Sob essa pele que nos encobre, recobre e des-cobre.
Profª MSc. Cláudia Mariza Mattos Brandão[i]
Acad. Daniel Rodrigues Duarte Teixeira Correa[ii]
Quero ficar no teu corpo feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem
E também pra me perpetuar em tua escrava
Que você pega, esfrega, nega
Mas não lava
(Tatuagem, Chico Buarque de Holanda)
A matéria prima da arte é a
imaginação: ela não só reproduz a realidade que é sua base, mas dá forma a um
real autônomo. A expressão artística, como resultado da articulação dos códigos
específicos de cada linguagem, possui uma forma que está impregnada da visão de
mundo de quem a realiza. Ela expressa a cosmovisão de uma época e, como tal,
busca ser uma resposta para os questionamentos do seu tempo histórico. Como
criação, é uma transfiguração do real. A arte é a expressão máxima da relação
do homem com o meio, constituindo-se em seu primeiro canal de comunicação, na
busca de estabelecer vínculos com o grupo.
Tal qual uma tatuagem, perpetuando crenças, mitos e ritos, as pinturas realizadas nas cavernas há milhões de anos atrás, continuam informando...
Figura 1: Pintura rupestre
Parque Nacional da Capivara, Piauí.
Na Pré-História, a Arte respondia à necessidade do homem de comunicar-se, de representar - re-apresentar, expressar - suas idéias e angústias frente a um mundo que não conseguia decifrar em sua totalidade. As pinturas do homem pré-histórico tinham um caráter místico, como um ritual de magia através do qual pretendiam apropriar-se de seus inimigos, geralmente animais de grande porte, realizando assim, seus desejos de caçador.
Figura 2: Pintura rupestre
Parque Nacional da Capivara, Piauí.
Tal e qual uma pintura rupestre, que como uma segunda pele reveste, até hoje, os ambientes de subjetividade, impregnando-os da sensação de presença, o Grafitti é uma autêntica expressão da criatividade humana: - mais uma manifestação da capacidade que os seres humanos têm de inscreverem-se no mundo!
Das inscrições paleolíticas, passando pelos grafitti de Pamplona - testemunhas do pensamento de uma cultura soterrada pelas larvas do Vesúvio –, chegamos à metrópole contemporânea recoberta por uma capa que desvela a forma de ser de uma geração.
Quero pesar feito cruz nas tuas
costas
Que te retalha em postas
Mas
no fundo gostas
Quando a noite vem
Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva
Marcada a frio, a ferro e fogo
Em carne viva
(Tatuagem, Chico Buarque de Holanda)
Na década de 60 os jovens da cidade de New York começaram a pintar seus nomes nos vagões e estações do metro, como uma forma de registro de presença, continuando uma tradição iniciada a milhões de anos pelos primeiros pintores pré-históricos. O graffiti, considerado por muitos uma sub-cultura metropolitana, hoje se constitui num dos episódios mais revolucionários da arte contemporânea. Embora nem todos o considerem uma expressão artística, ele converteu-se num movimento que mobiliza legiões de jovens, representando, para a maioria, uma apaixonada forma de expressão e um estilo de vida através do qual adolescentes do mundo todo cruzam os limites da legalidade. Constitui-se numa expressão visual e simbólica, que pode ou não ter uma dimensão estética, porém sempre revela o pensamento da cultura urbana, e é um tema de grande pertinência para a análise da nossa sociedade.
Figura 3: Cláudia Brandão
Fotografia
Invadindo o espaço urbano e utilizando a cidade com suporte, o grafitti, marca espontânea e autêntica, trabalha com o efêmero: - o não retornável que ressurge através da repetição do ato. É uma prática baseada na rapidez, na imprecisão e na transgressão, e assim como a tatuagem, uma das expressões artísticas que caracterizam o que Omar Calabrese (1999) chama de cultura Neobarroca.
Desde os primórdios da civilização o homem busca inscrever-se no mundo, relacionar-se com ele e nele, e, principalmente, manifestar-se numa tentativa de sobrevivência identitária.
Quero brincar no teu corpo feito
bailarina
Que logo se alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem
E nos músculos exaustos do teu braço
Repousar frouxa, murcha, farta
Morta de cansaço
(Tatuagem, Chico Buarque de Holanda)
Figura 4: Daniel Correa
Fotografia digital
A tatuagem, que surgiu como marca ritualística, consagrou-se na contemporaneidade como marca diferenciadora. Como uma sobre-pele recobre o corpo utilizando-o como suporte para mensagem. Diferente do grafitti, que se esconde no anonimato da transgressão, a tatuagem é revelação... de idéias, sentimentos, crenças. Alguns críticos supõem que ela passou de cultura para cultura, em função dos grandes movimentos migratórios sobre o planeta. Na pré-história encontramos vestígios de povos que cobriam o corpo com desenhos, e diversas culturas usaram pinturas definitivas por religiosidade.
Hoje em dia, é difícil encontrar alguém que não tenha ao menos pensado em fazer uma tatuagem. A chamada "arte na pele" cada vez mais perde o estigma marginal que costumava caracterizá-la e está nos corpos de pessoas de várias idades e classes sociais. De uma simples marca tribal até gigantescos dragões, elas deixaram a clandestinidade para ganhar as ruas.
A pele é o revestimento das nossas verdades, captadora de nossas sensações. Através dela o corpo respira, transpira, deseja, arrepia, repele.
Nosso contato com o outro é de pele... o calor humano é da pele. As melhores sensações são na pele!
A pele – seja a do corpo ou a da cidade - nos identifica e subjetiva... nos apresenta e representa.
Múltiplos suportes, cores, formas e nomes dão as expressões artísticas o poder de individualizar manifestações de (e pela) vida, demarcando tempos e espaços... e contando a história das civilizações.
Figura 5: Daniel Correa
Fotografia digital
Corações de mãe
Arpões, sereias e serpentes
Que te rabiscam o corpo todo
Mas não sentes
(Tatuagem, Chico Buarque de Holanda)
Referências bibliográficas:
CALABRESE, Omar. A Idade Neobarroca. Rio de Janeiro: Edições 70, 1999.
OLIVEIRA, Ana Cláudia de e SANTAELLA, Lúcia (org.). Semiótica da Cultura, Arte e Arquitetura. São Paulo: EDUC, 1987.
OSTROWER, Fayga. Universos da Arte. 7ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1991.
PIRES, Beatriz Ferreira. O corpo como suporte da Arte. São Paulo: Ed. SENAC, 2005.
TOURAINE, Alan. Crítica da Modernidade. 6ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
[i]Mestre em Educação Ambiental, graduada em Artes Plásticas e Engenharia Civil, é coordenadora do PhotoGraphein: Núcleo de Pesquisa em Fotografia e Educação, Artes Visuais – Licenciatura, DLA, FURG. attos@vetorial.net
[ii] Acadêmico do 4° ano do curso Artes Visuais, integrante do PhotoGraphein, que desenvolve a pesquisa De Pele: mensagens corpóreas. daniduarte@vetorial.net