching). Esse tipo de manejo evita a incidência direta do sol sobre o solo, reduzindo assim a demanda por irrigação. E protege também a superfície do solo durante as chuvas intensas, diminuindo a lixiviação e percolação de nutrientes. A adição frequente de matéria orgânica é um procedimento imprescindível para o sucesso de cultivos agroecológicos e se faz ainda mais importante nos cultivos realizados em solos arenosos litorâneos.

Em alguns canteiros foram erigidos tripés destinados ao cultivo de tomates, utilizando-se para isso as varetas dos caules de Leucena, atadas com arame e treliçadas por barbantes.

O escoamento superficial de água foi direcionado para a área da edificação, com a intenção de reduzir as perdas de cultivo em face de eventuais alagamentos. Providência esta que posteriormente se demonstrou atenuante, porém insuficiente em fenômenos pluviométricos mais severos, como os que ocorreram em novembro/2018, janeiro e maio/2019, sendo detalhadas suas consequências mais adiante.



Policultivos

Cada um dos canteiros foi destinado a maciços ou consórcios entre plantas, de modo que a distribuição de espécies no experimento teve como principais critérios: quantidade inicial de propágulos disponíveis e a adaptabilidade de cada espécie; facilidade de obtenção de propágulos a baixo custo; espalhar as plantas floríferas e odoríferas para atrair a fauna alada autóctone; reunir no centro as plantas de porte reduzido, que requerem maior fotoperíodo e irrigação mais frequente; dispor nas laterais as espécies volúveis e ruderais que necessitem tutoramento, requerem menos irrigação e tolerem sombreamento parcial; plantar na depressão do terreno e próximo à torneira as espécies higrófilas, e na seção posterior do lote (mais elevado), as espécies menos vulneráveis à seca; cultivar perto da compostagem as plantas ricas em biomassa.

Todos os cultivos foram identificados por placas plásticas na cor branca, espetadas no solo, grafadas com lápis 6B, contendo espécie ou nome popular, data de plantio/semeadura e origem do propágulo. A área do solo ao redor das mudas recém-plantadas foi recoberta por palha de composição variável, reposta frequentemente.

Os principais propágulos provenieram do acervo botânico prórprio do Autor, até então cultivados em vasos, na varanda do apartamento onde morou até o início do experimento. Outras espécies foram obtidas por intercâmbio com agricultores, aquisições em viveiros locais e lojas agrícolas da região, órgãos de pesquisa e organizações não governamentais.

Buscou-se cultivar maciços floríferos para atrair polinizadores e agentes de controle biológico, como joaninhas e aves, além das plantas úteis ao preparo de caldas naturais para repelência de grandes populações dos insetos indesejáveis à horticultura.

Poucas espécies arbóreas integram o experimento, em razão do tamanho do lote e para evitar ainda mais sombreamento. Duas árvores merecem menção por seu valor emblemático: um exemplar de Pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia), que foi plantado em julho/2018, semeando diretamente no chão um pinhão comprado em supermercado (o maior do embrulho não foi cozido e saboreado). Ao tempo deste relato a jurássica gimnosperma já atingiu a altura de 23 cm com menos de um de vida.

A outra árvore é um exemplar de Pau-brasil plantado pelo Autor com seu filho em celebração ao Dia da Árvore 2018.

O Brasil o único País que tem nome de árvore. Também há uma simbologia histórica da árvore rerelacionada a Cabo Frio, por haver sido importante entreposto da cobiçada madeira cor de brasa, no início da colonização, durante as bélicas tentativas de instauração da França Antártica.

Em poucas cidades brasileiras se vêm tantos exemplares de Pau-brasil na arborização urbana, quanto em Cabo Frio. O exemplar cultivado no Jardim Vital foi doado mediante solicitação ao Horto Municipal.

Independentemente do tempo em que o experimento venha a permanecer no lote, deixa-se essa contribuição na forma duas longevas árvores, ambas importantes símbolos nacionais e que infelizmente são espécies nativas ameaçadas de extinção.

E quando por qualquer motivo o experimento tenha de ocupar outro espaço, os proprietários terão herdado um terreno fértil e consubstancialmente pronto para que os cultivos continuem a ser desenvolvidos no lote, mesmo que de culturas temporárias e de manejo reduzido como mandioca, abóbora, milho, quiabo, amendoim e maxixe (e.g.).

Até que tenham condições de decidir por qual destinação lhes seja melhor à época, sem dúvida será mais profícuo manter o sistema agroecológico equilibrado do que retroceder no tempo e permitir que o lote seja de novo invadido pelo capim.

O período entre agosto a outubro/2018 foi de intensa atividade de plantio, resultando em um acervo botânico constituído por exemplares de mais de 70 espécies/variedades vegetais (Figura 4), simultaneamente em cultivo e produção das quais são listadas na Tabela 1 apenas as comestíveis.

Tabela 1. Acervo de plantas comestíveis em cultivo e produção no Jardim Vital, constituído entre agosto e outubro/2018.

Ora-pro-nobis

Boldo

Aroeira

Couve

Capuchinha

Espinafre-amazônico

Carqueja

Erva-de-jabuti

Cará-do-ar

Guiné

Cavalinha

Manjericão

Menta

Hortelã

Poejo

Alfavaca

Arnica

Cidreira

Alecrim

Capim-limão

Arruda

Tomilho

Lavanda

Funcho

Sálvia

Camomila

Mamão

Girassol

Romã

Caruru

Beldroega

Vinagreira

Lírio-do-brejo

Rosa

Feijão-borboleta

Tomate

Berinjela

Pimentão

Jambú

Abobrinha

Milho

Maracujá

Açafrão

Agrião

Coentro

Salsa

Cebolinha

Endro

Rúcula

Pimenta

Orégano

Alface

Almeirão

Jiló

Alho

Bredo

Taioba



Figura 4. Jardim Vital em novembro/2018. Foto: Kauã Rocha.



Manejo

O manejo do experimento envolveu quatro distintas e complementares frentes de ação: registro, cultivo, produção e escoamento, cada qual com seu conjunto de tarefas, as quais são apresentadas a seguir.



Registro

Constitui o substrato textual e imagético deste relato o conjunto de anotações, fotografias, reuniões, postagens na página e nas redes sociais, participação do Autor em cursos como ouvinte e ministrante, intercâmbio com outros agroecologistas sobre resposta do experimento a diferentes tratamentos e condições climáticas.



Cultivo

Observação e cuidado diário do experimento, em diferentes horários, durante as atividades de rega, retirada de plantas invasoras dos canteiros, abastecimento do sistema de compostagem com os resíduos doados pelos parceiros, obtenção e plantio de novos propágulos, produção de mudas para replantio e intercâmbio. Aplicação semanal de biofertilizante líquido diluído em água (1/10), por via foliar. Aplicação mensal de sulfato de cobre na proporção indicada pelo fabricante (a concentração é variável quando adquirido em quantidades pequenas, para uso domiciliar).



Produção

Aquisição de materiais de embalagem, rotulagem e demais insumos requeridos; desinfecção prévia e posterior das instalações e utensílios. A preparação é realizada na estrutura culinária domiciliar do Autor.

Preparações - Colheita dos ingredientes, higienização, preparo, processamento, acondicionamento, rotulagem, refrigeração.

Produtos in natura - colheita, higienização, embalagem, refrigeração (alguns produtos apenas).



Escoamento

As colheitas regulares do experimento tiveram três destinações principais: foram ofertadas in natura para pessoas em condições de insegurança alimentar e nutricional; constituíram no período a base mais importante e diversificada da alimentação do Autor; e foram utilizadas como matéria-prima para as preparações culinárias do Jardim Vital, elaboradas pelo Autor e comercializadas mediante sua participação como expositor em eventos (regulares e ou itinerantes), tais como Aldeia Criativa, Feira Verde Disseminar, Feira Minhoca da Terra, Evento Degusta Buenos Aires Shopping Park Lagos, Feira Zen, Feira Catavento, Summer Roots Festival, Feira Agroecológica do Convento e a Feira Livre Periurbana de Búzios.

Tais eventos são mercados alternativos que conciliam artesanato, alimentação e atrações artístico-culturais. Como reúnem em ambientes privilegiados pessoas de diferentes interesses, geram um fluxo considerável de frequentadores, possibilitando a ampla divulgação do trabalho além da formação de clientela para os produtos.

O excedente da produção, não doado, nem utilizado em preparações também era vendido in natura, nas feiras e em atendimento aos pedidos com entrega programada.

Outra fonte de captação de recursos financeiros para o experimento consistia na venda direta de flores comestíveis frescas, principalmente para estabelecimentos de alimentação de Cabo Frio e Búzios. Diversas parcerias foram consolidadas no período, mas em razão da variação da quantidade de flores produzidas (ocasionada por intempéries anormais ocorridas no período e descritas adiante) não foi possível atender integralmente à demanda.



Parcerias

As lições aprendidas com a equipe do SEBRAE Cabo Frio foram importantes impulsionadoras para o desenvolvimento do experimento. Um serviço essencial para quem deseja empreender, inclusive em agroecologia, integrando circuitos curtos de comercialização.

Outras parcerias de valor não se referem somente ao volume de geração de negócio e permitiram inovar na criação de produtos com ingredientes do experimento.

Em setembro/2018 o restaurante Fênix participou do Festival Gastronômico de Cabo Frio, ornando aos pratos com as flores e especiarias recém-colhidas.

Em novembro/2018 Tito Artesanal lançou um refrigerante gaseificado de limão siciliano e gengibre, colorido com flores. No mesmo período Massa do Pytha produziu a edição especial filantrópica de Talharim Novembro Azul, também colorida com as flores do experimento e dedicando integralmente a receita obtida com sua venda ao tratamento de pessoas com câncer em Cabo Frio.

Diversos profissionais de gastronomia apoiaram o experimento, adquirindo com regularidade os ingredientes para finalizar a apresentação de seus itens do cardápio. São aqui citados alguns desses profissionais (chefs, souschefs e bartenders), com os quais se manteve ideal fluxo de comunicação para adequações de fornecimento e troca de sugestões para o uso artístico dos ingredientes: Monica Bull, Rodrigo Debossan, Felipe Raladão, Júpiter Lima, Jackeline Chagas, Bruno Barros, Felipe & Soraya Novás.



Ações educativas

Em 2018 foi realizada uma série de ações educativas voltadas à popularização da agroecologia e do experimento per si, em eventos e ambientes de educação formal e não formal, alguns dos quais são citados a seguir:

- Vivência do Mato ao Prato no Cereall Gourmet (maio).

- Entrevista por Sidnei Marinho, TV Litoral News (maio).

- Feira da III Semana Acadêmica do Instituto Federal Fluminense (agosto).

- Eco Feira da Festa Anual das Árvores Cereall Gourmet (setembro).

- Entrevista por Iva Maria, TV Litoral News (outubro).

- Entrevista por Amaury Valério, Rádio Ondas FM (outubro).

- Vivência do Mato ao Prato, Instituto Federal Fluminense & Feira Livre Periurbana de Búzios (dezembro).



Fatores adversos

A prática da agroecologia em áreas urbanas e litorâneas requer criatividade para se lidar com algumas contrariedades encontradas em situações comuns. No caso deste experimento, para melhor ilustrar, se fez necessário tecer algumas considerações e contrapontos, a respeito de fatores adversos detectados durante o estudo preliminar da área, mas que em parte, não puderam ser contornados por falta de recursos humanos, financeiros, ou mesmo tempo hábil. Outros aspectos somente foram identificados no percurso do experimento, expostos a seguir:

O lote tem edificações altas como vizinhas, em ambos os lados, o que reduz o tempo de insolação, ainda mais com a variável projeção de sombras nas diferentes estações. Então na área em estudo, até seria possível por meio de telas ou pérgolas, reduzir a luminosidade; mas não dá pra “criar” sol em uma área sombreada pelas residências vizinhas. Várias espécies tropicais de plantas ornamentais sobrevivem e se desenvolvem bem até dentro de casa, com luz difusa, mas para cultivo de alimentos a insolação é um fator decisivo e sua indisponibilidade é um fator limitante para a predominância das espécies alimentícias. Então diferentemente do campo, onde o sol é generoso, plantar na cidade significa aproveitar cada canto ensolarado nos diferentes períodos do dia. Em compensação, nos períodos de maior incidência de raios ultravioleta a sombra projetada por edificações até pode reduzir perdas de colheitas.

Durante o tempo que o imóvel permaneceu sem uso seu solo foi sendo enriquecido pela decomposição da palhada depositada a cada roçagem da vegetação dominante de capim. As gramíneas são essencialmente constituídas por fibras frágeis, de rápida decomposição, portanto ao retirar a vegetação e a cobertura de palha para a correta preparação da área para o experimento, se pode notar que mesmo após anos de fertilização a estrutura do solo ainda era frágil.

No período prévio à aplicação do calcário dolomítico, houve dias bem secos nos quais foi possível notar, no terreno aplainado as porções de solo sendo movimentadas pelo vento durante as rajadas mais intensas. Ou seja, após alguns poucos dias sem cobertura de palha e sem irrigação a área já começava a apresentar vulnerabilidades e sem estruturação suficiente para amontoar e criar canteiros elevados ideais ao cultivo.

Como se pode notar na vegetação típica de restinga, que habita as áreas com maior incidência de ventos, que a base de alguns caules e as folhas próximas ao chão são quase polidos de tanta abrasão, causada pela movimentação de areia durante as rajadas mais intensas. Funciona verdadeiramente como um jato de areia. A maioria dos cultivos alimentícios propostos para integrar o experimento é de característica herbácea ou semi-lenhosa, as quais não se desenvolvem tão bem com os microferimentos que são causados por jato de areia em seus caules e folhas.

Por essa razão a cobertura de palhas (mulching) sortidas e bem distribuídas por toda a área de cultivos é fundamental a fim de conter a movimentação de solo pelo vento. Outra função do mulching é criar um isolamento térmico que atenue, até mesmo impeça a incidência de luz solar diretamente sobre o solo. O superaquecimento ao sol é uma característica típica de solos arenosos, bem fácil de notar ao andar na praia.

O mulching também contribui para reduzir a evaporação da umidade do solo. Com o tempo o solo que antes parecia uma peneira passa a reter umidade como uma esponja. Cria também um ambiente favorável à microfauna, elevando a biodiversidade do cultivo. De certo modo o uso de mulching também colabora para a eliminação de plantas invasoras, por tornar mais fácil sua retirada. Frequentemente a palha deve ser reposta, pois vai sendo decomposta, seus nutrientes vão infiltrando no solo, diluídos nas regas e chuvas.

O lote é o único que ainda não recebeu residência em um raio médio de cem metros, ou seja, a vizinhança tem bem menos área permeável e drena parte das chuvas sobre a superfície até que esta encontre os bueiros; o lote está situado na parte baixa da rua, então durante chuvas fortes e concomitantemente com períodos de maré alta (proximidade com o Canal do Itajurú) o lençol freático saturado se eleva, fazendo “brotar” água de baixo para cima, além da chuva de cima para baixo!

Em novembro/2018 choveu forte por dois dias e o experimento foi parcialmente alagado, permanecendo aproximadamente 30% da área de cultivo submersa por dois dias, ocasionando algumas reduções de colheitas pelo mês seguinte.

No verão/2019 houve um período de aproximadamente 60 dias sem chuva, também marcado por temperaturas elevadas e ventos intensos. O período coincidiu com a alta temporada de férias, ocasião em que a cidade tem população multiplicada por turistas e o consumo de água é também maior, reduzindo dessa forma a pressão e vazão de água disponível. Para se ter uma noção na segunda quinzena de janeiro, próximo ao meio dia, a temperatura da água saindo da mangueira de irrigação esticada ao solo atingiu 51° Celsius, impossibilitando dessa forma a distribuição das regas em horários intermediários. E como não foi possível atenuar por meio de irrigação mais frequente os efeitos da elevada taxa de evapotranspiração, várias espécies entraram em colapso e senecência precoce.

Na última semana de janeiro um temporal lambeu a região e novamente o experimento teve redução de acervo pela inundação. Vários outros canteiros apresentaram perda de exemplares. Mas as piores perdas foram as mudas que estavam sendo preparadas para repor os canteiros de plantas de ciclos curtos. Apesar disso foi realizado então em menor escala, o replantio com mudanças de setor de algumas das espécies prejudicadas pelos temporais ou que já apresentavam natural declínio de produtividade pelo tempo avançado de cultivo.

O manejo continuou, o fornecimento de água se estabilizou, a produção se normalizou e em meados de maio/2019 uma tempestade ocasionou o alagamento total do experimento por cinco dias. A segunda quinzena de maio e o início de junho foram dedicados a restaurar os canteiros, obter novas mudas, redigir este relato e iniciar um novo ciclo!

Durante estes doze meses relatados somente houve duas ocorrências de perda de acervo botânico ocasionadas por formigas cortadeiras. Mediante a oferta de sementes de gergelim cru nas imediações dos caminhos por onde andavam as formigas, se evitou a proliferação no local.

Na primeira semana de junho o experimento passou a recebeu tratamento homeopático constituído por Carbo vegetabilis, Sulphur, Silicea, Calcarea carbônica, Cuprum metallicum, Pulsatilla.

Sem dúvidas, o fator adverso mais expressivo e o que demandou mais intensa atividade de manejo no experimento, por todo o período aqui relatado foi o controle da população de caramujo-gigante-africano. Este molusco se prolifera rapidamente e sua infestação já foi detectada em todos os estados do Brasil. Não há predadores naturais conhecidos por aqui. Devoram quase tudo que se cultiva em hortas, pomares, roças e jardins ornamentais. Seu período de atividades mais intensas se inicia desde o fim da tarde até o amanhecer. Durante o dia permanecem abrigados da luz e calor. Geralmente procuram abrigo em moitas vivas, sob as plantas (ou no interior da ramagem), debaixo de materiais amontoados (inclusive pilhas de compostagem), em qualquer lugar fresco.

Durante a capina inicial foi encontrada no lote uma população expressiva de caramujos-africanos (10 indivíduos/m2). O controle foi feito acondicionando os indivíduos em sacolas plásticas de supermercado, depois amarrando o saco e depositando para o sistema público municipal de coleta de lixo comum. Este é um procedimento simples e econômico que pode e deve ser realizado frequentemente por todas as pessoas em seus ambientes. Não precisa comprar e usar venenos, nem se ocupar jogando sal, nem enterrando, nem colocar em balde com cloro. Ratificando: basta cobrir a mão com saco plástico, catar os caramujos, colocando-os em outro saco junto ao outro saco-luva, amarrar e depositar para coleta, lavando as mãos com água e sabão em seguida.

Só assim, se cada um fizer sua parte é que será possível conter a população de caramujos, mosquitos, ratos e outros vetores.

Contudo, no âmbito do experimento, posteriormente ao controle emergencial foi possível pesquisar melhor e refletir, concluindo que: esses moluscos devem buscar se nutrir de expressivas fontes de cálcio, para desenvolvimento de sua concha espiralada. Então, descartar os animais coletados significaria exportar o elemento cálcio para fora do experimento. Optou-se então por buscar meios de manter no lote as conchas, secá-las e fragmentá-las para se evitar o acúmulo de água e possíveis focos de proliferação de mosquitos.

Desde então o controle populacional adotado consiste em percorrer o experimento durante no início do amanhecer e salpicar cal (de pintura), o equivalente a uma colher das de sopa, sobre cada caramujo. A cal desidrata o animal e evita atração de moscas. Após alguns dias as conchas estão secas e podem ser quebradas, por simples pisoteio, estando calçado.

Quinzenalmente também é aplicada a cal no chão das bordas da pilha de compostagem, já que a deposição frequente de sobras de vegetais frescos funciona como um atrativo para os caramujos em questão.

Não bastasse ter de controlar a população dentro do lote, surpreende também a destreza e capacidade desses animais de se locomover até em muros revestidos por chapisco bem áspero. Frequentemente são observados indivíduos migrando para a área do experimento vindo pelos muros.

Na internet há inúmeras e diferentes versões detalhando como vieram para o Brasil os primeiros indivíduos da espécie Achatina fulica, que é o nome científico do popularmente conhecido caramujo-gigante-africano.

A fabulosa estória, mais repetidamente encontrada e aqui metaforicamente adaptada é que: “alguém” os trouxe, sem que “ninguém” dos órgãos de controle e defesa os percebesse, para que fossem criados em cativeiro em “algum” lugar, pois supostamente “alguém” os iria comprar para comer. Como “ninguém” os quis comprar, “alguém” soltou os bichos, em “algum” lugar. Como “ninguém” dos órgãos de controle e defesa ficou sabendo da soltura, “ninguém” pôde fazer nada para tentar coibir o avanço da população invasora. Hoje “ninguém” tem coragem de assumir o que fez, mas “alguém” talvez um dia elucide os fatos.

O que está entre aspas no parágrafo anterior são as lacunas de conhecimento que remontam ao início da invasão. Em razão desses hiatos entre a estória e real história, todavia incógnita, não se pode precisar quando e onde essa soltura aconteceu, nem quantos indivíduos foram soltos, nem quem os soltou. E nem importa tanto assim, no momento, saber tantos detalhes desse ato irresponsável. Importante é mitigar seus impactos e conter a reprodução da espécie no Brasil.

Pois eles são seres vivos e devem ser preservadas em seu local de origem, com liberdade e meio favorável para ocupar seu nicho, cumprir seu papel ecológico e evoluir em seu habitat, lá na África, não aqui.

Talvez, na ocasião, quem os tenha soltado até desconhecesse ou ignorasse as possíveis consequências que atualmente os caramujos estejam causando. Ou à época a legislação e os órgãos de defesa não estivessem aparelhados para prevenir, tentar evitar, ou mesmo investigar tal ocorrência e apresentar medidas mitigatórias objetivando impedir o avanço da invasão. Quiçá um dia tenhamos no Brasil a estrutura pública apta ao enfrentamento coerente e eficaz dos problemas socioambientais, com apoio popular.

E da mesma forma que há incertezas sobre o início da invasão, também não há no momento conhecimento consolidado a respeito do potencial risco de transmissão de zoonoses pela espécie; nem em que medida sua proliferação pode comprometer a sobrevivência de moluscos nativos; ou mesmo se a espécie invasora desenvolverá tolerância e resistência aos venenos hoje comercializados, demandando da indústria química o desenvolvimento de moléculas cada vez mais potentes.

Como este trabalho versa sobre produção de alimentos, também é importante estimar o potencial de prejuízo que a espécie é capaz de causar às lavouras, bem como antever de que forma os pequenos agricultores familiares se adaptarão na eventualidade de uma super explosão demográfica de caramujos, o que pode ocorrer em razão de fatores climáticos específicos, ou por ciclos sazonais típicos da espécie, por exemplo.

A princípio essas hipóteses não podem ser refutadas, já que se demonstrou tão eficiente a adaptabilidade da espécie às condições ambientais tão antagônicas nas distintas regiões do Brasil.

Sabendo que a venda de agrotóxicos requer receituário agronômico, mas considerando que na prática diversos estabelecimentos os vendem sem restrições, é de se supor que toneladas mensais de venenos estejam sendo indiscriminadamente lançadas ao solo, por pessoas comuns em busca de solução química e radical para a infestação em suas casas e lavouras familiares. O Autor já presenciou vendedor ambulante anunciando “remédio para caramujo” em feira livre.

De tudo exposto anteriormente só não restam dúvidas de que “alguém” (todos nós) precisa fazer “algo”, pois esses animais vêm se proliferando, em progressão geométrica, no seu ritmo, devagar e sempre, tanto na área urbana, quanto no meio rural, inclusive em remanescentes naturais protegidos pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

É valioso lembrar que árvores são lindas, inquestionavelmente fundamentais para o equilíbrio ambiental, mas na Região dos Lagos as casuarinas (árvores australianas) estão ocupando milhares de hectares de áreas de restinga. Milhares de jaqueiras (originárias da Índia) têm sido retiradas para o restabelecimento da Floresta Atlântica no Maciço da Tijuca. Da mesma forma que os capins (africanos) para pastejos rapidamente recobrem e suprimem a vegetação do Cerrado, a soja, o milho, o algodão, a cana e o rebanho bovino avançam desenfreadamente, fragmentando o que ainda resta das formações naturais do Brasil.

Sim, sem dúvida, o AGRO gera bilhares de lucros em negócios, mas ao privilegiar apenas o capital financeiro, também provoca muitas, imensuráveis, até irrecuperáveis perdas. Por toda a cadeia convencional de produção e logística, espalha em seu caminho poluições e sofrimento.

Cultivar é imprescindível para o bem estar humano, até para recuperar áreas naturais perturbadas, mas a introdução de espécies deve sempre ser precedida de cuidado e irrestrita observância do princípio da precaução, pois a invasão por espécies exóticas é uma das principais causas de extinção de espécies nativas.

Agroecologia, agrofloresta, agricultura natural, agricultura orgânica, agricultura sintrópica, permacultura, bioarquitetura, são algumas correntes de pensamento bem amplamente praticadas atualmente. Em ambas se busca o equilíbrio de sistemas produtivos, por diferentes abordagens e técnicas.

É possível assimilar e praticar inspirações vindas destas e outras fontes para criar seu sistema de produção de alimentos autêntico, que seja socialmente justo, ambientalmente equilibrado e economicamente viável.

Atenção às espécies de fácil propagação, enfaticamente se sua área de cultivo for situada próxima a remanescentes naturais, mananciais, morros ou vales. Monitore a dispersão das espécies que cultiva, para que permaneçam em sua área de atuação.

Plantas também têm meios eficazes de locomoção. Já cruzaram continentes, até oceanos, ao longo de suas gerações. Algumas até utilizam os humanos para migrar.



Desempenho econômico

O custo de implantação do experimento para o período de 24 meses foi calculado mediante a soma de todas as despesas com aluguel do lote, taxas cartoriais, taxas bancárias, implantação do hidrômetro + franquia de consumo de água tratada até 10m3/mês, material de higiene e limpeza, capina inicial, edificações, combustível, insumos, manutenção, equipamentos de proteção individual, diárias eventuais de auxiliares, recolhimento de imposto como Microempreendedor Individual.

Não fora aí adicionado o valor do trabalho do Autor, diariamente, em diferentes horários no local, para execução e orientação de todas as jornadas descritas neste relato, nem foi somada a quantia integral (apenas a parcial) das despesas com manutenção preventiva de seu veículo por ser este de uso pessoal e profissional, simultaneamente.

Por cláusula de confidencialidade constante do contrato de locação, os valores do custo de implantação não serão detalhados isoladamente, bastando para efeitos desse demonstrativo, informar que no primeiro ano o experimento teve superávit médio mensal de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais), equivalentes na época desta publicação à quantia de US$ 337 (trezentos e trinta e sete dólares americanos).

Este valor corresponde ao somatório de todas as receitas obtidas, deduzidas todas as despesas da implantação, no mesmo período de um ano, em imóvel alugado, sendo o Autor o único operário regular.

O privilégio de incluir na dieta com fartura e diversidade os alimentos saudáveis colhidos no experimento representa o bem mais precioso, que não se poderia resumir à métrica financeira. Extrapolando para outra realidade, na qual não se tenha despesa de aluguel, nem deslocamento em automóvel, em condições familiares de dedicação ao planejamento e manejo coletivo das tarefas, o desempenho pode ser aprimorado, tanto em termos de melhoria na qualidade da alimentação da família quanto na criação de oportunidades de negócios.

A perspectiva é de um melhor desempenho econômico do experimento no segundo ano, pelas razões apresentadas a seguir:

- O custo inicial de estruturação não será repetido;

- A capina se requer menos frequente pela redução gradual do banco de sementes;

- A agrobiodiversidade local ampliada pelo tipo de manejo adotado favorece as condições nutricionais e de fitossanidade dos próximos cultivos;

- A seleção de espécies melhor adaptáveis ao local gera menos hiatos de produção;

- Inovar com o cultivo de outras espécies para atender mercados específicos e inéditos;

- Conhecendo melhor o calendário de tendências climáticas locais será possível planejar medidas de redução de erosão do acervo botânico (e.g. cultivo temporário em vasos, em local abrigado, para algumas espécies mais vulneráveis);

- Manutenção e ampliação da clientela pela continuidade da participação em feiras.



Difusão

Em 2019 a Inter TV produziu e veiculou dois programas sobre o experimento, os quais estão disponíveis ara assistir pela internet:

- Inter TV Rural Agricultor de Cabo Frio, RJ, tem projeto de horta urbana em terreno no bairro Portinho (assistir);

- ‘Sabores e Bastidores' mostra refeição completa com a cor azul (assistir).

Em maio do mesmo ano o Canal Papo Reto realizou o registro audiovisual do experimento para produção de um programa especial sobre agroecologia urbana, com previsão de lançamento no segundo semestre.

Uma apresentação com imagens obtidas durante o primeiro ano do experimento está disponível no seguinte endereço eletrônico https://youtu.be/G68OeFlJe1o .

Este experimento é desenvolvido em continuidade ao projeto Horto Escola Jardim Vital, implantado em Goiânia/GO (MONTEIRO, 2016).

A publicação deste relato de experiência é também uma semente de difusão da agroecologia e de seu potencial para combater de frente a fome, a pobreza e a miséria, sem depender exclusivamente dos programas governamentais de distribuição de renda.

Também poderia ser mais praticada nas escolas, para que desde crianças tenhamos a oportunidade de compreender o ciclo dos alimentos, aprender como cultivá-los sem usar venenos e tornar nossa dieta cada vez mais saudável e sustentável.

A prática da agroecologia pode ser vista como prática integrativa e complementar de promoção da saúde, e contribuir na terapia de pessoas em estado de saúde emocional abalada; como coadjuvante em tratamentos de traumas e distúrbios psicológicos ou psiquiátricos; preventiva de síndromes ocasionadas por abstinência de substâncias entorpecentes.

O universo é uma harmonia de contrários”

Pitágoras

Há no Brasil muito solo fértil para se cultivar e também muita gente desnutrida.

O trabalho na produção sustentável de alimentos poderia ser adotado como atenuante de pena, instrumento complementar para regeneração psicológica e reinserção social dos milhares de detentos que atualmente sobrevivem, ainda sem aprender ofício que os redignifique, nas condições características do sistema prisional brasileiro.

Ao que se sugere inspirar no modelo de iniciativa voltada à produção de mudas para reflorestamento com essências nativas, desenvolvida pelos participantes do Programa Replantando Vida, que juntos são responsáveis pelo manejo de sete viveiros, com capacidade instalada de produzir anualmente 1,8 milhões de mudas, de 247 espécies florestais do Rio de Janeiro. O maior dos viveiros, estruturado para produzir 1,2 milhões de mudas por ano funciona na Colônia Agrícola da Magé/RJ.

O Programa Replantando Vida é desenvolvido desde 2008 em parceria com a CEDAE e já beneficiou a mais de 4000 apenados. A cada três dias de trabalho é reduzido um dia de pena. (O FLUMINENSE, 2019).



Considerações finais

O Autor desenvolve a agroecologia desde os idos da RIO92, valoriza o convívio harmônico entre os seres, é defensor do bem estar animal, não obstante ter dieta onívora sem excessos é simpatizante e entusiasta do veganismo, optando por cardápio vegano sempre que lhe seja oportuno e viável. Por esse conjunto de motivos além de outras razões filosóficas e ancestrais, lamenta por sacrificar os bichos prejudiciais ao cultivo por constituírem populações de milhares de indivíduos vorazes. E o faz no âmbito do experimento, intencionando produzir alimentos saudáveis para as pessoas e proporcionar à fauna nativa um ambiente equilibrado (#somostodosnecessarios).

Independentemente do cardápio escolhido nossos alimentos são resultado de intrincadas relações entre ambiente, plantas, animais, microorganismos, energias e fluxos. Mesmo que se opte por não ingerir nada de origem animal, é inevitável considerar que a planta pode ter sido adubada com esterco, ou húmus; e que o solo tenha sido alcalinizado por farinha de ossos ou de ostras, ou ainda que a comida nos venha embalada em plástico, que traz a matéria animal no petróleo que lhe dá origem.

Inúmeros animais atuam como polinizadores e sem os quais não teríamos tamanha oferta de comida. Então de várias formas nos beneficiamos, contamos com os animais como auxiliares da agricultura. Mesmo que não sejam animais criados em cativeiro, mesmo que deles não lhe extraiamos nenhum produto ou substância para ingestão, a energia animal também está nas plantas e <vice>+<versa>.

Lembrar que todos somos gente = mineral + planta + bicho + alma nos auxilia a tratar a tudo e a todos com gentileza. Somos sete bilhões de pessoas, que juntos estamos experimentando o convívio nesta experiência Terrena a que chamamos vida.

A mesma água, que dissolve os minerais e os disponibiliza para as plantas transita na Terra desde sua formação. A atmosfera que regula nossa temperatura, e o ar que respiramos, passeiam por todo o planeta a cada fôlego nosso. As plantas, os bichos e todos os outros seres, como nós, somos constituídos de parte da matéria do universo, desde o início.

Várias espécies surgem e são extintas. Algumas desaparecem por nossa ação danosa. E nós estamos aqui, utilizando os recursos finitos de um planeta, como se seus recursos fossem infinitos, crendo que o estilo de vida pautado pelo consumo seja coerente. Talvez seja necessário encontrar a felicidade mais nas coisas simples, como estar vivo e ter o direito de se alimentar bem, todos os dias.

A energia e a matéria completa do universo estão em cada um de nós, as herdamos de outros seres que nos nutrem desde a ancestralidade. Durante a vida vamos trocamos energia nas relações, nos processos vitais, nos pensamentos e sonhos. Oferecemos nossa energia ao estudo que nos orienta e ao trabalho que nos sustenta. E quando deixarmos de habitar e conviver, nossa matéria e energia servirão a outros seres.

Então é inspirador perceber na prática que a agroecologia reúne toda essa força e o trabalho é convertido em remuneração na forma de alimentos, sem uso de venenos.

O que a muitos já parece óbvio, também há de ser dito, ainda por algum tempo, para esclarecer à população dos benefícios de se ingerir alimentos agroecológicos e orgânicos, preferencialmente de seu quintal, ou de seus vasos de varanda, como lhe seja viável. O que não for viável cultivar em seu sistema pode ser adquirido nas feiras de produtores de alimentos agroecológicos e orgânicos.

Estes alimentos são cultivados sem venenos pelo esforço das diversas famílias de agricultores que se empenham diariamente para que tenhamos alimentos frescos disponíveis nas redes e centrais de abastecimento. Os alimentos provenientes da agricultura familiar são adubados com o suor diário de pessoas que ainda se dedicam à prática do ofício mais imprescindível relacionado à saúde preventiva e integral.

A alimentação enriquecida diariamente por vegetais variados, cultivados sem venenos é valiosa aliada à promoção do bem estar humano.

A sugestão para as pessoas que desejam melhorar sua dieta é a de buscar inserir nas refeições cinco vegetais de cores diferentes, o que amplia as chances de se ingerir a sorte necessária de vitaminas e minerais essenciais à harmonização dos sistemas vitais.

Essa composição se obtém facilmente experimentando-se múltiplas variações de cores a partir dos vegetais comestíveis, compondo receitas criativas e diversificadas, de saladas, sucos, risotos, sopas, purês, tortas, e o que mais sua imaginação permitir.

Experimente também provar de novo, de outras formas, os alimentos dos quais não sente muita falta, pois eles podem estar fazendo falta ao seu metabolismo.

A ciência da nutrição é bem mais ampla do que essas simples linhas sobre o tema, porém como a agroecologia possibilita a expansão do repertório alimentar a partir das alegrias de quintal, se considerou tratar do assunto superficialmente nesta seção, como um estímulo à apreciação dos alimentos em seu estado natural, preferencialmente cruz, ou cozidos em vapor.

Precisamos valorizar mais os alimentos que venham embalados em sua própria casca, sem plásticos, isopor, metais, vidros, rótulos, nem ultraprocessamentos industriais. Quanto mais próximo de sua aparência ao natural, melhor o alimento.

Apenas alguns menus sugeridos por nutricionistas são ilustrados a seguir.

Raiz

Folha

Fruto

Semente

Flor

Aipim

Agrião

Caqui

Castanha

Brócolis

Batata-doce

Salsa

Tomate

Lentilha

Couve-flor

Inhame

Couve

Banana

Arroz

Cunhã

Beterraba

Alface

Maçã

Castanha de caju

Hortelã

Gengibre

Rúcula

Manga

Coco

Funcho

Cará

Coentro

Jiló

Quinoa

Rosa

Batata-baroa

Bertalha

Abacaxi

Feijão

Capuchinha



Substituta os ingredientes e inclua outros à sua preferência. Converse com outros “verdólatras”, troque receitas e experimente cultivar em casa os ingredientes de sua dieta. Comece, teste, aprenda e aprimore sua prática. Mas não desista de plantar!

Este empreendimento é uma iniciativa no qual foram aplicados recursos próprios em sua estruturação e durante os hiatos de produção, por acreditar na importância do investimento em pesquisa, desenvolvimento e extensão.

Por seu conjunto de variáveis, desafios teóricos e circunstanciais, além da versatilidade pessoal requerida para conduzir pessoalmente todas as etapas do experimento, este relato é considerado pelo Autor um dos mais relevantes trabalhos de sua trajetória em escrita.

Nele se buscou citar o mínimo de referências, e estender ao máximo possível os detalhes para atenuar um pouco o rigor acadêmico do texto e favorecer a construção mental de uma miniatura paradidática, capaz de aproximar ao leitor do cotidiano do experimento.

Esta publicação também traz impregnada em suas linhas uma fragrância especial da arte relacional exercitada pela gentil convivência com as pessoas que contribuíram para realização deste experimento. Tudo não seria suficiente para retribuir ao rejuvenescedor apoio recebido destes iluminados seres, siris e sereias, então desejo que aceitem essa singela demonstração de gratidão ao se identificarem nas memórias de nosso convívio, as pessoas em seguida nominadas: Içara e Marcelo, Lilian e Eudes, Daniel e seus familiares, José, Leno, Renato, Paulo, Didi, Cezar, Monica, Luca, Iva, Rosi e Conrado, Elise, Antonio e Gil, Victor, Lopes e família, Vera, Cristal (e Beca), Thiago e Gabriela, Felipe e Ludmila, Karen, Julio (e Touche), Vitoria e Natan, Wilton, Well, Sebastião, Hamber, Sonia, Vinícius e Thamires, Colegas da Turma IX, colaboradores, professores e à coordenação do PPGAO.

Pelo precioso registro fotográfico dos produtos nas feiras agradeço aos profissionais das imagens: Patricia e Tito, Sergio Cardoso, Dani Vargas, Marcio Valva, Patricia Monerat, Vanessa Dreher, Gonzalo Arselli, André Marzulo e Rosana Barros.

À equipe Inter TV, Flavio, Mayara, Fabiano, Wanderson e Cadu pelas reportagens sobre o experimento, que permitirão levar o conceito agroecológico e da culinária saudável para um universo bem maior de pessoas por meio da internet.

Agradeço a todos os clientes e parceiros pelo privilégio de tê-los servido. Por meio da compra dos alimentos vocês financiaram a realização deste experimento; permitiram a distribuição de mudas de alimentos valiosos para organizações sem fins lucrativos; e a publicação deste relato, que levará a muitos lugares seu exemplo solidário como consumidor consciente. Também agradeço a quem não adquiriu os produtos, pela paciência de ouvir à explicação durante as degustações nas feiras.

Especial gratidão pelo auxílio dos Srs. Antonio e Sebastião e por seu empenho em reaprender a cultivar pela ótica da agroecologia, buscando compreender e interpretar positivamente as orientações e solicitações durante sua participação no experimento.

Aos parentes da minha e de outras famílias, obrigado pelo acolhimento, por seus atos de apoio, pelo incentivo frente às adversidades e também por compreenderem minha ausência em ocasiões importantes, devidamente justificada nessas páginas.

Em honra às minhas raízes ancestrais caboclas, hoje representadas por minha mãe Maria José Verneck, espero que meu esforço e trabalho sejam suficientes para homenageá-las sempre, por terem me concedido o privilégio de nascer com sua linhagem e dar prosseguimento à sua existência e suas sabenças, sendo justo e sem mágoa por qualquer falta que tenham cometido. Onde seja, que estejam em paz, com lucidez e cientes de que fizeram por nós o melhor que lhes esteve ao alcance, com o esclarecimento que lhes fora oferecido, o discernimento que lhes era permitido ter e com os meios de que dispunham è época. Enxergo-lhes e sinto seu afago nas flores que cultivo e cultuo em sua memória. Que a essência divina nos guie e ampare.

À memória de meu pai biológico José Nunes Monteiro e à de meu pai afetivo Manoel Fernandes Nascimento dedico os benefícios à saúde que eventualmente meu exercício profissional seja capaz de motivar nas pessoas. Me inspiro e me oriento no aprendizado que me proporcionaram ter em seu abraço e depois que passei a trilhar meu caminho sem tua companhia, com a lembrança de tua voz e de teus exemplos. Onde seja, que estejam em paz, com lucidez e cientes de que fizeram por nós o melhor que lhes esteve ao alcance, com o esclarecimento que lhes fora oferecido, o discernimento que lhes era permitido ter e com os meios de que dispunham è época. Enxergo-lhes e sinto seu afago nas flores que cultivo e cultuo em sua memória. Que a essência divina nos guie e ampare.

Possa eu ter o privilégio de chegar a alcançar mais de setenta anos de vida, como meu pai e minha mãe, e ter nesse percurso ao menos parte da lucidez que tiveram.

O Homem Lúcido

O homem lúcido sabe que a vida é uma carga tamanha de acontecimentos e emoções que nunca se entusiasma com ela, assim como não teme a morte. O homem lúcido sabe que viver e morrer são o mesmo em matéria de valor, posto que a Vida contém tantos sofrimentos que a sua cessação não pode ser considerada um mal.

O homem lúcido sabe que é o equilibrista na corda bamba da existência. Sabe que, por opção ou acidente, é possível cair no abismo, a qualquer momento, interrompendo a sessão do circo.

Pode também o homem lúcido optar pela Vida. Aí então, ele esgotará todas as suas possibilidades. Passeará por seu campo aberto e por suas vielas floridas. Saberá ver a beleza em tudo. Terá amantes, amigos, ideais. Urdirá planos e os realizará. Resistirá aos infortúnios e até às doenças. E, se atingido por algum desses emissários, saberá suportá-los com coragem e mansidão.

Morrerá o homem lúcido de causas naturais e em idade avançada, cercado por filhos e netos que seguirão sua magnífica aventura. Pairará então, sobre sua memória uma aura de bondade. Dir-se-á: aquele amou muito e fez bem às pessoas.

A justa lei máxima da natureza obriga que a quantidade de acontecimentos maus na vida de um homem iguale-se sempre à quantidade de acontecimentos favoráveis. O homem lúcido que optou pela Vida, com o consentimento dos Deuses, tem o poder magno de alterar esta lei. Na sua vida, os acontecimentos favoráveis estarão sempre em maioria.

Esta é uma cortesia que a Natureza faz com os homens lúcidos.”



Texto Caldaico do século VI A.C.

Autoria desconhecida

Exercitando a tal lucidez não poderia deixar de ser-lhes grato a quem tentou atrapalhar minha trajetória e menosprezar meu ofício. Crises nos congratulam com oportunidades de desenvolvimento. Obstáculos entusiasmam e ampliam nossa capacidade de resiliência. Sou tipicamente brasileiro, filho da fonte, habituado a renascer todo dia sem desviar meus propósitos. À ingratidão recebida retribuo com votos de sucesso e perpétua felicidade plena.

Algumas pessoas queridas deixaram (precocemente) de nos agraciar com sua presença e serão sempre lembradas com afeto: Nel, José, Raíssa e Klewack.

Aproveito para também agradecer a quem se dedicou a apreciar este trabalho.

Se você chegou até aqui talvez goste também de ler as obras listadas a seguir na seção Referências, para que sua prática agroecológica seja criativa, prazerosa, frutífera, solidária e sustentável.



Plantar é dar. Colher é receber!

Não permita que a vontade de colher atrapalhe o momento de plantar...



Referências

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BLEIL, S. I. O Padrão Alimentar Ocidental: considerações sobre a mudança de hábitos no Brasil. Cadernos de Debate. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da UNICAMP. Vol. VI, 1998, páginas 1-25.

CORÇÃO, M. Breve história da mesa brasileira: a origem da nossa alimentação nos relatos do folclorista e pesquisador Câmara Cascudo e as mudanças de hábitos trazidas pela modernidade. Carta Educação. 2013. Disponível em <https://bit.ly/2Ia24mj>. Acesso em 15 mai 2019.

DAROLT, M. R.; BRANDENBURG, L. C; ALENCAR, M. deC. F. Redes alimentares alternativas e novas relações produção-consumo na França e no Brasil. Ambiente e Sociedade. Vol. 19. N.2. São Paulo. Abr./Jun 2016. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/1809-4422ASOC121132V1922016>. Acesso em 15 mai 2019.

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INPI. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Diretoria de Marcas, Desenhos Industriais e Indicações Geográficas. Certificado de registro de marca emitido em 28/11/2017. Processo nº: 910155232 Titular: JOSE ANDRE VERNECK MONTEIRO

JARDIM VITAL. Apresentação Geral do Empreendimento. 2019. Disponível em <www.jardimvital.net>. Acesso em 02 jun 2019.

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GONÇALVES. E. G. Se não fugir é planta. As revelações de um botânico sobre o fascinante mundo dos vegetais. São Paulo: Ed. Europa, 256p. 2015.

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