RESÍDUOS SÓLIDOS DOMÉSTICOS: DISCURSO DISSOCIADO DA PRÁTICA, UMA REALIDADE DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

DOMESTIC SOLID WASTE: DISSOCIATED SPEECH FROM PRACTICE, A REALITY IN THE MUNICIPALITY OF RIO DE JANEIRO

Valter Agustinho de Melo1, Maria Geralda de Miranda2, Patricia Maria Dusek3, Kátia Eliane Santos Avelar4

1Mestrando do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Local do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro, RJ. E-mail: valteragustinho@gmail.com.

2Pós doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Docente e Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Local do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro, RJ. E-mail: mgeraldamiranda@gmail.com.

3Pós doutora em Justiça Constitucional pela Università di Pisa. Coordenadora, Docente e Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Local do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro, RJ. E-mail: patricia.dusek@unisuam.edu.br.

4Doutora em Ciências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Local do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro, RJ. E-mail: katia.avelar@gmail.com.

RESUMO:

Este estudo analisa a incoerência entre o discurso e a prática quanto ao trato com os Resíduos Sólidos Domésticos. Trata-se de um estudo exploratório, realizado a partir da coleta e da análise de dados da literatura, referentes ao município do Rio de Janeiro. O estudo em questão trabalhou com a dinâmica de educação ambiental para propostas futuras de campanhas educativas.

Palavras-chave: Resíduos Sólidos Urbanos; Resíduos Sólidos Domésticos; Coleta Seletiva; Reciclagem; Educação Ambiental.

ABSTRACT:

This study analyzes the incoherence between the discourse and the practice regarding the treatment with the Domestic Solid Waste. This is an exploratory study based on the collection and analysis of literature data referring to the city of Rio de Janeiro. The study in question worked with the dynamics of environmental education for future proposals of educational campaigns.

Keywords: Urban Solid Waste; Domestic Solid Waste; Selective collect; Recycling; Environmental education.

1 INTRODUÇÃO

As questões ambientais há tempos fomentam grandes discussões, promovem encontros mundiais. Entretanto, efeitos ambientais adversos estão acontecendo em todo planeta com maior frequência e intensidade. Quase que diariamente, constam nos noticiários, em suas diversas formas de mídias, ações de degradação ambiental causadas pela ação do homem, reforçando assim, o apregoado conhecimento de que as práticas humanas em relação ao Meio Ambiente estão bem longe da real necessidade de atenção que o tema urge.

Neste contexto de incoerência, encontra-se a geração e o descarte dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), onde tanto o discurso de quem gera como de quem faz a gestão pública dos RSU, estão bem distantes de suas ações efetivas no tocante à preservação do Meio Ambiente, ou seja, promovem a fala e pouco procedem. Das mais simples às mais representativas de suas ações, desde a sua forma de consumo à reutilização dos resíduos gerados. E esta prática ocorre no mundo inteiro, sendo evidenciada por números, em dados coletados por diversas entidades e órgãos que acompanham e tratam as questões ambientais em todo o planeta.

Para compreender este paradoxo, é essencial uma reflexão sobre esta lacuna existente entre o conhecimento que se tem sobre o assunto e o proceder de seus os atores, e assim, propiciar sua redução ou até mesmo, a sua supressão.

Em um foco espelhado reduzido, este trabalho apresenta especificamente a situação da coleta de resíduos sólidos do município do Rio de Janeiro – RJ/Brasil.

2 METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório, com o objetivo de buscar a ampliação do entendimento da distância existente entre o discurso e prática dos geradores de resíduos sólidos domésticos, de modo a contribuir para a difusão de informações que possam alargar as questões das tratativas sobre o consumo e a sustentabilidade do meio ambiente (GIL, 1991). O delineamento utilizado foi a pesquisa bibliográfica, com o emprego de uma abordagem qualitativa e quantitativa para explanação dos tópicos e eventos relatados, que foram analisados de forma crítica e respaldados, em parte, por bases analisadas em variáveis e indicadores apropriados.

A seguir, serão apresentadas as definições conceituais, que auxiliarão em uma melhor compreensão deste trabalho.

3 BREVE DESCRIÇÃO SOBRE OS RESÍDUOS SÓLIDOS

De acordo com o manual de saneamento da Fundação Nacional Saúde (FUNASA, 2015), os resíduos sólidos são materiais heterogêneos (inertes, minerais e orgânicos) resultantes das atividades humanas e da natureza, os quais podem ser parcialmente reutilizados, ensejando, entre outros aspectos, proteção à saúde pública e economia de recursos naturais.

No manual da gestão integral dos resíduos sólidos, produzido pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM, 2001), resíduo sólido ou simplesmente "lixo" é todo material sólido ou semissólido indesejável e que necessita ser removido por ter sido considerado inútil por quem o descarta em qualquer recipiente destinado a este ato.

O manual também realça o aspecto relativo para o conceito de inservível do lixo, uma vez que aquilo que já não dispõe de qualquer utilidade para quem o descarta, para outro, pode se transformar em matéria-prima para um novo produto ou processo. Assim, a concepção da reutilização do lixo é um estímulo à análise do próprio entendimento clássico de resíduos sólidos.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2012), é importante destacar, as características do lixo podem variar em função de aspectos sociais, econômicos, culturais, geográficos e climáticos, ou seja, os mesmos fatores que também diferenciam as comunidades entre si e as próprias cidades.

Os resíduos sólidos podem ser classificados quanto à sua origem e à periculosidade, segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2010), conforme tabela 1, a seguir:

Tabela 1 - Classificação dos resíduos sólidos pela Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010





















Quanto à

ORIGEM

a

resíduos domiciliares: os originários de atividades domésticas em residências urbanas; 

b

resíduos de limpeza urbana: os originários da varrição, limpeza de logradouros e vias públicas e outros serviços de limpeza urbana; 

c

resíduos sólidos urbanos: os englobados nas alíneas “a” e “b”; 



d

resíduos de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços: os gerados nessas atividades, excetuados os referidos nas alíneas “b”, “e”, “g”, “h” e “j”; 

e

resíduos dos serviços públicos de saneamento básico: os gerados nessas atividades, excetuados os referidos na alínea “c”; 

f

resíduos industriais: os gerados nos processos produtivos e instalações industriais; 



g

resíduos de serviços de saúde: os gerados nos serviços de saúde, conforme definido em regulamento ou em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama (Sistema Nacional do meio Ambiente) e do SNVS (Sistema Nacional de Vigilância Sanitária); 



h

resíduos da construção civil: os gerados nas construções, reformas, reparos e demolições de obras de construção civil, incluídos os resultantes da preparação e escavação de terrenos para obras civis; 



i

resíduos agrossilvopastoris: os gerados nas atividades agropecuárias e silviculturais, incluídos os relacionados a insumos utilizados nessas atividades; 



j

resíduos de serviços de transportes: os originários de portos, aeroportos, terminais alfandegários, rodoviários e ferroviários e passagens de fronteira; 

k

resíduos de mineração: os gerados na atividade de pesquisa, extração ou beneficiamento de minérios; 





Quanto à

PERICULOSIDADE





a

resíduos perigosos: aqueles que, em razão de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade, apresentam significativo risco à saúde pública ou à qualidade ambiental, de acordo com lei, regulamento ou norma técnica; 

b

resíduos não perigosos: aqueles não enquadrados na alínea “a”. 

Fonte: Política Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2010)

3.1 Gestão dos resíduos sólidos - fases do desenvolvimento

Demajorovic (1996), aponta três fases no desenvolvimento da gestão dos resíduos sólidos nos países desenvolvidos. Na primeira fase, tendo prevalecido até o início da década de 1970, teve como foco apenas a disposição dos resíduos. Os grandes avanços neste período foram à eliminação da maioria dos depósitos a céu aberto na Europa Ocidental e o direcionamento do lixo para aterros sanitários e incineradores. Já a segunda fase, identificada ao longo das décadas de 1970 e 1980, constituiu-se pela priorização da recuperação e reciclagem dos materiais, através da determinação de novas interações entre consumidores finais, distribuidores e produtores, para assegurar, no mínimo, o reaproveitamento de parte dos resíduos. Na terceira fase, entendida a partir da década de 1980, a importância passou a ser na redução do volume de resíduos, em todas as etapas da cadeia produtiva.

Deste modo, primeiramente ao invés de se pensar no destino dos resíduos, pensa-se em como não o gerar; antes de pensar na reciclagem, pensa-se na reutilização dos materiais, o que necessita menos energia; e, apenas depois, antes de encaminhar os resíduos (rejeitos) ao aterro sanitário, busca-se recuperar a energia contida nos mesmos, através de incineradores, fazendo-os inertes e reduzindo seu volume (BRASIL, 2013).

De acordo com Castilhos Junior (2003), o gerenciamento de resíduos sólidos urbanos deve abranger fases estruturadas entre si, desde ações propondo a não geração de resíduos até a disposição final, compatíveis com os demais sistemas do saneamento ambiental, sendo imprescindível a participação do governo, iniciativa privada e sociedade civil organizada.

3.2 Resíduos sólidos na humanidade – breve histórico

A geração de resíduos está diretamente conjugada com o processo de civilização humana. Ao deixar de ser nômade, o homem passou a conviver com resíduos. Segundo Seadon (2006), nos primeiros aglomerados habitacionais os resíduos eram jogados nas ruas, contudo, foram encontrados registros de gestão de resíduos já no ano 2.000 a.C, no atual Paquistão.

Com o incremento populacional, e o advento de epidemias oriundas das condições insalubres, passou-se a direcionar os resíduos para fora dos destes aglomerados habitacionais, onde eram queimados. Apenas no final do século XVIII foram criados os incineradores de resíduos na Inglaterra (EIGENHEER, 2009).

Com a chegada da Revolução Industrial, exponenciou-se a geração de resíduos. Os padrões de consumo deixaram de ser restritos à sobrevivência passando a preponderar aspectos subjetivos, surgindo assim, a Sociedade de Consumo, que atualmente vive um dos seus maiores desafios que é o equacionamento de uma demasiada geração de resíduos sólidos frente à disposição final dos mesmos de forma ambientalmente correta (EIGENHEER, 2009).

Esta questão tornou-se prioritária numa alta graduação global, uma vez que o vertiginoso crescimento do descarte dos resíduos sólidos, decorrentes deste modelo consumista, não está sendo absorvido dentro do ciclo biológico da natureza, gerando poluição, perda econômica e aviltamento ambiental e social.

Assim, desde 1972, com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia (ONU, 1972), vários fóruns, encontros e comissões mundiais vêm debatendo e instituindo acordos mundiais e estabelecendo novas prioridades e práticas para a gestão sustentável dos resíduos sólidos.

3.3 Redução, reutilização e reciclagem de resíduos sólidos – Os “3Rs”

Foi no Fórum Global realizado no Rio de Janeiro/Brasil em 1992 ̶ conhecido como Eco 92 ou Rio 92 ̶ que se estabeleceu uma das mais conhecidas destas práticas e que se tornou basilar em todas as prerrogativas de sustentabilidade ambiental apregoadas pelo mundo. Trata-se do emprego de uma hierarquia em relação a atitude crítica quanto aos resíduos sólidos, denominada os “3Rs”, referentes à: Redução, Reutilização e Reciclagem (MANZINI; VEZZOLI, 2002). Consistindo em medidas para reduzir a produção de resíduos, através da diminuição do consumo, reutilizar um produto mais do que uma vez para o fim a que foi destinado ou para outro fim, e reciclar o resíduo descartado, para a produção de novos produtos.

Esse ordenamento é tão significativo que também consta na Lei nº 12.305 de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos no Brasil, conhecida como PNRS (BRASIL, 2010), que dita os instrumentos reguladores e direcionadores para as questões ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo dos resíduos sólidos, onde preconiza por princípio: a não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos mesmos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.

O emprego dos 3Rs não só passa pela sustentabilidade ambiental e social, como, através de modelos e sistemas integrados, possibilita tanto a redução dos resíduos gerados pela sociedade como a reutilização de materiais descartados e a reciclagem dos materiais que possam servir de matéria prima para novos produtos, diminuindo o desperdício e, inclusive, gerando renda.

3.4 RSU em alguns municípios pelo mundo

Ainda que o entendimento sobre a importância de se atuar em todo o processo da geração e tratamento dos resíduos sólidos seja crescente, os números captados em todo o mundo por governos, ONGs e entidades privadas e afins, apontam que todas as práticas referentes aos resíduos sólidos estão distantes da real necessidade que o tema exige, isto considerando-se desde municípios a nações inteiras. Nos EUA, por exemplo, segundo a Environmental Protection Agency (EPA, 2012), em 2011, foram geradas 250 milhões de toneladas de RSU, onde desse total, 34,7% foram reciclados, 11,7% foram aproveitados na transformação em energia, enquanto 53,6% foram descartados em aterros sanitários.

Na China, a quantidade de resíduos sólidos urbanos aumentou de 31,3 milhões de toneladas, em 1980, para 212 milhões, em 2006, dos quais 91,4% foram depositados em aterros, 6,4% foram incinerados e 2,2% foram compostados (GOULART et al., 2011).

Também conforme Goulart et al. (2011), na Índia, 90% dos RSU são depositados inadequadamente em lixões e aterros. E a sua geração atual de RSU tem uma taxa de crescimento anual de 4,25%, com expectativa de aumento para trezentos milhões de toneladas em 2047.

Na Europa, os RSU basicamente ainda têm como destino a incineração (38%) ou o depósito em aterros sanitários (22%) e, não conseguem ampliar de forma efetiva as boas práticas de reciclagem (25%) e compostagem (15%) (JACKSON; WATKINS, 2012).

No Brasil, segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, da ABRELPE, foram recolhidos no em 2016, cerca de 71,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos e, mais 7 milhões de toneladas não foram objeto de coleta. Dos resíduos sólidos coletados, 41,6% foram jogados em lixões ou aterros controlados, ou seja, locais que não possuem o conjunto de sistemas e medidas necessários para proteção do meio ambiente contra danos e degradações (ABRELPE, 2016).

Neste contexto, para possibilitar a delimitação adequada para o aprofundamento da formulação do juízo do problema, focou-se município do Rio de Janeiro, por se tratar de uma forma representativa acentuada da questão.

3.5 Análise dos RSU no município do Rio de Janeiro

A Cidade do Rio de Janeiro é a segunda maior cidade do Brasil, possui uma população de aproximadamente 6,7 milhões de habitantes, uma densidade demográfica de 5.265,82 hab/km², um PIB per capita de R$ 49.527,98 e um IDH 0,799 (IBGE, 2018). Ocupa uma área aproximada de 1.200 km² e é confrontante com os municípios de Nova Iguaçu, Itaguaí, Nilópolis, São João de Meriti, Mesquita e Duque de Caxias e banhada a leste pela Baía de Guanabara, a oeste pela Baía de Sepetiba e ao sul pelo Oceano Atlântico.

Segundo o PMGIRS - Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (2015), em 2014, foram coletadas 9.227 t/dia de resíduos sólidos, onde para uma população de 6.453.682 habitantes, resulta numa média de 1,43 kg/dia de resíduos sólidos gerados por pessoa.

A maior fração destes resíduos coletados (Figura 1) corresponde à quantidade de matéria orgânica presente no lixo (52,0%), e considerando-se os materiais potencialmente recicláveis, eles representam 41,7% do total. A última fração, que corresponde a 6,3% do total, é composta de restos de madeira, cerâmica, ossos, tecidos e folhas, entre outros resíduos.

Figura 1 - Composição do Lixo Domiciliar da Cidade do Rio de Janeiro.

Fonte: PMGIRS (2015): Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro.

Da totalidade de materiais potencialmente recicláveis presente no lixo domiciliar (Figura 2), o plástico nas suas diferentes formas (PVC, PET, polietileno, dentre outras), juntamente com papel/papelão respondem por quase 90% desses materiais.

Figura 2 - Composição da Fração Reciclável do Lixo Domiciliar da Cidade do Rio de Janeiro.

Fonte: PMGIRS (2015): Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro.

A limpeza urbana da Cidade é de responsabilidade da Companhia Municipal de Limpeza Urbana – COMLURB, que em seu processo atual utiliza cinco Estações de Transferência de Resíduos (ETRs) localizados nos bairros do Caju, Marechal Hermes, Bangu, Santa Cruz e Jacarepaguá, para a captação dos resíduos sólidos de toda a Cidade e de lá, seguem para destinação final em dois Centros de Tratamento de Resíduos (CTRs), um no bairro de Bangu (CTR-Gericinó) e outro no Município de Seropédica (CTR-Rio) (Figura 3).

Figura 3 - Estações de Tratamento de Resíduos (ETRs) e Centros de Tratamento de Resíduos (CTRs) da Cidade do Rio de Janeiro.

Fonte: PMGIRS (2015): Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Adaptado pelos autores.

De acordo com o sistema da COMURB (Figura 4), 93,2% dos resíduos sólidos gerados são enviados para Seropédica (CTR-Rio), e 6,3% de Resíduos da Construção Civil para o CTR-Gericinó, e o restante, apenas 0,5%, compreende o fluxo da Coleta Seletiva (Reciclagem).

Figura 4 - Fluxo de Destinação Final de Resíduos da Cidade do Rio de Janeiro

Fonte: PMGIRS (2015): Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro.

*Particulares - representam os Grandes Geradores (domicílios ou estabelecimentos que produzem mais do que 120 litros de resíduos por dia), que pela Lei Municipal 5.538/2012, têm a obrigação direta de trato e destinação de seus resíduos sólidos.

Desta forma, considerando-se a parcela supracitada dos materiais potencialmente recicláveis, que representam 41,7% do total dos resíduos sólidos domésticos coletados, no tocante a reciclagem, a Cidade do Rio de janeiro apresenta um percentual muito baixo, se comparada com outras cidades de características similares no mundo, onde, por exemplo, na Europa, se encontra a média de 35% de acordo com a EEA - European Enviroment Agency (2013).

4 DISCUSSÃO

Se existe o conhecimento, então por que os números referentes à reciclagem são poucos expressivos no Município do Rio de Janeiro?

A primeira consideração a ser empregada é a relação histórica com que a sociedade se posiciona com seus resíduos, traduzida em distanciamento, tabus, estigmas e preconceito. Uma relação subjetiva de receio, que se fundamenta em Eingenheer (2009, p.17), quando afirma:

As dificuldades para se tratar do tema decorrem provavelmente do fato de ele apontar para a finitude de nossas produções e de nossa própria vida, o ciclo natural de vida e morte. Afinal, o medo e a incerteza quanto ao desconhecido podem ter levado o ser humano, já em tempos imemoriais, a olhar os dejetos e o lixo com insegurança, como sinais de precariedade.

Uma outra a se considerar, ainda segundo Eingenheer (2009), é a de rejeição, pois de forma histórica a execução dessas atividades sempre foi sujeitada aos excluídos sociais (mendigos, prisioneiros, escravos, prostitutas etc.). Subsistindo assim até os dias atuais, este estigma subjetivo, onde os “socialmente inferiores” devem se incumbir desses serviços.

Contudo, ainda que o receio e a rejeição aos resíduos sejam intrínsecos a natureza humana, por outro lado, existe o entendimento e a aceitação dos resíduos por sua serventia (EINGENHEER, 2009), o que se tem fortemente intensificado em todo o mundo face às atuais questões ambientais.

Porém, o trato dado pela população do município do Rio de Janeiro aos seus resíduos sólidos domésticos está ainda distante das boas práticas empregadas neste tema pelas demais cidades similares em todo o mundo. Tal fato pode ser explicado pela concepção ingênua que faz parte do perfil dos moradores do Município, e do próprio país, que têm o meio ambiente como sinônimo de fauna e flora (CRESPO, 2003), o que reflete uma falta de pertencimento ao meio e, o não reconhecimento de que o ambiente é o reflexo dos atos e conceitos do ser humano. Um exemplo simples deste comportamento de falta de comprometimento da população com o seu ambiente é observado em destaque nas paisagens do Município pela grande quantidade de resíduos nas ruas e nos corpos hídricos.

Corrobora-se a este fato a acentuada retórica da globalização das questões ambientais que tem seu vínculo com o Planeta e permite, por uma evidente falta de informação, uma pueril concepção de um “distanciamento” entre o local em que propriamente se habita em relação ao Planeta, traduzida em “acontece lá (planeta), não aqui (onde se habita)”. Neste ponto, observa-se a evidente deficiência de atuação da gestão pública Municipal quanto a adoção de programas de educação e orientação mais diretos eficientes para a população sobre o tema.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que se tenha um entendimento global sobre a importância do tratamento dos resíduos sólidos por parte de seus geradores, no Município do Rio de Janeiro esta ação é insipiente por sua população. Isto deriva-se, no primeiro momento, a um paradigma histórico social de receio e rejeição ao próprio manuseio dos resíduos. E, no segundo e mais contundente momento, pelo grande individualismo e forte passividade da população quanto a prática de ações de melhoria socioambiental.

Ambas constatações são apresentadas num contexto global, contudo, no Município do Rio de Janeiro os números apurados revelam uma maior representação das mesmas, que de acordo com Guareschi (2008, p. 28), vem corroborar com a percepção humana estabelecida onde “Todos têm uma concepção de social e defende uma maneira de viver em grupo, que muitas vezes não é pensada e refletida. Muitas vezes, nesse aspecto, se diz uma coisa e faz outra”. Esta é a forma com que a população do Município do Rio de Janeiro entende e trata os seus resíduos sólidos domésticos. Práticas pessoais que repercutem na comunidade, que por sua vez, se projetam no governo.

E a ação do poder público municipal do Rio de Janeiro, por sua vez, carrega a responsabilidade por esta diminuta atuação da população sobre seus resíduos, pois tem restringido o tema aos aspectos técnicos do sistema de gestão, negligenciando a ação individual. Neste sentido, para que o Município alcance a mínima performance ambiental, urge que se promova um direcionamento efetivo de informação, baseado numa proposta educativa que será, por si só, um instrumento básico para priorizar as devidas práticas dos valores socioambientais.

Assim, a proposta basilar para se provocar uma aproximação do entendimento socioambiental por parte da população geradora dos resíduos sólidos domésticos com as ações propícias, está na proximidade da disponibilização das informações sobre o tema para esta população. Na proporção que as informações e os fatos forem fornecidos de forma mais próximas, diretas e fáceis, as práticas da população vão se adequando, permitindo assim um novo proceder e um novo patamar social.

REFERÊNCIAS

ABRELPE - Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, São Paulo, 2016.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Brasília, DF, 2010. Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/253/_publicacao/253_publicacao02022012041757.pdf. Acesso em: 12 fev. 2018.

BRASIL. Planos de Gestão de Resíduos Sólidos: Manual de Orientação. Brasília, DF, 2012. Disponível em: http://www.mma.gov.br/estruturas/182/_arquivos/manual_de_residuos_solidos3003_182.pdf. Acesso em: 12 fev. 2018.

CASTILHOS JUNIOR, A. B. (Coord.). Resíduos Sólidos Urbanos: aterro sustentável para municípios de pequeno porte. Rio de Janeiro: ABES/RiMa, 2003, 294p.

CRESPO, S. Uma visão sobre a evolução da consciência ambiental no Brasil nos anos 1990. In: TRIGUEIRO, André (coordenação). Meio Ambiente no Século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 59-73.

DEMAJOROVIC, J. A evolução dos modelos de gestão dos resíduos sólidos e seus instrumentos. In: Política ambiental e gestão dos recursos naturais. São Paulo: Cadernos Fundap, 1996.

EIGENHEER, E. M. A História do Lixo – A Limpeza Urbana Através dos Tempos. Porto Alegre: Pallotti, 2009.

EPA – U.S. Environmental Protection Agency. Characterization of municipal solid waste in the United States: 2012 Update. United States. U.S. Environmental Protection Agency, Municipal and Industrial Solid Waste Division. Office of Solid Waste, 2012.

EEA - EUROPEAN ENVIROMENT AGENCY. Management of Municipal Solid Waste. A Review of Achievements in 32 European Countries. 2013.

FUNASA – Fundação Nacional de Saúde. Manual de Saneamento. 4 Ed. rev. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2015. 408 p.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991.

GOULART, A. M. R. et al. Gerenciamento de Resíduos Sólidos Urbanos: um panorama das regiões da Ásia e África. VI Workshop de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro Paula Souza. 2011. Disponível em: http://www.portal.cps.sp.gov.br/pos-graduacao/workshop-de-pos-graduacao-e-pesquisa/anais/2011/t rabalhos/ambiente-seguranca-e-saude/gerenciamento-de-residuos-s olidos-urbanos-um-panorama-das-re.pdf. Acesso em: 20 mar. 2018.

GUARESCHI, P. A. Ética e paradigmas na psicologia social: Ética e paradigmas. In: Ploner, K. S.; Michels, L. R. F.; Schlindwein, L. M.; Guareschi, P. A. (orgs). Ética e paradigmas na psicologia social. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. p. 18-38.

IBAM - Instituto Brasileiro de Administração Municipal. Manual Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos. 2001.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades. 2018.

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Diagnóstico dos Resíduos. Relatório de Pesquisa. 2012.

JACKSON, C.; WATKINS, E. EU waste law: the challenge of better compliance. Directions in European Environmental Policy, n. 5, 2012. Disponível em: http://minisites.ieep.eu/assets/946/DEEP_Waste_law_and_better_compliance.pdf. Acesso em: 20 mar. 2018.

MANZINI, E.; VEZZOLI, C. O desenvolvimento de produtos sustentáveis: os requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo: EDUSP, 2002.

ONU. Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Tradução livre. Estocolmo, 1972.

PMGIRS - Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2015.

SEADON, J. K. Integrated waste management-looking beyond the solid waste horizon. Waste Management, 26: 1327-1336, 2006.