EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA:

Os desafios das escolas indígenas



Wander de Jesus Barboza Duarte

DR. UAA-PY/UFPE (Ciências da Educação), Estância de Pós Doutorado UJAÉN-ES,

Historiador –UFPA, Químico – UFLA, Secretário de Cultura Juventude e Esportes do Município de Itupiranga Pará – Brasil. Professor mestrado FACIMAB (Ciências da Educação), Professor tutor Ead – Universidade Brasil/ FACIMAB.

wanderdu@bol.com.br.

(94)991343518

RESUMO

A proposta curricular de uma escola indígena deve atender todas as especificidades que a legislação recomenda para esta modalidade de ensino. A Secretaria de Educação do Estado do Amazõnas (SEDUC-AM) tenta gradativamente incentivar a construção do Projeto Político Pedagógico para as escolas indígenas da rede dentro dos critérios recomendados pelo Referencial Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), porém os desafios são muitos. A atual proposta de Educação Escolar Indígena apresentada pela Secretaria de Educação do Estado do Amazonas (SEDUC-AM) visa atender plenamente às especificidades do que foi proposto pelo Governo Federal no que se refere à Educação Escolar Indígena. Com efeito, a escola em questão nos últimos anos vem apresentando um baixo índice de proficiência escolar dos seus alunos do Ensino Médio. Percebe-se a existência de uma fissura entre o que se ensina e o que se é avaliado, levando em consideração a peculiaridade da educação escolar indígena. Nesse contexto, o problema dessa pesquisa está fundamentado na atual ação da Macrogestão escolar representado pela Gerência de Educação Escolar Indígena (GEEI-SEDUC-AM) e da microgestão da unidade escolar que reflete a deficiência e a ineficácia dessas avaliações nas escolas indígenas, e sua relação com a política educacional indígena voltada para a escola indígena na Amazônia. Faz-se necessária a busca de um apoio técnico e administrativo para a efetivação de uma proposta curricular que represente, de fato, a realidade da Escola Indígena e reconheça a diversidade etnocultural e linguística do contexto indígena local onde a escola está instalada, e qual os direcionamentos na política estatal para contemplar as especificidades desta escola indígena. Uma proposta adequada e viável pode servir de base para as demais escolas indígenas do Amazonas.

Palavras-chave: Educação Indígena. Amazônia. Proposta curricular

ABSTRACT

The curricular proposal of an indigenous school must meet all the specificities that the legislation recommends for this modality of education. The State Secretariat of Education of Amazonas (SEDUC-AM) is gradually trying to encourage the construction of the Pedagogical Political Project for the indigenous schools of the network within the criteria recommended by the National Reference for Indigenous Schools (RCNEI), but there are many challenges. The current proposal of Indigenous School Education presented by the State of Amazonas Education Secretariat (SEDUC-AM) aims to fully meet the specificities of what was proposed by the Federal Government with regard to Indigenous School Education. Indeed, the school in question in recent years has been showing a low level of school proficiency among its high school students. The existence of a gap between what is taught and what is evaluated is perceived, taking into account the peculiarity of indigenous school education. In this context, the problem of this research is based on the current action of the school Macrogestión represented by the Management of Indigenous School Education (GEEI-SEDUC-AM) and micromanagement of the school unit that reflects the deficiency and inefficacy of these evaluations in indigenous schools, and its relation to the indigenous educational policy focused on the indigenous school in the Amazon. It is necessary to seek technical and administrative support for the implementation of a curricular proposal that represents, in fact, the reality of the Indigenous School and recognizes the ethnocultural and linguistic diversity of the local indigenous context where the school is located, and which directives in the state policy to contemplate the specificities of this indigenous school. An adequate and feasible proposal can serve as a basis for other indigenous schools in the Amazon.

Keywords: Indigenous Education. Amazon. Curricular proposal



1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, os povos indígenas ganharam maior notoriedade no contexto educacional brasileiro. De muito que foi reivindicado, foi na educação que as mudanças foram mais expressivas. Ao acompanhar a trajetória da escola indígena, percebemos que essa modalidade de ensino tem seu respaldo inicial na Constituição Federal de 1988 e nos principais documentos oficiais posteriormente elaborados, tais como: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394 de 1996, o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (1998), as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígenas, o Plano Nacional de Educação (2010), os Referenciais para Formação de Professores Indígenas, entre outros. Com efeito, a educação indígena tem uma legislação peculiar e ampla.

Podemos descrever a educação escolar indígena a partir de dois pontos distintos: antes e após a Constituição Federal de 1988. A legislação, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, favoreceu as especificidades próprias da escola indígena levando a sociedade ao conhecimento de todo o contexto que envolve a educação escolar indígena.

Apesar de existir um aparato legislativo que garante o funcionamento da escola indígena dentro de seus moldes específicos - bilinguismo, calendário próprio, currículo intercultural, gestão compartilhada e Projeto Político Pedagógico específico -, ainda assim, podemos encontrar escolas no Amazonas que apresentam dificuldades em seguir o que determina a legislação e funcionam precariamente em área indígena e acabam por seguir uma proposta curricular de uma escola tradicional. O resultado desse embate e do reflexo da atual política de Educação Escolar Indígena do Amazonas é o que veremos nesta pesquisa.

Como a educação é um processo histórico em construção e mudança contínua, percebemos que, no Amazonas, cada povo indígena construiu sua educação de forma diferenciada. Pela sua extensão territorial, encontramos no estado mais de 30 povos indígenas, com cerca de 29 línguas diferentes, instalados em pontos distintos e cada povo com sua história e identidade próprias.

Enquanto encontramos no Alto Rio Negro povos indígenas que falam, lêem e escrevem fluentemente a Língua Portuguesa, como o povo Tucano, por exemplo, encontramos, também, por outro lado, na região do Alto Solimões, o povo Ticuna que tem o português como segunda língua.

De acordo com o Censo Demográfico de 2000, o estado do Amazonas possui 2.817.252 habitantes, dentre os quais 113.391 (4,0%) são pessoas que se auto declararam indígenas, o que representa aproximadamente 3,18% de sua população. A Secretaria de Educação do Amazonas contabiliza 48 povos indígenas nos 62 municípios do estado.

Os dados do Censo Escolar de 2005 informam que a maior quantidade de escolas indígenas em funcionamento é na região Norte, com 52,53% do total dos alunos indígenas do Brasil. Nesse cenário, o estado do Amazonas se destaca dos demais por possuir 49.139 estudantes, o que equivale a 30,02% dos alunos indígenas brasileiros. Nesse contexto, percebe-se o grande desafio do governo do estado na manutenção e condução da educação escolar indígena, principalmente no Alto Solimões que registra a presença de 36.377 ticunas conforme dados da Funasa de 2009.

A partir da publicação do Decreto nº. 6.861/2009, que dispõe sobre a Educação Escolar Indígena, o Ministério da Educação e Cultura organizou a distribuição dos povos indígenas do Brasil em territórios etnoeducacionais. O Estado do Amazonas se dividiu em sete Territórios Etnoeducacionais (TEEs) – Baixo Amazonas, Rio Negro, Médio Solimões, Alto Solimões, Vale do Javari, Juruá/Purus, Yanomami e Ye`kuana,

Assim, pela quantidade de povos indígenas que habitam o estado do Amazonas, vemos a necessidade de uma política voltada para a educação escolar indígena em acordo com a legislação. Portanto, tal política deve se mostrar capaz de atender às particularidades apresentadas pelos povos indígenas do estado e que podem ter reflexo na gestão das escolas. Lembramos, aqui, que alguns problemas apresentados também podem ser encontrados na escola não-indígena, mas o foco maior está direcionado para aqueles próprios da escola indígena e de toda a legislação que regula o funcionamento dessa modalidade de ensino no Amazonas.

Nesse cenário, o processo investigativo visa apontar incongruências entre os preceitos legais que regem e amparam a escola indígena e a atual gestão da escola indígenas na Amazônia, a fim de visualizar o seu desempenho no serviço prestado à comunidade no ato de ensinar.

A relevância deste trabalho se dá na necessidade de discutir e analisar a educação indígena em sua prática, procurando observar os desafios que se apresentam em sua gestão, tanto no âmbito da escola com todas as ações e limites da gestão da unidade escolar, como o apoio técnico pedagógico e administrativo da Secretaria Estadual de Educação do Amazonas. Além disso, este trabalho também fomenta discussões em torno da proposta curricular que melhor atenda ao que determina a legislação para o funcionamento da escola indígena.

2 OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: Uma escola diferenciada no contexto nacional

A educação é entendida como processo de criação, inovação e apropriação da cultura, historicamente produzida pelo homem. Dessa forma, a escola torna-se espaço privilegiado de produção e de transformação do saber sistematizado.

O acesso à educação é positivado na nossa Carta Magna, e a troca de saberes é a condição de sobrevivência para o convívio em sociedade, inclusive dos povos indígenas.

Segundo Aranha (2003),

a partir das relações que estabelecem entre si, os homens criam padrões de comportamento, instituições e saberes, cujo aperfeiçoamento é feito pelas gerações sucessivas, o que lhes permite assimilar e modificar os modelos valorizados em uma determinada cultura. É a educação, portanto, que mantém viva a memória de um povo e dá condições para a sua sobrevivência. Por isso dizemos que a educação é uma instância mediadora que torna possível a reciprocidade entre indivíduos e sociedade (ARANHA, 2003, p.15).

A construção da autonomia da escola indígena ainda está se consolidando. O reconhecimento dos sistemas de ensino municipal, estadual e federal está gradativamente se incorporando os anseios dos povos indígenas pela efetivação de uma escola indígena específica e de qualidade que, ao mesmo tempo, valoriza os saberes científicos modernos e reconhecem os saberes tradicionais como marca das suas identidades.

Anteriormente à criação da escola no Brasil, os povos indígenas vêm elaborando, ao longo de sua história, complexos sistemas de pensamento e modos próprios de produzir, armazenar, expressar, transmitir, avaliar e reelaborar seus conhecimentos e suas concepções sobre o mundo, o homem e o sobrenatural (FREIRE, 2002). O resultado são valores, concepções e conhecimentos científicos e filosóficos próprios dos povos indígenas, elaborados em condições únicas e formulados a partir de pesquisa e reflexões originais. Observar, experimentar, estabelecer relações de causalidade, formular princípios e definir métodos adequados são alguns dos mecanismos que possibilitaram a esses povos a produção de ricos acervos de informação e reflexões sobre a natureza, sobre a vida social e sobre os mistérios da existência humana.

Os indígenas desenvolveram uma atitude de investigação científica, procurando estabelecer um ordenamento do mundo natural que serve para classificar os diversos elementos. Esse fundamento implica necessariamente pensar a escola a partir das concepções indígenas do mundo e do homem e das formas de organização social, política, cultural, econômica e religiosa desses povos.

O direito à educação escolar indígena está garantido pela Constituição Federal de 1988, nos seguintes artigos:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96 (LDBEN) confirma os princípios constitucionais da nossa Carta Magna. O artigo 32 da LDB, parágrafo 3º, confirma o teor do Artigo 210 da nossa Constituição Federal e permite que o ensino oferecido às comunidades indígenas seja na suas línguas maternas. Então, estabelece a norma infraconstitucional

§ 3º O Ensino Fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.

No campo da responsabilização pela Educação Escolar Indígena, a LDB, nos seus artigos 78 e 79, estabelece que a União, em colaboração com estados e municípios, garanta a oferta de educação escolar bilíngue e intercultural (LDBEN 9394/96). Assim, temos a participação direta dos povos indígenas, com apoio técnico e financeiro da União, na condução do seu processo de ensino. A LDBEN 9394/96 estabelece, então, que

Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilingue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:

I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;

II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.

Art. 79. A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa.

§ 1º Os programas serão planejados com audiência das comunidades indígenas.

§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos Nacionais de Educação, terão os seguintes objetivos:

I - fortalecer as práticas sócio-culturais e a língua materna de cada comunidade indígena;

II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas;

III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;

IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado.

§ 3º No que se refere à educação superior, sem prejuízo de outras ações, o atendimento aos povos indígenas efetivar-se-á, nas universidades públicas e privadas, mediante a oferta de ensino e de assistência estudantil, assim como de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas especiais.

Outros dispositivos da LDBEN 9394\96 ainda recomendam que cada escola, inclusive a indígena, possa fazer a construção do seu próprio Projeto Político Pedagógico (PPP) e incluir as suas particularidades e especificidades presentes em cada etnia. Neste contexto, aduz a Lei

Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.

§ 1º A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando se tratar de transferências entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como base as normas curriculares gerais.

§ 2º O calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previsto nesta Lei (LDBEN 9394/96).

É importante destacar que a Convenção Nº 107, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), fez com que o Brasil, por meio de seu presidente, apresentasse um posicionamento sobre a responsabilidade da educação escolar indígena no Brasil, e isso aconteceu através do decreto Nº 26 de 04 de fevereiro de 1991. Assim, este decreto aduz que à União cabe coordenar a educação indígena à medida que as ações desenvolvidas serão de responsabilidade dos estados e municípios, em consonância com a Secretaria Nacional de Educação do Governo Federal (LADEIRA, 2004). Para atender todos esses dispositivos legislativos de promover a formação de profissionais para atuarem na educação intercultural e desenvolver esses processos próprios de aprendizagem com o ensino bilíngue, de acordo com os povos envolvidos, destaca-se como um requisito importante para esse processo o respeito ao Estatuto do Índio.

Nesse sentido, a Lei nº. 6.001, de 19 de dezembro de 1973, regula este Estatuto, estabelecendo nos seus artigos 6º, 7º e 8º,

Art. 6º A formação dos professores das escolas indígena será específica, orientar-se-á pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e será desenvolvida no âmbito das instituições formadoras de professores.

Parágrafo único. Será garantida aos professores indígenas a sua formação em serviço e,quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização.

Art. 7º Os cursos de formação de professores indígenas darão ênfase à constituição de competências referenciadas em conhecimentos, valores, habilidades, e atitudes, na elaboração, no desenvolvimento e na avaliação de currículos e programas próprios, na produção de material didático e na utilização de metodologias adequadas de ensino e pesquisa.

Art. 8º A atividade docente na escola indígena será exercida prioritariamente por professores indígenas oriundos da respectiva etnia (BRASIL, 1973).

Neste arcabouço legislativo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394 de 1996, no seu titulo VI, Art. 61, referente aos profissionais da Educação, corrobora o posto pela Carta Magna. Dessa forma, consta no teor na lei infraconstitucional:

Art. 61.  Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:

I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio;

II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; (BRASIL, 2001).

A Resolução CNE/CEB Nº 003, de 10 de novembro de 1999, em seus artigos 6º e 7º das Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas corroboram com a educação indígena garantindo a formação do professor indígena em serviço. Por fim, a Lei 10.172, de 09 de janeiro de 2001 que aprova o Plano Nacional de Educação, estabelece no item 9.2 as diretrizes para a educação escolar indígena:

A educação bilíngue, adequada às peculiaridades culturais dos diferentes grupos, é melhor atendida através de professores índios. É preciso reconhecer que a formação inicial e continuada dos próprios índios, enquanto professores de suas comunidades devem ocorrer em serviço e concomitantemente à sua própria escolarização. A formação que se contempla deve capacitar os professores para elaboração de currículos de programas específicos para as escolas indígenas; o ensino bilíngue, no que se refere a metodologia e ensino de segundas línguas e ao estabelecimento e uso de um sistema ortográfico das línguas maternas; a condução de pesquisa de caráter antropológico visando à sistematização e incorporação dos conhecimentos e saberes tradicionais das sociedades indígenas e à elaboração de materiais didático-pedagógicos (BRASIL,2001).

Um novo Plano Nacional de Educação (Lei 8.035) já está em fase de implantação no Brasil para o decênio 2011-2020 e no seu Art. 7º no que se refere às metas a serem alcançadas para a modalidade educação escolar indígena, temos no seu § 3º:

A educação escolar indígena deverá ser implementada por meio de regime de colaboração específico que considere os territórios étnico-educacionais e de estratégias que levem em conta as especificidades socioculturais e linguísticas de cada comunidade, promovendo a consulta prévia e informada a essas comunidades (BRASIL, 2011).

Dessa forma, o teor do PNE 2011-2020 corrobora o que está recomendado no RCNEI na participação e responsabilização de estados e municípios na condução e manutenção da educação escolar indígena e afirma ainda que toda política nesta área seja previamente debatida com as comunidades indígenas interessadas(RCNEI, 1998). Diante do aparato legislativo que envolve a Educação Escolar Indígena, os povos indígenas se apropriam da instituição escola a fim de construir valores, identidade e funções pedagógicas peculiares e diferenciadas que garantam a esses povos as formas próprias de organização social, os valores simbólicos, as tradições, o uso da língua materna, os conhecimentos e os processos de construção de saberes e a transmissão cultural às novas gerações.

Ainda no que se refere à questão linguística, a Constituição do Estado do Amazonas no seu Art. 199, alínea i, ainda estabelece,

O Sistema Estadual de Educação, integrado por Órgãos e estabelecimentos de ensino estaduais e municipais e por escolas particulares, observará, além dos princípios e garantias previstos na Constituição da República, os seguintes preceitos:(..) i) a língua portuguesa será o veículo de ensino nas escolas de educação fundamental, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem (...) (AMAZONAS, 1989).

Com efeito, o direito à educação escolar indígena veio se firmar com a Constituição Federal de 1988, com a intenção de não anular os conhecimentos e as práticas socioculturais dos povos indígenas. Este direito à educação escolar própria, diferenciada e intercultural foi o resultado de longas reivindicações e conquistas dos movimentos indígenas em direção à democratização da educação no país como a Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngues (OGPTB).

Considera-se movimentos indígenas aqueles que nasceram entre os povos indígenas, que se organizaram e registraram suas organizações, a fim de garantir a legitimidade de suas conquistas. Entre os movimentos indígenas de maior atuação no campo da educação no Alto-Solimões - AM, temos a OGPTB (Organização Geral dos Professores Ticunas Bilingues). De acordo com Luciano (2006, p.56) "movimento indígena, segundo uma definição mais comum entre as lideranças indígenas, é o conjunto de estratégias e ações que as comunidades e as organizações indígenas desenvolvem em defesa de seus direitos e interesses coletivos".

Esses dispositivos legais servem também para apontar a responsabilidade do setor público na condução e financiamento dessa modalidade de educação diferenciada. Conforme já mencionado, o Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução nº 3, de 10/11/99, atribui à União construir e fixar as diretrizes da política de educação escolar indígena, ficando os estados e os municípios incumbidos de ofertá-la.

Diante desse contexto, algumas Instituições de Ensino Superior, na tentativa de mudar o quadro da Educação Indígena, oferecem programas de “cotas” para o ingresso do indígena na educação superior, principalmente em cursos de licenciatura, como ação afirmativa na educação.

Com efeito, diante da falta de profissionais indígenas qualificados para atuarem nas escolas estaduais indígenas o MEC criou o Programa de Licenciatura Indígena – PROLIND – com a finalidade de fomentar cursos de Graduação específicos para formação de professores indígenas, por meio de iniciativas de várias universidades tais como: Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Estadual de Maringá (UEM), Universidade Estadual do Norte Paraná (UENP), Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Estadual do Mato Grosso (UNEMAT) e a Universidade Federal de Roraima (UFRR).

Portanto, o aluno indígena tem sido admitido nos vários cursos destas instituições, sendo na maioria nos cursos de licenciaturas que também atende as especificidades de um ensino escolar indígena. O curso específico para a formação de professores indígenas está sendo pensado pelas Universidades conveniadas com o PROLIND com uma grade curricular que contemple os conteúdos sobre história dos povos indígenas, cultura e língua das etnias existentes, ou seja, uma Universidade pensada também pelos caciques e lideranças e que atenda os interesses dos povos indígenas envolvidos (LUCIANO, 2006).

2.1 Os Caminhos da Educação Escolar Indígena no Amazonas

Dados do Censo Escolar 2006 (INEP/MEC) revelaram que houve um aumento de 48,7 % na oferta de educação escolar indígena nos últimos quatro anos. No ano de 2002, tínhamos 117.171 alunos frequentando escolas indígenas em 24 unidades da federação. Hoje este número chega a 174.255 estudantes em cursos que vão da educação infantil ao Ensino Médio, conforme Gráfico ilustrativo a seguir.

















Gráfico 01- Número de Estudantes Indígenas Matriculados no Brasil 2002 – 2006

Fonte: INEP/MEC (2006)

Em recente levantamento, o INEP/MEC (2012) revelou que na Região Norte do país está a maior concentração de escolas indígenas com 62,7% de escolas indígenas instaladas, ficando o Nordeste em segundo lugar com 21,1%, e isso mostra a crescente demanda de estudantes indígenas no Norte do país.

Nesse cenário, fica fácil concluir que a maioria dos programas educacionais apresentados aos povos indígenas tem maior concentração na Região Norte. Para fins de logística e implementação de ações afirmativas para os povos indígenas, o Governo Federal, através da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), criou programas para a formação de professores indígenas. Embora em oferta crescente, o número de professores índios ainda é reduzido. De modo geral, parece não haver uma formação adequada para os professores em atuação nas escolas indígenas, sejam eles índios ou não-índios, que possibilite aos mesmos a aquisição de conhecimentos para o exercício do magistério, dentro de uma proposta escolar que tenha por princípios a especificidade, a diferença, a inter-culturalidade e o bilinguismo. Poucas são as escolas reconhecidas como indígenas: em sua maioria são consideradas como escolas rurais ou classes de extensões dessas (MEC-SECADI, 2002).

















Gráfico 2 - Porcentagem de escolas indígenas instaladas no Brasil por região

Fonte: MEC/INEP (Censo Escolar 2012)

A população indígena no Estado do Amazonas está estimada em 120 mil índios, conforme dados do IBGE do ano de 2010, não incluindo aqui os índios que moram nos centros urbanos dos municípios e os isolados, distribuídos em 72 povos, falando cerca de 29 línguas, habitando 178 terras indígenas com mais de 45.700.000 hectares de terras, que abrangem os territórios de 48 municípios. Isso implica em um maior número de escolas e professores indígenas para atender a demanda (MEC- INEP, 2012).

Segundo dados da Secretaria de Educação e Qualidade de Ensino do Amazonas SEDUC-AM são características do quadro educacional indígena no estado do Amazonas:

Grande concentração de população escolar indígena com aproximadamente 22.678(vinte e dois mil, seiscentos e oitenta) escolas fixadas nas aldeias; Inúmeras comunidades indígenas que reivindicam implantação de escolas em suas aldeias; Existência de multibilinguísmo e pluralidade de culturas; Diferentes situações de contato; Dificuldade de acesso às comunidades devido a dispersão, localização e dimensão geográfica do Estado (mais de 1,5 milhões de Km²); Multiplicidade de instituições prestando assistência educacional às populações indígenas; Prática de uma política desenvolvimentista na Amazônia com a implantação de projetos econômicos em territórios indígenas, interferindo essencialmente no processo educacional (BRASIL, 2014, p.10).

É considerado o número de povos indígenas existentes no Amazonas, conforme quadro 01, a seguir, o que leva ao entendimento da existência de uma complexa diversidade cultural. Cada povo com sua história e particularidade cultural.

Quadro 1- Povos Indígenas do Amazonas

Fonte: Serviço de informação Indígina – SEII, 1999; Banco de Dados do Programa Povos Indíginas do Brasil – Instituto Socioambiental, dezembro/2000; Mapa-livro, FOIRN-ISA/Povos Indíginas do alto e médio rio Negro/2000

No quadro 01 apresentado, percebemos a grande diversidade étnica existente no Amazonas, que tem como consequência uma ampla diversidade linguística e cultural desses povos. Por questão de organização territorial, o MEC dividiu esses povos por etnoterritórios. Dependendo do etnoterritório a que pertence, cada povo desenvolveu um contato diferente com o branco e adotou um processo linguístico próprio. Enquanto encontramos povos indígenas que falam fluentemente a língua portuguesa, outros, porém, têm a língua portuguesa como segunda língua.

O Estado do Amazonas concentra, gradativamente, o maior número de escolas indígenas no país com 370 escolas, isto é 26,6% do quantitativo. Delimitando à realidade do Estado do Amazonas, podemos visualizar os seguintes dados, conforme informações do censo escolar MEC/INEP - 2012:

Quadro 2: Número de Escolas indígenas e Alunos matriculados no Amazonas – 2012

Localidade

Quantidade de escolas Indígenas

Alunos Indígenas matriculados

Alunos Indígenas matriculados/quantidade de escolas

Brasil

1392

90.459

64.98 alunos/escola

Região Norte

786

46.745

59.47 alunos/escola

Amazonas

370

26.004

70.28 alunos/escola



Fonte: Secretaria de Educação do Estado do Amazonas, 2012

Conforme dados do quadro 2, podemos perceber que 26% das escolas indígenas em funcionamento no Brasil estão localizadas no estado do Amazonas. Assim, faz-se necessária a atenção do Governo do Amazonas na manutenção e condução da Educação Escolar indígena. O Ministério Público Federal no Amazonas, com base na Resolução nº 3 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, afirma que é de responsabilidade do Governo do Estado do Amazonas a coordenação da Educação Escolar Indígena. Isso é confirmado através de um Termo de Ajustamento de Conduta, de maio de 2003, no qual há o comprometimento da implementação das metas referentes à educação indígena inscritas no Plano Nacional de Educação.

Nesse contexto político educacional, o estado do Amazonas sancionou, em 2008, a Lei Nº 3268, a qual trata do Plano Estadual de Educação do Amazonas que tem duração temporal de dez anos. De acordo com o texto positivado, o Projeto Pirayawara é a base do Programa de Formação dos Professores Indígenas habilitados para atuarem na Educação Infantil. Neste sentido, parece-nos que o programa em questão é a única ação do Governo do estado no que se refere à educação escolar indígena em nível médio, a política educacional indígena do Amazonas está atrelada à eficiência deste programa.

O estado vem desenvolvendo as suas ações de forma ampla e gradativa na área educacional indígena. Neste sentido, é interessante destacar que a questão da educação indígena é preconizada na Constituição Federal de 1988 e corroborada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9394 de 1996.

Tomando como referência os dispositivos legais que qualificam a criação da categoria “Escola Indígena”, a Secretaria de Educação e Qualidade de Ensino do Amazonas – SEDUC-AM incluiu, no Plano Estadual de Educação, um subprograma de Educação Escolar Indígena. E, através da Portaria nº 1176, de 23 de maio de 1991, delegou ao Instituto de Educação Rural do Amazonas IER-AM.

Em julho de 1991, o IER-AM coordenou a elaboração das diretrizes da Educação Escolar Indígena para o Estado do Amazonas, a fim de regulamentar a oferta de Educação Escolar Indígena, e assim garantir que a escola indígena efetivasse as suas características de escola bilíngue e diferenciada. Foi registrada a participação de 12 instituições e de representações Indígenas: A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam), Conselho de Educação Escolar Indígena (CEEI-AM), Organização Geral dos Professores Ticuna Bilingues (OGPTB), Coordenadoria das Associações Indígenas do baixo Rio Negro (CAIMBRN), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Federação dos Povos Indígenas do Amazonas (FEPI), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Secretaria de Educação e Qualidade de Ensino do Estado do Amazonas (SEDUC-AM), Secretaria Municipal de Educação (SEMED).

Diante da complexidade que envolve a criação e o reconhecimento da Escola Indígena, a SEDUC-AM, através da sua Gerência de Educação Escolar Indígena, tenta, gradativamente, apresentar uma Proposta Curricular Macro para, a partir deste ponto, montar o PPP das Escolas indígenas com base no Referencial Curricular da Educação Escolar Indígena – RCNEI.

Segundo informações da SEDUC-AM, vários momentos de discussão já se realizaram com o objetivo de analisar os procedimentos para a organização, orientação e elaboração do Projeto Político Pedagógico e da construção das Matrizes Curriculares de Referência para as escolas indígenas no Amazonas.

O primeiro momento denominadoplanejamento das ações” aconteceu entre 01 a 31/05/2013, onde foi feito um mapeamento, nos Territórios Etnoeducacionais/TEE, dos municípios que tem escolas estaduais indígenas ou salas indígenas anexas de escolas não-indígenas.

O segundo momento foi a “Jornada Pedagógica” para os técnicos da Gerência de Educação Escolar Indígena/GEEI em Manaus para atendimento de todas escolas estaduais indígenas – 18 a 20/07/2013 – orientadores: Msc. Especialista Susana Grillo/MEC/SECADI/CGEEI e Dra. Especialista Verônica Mendes da Universidade de Ouro Preto/MG.

O terceiro momento foi a “Formação Continuada, Reunião in-loco”: discussões nas comunidades e em suas respectivas escolas indígenas da rede estadual de ensino do TEE Alto Solimões.

O quarto momento foi a Reunião na sede dos municípios para discussões nas escolas da rede estadual de ensino nos TEE Rio Negro, Baixo Amazonas, do TEE Alto Solimões. (SEDUC-AM, 2013).

A ideia é levar em discussão as adversidades presentes no Estado do Amazonas que corroboram um quadro de dificuldades que envolvem a educação escolar indígena no estado. Mesmo assim, ainda encontramos no estado escolas indígenas instaladas em área indígena com 98% de alunos indígenas que não adotam a língua portuguesa como primeira língua com uma Proposta Pedagógica-Curricular de uma escola não-indígena.

A educação escolar indígena está incluída no rol de modalidades de ensino no Brasil, mas é fato que podemos perceber que ainda não é atendida plenamente no que apontam as diretrizes para o funcionamento da escola indígena. Com efeito, conforme a Resolução nº 03/99 - Conselho Nacional de Educação – CNE, estabelece que no âmbito da Educação Básica, a condição de escolas indígenas requer normas e ordenamento jurídico próprios e fixando as diretrizes curriculares do ensino intercultural e bilíngue, visando ainda a valorização plena das culturas dos povos indígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica.

As diretrizes, que dizem respeito a educação indígena, reivindicam uma escola que seja intercultural, que valorize a sua cultura, mas que também não dispense os saberes universais. Assim urge investigar se o ensino, que lhes é oferecido no Ensino Fundamental e médio, atende o que preconiza as leis.

Neste sentido analisar a política estadual da educação indígena no Amazonas é fazer um percurso amplo para que compreendamos os direcionamentos da SEDUC-AM no sentido legal-administrativo e seus efeitos na gestão da escola em questão em comunhão com a legislação Nacional.

2.2 Caracterização da Escola Indígena no Brasil

Segundo o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI (1998), ainda persiste um entrave no que se refere à inclusão dessas escolas no sistema oficial de ensino, a fim de que seja atendido o que determina o direito constitucional de uma educação específica e diferenciada.

As dificuldades são de ordens diversas, porém um dos fatores mais preocupantes é que ainda há, em parte da sociedade, o pensamento de uma política homogeneizadora. Esse pensamento centralizador não é direcionado somente para a educação escolar indígena. É preciso conscientizar a sociedade para a questão da pluralidade cultural que constitui o povo brasileiro, principalmente àqueles que trabalham com a educação. Nesse campo, esclarece Paulo Freire:

uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se.[...]. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outeridade” do “não eu”, do tu. Que me faz assumir a radicalidade de meu eu (FREIRE, 2002, p.155).

Desse modo, percebemos a necessidade de as políticas públicas na educação serem mais voltadas para o campo da inclusão e se firmarem de forma abrangente por toda a sociedade.

Outro ponto, porém não menos importante, levantado pelo RCNEI, está relacionado com o esforço de algumas Secretarias Estaduais e Municipais em criarem estâncias para o trabalho específico com a Educação Escolar Indígena, assim como criarem estratégias de promoção de uma educação intercultural, porém ainda é precário o diálogo entre a sociedade civil e as lideranças indígenas e com as entidades representativas (RCNEI, 1998).

De antemão é necessária a reflexão sobre o fato de não existir um modelo único e ideal de escola indígena. Os povos indígenas constroem seu processo educativo com base nas suas peculiaridades culturais. Segundo o Referencial Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI, tal como ainda vem sendo regido pelo sistema de educação oficial, a Escola indígena vem ganhando espaço no cenário nacional e local, à medida que esse reconhecimento é realmente cumprido pelas autoridades responsáveis pela condução, manutenção e avaliação desta modalidade de ensino em todos os níveis respeitando as peculiaridades de cada etnia.

O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI (1998) apresenta-nos como características da escola indígena,

ser comunitária, ou seja, ter a participação direta em todos os assuntos, quer sejam administrativos ou pedagógicos; ser intercultural, mantendo assim o diálogo com outras culturas através de experiências socioculturais e linguísticas preservando o respeito pela diversidade étnica que compõe o povo brasileiro; ser bilíngue ou multilíngue, uma vez que a língua é o principal legado cultural de um povo e a língua materna dos povos indígenas é a língua indígena, sendo a língua portuguesa sua segunda língua; ser específica e diferenciada, lembrando aqui que diferenciada não deve ser confundida com estranha ao sistema de ensino brasileiro, mas concebida e organizada a partir das aspirações particulares dos povos indígenas. (RCNEI, 1998, p.25) (grifo nosso).

A educação escolar indígena passa a ser específica, diferenciada, intercultural e bilíngue, conforme recomenda a Constituição Federal de 1988. É a partir desse ponto que os povos indígenas passam a reivindicar das autoridades o reconhecimento de uma educação específica e que dialogue com outras culturas, sem que encontre no caminho as muralhas do preconceito.

Nesse contexto, o currículo das escolas indígenas deve corresponder à realidade sociocultural e aos interesses de cada grupo levando em consideração os aspectos que caracterizam a especificidade do planejamento das escolas indígenas, tais como: adequação ao calendário, aos ciclos produtivos da comunidade, eliminação do sistema de avaliação e reprovação tradicionais, utilização de métodos que respeitem a individualidade de cada educando no tocante ao nível e ritmo de aprendizagem, considerando os aspectos antropológicos, sociológicos e pedagógicos (RCNEI, 1998).

As SEDUCS e SEMEDS ainda não conseguem desmembrar o que é recomendado pelo RCNEI às escolas indígenas das propostas curriculares das escolas da rede e acabam adotando uma proposta curricular e um calendário escolar único para toda rede de ensino. Assim, muitas dessas características da escola indígena acabam não sendo efetivadas na íntegra.

Segundo o RCNEI (1998) é recomendado que cada escola indígena elabore sua própria proposta pedagógica curricular. O Referencial apresenta apenas uma proposta curricular de educação escolar indígena com base nas práticas pedagógicas espalhadas pelo Brasil. Portanto, o RCNEI tem a função de apresentar uma proposta de Educação Escolar Indígena. A partir do diálogo entre os atores envolvidos, essas propostas curriculares vão surgindo no interior de cada escola e de cada comunidade de forma participativa.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A “nova” proposta curricular apresentada à escola pela SEDUC-AM vislumbram um novo cenário na educação escolar indígena que, até então, não existia. Cabe a Secretaria de Educação do Amazonas acompanhar os resultados futuros dessa proposta e criar mecanismos de avaliar a partir dos dados coletados. Além disso, temos a missão de tornar a escola indígena de fato autônoma, bilíngue, específica e comunitária. Para isso, as ações perpassam por um excelente trabalho de gestão e requer uma ação conjunta das duas esferas de gestão.

O estado do Amazonas, pela sua enorme extensão territorial, habita a maior população de indígenas do país e constitui uma ampla diversidade cultural, pois é formada por diferentes povos indígenas que construíram sua história e sua forma de contato de modo particular sob diversos contextos sócio-políticos que marcaram os movimentos indígenas e indigenistas na busca de uma educação de qualidade.

A Constituição Federal de 1988 garantiu mudanças na Educação para povos indígenas, procurando resgatar sua identidade. Eis o grande desafio da atualidade: Pensar uma educação bilingue, intercultural, específica, demanda tempo e novos aprendizados.

A Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 9394/1996(LDBN) valoriza e reconhece a diversidade cultural dos povos indígenas considerando o conhecimento tradicional, e mais, este é indicativo para a produção de novos conhecimentos a partir do diálogo com o conhecimento científico.

A SEDUC.AM, através da sua Gerência de Educação Escolar Indígena (GEEI), embora tenha se esforçado para contemplar as especificidades que norteia a escola Gildo Sampaio, ainda tem muitos desafios a serem superados até chegar a tão esperada qualidade de ensino.

É necessário a inclusão de maior número possível de indígenas no processo para que assim possamos nos aproximar do ideal. É importante a formação docente em nível superior para atuação nas escolas indígenas e também nos processos, e discussões educacionais, precisamos enxergar com mais visibilidade a escola indígena para que assim se possa construir propostas pedagógicas que reflitam as reais necessidades do povo ticuna.

A escola não pode ser indígena somente no seu registro de criação, mas apresentar concretamente as características da escola indígena garantidas durante anos de reivindicações dos povos indígenas. O estreitamernto do diálogo entre a macro e microgestão é o primeiro passo para que as ações em prol da qualidade da educação escolar indígena no Amazonas alcance, de fato, a boa qualidade.

O Grande desafio do povo amazonense é reconhecer a pluralidade da qual se constitui o seu povo. A verdadeira democracia consiste em respeitar, não só a opinião do outro, mas também respeitar o modo de vida, a maneira de pensar, de se vestir, de se comportar e principalmente a diversidade cultural de cada grupo. A palavra de ordem, hoje, é “reconhecimento” , não apenas dos direitos, que são cobrados por lei, mas o reconhecimento da diversidade e da pluralidade e que já pode ser considerada sinônimo de” liberdade”.

O desafio das Escolas indígenas, enquanto espaço Inter étnico, está em promover a intersecção em suas fontes de significados e reconhecimento social de identidades diferenciadas seguindo um padrão altamente diversificado que dá margem a interpretações alternativas, uma vez está inserida numa sociedade ainda norteada por princípios universais – monoculturais.

É neste contexto que a história dos povos indígenas se constrói e hoje essa chamada “liberdade de expressão”, aos poucos, está encontrando espaço entre os povos indígenas. Quanto mais reconhecimento que a sociedade brasileira manifesta para os povos indígenas, mais liberdade esses mesmos povos adquirem na busca da cidadania.

No campo da Educação essa liberdade é mais notória e pode também ser percebida na conquista de territórios, cultura e língua. O processo histórico no qual os povos indígenas foram inseridos no cenário brasileiro foi marcado por violência, injustiças , abandono, invasão de terras e tentativa de integração e assimilação à uma sociedade homogênea.

A Constituição de 1988 é o marco histórico desse reconhecimento e é nesse contexto que a Educação escolar Indígena alcançou o seu apogeu e mostrou para todo o povo brasileiro que existem outros povos que foram excluídos e que precisam ser ouvidos e necessitam também dos serviços das nossas autoridades, garantindo que essa cidadania seja plena e mesmo diante dessas injustiças resistiram com coragem e persistência e impõem agora seus desafios.

Se reconhecemos a existência dessa pluralidade cultural no Brasil, devemos também reconhecer que o direito à saúde, território e educação deve ser compartilhado por todos. O desafio que estamos enfrentando não pode caminhar numa via de mão dupla: de um lado temos os povos indígenas tentando garantir a sua educação escolar específica e intercultural bilíngue em todos os níveis e do outro uma sociedade que está quebrando as amarras do preconceito e estreitando esse diálogo de aceitação da existência de uma sociedade pluriétnica.

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