Revista Educação ambiental em Ação 33

Educação Ambiental e os conhecimentos sobre as serpentes no Centro de Apoio e Reintegração da Criança e do Adolescente (CARCA) do município de Ivinhema (MS)

Paula Danyelle Crispim Costa1, Lilian Giacomini Cruz2

1 Graduanda do Curso de Ciências Biológicas - Licenciatura, Universidade Estadual de Mato Grosso do sul, Unidade universitária de Ivinhema – paula_danyelle@hotmail.com

2Doutora em Educação para a Ciência. Docente do Curso de Ciências Biológicas – Licenciatura Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade universitária de Ivinhema – lilian.giacomini@uems.br

Resumo: Este estudo apresenta os resultados de uma pesquisa desenvolvida no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), que teve por objetivo trabalhar os conteúdos científicos relativos aos répteis como instrumentos de Educação Ambiental (EA), com os estudantes do Centro de Apoio e Reintegração da Criança e do Adolescente (CARCA) de Ivinhema/MS, visando à informação, ao conhecimento e à preservação de espécies. Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa, utilizando

inicialmente o questionário como instrumento de coleta de dados, para identificar as concepções prévias dos estudantes sobre as serpentes. Os resultados apontam que o medo predomina a interação com ofídios e que as concepções são embasadas por mitos do imaginário popular. Trabalhar a EA, aliada aos conhecimentos científicos, é necessário, pois a falta de conhecimento acerca deste grupo pode trazer consequências negativas, como o desequilíbrio da população, influência direta na cadeia alimentar e, uma possível extinção.

Palavras-chave: Ambiente. Ensino de Ciências. Répteis.



Abstract: This study presents the results of a research developed in the Institutional Program of Scientific Initiation Scholarships (PIBIC), of the Mato Grosso do Sul State University of (UEMS), whose objective was to discuss the scientific contents related to reptiles as instruments of Environmental Education, with the students of the Center for Support and Reintegration of Children and Adolescents (CARCA) of Ivinhema / MS, aiming at information, knowledge and species preservation. A qualitative research was developed using initially the questionnaire as an instrument of data collection, to identify the students' previous conceptions about snakes. The results indicate that fear predominates the interaction with snakes and that the conceptions are based on myths of the popular imaginary. Working with Environmental education, combined toscientific knowledge is necessary, since the lack of knowledge about this group can have negative consequences, such as the population decrease, direct influence on the food chain and a possible extinction.

Key-words: Environment. Sience teaching. Reptiles.

Introdução

As serpentes formam um dos grupos de répteis mais diversos atualmente no mundo, com mais de 3.100 espécies viventes conhecidas (UETZ, 2008). No Brasil, foram registradas mais de 370 espécies (BÉRNILS, 2010), entre elas famílias de importância médica, como a Elapidae e a Viperidae.

Presentes nos contos de fadas, na mitologia, na religião, no folclore, nas artes e na ciência, os répteis ocupam desde tempos remotos, diferentes papéis na cultura humana. Símbolo de transcendência, por ser tradicionalmente vista como criatura subterrânea, "mediadora" entre o mundo consciente e inconsciente, a cobra, por exemplo, abreviou o reinado de Cleópatra e corporificou o pecado no paraíso terrestre. Marca da astúcia, traição e maldade em muitas culturas, os répteis não conseguiram, através dos tempos, reunir um significativo número de defensores e, quem sabe, admiradores. A relação do homem com estes animais sempre foi marcada pelo medo e pelo desconhecimento, fato que, possivelmente, tem contribuído para a formação das concepções que acabam se transformando em obstáculos para o conhecimento. Admirá-los e respeitá-los, exige a tarefa de conhecê-los melhor, para muitos uma tarefa fora de questão (SCHROEDER, GIASSI & MENESTRINA, 2005). No entanto, a falta de conhecimento que uma sociedade apresenta sobre determinadas espécies pode impulsionar seu extermínio indiscriminado (POUGH, 2003; BARBOSA et al, 2007).

Em um estudo que buscou analisar as concepções alternativas de alunos do Ensino Fundamental sobre os répteis, Schroeder, Giassi & Menestrina (2005, p. 6), obtiveram um conjunto de informações sobre ideias, conceitos e preocupações relacionadas às serpentes, como por exemplo: "Os répteis não deveriam existir, são nojentos e perigosos"; "Meu pai falou que as cobras hipnotizam: eu mesma vi um sapo hipnotizado ser atacado por uma cobra"; "A cobra rasteira procura mulheres quando estão amamentando e, durante o sono, sugam o leite - a minha vó viu e disse que isso é verdade. Sugar leite na vaca também e muito comum"; "As cobras quando vão beber água deixam o veneno depositado numa folha"; "As cobras são traiçoeiras".

Schroeder, Giassi & Menestrina (2005) entendem que a experiência didática relatada no artigo, pôde tecer algumas considerações que são importantes no planejamento do professor de Ciências para o estudo dos seres vivos, sobretudo para o estudo dos répteis: grande parte das concepções alternativas tem sua gênese nas representações sobre os animais, que foram construídas através do tempo e são socialmente compartilhadas. Diversos fatores exercem influência nesta construção: os meios de comunicação, o folclore, a religião, a família, a ciência; seria interessante, pois, conhecer as diferentes compreensões que os alunos têm para o posterior planejamento das atividades, visando a uma ruptura com as concepções alternativas incorretas. (SCHROEDER, GIASSI & MENESTRINA, 2005, p. 10).

Para Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011), a escola formal é somente um dos espaços em que as explicações e as linguagens são construídas. O ser humano, sujeito de sua aprendizagem, nasce em ambiente mediado por outros seres humanos, pela natureza e por artefatos materiais e sociais, aprendendo, portanto, nas relações com esse ambiente, construindo tanto linguagens quanto explicações e conceitos, que variam ao longo de sua vida, como resultado dos tipos de relações e de sua constituição orgânica.

O ensino e aprendizagem das Ciências Naturais serão sempre balizados pelo fato de que os sujeitos já dispõem de conhecimentos prévios a respeito do objeto de ensino. “A base de tal assertiva é a constatação de que participam de um conjunto de relações sociais e naturais prévias a sua escolaridade e que permanecem presentes durante o tempo da atividade escolar” (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2011, p. 131).

Ainda segundo os autores, “nenhum aluno é uma folha de papel em branco em que são depositados conhecimentos sistematizados durante sua escolarização”. As explicações e os conceitos que formou e forma, em sua relação social mais ampla do que a escolaridade, interferem em sua aprendizagem de Ciências naturais. E ainda:

Os fenômenos e eventos com que se convive desde a tenra infância já se apresentam mediados não só por nomes, mas também por explicações do grupo social a que pertencem os sujeitos. Por que chove, por que se adoece, por que há estrelas no céu, por que as plantas precisam ser regadas ou podadas, por que é necessário alimentar os animais domésticos ou criados pelo homem, por que a tomada dá choque são questões que, de alguma forma, foram explicadas às crianças desde que elas começaram a fazer indagações (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2011, p. 131-132).

Assim, compreender esse universo simbólico no qual o estudante está inserido, qual sua cultura primeira, qual sua tradição cultural étnica e religiosa, a que meios de comunicação social tem acesso, a que grupos pertence, pode facilitar o aprendizado das Ciências Naturais. Permitir que sua visão de mundo possa aflorar não só na sala de aula, mas em outros ambientes de aprendizagem, como no estudo em questão, dando possibilidade de que perceba as diferenças estruturais, tanto de procedimentos como de conceitos, pode propiciar a transição e retroalimentação entre as diferentes formas de conhecimento de que os sujeitos dispõem (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2011).



O universo da pesquisa e os nossos objetivos

O município de Ivinhema/MS, onde foi desenvolvido o estudo, possui aproximadamente 22.341 habitantes (17.274 residem na área urbana e 5.067 em área rural) (IBGE, 2010). Com relação ao ambiente natural, pode-se afirmar que o município está localizado numa faixa de transição entre dois biomas: a Mata Atlântica e o Cerrado. A Mata Atlântica ocupa 16,67% do território do Mato Grosso do Sul e abrange total ou parcialmente 48 municípios, com população de 1.883.698 habitantes. Restam 18,87% de remanescentes, área equivalente a 1.123.429,65 hectares (11.234,30 km2). As formações vegetais de Mata Atlântica no Estado são representadas pelas florestas, estacional decidual e estacional semidecidual, áreas de savana e áreas de transição entre savana e floresta estacional, contando ainda com formações pioneiras nas margens do Rio Paraná (SOSMA, 2012).

Sabemos que, juntamente com a Mata Atlântica, o Cerrado, também presente no Estado, é um dos biomas brasileiros que mais sofreu alteração devido à ação do homem. De acordo com o Diagnóstico Territorial: Contextualização do Território da Cidadania Vale do Ivinhema, publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (BRASIL, [201?]), nos últimos 30 anos, o desenvolvimento da pecuária extensiva tem trazido impactos ambientais como a erosão, assoreamento dos cursos d’água, bem como ameaça a espécies animais e vegetais. Atualmente, apenas 20% da cobertura vegetal nativa permanecem inalteradas e menos de 2% estão protegidos em parques ou reservas.

Ainda, segundo o diagnóstico, no Território da Cidadania Vale do Ivinhema, a ameaça parte do avanço da monocultura da cana-de-açúcar. Nos últimos anos empresas do ramo sucroalcooleiro tem adquirido áreas para produção de sua matéria prima. Movimentos sociais, Organizações Não Governamentais (ONGs) e ambientalistas, desencadearam um debate sobre o tema, alertando para possíveis impactos ambientais, sociais e econômicos para a região.

A paisagem da região, que até meados da década de 1960 era pouco afetada está, desde então, devido à ação do homem, seja pela pecuária extensiva, seja pelo crescimento da agricultura mecanizada, passando por grandes modificações, que alteram os diversos habitats e, consequentemente, colocam espécies em risco extinção. Dentre as que correm este risco estão o tamanduá-bandeira, a anta, o lobo-guará (BRASIL, 2010).

Durante nossa trajetória acadêmica no município de Ivinhema/MS, tivemos contato direto com estudantes da Educação Básica e com o público em geral, tanto na realização do Estágio Supervisionado Obrigatório, quanto durante nossa participação como bolsista, nas atividades do Programa de Educação Tutorial (PET Verde Legal). Nestes momentos, nos deparamos com muitas questões culturais arraigadas em comportamentos ambientalmente inadequados para a sustentabilidade ambiental. Assim, preocupados com os dados anteriormente apresentados e com a realidade vivenciada, julgamos ser este um importante problema a ser investigado: a interação entre os seres humanos e as diferentes espécies de animais, e os conhecimentos científicos enquanto ferramentas de Educação Ambiental (EA), visando à preservação de espécies.

Segundo Martins e Molina (2008), no livro vermelho da Fauna Brasileira ameaçada de extinção, cinco (05) espécies estão criticamente em perigo (CR). São 30 espécies de serpentes ameaçadas de extinção. Estudos recentes apontam espécies ofídicas de importância médica que estão diminuindo drasticamente com ações humanas, desde a perseguição desenfreada ao desmatamento, causando a falta de hábitat.

A jararaca comum (Bothrops jararaca), com seu veneno, deu origem a medicamentos como os anti-hipertensivos captopril e EVASIN (sigla para Endogenous Vasopeptidase Inhibitor), este último patenteado recentemente por pesquisadores do Instituto Butantã, de São Paulo. Outro novo produto é o enpak (sigla para Endogenous Pain Killer), uma proteína com poder analgésico, obtida do veneno da cascavel (Crotalus terrificus) que, segundo Bellinghini (2004), o efeito pode vir a ser 600 vezes mais poderoso que o da morfina. Assim, a conservação das serpentes peçonhentas brasileiras preservará também o potencial farmacêutico e socioeconômico de seus venenos.

No caso deste estudo, investiga-se a relação com as serpentes, pois a falta de conhecimento acerca deste grupo pode trazer consequências negativas como o desequilíbrio da população, influência direta na cadeia alimentar e, posteriormente, uma possível extinção. Se há, ainda, uma falta de informação por parte da sociedade, gera-se uma relação negativa entre o meio social e o ambiental, contrapondo-se à ideia de preservação.

  1. Deste modo, o principal objetivo de nossa pesquisa de Iniciação Científica foi trabalhar os conteúdos científicos relativos aos répteis como instrumentos de Educação Ambiental visando à informação, ao conhecimento e à preservação de espécies. É importante destacarmos que não acreditamos em uma EA que se orienta predominantemente para a difusão de conhecimentos científicos e tecnologias ambientais tomados em sua forma ingênua, sem a devida problematização de seus contextos históricos de produção e dos interesses econômicos aos quais respondem, sendo, portanto, reafirmados como conhecimentos desinteressados, em si mesmos verdadeiros e eficazes para a crise ambiental (CARVALHO, 2008).

  2. Desta forma, não se trata, para uma EA crítica e transformadora, de negar o valor do conhecimento científico da natureza e de suas aplicações tecnológicas, mas de torná-los objeto de compreensão crítica:

  3. Os conhecimentos científicos seriam, nesse caso, uma das fontes de trabalho e pesquisa da EA. Ou seja, um entre outros saberes culturais que poderiam ser acionados e problematizados para a compreensão das relações socioambientais. A EA crítica seria, portanto, aquela capaz de transitar entre os múltiplos saberes: científicos, populares e tradicionais, alargando nossa visão do ambiente e captando os múltiplos sentidos que os grupos sociais atribuem a ele (CARVALHO, 2008, p. 125).

  4. No estudo ora apresentado, objetivamos identificar as concepções prévias dos estudantes sobre as serpentes, para que, a partir de suas análises, possamos traçar um plano de ação futuro, juntamente com o grupo, visando preencher as lacunas nos conceitos apresentados, na direção da construção de um conhecimento científico mais sólido e significativo, tão importante para a compreensão da importância da preservação das serpentes.

Metodologia

  1. A pesquisa em Educação (e em EA) é essencialmente qualitativa. Essencialmente porque é parte da essência da educação a necessidade de explorar, nos espaços ocultos das ações educativas cotidianas, uma realidade diversa, dinâmica, complexa e específica. Para ser compreendida, da forma mais abrangente possível, essa realidade não pode ser somente quantificável, é preciso buscar nesta atividade educativa significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (MINAYO, 2002).

Se, por um lado, a EA é educação, por outro ela tem especificidades. Nesse sentido, identificar os princípios teórico-metodológicos dos processos educativos ambientais ajuda-nos a pensar suas necessidades investigativas. Compartilhamos da ideia que a EA, para ser educação crítica e transformadora - que tem como objetivo a construção de uma sociedade sustentável do ponto de vista ambiental e social - tem que ser um processo coletivo, dinâmico, complexo e contínuo de conscientização e participação social que articule também a dimensão teórica e prática, além de ser um processo necessariamente interdisciplinar (TOZONI-REIS, 2005).

Como não seríamos apenas observadores do processo, mas sim, participantes ativos, optamos pela observação participante, que segundo Tozoni-Reis (2007, p.29), é a observação que conta com a participação do próprio pesquisador. “É, por exemplo, quando um professor, na investigação do fenômeno educativo, coleta dados sobre o processo de ensino de que ele participa como professor”.

O estudo foi realizado no Centro de Apoio e Reintegração da Criança e do Adolescente (CARCA), no município de Ivinhema (MS). A instituição atende crianças carentes do município, onde podem permanecer em tempo integral, sendo oferecidas refeições e atividades extracurriculares. Propõe uma abordagem inovadora que busca contribuir para o aprendizado de crianças e adolescentes, com o desenvolvimento de práticas sincronizadas com as necessidades sociais e de saúde, abordando os temas de forma lúdica e participativa.

  1. Com nossos objetivos e metodologia de pesquisa definidos, iniciamos as atividades com uma roda de conversa, ocorrendo um diálogo sobre as concepções dos estudantes em relação às serpentes e, sequencialmente, foi aplicado um questionário contendo duas (2) questões abertas. Responderam ao questionário vinte e oito (28) estudantes, com idade entre dez (10) e quatorze (14) anos.

  2. A partir dos dados coletados, para a continuidade do estudo num projeto futuro, será planejada uma sequência de atividades, a fim de desenvolver, com diferentes metodologias, o conteúdo referente aos Répteis, mais especificamente a Subordem Ophidia, quanto a informações como: biologia (esqueleto, pele, sentido, órgãos e dentição), comportamento (habitat, alimentação, locomoção e reprodução), identificação (espécies peçonhentas e não peçonhentas). Curiosidades e mitos serão expostos e discutidos.

  3. As práticas para mediação do conteúdo serão feitas da seguinte forma: aulas de campo (conhecer o hábitat), aulas de laboratório (amostras coletadas e identificadas pela UEMS – Unidade Universitária de Ivinhema, e amostras de serpentes criadas em cativeiro), jogos didáticos e construção de quadros conceituais.

  4. Resultados e discussão

Foram aplicados 28 questionários para crianças na faixa etária entre 10 e 14 anos, contendo apenas duas questões, que deveriam ser respondidas sobre os sentimentos e reações decorrentes do contato com uma serpente. A primeira questão solicitava que o participante escrevesse o que faria ao se deparar com um ofídio. Em seguida, que desenhasse a situação como imaginaria acontecer.

Os discursos foram mantidos na íntegra, para garantir a validade dos dados. Os participantes não foram identificados, a fim de manter o seu anonimato na apresentação.

De vinte e oito (28) questionários respondidos, quatro (4) apresentaram as seguintes respostas: “Eu pegaria com um pedaço de pau e jogaria no mato”, “chamaria os bombeiros”, “chamaria a polícia”, “colocaria ela dentro de uma garrafa pet”. Todas as outras respostas para a primeira questão envolviam medo e morte da serpente: “eu gritaria”, “mataria ela”, “chamaria alguém adulto para matar ela”, “sairia correndo”, “desmaiaria”.

Existem muitas famílias que vivem em zona rural no município de Ivinhema, e dezenove (19) dos vinte e oito (28) estudantes participantes, moram nessas residências mais distantes da cidade, havendo muitos casos de serpentes que aparecem em suas casas. Quando questionados sobre o que fazer, a resposta foi a mesma: “matar”.

A segunda questão, que pedia para os alunos desenharem, mostrou muita criatividade. Dos vinte e oito desenhos, dezesseis (16), afirmavam que, a serpente os engoliria, morderia ou mataria. Sete (7) mostravam que a forma eles matariam as serpentes. E cinco (5) mostravam que manteriam distância da serpente até que alguém viesse ajudá-los, ou até que ela fosse embora. Vejamos alguns destes desenhos (Figura 1):

  1. Figura 1: Representações dos estudantes participantes sobre sua interação com as serpentes.

Os acidentes ofídicos com humanos ocorrem quando as serpentes se sentem em perigo e executam o ataque como último recurso para se defender. O conhecimento do comportamento defensivo das serpentes e dos aspectos ecológicos relacionados às mesmas pode ser utilizado para prever a ocorrência de acidentes ofídicos de importância médica (SANTOS-FITA, COSTA-NETO, 2007).

O que gera a morte desacerbada das serpentes peçonhentas é a falta de informação, haja vista que a maioria das pessoas não sabe diferenciá-las e cria-se a ideia de que todas as serpentes possuem peçonha e para não possuir veneno precisa ser retirado. Admite-se que o declínio da diversidade é constituído pelo pouco conhecimento sobre prevenção de acidentes e sobre a biologia destes animais, e pelas informações passadas de geração a geração. Estas informações na grande maioria das vezes baseiam-se em mitos e tradições, não considerando o real comportamento do animal (FUNASA, 1998). Muitos conceitos sobre esses animais são formados a partir de lendas, mitos, inverdades, que estão presentes na sociedade e causam o extermínio da espécie, assim como foi visto nas respostas das crianças, por isso, há a urgente necessidade de discussão.

A partir das respostas obtidas nos questionários aplicados pretende-se elaborar uma sequência de aulas teóricas e práticas com as quais, dúvidas, mitos, lendas e estereótipos possam ser desconstruídos e novos conceitos construídos e reformulados, pensando na obstrução de pensamento exterminador, buscando, também, evitar acidentes ofídicos. Sobre isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) afirmam:

Dizer que o aluno é sujeito de sua aprendizagem significa afirmar que é dele o movimento de ressignificar o mundo, isto é, de construir explicações norteadas pelo conhecimento científico. Os alunos têm ideias acerca do seu corpo, dos fenômenos naturais e dos modos de realizar transformações no meio; são modelos com uma lógica interna, carregados de símbolos da sua cultura. Convidados a expor suas ideias para explicar determinado fenômeno e a confrontá-las com outras explicações, eles podem perceber os limites de seus modelos e a necessidade de novas informações; estarão em movimento de ressignificação. Mas esse processo não é espontâneo; é construído com a intervenção do professor. É o professor quem tem condições de orientar o caminhar do aluno, criando situações interessantes e significativas, fornecendo informações que permitam a reelaboração e a ampliação dos conhecimentos prévios, propondo articulações entre os conceitos construídos, para organizá-los em um corpo de conhecimentos sistematizados (BRASIL, 1997, p. 28).

O planeta vem sofrendo, diariamente, com as ações do ser humano, havendo a necessidade real de se trabalhar a respeito de atitudes e mostrar quão importante são as espécies de animais e vegetais para a existência e sobrevivência de nós mesmos. Dessa forma, os PCNs orientam que “ao professor cabe selecionar, organizar e problematizar conteúdos de modo a promover um avanço no desenvolvimento intelectual do aluno, na sua construção como ser social” (BRASIL, 1997, p. 28).

Sendo assim, o trabalho educacional é componente dessas medidas das mais essenciais, necessárias e de caráter emergencial, pois sabe-se que a maior parte dos desequilíbrios ecológicos está relacionada a condutas humanas inadequadas impulsionadas por apelos consumistas – frutos da sociedade capitalista – que geram desperdício, e ao uso descontrolado dos bens da natureza, a saber, os solos, as águas e as florestas (CARVALHO, 2006).

  1. Considerações Finais

  2. Com o desenvolvimento deste estudo foi possível perceber que ainda há uma grande resistência na interação do homem com os répteis, em especial as serpentes, pois a grande maioria das pessoas possui medo, quase sempre acompanhado de um déficit de informação, apresentando como argumentos, lendas e mitos do imaginário popular, que podem contribuir para o extermínio dos ofídios.

  3. Assim, entendemos que a EA, aliada aos conhecimentos científicos, pode contribuir para abrir o caminho da melhor convivência, transformando o senso comum, em saber elaborado/ científico, visando, além da melhor interação, a prevenção contra acidentes e a preservação de espécies.

  4. Desta forma, se faz importante que a EA esteja presente, tanto na educação formal, desde os anos iniciais do ensino fundamental, como nos espaços de educação informal, como é o caso do CARCA de Ivinhema/MS, sendo compreendida não apenas como um instrumento de mudança cultural ou comportamental, mas também como um instrumento de transformação social para se atingir a mudança ambiental.

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